terça-feira, 25 de março de 2014

Tricomoníase

Alguns cuidados simples no dia-a-dia podem transformar a vida das mulheres. 
A prevenção das doenças que acometem mulheres é importante para uma 
vida mais saudável e para a melhoria do bem estar de todos.

  • É uma vulvovaginite bem freqüente, causada por um protozoário flagelado, o trichomonas vaginalis, que é unicelular, parasitando mais a genitália feminina que masculina. Segundo Prof. Luc Montaignier, uma em três mulheres, no período de vida sexual ativa, teve, tem ou terá uma tricomoníase.
A tricomoníase é essencialmente sexual, devendo chamar o(s) parceiro(s) para consulta e tratamento conjunto, diminuindo o número de recidivas, quando os parceiros são tratados.
  • Nota-se que é uma infecção cervicovaginal, com o colo uterino apresentando microulcerações que dão um aspecto de morango ou framboesa, entretanto é uma cervicocolpite acometendo o epitélio escamoso e não a mucosa glandular primeiramente, na maioria das vezes. No entanto é possível haver infecção endocervical glandular, assim como nas glândulas de Skene e Bartholin e na uretra. O processo inflamatório é muito intenso, podendo veicular outros agentes infecciosos bacterianos e viróticos.
Não há impedimento para o flagelado sobreviver em meio ácido, no entanto, a transudação inflamatória das paredes vaginais eleva o pH para 6,7 a 7,5, e neste meio alcalino, pode surgir variada flora bacteriana patogênica, inclusive anaeróbica, estabelecendo-se a vaginose bacteriana associada, que libera as aminas com odor fétido, além de provocar as bolhas na descarga vaginal purulenta.
  • Vale ressaltar que por causa da resposta inflamatória muito intensa, há muitas evidências de que a tricomoníase resulta em alterações nucleares e halos inflamatórios celulares, que podem alterar a citologia oncótica, com resultados de lesões intra-epiteliais escamosas , que desaparecem após a cura da tricomoníase.
A trichomonas vaginalis foi descrita em 1836, por Alfred Donné, e publicada em uma revista da Academia de Ciências de Paris como “micróbio observado nas matérias purulentas genitais femininas e masculinas”, até que dois anos após ficou evidente que esta espécie habitava a vagina e, eventualmente passava pela uretra ou outras mucosas glandulares. O ser humano é seu único hospedeiro natural e trata-se de parasita extracelular que produz dióxido de carbono e hidrogênio, que reage com o oxigênio disponível, produzindo um ambiente anaeróbico , propício à sua produção. Ela se alimenta de fungos, bactérias e eritrócitos, por fagocitose, para obter suas vitaminas essenciais. “Ela percebe” substâncias tóxicas e foge, como, por exemplo, as do metronidazol. Infecta ambos os sexos, e estima-se que em torno de 5% da população haja infecção por este protozoário. Existe a transmissão não sexual, mais rara, pois o organismo pode sobreviver por algumas horas em toalhas úmidas ou roupas íntimas infectadas. Quando há contato com mulher infectada, após 48 hrs, 70% dos parceiros adquirem a infecção na parte interna do prepúcio, glande e/ ou uretra, até próstata .
  • Estudos mostram que a tricomoníase altera a ecologia vaginal intensamente, podendo provocar vaginose bacteriana e facilitar a aquisição de HIV por alteração da flora. Talvez o fato de produzir colpite com micro erosões facilite ainda mais este evento, funcionando como doença ulcerativa genital. Como o pH alcalino é fundamental para este parasita, existe relação inversa entre a colonização por fungos e o nível de desequilíbrio da flora causado pela tricomoníase, e, também pela vaginose bacteriana. Estas estão intimamente associadas, enquanto a associação delas com fungos não é comum.
Recentes pesquisas em país desenvolvidos mostram um declínio na prevalência da tricomoníase . Se enquadra nas vulvovaginites , porque a infecção principal é do epitélio escamoso vaginal, entretanto em 90% dos casos se estende à uretra, sabendo-se que a uretra como único sítio chega no máximo a 5% dos pacientes. Não é a mucosa glandular o habitat natural do protozoário, apesar de a tricomoníase ser multifocal, afetando o epitélio vaginal, glandular de Skene e Bartholin e uretra.

