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terça-feira, 30 de junho de 2015

Agricultura orgânica: Características do Produtor

A agricultura orgânica tem crescido a taxas elevadas no Brasil, o mercado de produtos orgânicos se expande de 15% a 20% ao ano, abastecido por cerca de 90 mil produtores, dos quais aproximadamente 85% são agricultores familiares.

  • A Terra já foi concebida como uma fonte inesgotável de recursos. Hoje ela é vista como uma “pequena espaço nave” com recursos limitados, exigindo usos eficientes, que maximizem o bem estar social e que busquem a sustentabilidade no longo prazo. A agricultura química, apesar de suas vantagens, traz consigo impactos ambientais negativos significativos.
Não se pode conceber a agricultura moderna sem suas variedades super produtivas e adaptadas a um ambiente totalmente controlado com adubos solúveis e agro-químicos para manter esta artificialidade. Os impactos ambientais desses produtos geralmente não são incorporados nos custos privados de produção, distorcendo os preços de mercado de produtos por ela gerados. A agricultura química gera, portanto, externalidades negativas. O ônus dessas externalidades (degradação e/ou poluição) é arcado pela sociedade como um todo, não pelos produtores privados.
  • A busca de formas alternativas de produção agrícola tem sido acompanhada por controvérsias. Para alguns, agricultura orgânica é ficção de naturalistas inconsequentes; para outros ela é uma revolução, a exemplo do que foi a Revolução Verde, por outros. Há ainda posições intermediárias, ressaltando que o processo de transformação sustentável deverá ser paralelo à agricultura moderna (BEZERRA e VEIGA, 2000). Tudo indica que existe um desafiador caminho a ser conquistado na melhora da produtividade e da lucratividade da produção orgânica. Freitas (2002) argumenta que a agricultura orgânica pode reduzir custos e ser tão rentável quanto o sistema químico convencional. Para que esse desafio possa ser enfrentado, é essencial que as características daqueles que atualmente empreendem a agricultura orgânica sejam compreendidas. Só assim poder-se-á decidir se são desejáveis e necessários estímulos para a consolidação deste tipo de agricultura no Brasil.
O desenvolvimento sustentável propõe que as necessidades da presente geração sejam atendidas sem sacrificar a possibilidade que as gerações futuras atendam as suas próprias necessidades. Agir de forma sustentável é estudar, planejar e implementar ações pensando no hoje e no amanhã, abordando os aspectos econômicos, sociais e ambientais, respeitando as diferenças culturais. Essa proposta é inconcebível com o atual nível de desgaste dos recursos naturais provocado pela agricultura química. A agricultura orgânica pode ser um caminho a ser percorrido para a busca da sobrevivência harmônica do ser humano com o seu planeta. No entanto, será que pensando em garantir a manutenção de opções para as gerações futuras, não estamos sacrificando a geração presente?
  • O presente trabalho analisa uma cadeia de produção orgânica, destacando as características pessoais, técnicas e econômicas relevantes do produtor de agricultura orgânica. O objetivo é caracterizar os agricultores orgânicos de uma área próxima à cidade de Curitiba, Paraná. O artigo está estruturado em cinco seções. Inicialmente são abordados os conceitos e a evolução da concepção atual da agricultura orgânica. Prossegue com o relato da origem dos dados e a definição do método utilizado durante a pesquisa. Na seção de Resultados e Discussão são identificadas as características dos produtores orgânicos, separando-os em dois grupos: o dos produtores em processo de conversão para a agricultura e o outro de produtores orgânicos já certificados. 
Há, ainda, uma seção analisando as composições das despesas totais em relação a variáveis que interferem no resultado financeiro líquido. É realizado diagnóstico dos fatores críticos e das principais forças impulsoras e restritivas desse sistema orgânico de produção. O artigo é encerrado com alguns comentários conclusivos.

Convergência conceitual da 'agricultura orgânica'
  • O termo agricultura orgânica é utilizado de forma generalizada nos principais países do mundo. Mencionado em documentos oficiais de organismos internacionais (ONU, UNCTAD, FAO), é também encontrado na legislação brasileira, desde a Instrução Normativa Nº 7, 17/05/1999 (Brasil, 1999), consolidando-se com a recente Lei 10.831, de 23/12/2003 (Brasil, 2003). Para uma melhor compreensão do que é agricultura orgânica é necessário situar como este termo foi forjado e as transformações por que passou ao longo do tempo. Na verdade, é necessário avaliar as transformações que ocorreram no setor agrícola paralelamente à interpretação da história da evolução econômica de uma forma geral. As relações entre o universo amplo e a agricultura são básicas para compreender como se forjou o conceito atual.
Os acontecimentos da Primeira Revolução Agrícola auxiliam o entendimento da grande migração de mão-de-obra para as fábricas na Primeira Revolução Industrial. A tração animal permitiu a passagem do pousio ao cultivo anual, graças ao plantio de forragens e rotação com leguminosas, aproximando a agricultura da pecuária. 
  • A integração agricultura e pecuária tornava o novo sistema produtivo dependente de matéria orgânica para fertilização constante da terra. O incremento da diversidade de plantas e a adoção de vários métodos de cultivo permitiram “aumentar a lotação de cabeças de gado nas propriedades, beneficiando a fertilidade dos solos, principalmente os solos fracos.” (EHLERS, 1994, p.11). “O cultivo e a criação de animais formaram progressivamente os alicerces das sociedades européias. E esse longo acúmulo acabou por provocar um dos mais importantes saltos de qualidade da civilização humana: o fim da escassez crônica de alimentos.” (VEIGA,1991, p.21).
Já a Segunda Revolução Agrícola é marcada principalmente pela inovação dos fertilizantes químicos. Em 1840, o químico alemão Justus von Liebig publica a teoria da nutrição mineral das plantas. Ehlers (1994), citando Acot, comenta que Liebig é considerado o maior precursor da ‘agroquímica’, ou seja, da agricultura química moderna, atingindo a estrutura produtiva da Primeira Revolução Agrícola. Do mesmo modo que na revolução industrial, diversas inovações são somadas gradativamente. Quanto mais conhecimento científico e tecnológico era agregado na Segunda Revolução Agrícola, mais crescia o poder do homem de controlar as variáveis da natureza ao interesse produtivo. Ocorre uma especialização cada vez maior, surgindo as monoculturas e, devido aos problemas advindos desse sistema, os agroquímicos.
  • Em resposta às grandes transformações que ocorriam, surgiram diversos movimentos em vários locais do mundo, simultâneos e independentes entre si. Inicialmente foi a agricultura biodinâmica, na Alemanha e Áustria, na década de 1920. Na década seguinte, a agricultura natural no Japão e a agricultura organo-biológica na Suíça e Áustria.
Nos anos de 1930 a 1940 surgiu a agricultura orgânica na Grã Bretanha e EUA (DAROLT, 2002). Essas quatro principais correntes de agricultura possuem princípios e histórias distintas. No entanto, conforme afirma Freitas (2002, p. 33): “As quatro vertentes mais expressivas da agricultura alternativa não parecem apresentar características contraditórias.”
  • Essas visões de uma agricultura que respeitasse o meio ambiente estavam inseridas em um mundo apenas preocupado com o ‘crescimento’ econômico, entendido os aspectos econômicos e sociais. Ao invés de desenvolver conhecimentos e inovações para produção agrícola sem agressões ecológicas, o mundo científico e empresarial caminhou, ou melhor, correu para o outro lado. Neste universo, as prioridades gerais eram o aprofundamento das características da Segunda Revolução Agrícola, buscando através da tecnologia o controle sobre a natureza. O resultado desses esforços culminou com a Revolução Verde.
Todas as inovações tecnológicas verticais (setor industrial agrícola) e transversais (setores da química, genética, mecânica) são reunidas por volta de 1960 e 1970 e direcionadas para agricultura, surgindo a Revolução Verde. Essa revolução é um conjunto homogêneo de práticas tecnológicas (variedades geneticamente melhoradas, fertilizantes químicos, agrotóxicos, irrigação e motomecanização), chamado de pacote tecnológico, que viabilizou, em larga escala, os sistemas monocultorais.