Diagnóstico clinico, laboratorial e complicações:
  • Sua apresentação pode ir desde um quadro assintomático (50%) até grave doença inflamatória aguda. Aproximadamente um terço das pacientes assintomáticas torna-se sintomáticas em seis meses. 
Os sintomas e sinais característicos consistem em intensa descarga vaginal amarelo esverdeada, bolhosa, espumosa, por vezes acinzentada, acompanhada de odor fétido lembrando peixe na maioria dos casos e prurido eventual , que pode ser reação alérgica à afecção. Quando ocorre inflamação intensa , o corrimento aumenta e pode haver sinusiorragia e dispareunia.
  • Ao exame clínico, o colo tem aspecto de morango, devido à acentuada distensão dos capilares e micro hemorragias, pelo intenso processo inflamatório. A colposcopia ajuda na avaliação clínica dessas alterações, assim como o teste de Shiller “onçóide”. 
No homem a infecção pode ser apenas uma uretrite subaguda, até assintomática em 60% dos casos, porém contagiosa, raramente complicando com epididimite e prostatite. Nas mulheres pode haver também edema vulvar e sintomas urinários,como disúria, além dos anteriormente citados. Em 30% dos casos são assintomáticas, mas algum sinal clínico pode aparecer. Não há complicações sérias na mulher na grande maioria dos casos, mas pode facilitar a transmissão de outros agentes infecciosos agressivos, facilitar a doença inflamatória pélvica, a vaginose bacteriana e, na gestação, quando não tratadas, podem evoluir para rotura prematura das membranas, porém há controvérsias na literatura. 
  • O diagnóstico laboratorial microbiológico mais comum é o exame a fresco, com gota do conteúdo vaginal e soro fisiológico, observando-se o parasita ao microscópio. O pH quase sempre é maior que 5,0 e geralmente maior que 6,6. Na maioria dos casos o teste das aminas é positivo. A bacterioscopia com coloração pelo método de Gram observa o parasita Gram negativo, de morfologia característica. A cultura pode ser requisitada nos casos de difícil diagnóstico. Os meios de cultura são vários e incluem Diamonds, Trichosel e In Pouch TV. Precisa de incubação anaeróbica por 48 hrs e apresenta 95% de sensibilidade.
O método mais viável e utilizado é o exame a fresco, visibilizando-se o movimento do protozoário, que é flagelado e há grande número de leucócitos. E em 70% dos casos de exames afresco confirmou-se por cultura. Existe a biologia molecular, por enquanto utilizada mais em pesquisas (PCR), com sensibilidade de 90% especificidade de 99,8%. Se for viável, é um excelente método diagnóstico. 
  • Na prática clínica, a cultura ou a PCR têm valor em crianças e nos casos com forte suspeita e vários exames a fresco e corados repetidamente negativos. O simples achado de trichomonas vaginalis numa citologia oncótica de rotina impõe o tratamento da paciente e a chamada de seu (s) parceiro (s) para consulta e tratamento.

Todas as mulheres, a partir dos 20 anos, devem se preocupar com sua saúde periodicamente, verificando níveis de colesterol, triglicérides, glicemia (para descartar diabetes), atividade cardíaca e DSTs (doenças sexualmente transmissíveis).