  • Esta concepção era a esperança ilimitada de combate à miséria no mundo. Instituições internacionais e governos dos países subdesenvolvidos se lançaram de corpo e alma nesta empreitada. Nesta época o desprezo pela agricultura orgânica era marcante (EHLERS, 1994).
A Revolução Verde se predispôs a dominar a natureza. Esta modalidade de agricultura é simplificada a ponto de adequar qualquer meio ambiente para o gerenciamento padronizado por pacotes tecnológicos. Porém, a euforia do caminho seguro logo mostrou seus equívocos: 
“a erosão e a perda da fertilidade dos solos; destruição florestal; a dilapidação do patrimônio genético e da biodiversidade; a contaminação dos solos, da água, dos animais silvestres, do homem, do campo e dos alimentos”. (EHLERS, 1994, p. 24). A percepção dos problemas é praticamente simultânea aos primeiros efeitos da Revolução Verde (ALTIERI, 2002).
Em 1980 surge a Teoria da Trofobiose, definindo que os agroquímicos provocam uma ação nefasta sobre o metabolismo da planta, rompendo a resistência natural desta. (CHABOUSSOU, 1987). A percepção da insustentabilidade da Revolução Verde pode ser observada pelo fato de, poucos anos após, um secretário do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) ter ridicularizado a agricultura orgânica (1971); outro secretário, em 1980, publicou o Relatório e Recomendações sobre Agricultura Orgânica (USDA, 1984). Era uma época de denúncias, dúvidas e suposições como nos mostra Hess (1980, p. 45):
“Chegamos assim a um ponto básico: É possível conciliar o desenvolvimento
tecnológico com o equilíbrio ecológico?”
Mais ou menos na mesma época, observava-se o início de mudança de perspectiva também no Brasil. Francisco Graziano Neto (1982, p.9) relata que em 1977, no 1º Congresso Paulista de Agronomia, “se lançou, de forma patente, a necessidade de se repensar a agricultura brasileira, procurando alternativas de desenvolvimento. 
[...] Mas outra questão, inteiramente nova, começou a ser levantada: tratava-se das considerações ecológicas.” 
Não obstante, o avanço do sistema orgânico propriamente dito ocorreu no Brasil a partir de 1992. Seus conceitos iniciais não necessariamente abordavam a questão da justiça social como um aspecto característico de cada sistema produtivo. Hoje, o termo agricultura orgânica possui uma conotação nova e mais abrangente. Nesta condição, a expressão ‘agricultura orgânica’ abrange todas as demais definições que atentem para o problema de desenvolver a agricultura de forma economicamente viável, social justa e ambiental correta.

Características do Produtor Orgânico
Características das Famílias
  • O agricultor responsável pela atividade agrícola tem sua idade distribuída de forma muito semelhante nos dois grupos estudados, apresentando uma média de 39,5 anos para os produtores em conversão e 40,3 anos para os certificados. O número de filhos é reduzido e quase semelhante para os dois conjuntos, onde os agricultores em conversão tem média de 2,0 filhos por família e os certificados com média de 2,2 filhos por família. Embora o tamanho da família seja um fator importante no estudo da agricultura orgânica, neste caso, não representa uma característica diferenciadora dos grupos. As médias são muito próximas, 4,3 pessoas por família para os produtores em certificação e 4,5 pessoas por família para os certificados.
Escolaridade e Atividades Anteriores:
  • O conjunto total dos 57 agricultores orgânicos (57AO) possui uma polaridade na distribuição da escolaridade, devido a uma disparidade que ocorre entre a escolaridade dos dois grupos. Enquanto que entre os agricultores em conversão (20EC) 40% cursaram até a 4ª série e apenas 15% o nível superior, entre os agricultores certificados (37AC) apenas 27% cursaram até a 4ª série e 46% o nível superior.
Se a educação formal é um grande diferencial quando separamos a amostra pelo fator certificação, na experiência profissional teremos um reforço nesta diferenciação. Uma peculiaridade dos agricultores orgânicos da RMC é que 56% deles já desenvolveram outras atividades não agrícolas. Esta média é influenciada pelo grupo em conversão, com pouca experiência no comércio ou serviços (apenas um terço nesta situação). Já entre os agricultores certificados, dois terços deles apresentam vivência em outras áreas.
  • Observam-se aqui dois fatores marcantes para superar a difícil etapa de conversão para a agricultura orgânica. O nível de escolaridade e a experiência com outras atividades profissionais são ingredientes importantes para desencadear o processo de transformação. Certamente não são condições indispensáveis, pois agricultores com baixa escolaridade e vivência apenas com a agricultura conseguem certificação e se colocaram positivamente no mercado. Entretanto, produtores com capacitação formal e conhecimento de mercado desempenham um papel de trazer novas visões e quebrar antigos paradigmas, promovendo um efeito de multiplicação das práticas orgânicas.
Avaliação da Mão-de-obra:
  • O Equivalente Homem (EH) Total da Família tem a mesma média de 3,1 EH para os dois conjuntos e praticamente a mesma distribuição, Quanto ao EH Utilizado da Família na produção, as médias variam pouco e oscilam de 1,9 EH para os agricultores em certificação para 1,8 EH para os certificados. Verifica-se uma forte dedicação dos membros das famílias dos dois grupos a outras atividades não agropecuárias.
A grande diferença na analise da questão da força de trabalho agrícola, em relação à certificação, é a mão-de-obra contratada. O EH Contratado dos produtores em conversão é muito reduzido, 50% das propriedades não contratam serviços externos, resultando uma pequena média de 0,7 EH Contratado para as propriedades sem certificação, conforme mostra a Tabela 3. De forma diversa, 81% dos produtores certificados contratam mão-de-obra, numa média de 2,1 EH por propriedade. Como o total de mão-de-obra envolvida, EH Total, é a soma do EH Utilizado da Família mais o EH Contratado, desta forma, se mantém a diferença entre os grupos de produtores orgânicos. A distribuição de frequências dos agricultores em conversão está centrada na média de 2,7 EH, enquanto que a amostra dos agricultores certificados está distribuída com base em uma média de 3,9 EH Total.

Análise das Características:
Técnico-Agronômicas
  • A prática conservacionista de adubação verde e cobertura morta do solo é significativamente superior para os agricultores certificados, realizando esta prática em 97% dos estabelecimentos, contra 75% dos produtores que não tem certificação. O nível de degradação é mais intenso nos produtores em conversão. O uso de equipamentos de preparo do solo que aumentem a eficiência da mão-de-obra é fator que destaca as diferenças dos grupos. Enquanto os agricultores em conversão apenas 10% possuem tração mecânica com uso de enxada rotativa, os certificados utilizam esta ferramenta em 73% das propriedades. Outro fator de destaque, que será abordado na análise de regressão linear múltipla mais adiante, é o investimento para produzir com auxilio da tecnologia de manejo de estufa. 
Se por um lado, os agricultores em conversão apenas 20% conseguem fazer uso desta técnica, mais do dobro, 43% dos agricultores certificados conseguem utilizar os benefícios do manejo de estufa, ampliando a produção e o período produtivo, conseguindo obter preços melhores.
Biodiversidade e Número de Espécies Cultivadas 
  • A rotação de culturas é praticada na mesma intensidade pelos dois grupos de agricultores, em torno de 95% dos casos. O plantio consorcia do é pouco mais intenso nos agricultores certificados, 41%, contra 25% dos em conversão, porém, estatisticamente não são significativamente diferentes. O sistema de diversificação apresenta superioridade significativa para os produtores certificados. 
Os agricultores em conversão tem em média 9 espécies cultivadas, enquanto que os agricultores certificados utilizam em média 11 espécies em suas atividades. A busca da diversidade depende muito de uma conquista técnica, administrativa e comercial, onde o maior número de espécies representa, até um certo limite, estabilidade do processo produtivo. Existe a busca do número ideal de espécies cultivadas entre: a diversidade técnica, que preconiza um grande número de espécies; o ideal administrativo, onde a monocultura é o mais prático para gerenciar; e o ideal comercial, que centra a atenção em poucas oportunidades mais lucrativas. Desta forma, os produtores em conversão ainda devem conquistar patamares de maior diversidade.