Tratamento e situações especiais:
  • O tratamento de escolha, por unanimidade, são os derivados imidazólicos, nos esquemas a seguir: (A), [salvo secnidazol(B)] Metronidazol 2g, via oral, dose única, ou 250 mg via oral de 8/8h, por 7 dias; ou 400 mg via oral de 12/12 hrs, por 7 dias; ou Secnidazol ou Tinidazol, 2g via oral, dose única. Vale ressaltar que o Secnidazol é utilizado há mais de 30 anos, em larga escala, no Brasil e alguns outros poucos países, sem grandes ensaios clínicos publicados, entretanto, com anos de experiência e eficácia demonstrada na prática clínica. 
A vida média do Secnidazol 20-25 hrs, do tinidazol é de 12 hrs, do ornidazol (pouco utilizado na tricomoníase) é de 14 hrs e a do metronidazol é de 8 hrs. Voltamos a frisar que é importante o tratamento do parceiro na tricomoníase! A associação de derivados imidazólicos tópicos, como metronidazol gel 1 aplicação vaginal à noite por uma semana, alivia os sintomas mais rapidamente.(C) Deve-se orientar quanto a abstenção de bebidas alcoólicas, que produzirão efeitos extremamente tóxicos quando associados aos derivados imidazólicos.
  • As relações sexuais devem ser suspensas, se possível, durante o tratamento, ou, no mínimo, utilização de condom durante esses dias, que são poucos. Na gravidez recomenda-se utilizar os mesmos esquemas que para as não grávidas, com metronidazol, após o início do segundo trimestre. Faltam evidências consideráveis em relação à toxicidade do metronidazol na gravidez, portanto o tratamento deve ser considerado para mulheres com sintomas moderados a severos, a partir do segundo trimestre. 
Vale ressaltar que o metronidazol cruza a barreira placentária e, apesar de ser bem absorvido pela mucosa vaginal, a terapia de escolha mundialmente aceita, mesmo nas grávidas sintomáticas , é a oral. Terapias alternativas, principalmente durante o primeiro trimestre, incluem medidas locais, sem efeitos colaterais, específicos para a gravidez, como “duchas” (não são recomendadas, com evidência B )com povidine diluído ou óvulos vaginais de clotrimazol 100 mg, por 6 dias. 
  • O metronidazol é excretado pelo leite materno, sendo os níveis da droga no leite iguais aos níveis séricos, porém nenhum efeito adverso significante foi até hoje descrito em crianças expostas ao metronidazol.. A terapêutica supracitada com os imidazólicos para a tricomoníase é mundialmente aceita, sem controvérsias, salvo na gravidez, que apesar das evidências científicas mostrarem nível de segurança aprovado , ainda há trabalhos também com níveis de evidência, que nos fazem refletir e utilizar somente diante de sintomas mui importantes, priorizando o clotrimazol tópico vaginal ou alternativas que alterem o meio vaginal, não permitindo o crescimento do protozoário, como “duchas” (com seringas)de povidine, de ácido acético a 1 ou 2% ou ácido metacresolsulfônico. Lembramos que o clotrimazol, assim como as outras medidas que formam o meio biológico adverso ao crescimento do parasita, podem ser utilizados por tempo prolongado durante a gravidez, sem riscos específicos. Quando falamos de duchas vaginais,
Nota-se que não são duchas de borracha anti higiênicas, mas apenas lavar a vagina com as soluções supracitadas, durante o banho, com seringas de 20 ml, pela higiene mantida. Esta nota é porque nas recomendações do ACOG 2006 encontra-se um item onde as duchas vaginais não são recomendadas para prevenção ou tratamento de vaginites. 
  • Na gravidez vemos novamente as controvérsias, pelos estudos de nível A de evidência, que demonstramos em nosso artigo 35 de 2005 com Janet Say, sob a supervisão da expert em vulvovaginites, Hope Haefner . Renderam discussões, até que minimizamos a questão, entretanto é extremamente difícil orientar condutas baseadas em evidência, com tantas evidentes controvérsias. Um dos estudos a favor, com quase 14.000 grávidas (Cotch et al.), prospectivo, mostrou associação com parto prematuro e baixo peso ao nascer no grupo não tratado, enquanto outros estudos contra o tratamento com metronidazol recomendado, um deles do National Institute of Child Healtitute of Child Health and Human Development 2001, provou o contrário, sendo provavelmente o metronidazol o causador de 19% de parto prematuro no grupo tratado e 10,7% no grupo placebo. 