Análise de Indicadores Financeiros:
  • Os valores foram coletados em reais no ano da pesquisa e são abordados através da indexação com o salário mínimo (SM) da época, que era de R$ 130,00. Como não foi possível obter as informações de todos os agricultores selecionados, serão avaliados apenas 35 dos 37 agricultores certificados. Considerando a existência de um pequeno número de produtores que obtém receitas muito elevadas em relação à maioria, neste conjunto de indicadores serão usadas as medianas para representar a tendência central.
A análise do valor bruto da produção agropecuária (VBPA), que representa a produção total sem nenhum desconto, apresenta uma grande discrepância quando estudados os grupos separados pelo fator certificação.
  • Uma receita bruta agropecuária superior a 6 SM/mês é atingida apenas por 20% das propriedades em conversão estudadas, enquanto que 71% dos agricultores certificados conseguem faturamento superior.
Outra comparação é que faturamentos de mais de 12 SM/mês são alcançados por apenas 10% dos agricultores em conversão contra 46% dos certificados. As medianas também demonstram essa marcante diferença, pois os produtores em conversão tem mediana de 2,7 SM/mês e os certificados têm de 11,5 SM/mês.
  • O resultado líquido (RL) é obtido do VBPA subtraindo-se as despesas totais. O que se observa é um grupo que não consegue resultado positivo, chegando a 85% dos produtores em conversão e 37% dos certificados que não conseguem uma RL maior que zero. Uma grande diferença é que apenas 10% dos agricultores em conversão conseguem resultado líquido superior a 1 SM/mês, contra 63% dos certificados que conseguem lucratividade acima desse valor, conforme a Tabela 4. É importante destacar que 43% dos produtores certificados conseguem RL superior a 4 SM/mês, demonstrando uma capacidade econômica importante, contrastando com apenas 5% dos produtores em conversão.

Produtos Orgânicos

Análise das Despesas:
Totais e em Relação ao Resultado Líquido
  • Há uma grande diversidade de situações entre os agricultores orgânicos da RMC, quando analisado o aspecto econômico. 
As despesas totais refletem o conjunto de fatores que interferem no valor bruto da produção agropecuária e, portanto, no resultado líquido. As despesas totais conseguem convergir para si todos os resultados do processo produtivo, expressando em valor monetário as diversas ações que foram realizadas pelos agricultores. As despesas aqui relacionadas são despesas contábeis e administrativas, não necessariamente o produtor tem que desembolsar esses valores mensalmente, como são os casos da depreciação e do pró-labore. Os dois grupos de agricultores, apresentando de forma crescente, da esquerda para a direita, os resultados líquidos, iniciando com os resultados negativos, prejuízos, e terminando com os maiores positivos, os lucros. Esta seqüência é mantida para as próximas quatro figuras.
  • Na agricultura química convencional o consumo intermediário (CI) é de importância muito grande nos custos totais, havendo uma relação direta entre ambas as variáveis. O consumo intermediário (CI), por sua vez, é muito dependente do gasto de insumos (GI), de uma forma muito constante e linear. Um aspecto deve ser destacado no grupo de agricultores orgânicos: a composição das despesas totais é muito variada. A amplitude é muito grande para todos os fatores.
Existem muitos estabelecimentos que não possuem despesa de mão-de-obra contratada; em outros, o envolvimento do trabalho direto dos proprietários é mínimo; em outras situações é grande o uso de mão-de-obra. Observando o total de despesa envolvendo o trabalho, isto é, somando a mão-de-obra contratada e o pró-labore, a amplitude é imensa: a variação é de 25% até 71% das despesas no grupo em conversão (20EC); e oscilando entre 24% e 76% nos agricultores certificados (35AC). Este fato indica que existem dois extremos: propriedades familiares intensivas em mão-de-obra familiar e propriedades administradas de forma empresarial, com menor envolvimento dos membros da família. Nestas últimas, ocorre um maciço envolvimento com insumos e tecnologias, como mecanização e equipamentos para ampliar a produção, com potencial de rendimentos elevados.
  • Outro ponto de destaque é a depreciação mensal, item que reflete o volume de capital fixo imobilizado pelo produtor. A despesa com depreciação é de 2 a 28% para os agricultores em conversão e 1 a 38% para os já certificados. Este item mostra uma grande diferença entre os agricultores orgânicos em relação ao volume total de capital fixo investido.
Para a agricultura orgânica não bastam investimentos elevados, às vezes inapropriados, para conseguir resultados positivos. Certamente é o equilíbrio entre as atividades e investimentos que podem proporcionar melhor rentabilidade.
  • A variação do consumo intermediário, que é um dos principais itens da despesa total, continua mostrando forte oscilação. O consumo intermediário participa com uma distribuição entre 8 a 71% para os agricultores em conversão e entre 15 e 70% para os certificados. Isto reflete uma ampla gama de processos produtivos utilizados. Variando desde sistemas produtivos que praticamente não possuem dependência de entrada de insumos ou outros serviços externos, até processos de produção que estão totalmente vinculados aos limites exteriores da fazenda.
Altmann e Oltramari (2004) constataram que entre os produtores orgânicos da Grande Florianópolis aqueles com olericultura como principal fonte de renda apresentam menor taxa de consumo interno e, conseqüentemente, maior taxa de valor agregado que seus produtores espelhos da agricultura química convencional. Cada trabalhador na horticultura orgânica gera um valor agregado de R$ 19.814,00 por ano, 75,4% superior ao trabalhador convencional. Idêntico resultado é observado em relação ao valor agregado por hectare. Dois fatores são apontados: redução nos gastos com insumos e a obtenção de melhores preços para os produtos orgânicos.
  • A composição do consumo intermediário já foi demonstrada, entretanto, a fórmula não pode avaliar a maneira como ela é distribuída pelos grupos em estudo.o consumo intermediário é muito variável dentro de sua própria constituição.
O gasto de insumos possui oscilação grande, mesmo representando em média mais da metade do consumo intermediário. O percentual de gasto de insumos não demonstra, neste estudo de caso, nenhuma correlação significativa com o resultado líquido, significando que muitos processos produtivos podem ser desenvolvidos, com maior ou menor utilização de insumos externos, obtendo bom desempenho econômico.

Análise de Regressão:
 Linear Múltipla em Relação ao Resultado Líquido
  • A agricultura orgânica tem características muito distintas da agricultura química convencional. Desta forma, é importante analisar cada caso concreto e avaliar quais são os fatores que mais interferem na obtenção de resultado líquido positivo para o agricultor orgânico. 
O capital fixo (CF) e a superfície agrícola útil (SAU) são dois fatores importantes para estudar a relação com o resultado líquido. Entretanto, para este grupo de agricultores, conforme os gráficos de dispersão e os coeficientes de correlação de Pearson, não foi observada relação estatística entre essas variáveis e o resultado líquido. Um terceiro indicador foi experimentado, o coeficiente obtido pela divisão do capital fixo pela superfície agrícola útil (CF/SAU), que indica o grau de investimento por unidade de área. Mesmo assim, o valor do capital fixo por hectare (R$/ha) também não permite observar correlação com o resultado líquido.
  • O objetivo deste trabalho é analisar que variáveis são importantes para responder os diferentes resultados líquidos obtidos neste conjunto de agricultores. Não se tem pretensão de desenvolver uma função abrangente e capaz de, ao sair dos limites desta amostra, permanecer válida. Pretende-se destacar as variáveis econômicas e técnicas que fortemente influenciam na geração de riqueza líquida para o produtor orgânico. Para isso, foram utilizadas variáveis qualitativas, trazendo, de certa forma, subjetividade e menor precisão ao modelo de regressão.
Não se busca necessariamente a precisão da utilização da equação para projetar futuros resultados. Salienta-se que isso não compromete o objetivo deste estudo. O que é relevante é a identificação dos fatores mais marcantes dessa realidade.