Concluíram que no mínimo, pacientes assintomáticas ou oligossintomáticas não devem ser tratadas e nem deve-se fazer screening rotineiro para tricomoníase nas grávidas. Todos esses estudos são de nível de evidência A. Conforme um artigo de revisão de 2009, recomenda-se para rastreamento e tratamento de infecção genital na gravidez para prevenção de parto prematuro somente a Candida albicans, enquanto as evidências ”momentâneas” vêm demonstrando redução significativa de trabalho de parto prematuro (55%) quando se comparou ao grupo controle. O tratamento de escolha foi o clotrimazol vaginal, mas no início deste nosso artigo vejam outra possibilidades na grávida, desde de que não se utilizem os azóis orais. Naquele mesmo artigo de revisão, recomenda-se não tratar a tricomoníase na gravidez, refere não ser recomendado rastrear e tratar chlamydia trachomatis nem tampouco a VB, enquanto é inconclusivo se deve-se ou não rastrear e tratar Streptococcus do grupo B. 
  • Quanto às complicações da tricomoníase, não há estudos suficientes em relação ao favorecimento da DIP, mas trichomonas tem sido objeto de séria investigação para tentar elucidar seu papel cooperativo na DIP. Ela vem sendo associada com infecções pós operações ginecológicas. Ela age como vetor para organismos intracelulares similarmente aos espermatozóides. O tratamento para as pacientes HIV-positivas é o mesmo que já expusemos para as negativas, sabendo que a tricomoníase não tratada amplifica a transmissão da doença- HIV. 
A tricomoníase é particularmente prevalente entre as pacientes HIV-positivo com hábitos sexuais de alto risco. A tricomoníase recorrente é difícil de tratar e não é possível distinguir de reinfecção por parceiro não tratado. É muito rara a total resistência aos nitroimidazólicos, a parcial é mais freqüentemente descrita. O metronidazol pode não ter efeito desejável, dependendo da flora bacteriana concomitante. Ele age bem em anaerobiose. Os nitroimidazólicos já são usados para tricomoníase há mais de 30 anos e quando não há resposta ao metronidazol, deve-se aumentar a dose e retratar com 2g por dia, de 3 a 5 dias, após o tratamento habitual de 250 mg 2 vezes ao dia por 7 dias ou outros em dose única, que não resolveram.
  • Regimes alternativos incluem tinidazol oral associado ao vaginal por 14 dias e aqui no Brasil o Secnidazol oral e outro nitroimidazólico vaginal por 14 dias. São raros os tratamentos prolongados serem necessários, mas, além de náuseas e vertigens podem levar a encefalopatias, pancreatite, neutropenia e neuropatia periférica, que devem ser vigiadas. O ornidazol pode levar a hepatopatias. Enfim, para uso prolongado, nos raríssimos casos de resistência aos esquemas habituais, há que se ter extrema vigilância de possíveis complicações sérias com os nitroimidazólicos. Lembrar do efeito antabuse, Não podendo ingerir álcool concomitantemente. 
Concluindo, os esquemas em dose única de nitroimidazólicos curam mais de 90%das tricomoníases. Deve-se lembrar dos esforços para tratamento do (s) parceiro (s). Vale ressaltar que a tricomoníase é subdiagnósticada e, se for possível utilizar a PCR (reação de polimerase em cadeia), veremos que a prevalência é muito maior que com os métodos diagnósticos estabelecidos e disponíveis de forma abrangente.

O tratamento da tricomoníase é feito com antibióticos específicos, porém uma das maiores dificuldades para o diagnóstico correto dessa doença é que a maior parte dos pacientes antes de procurar o urologista ou ginecologista recorrem a tratamentos caseiros