  • Embora a regressão não incorpore todos os fatores que influenciam no resultado líquido, destaca os mais marcantes. Muitos fatores que contribuem positiva ou negativamente para o resultado da atividade agrícola orgânica não são incluídos no modelo, por terem correlação com as variáveis independentes selecionadas. A perda com a exclusão dessas variáveis menos relevantes é compensada pela visualização dos fatores que merecem maior destaque e que trazem consigo parte da explicação que as variáveis excluídas mostrariam. A regressão permite indicar uma quantificação da importância dessas variáveis principais, de forma multivariada, ou seja, a contribuição de cada variável na presença das demais. A quantificação é expressa através dos coeficientes de regressão estimados pelo modelo.
As variáveis do banco de dados dos agricultores orgânicos são avaliadas pelas suas relações com o resultado líquido, utilizando as correlações de Pearson significativas a 5%. Em seguida, essas variáveis são empregadas no programa estatístico SPSS, no módulo de análise de regressão linear. Com o auxílio do método Backward são selecionadas as variáveis independentes com maior poder de explicação. Com isso é obtido o modelo de regressão linear múltiplo que indica quais fatores contribuem para o sistema produtivo orgânico em estudo. A análise aponta para a seguinte função:
  • Resultado Líquido = f ( Cert, GF, MdoT, ME, IA)
  • Cert = Certificação (0= não possui; 1= possui);
  • GF = Gastos da Família (R$);
  • MdoT = Mão-de-obra Total (Equivalente Homem / mês);
  • ME = Manejo de Estufa (0= não possui; 1= possui);
  • IA = Integração das Atividades (0= ausência; 1= pouca; 2= média; 3= completa).
Todas as informações são referentes a dados mensais. Após submeter ao programa SPSS, são obtidos os seguintes parâmetros:
  • RL Predita = - 1.241,63 + 459,61xCert + 0,71xGF + 78,99xMdoT + 527,90xME + 257,23xIA 
O modelo ajustado possui um grau de explicação de 52% da variabilidade dos dados (R² = 0,526). A reta de regressão é confirmada pelo teste de ANOVA (F = 10,447, F de Significação < 0,001).
  • O teste de Durbin-Watson (1,81) indica que a regressão linear múltipla não tem auto-correlação, bem como os coeficientes VIF (1,09 a 1,20) demonstram não existir problema de multicolinearidade, ou seja, não existe associação entre as variáveis independentes. Do grupo de 55 produtores orgânicos analisados estatisticamente na regressão linear múltipla, dois agricultores foram retirados por serem outliers, valores extremos que influenciam os resultados, um com resultado líquido muito elevado e outro muito inferior para suas características dentro do conjunto.
Os resíduos completam as análises para verificar a consistência e adequação do modelo, onde a distribuição dos resíduos é normal, com média zero e desvio padrão praticamente igual a um (0,951), e a regressão dos resíduos padronizados mostram-se adequados a satisfazer aos pressupostos indispensáveis para um modelo de regressão linear múltipla. Ao aplicar a equação nos dados registrados dos agricultores, observa-se que existem muitas situações onde confirmam que o modelo está ajustado à realidade. A seguir é analisado e interpretado o significado de cada variável independente e de seus coeficientes na função.
  • A certificação é uma variável de controle, tipo dummy, é a característica que diferencia os dois grupos, indicando uma aptidão e qualificação dos agricultores perante o sistema produtivo orgânico. Seu efeito dentro do modelo confirma sua correlação direta com o resultado líquido, pois quem possui certificação, provavelmente, tem um resultado ampliado em R$ 459,60 a mais que os agricultores não certificados. O aumento do resultado líquido deve ser conseqüência de diversos fatores que a certificação induz no produtor: diminuição do custo pelo manejo mais adequado; aumento da eficiência do trabalho pela utilização de tecnologias mais apropriadas; incremento da produtividade quando o ecossistema atinge um patamar mínimo de harmonia, a resposta é a ocorrência de maiores produtividades; obtenção de maior preço de venda, pois conseguirá comercializar com o prêmio sobre o preço convencional, por ser certificado como orgânico.
Uma análise inicial concluiria que o gasto da família não é uma variável independente, ela seria justamente a variável que estaria na dependência do resultado líquido. Entretanto, estudos de agricultura com base no trabalho familiar, indicam que existe um balanço entre a utilização de sua força de trabalho e sua necessidade de consumo.
  • Como a exploração econômica está parcialmente limitada pela força de trabalho apenas da família, a tendência de obter maiores receitas está vinculada às fadigas crescentes do cansaço do trabalho adicional (CHAYANOV, 1974). Isto é, se uma propriedade agrícola possui uma necessidade adicional de R$ 1,00 por mês, usando o coeficiente do modelo, esse consumo adicional tenderá a explicar um resultado líquido maior em R$ 0,71/mês. Os gastos da família têm um peso considerável dentro da explicação da variável resultado líquido, pois esse coeficiente multiplica pelo valor dos gastos, que tem uma média de R$ 463,40. Desta forma, os gastos da família, em média, contribuem com R$ 329,01 por mês para explicar a variável resposta em questão.
A força total de trabalho também vem contribuir para o aumento do resultado líquido. Como a mão-de-obra é medida em equivalente homem (EH) por mês, isso significa que a cada contratação de mais um trabalhador, usando o coeficiente do modelo, se conseguirá obter um acréscimo de R$ 78,99 por mês. Cabe reforçar que esse modelo não tem o objetivo de previsões de extrapolação, simplesmente está explicando a importância que a mão-de-obra tem nesse estudo de caso. A força média da mão-de-obra total é de 3,3EH por propriedade, resultando uma contribuição média de R$ 260,67 por mês na explicação da variação do resultado líquido.
  • O manejo de estufas é uma variável que influencia muito o valor do resultado líquido. É introduzida no modelo como outra variável dummy, indicando um grau de maior qualificação tecnológica do produtor, pois, para grande maioria dos agricultores, a principal receita provém da olericultura. O conjunto de agricultores possui muitas práticas agrícolas que são fatores comuns a praticamente todos, como a rotação de cultura, adubação orgânica, entre outras. Esses manejos enquadram os produtores como orgânicos, porém não explicam as diferenças entre os resultados líquidos entre eles. Outras práticas agrícolas são desenvolvidas por um ou dois produtores, não ajudando a responder o fenômeno. O modelo escolhido contempla apenas dois fatores técnicos, o manejo de estufa e a integração das atividades, essa última será avaliada a seguir. Isto significa que o manejo de estufas é uma prática agrícola que auxilia decisivamente a obtenção de resultados positivos. 
Porém, para o agricultor usar essa tecnologia, precisa atingir um nível elevado de conhecimento e vivência de agricultura orgânica, bem como técnicas associadas para aumentar a eficiência do trabalho, da produtividade agrícola e da comercialização. A utilização do fator estufa, segundo seu coeficiente no modelo, pode possibilitar um acréscimo de R$ 527,90 por mês no resultado líquido do produtor orgânico do conjunto estudado.
  • Por fim, a integração das atividades é outro fator técnico que repercute positivamente no resultado líquido da produção orgânica. É uma variável ordinal e trabalhada em uma escala de zero (0= ausência) a três (3= completa), significando, respectivamente, a ausência ou a completa integração da propriedade com as produções agrícolas, pecuárias e florestais. São possíveis duas posições intermediárias: os estabelecimentos que tenham atingido um terço do padrão ideal recebem avaliação um (1= pouca); e os agricultores que alcançaram dois terços do preconizado recebem avaliação dois (2= média). A integração é um fator técnico e ambiental muito representativo para a atividade orgânica.
É a síntese de uma série de adaptações e melhorias implementadas na unidade produtiva visando a sua harmonia como um todo. Através dessa prática agrícola, o agricultor vai conseguindo ampliar a fertilidade do solo, intensificar a rotação e diversificação do sistema, diminuir o ataque de pragas e doenças, melhorar a conservação ambiental. Portanto, a cada novo patamar atingido pelo produtor, segundo o coeficiente do modelo, ocorre um acréscimo de R$ 257,23 em seu resultado líquido, podendo representar até um aumento de R$ 771,69 por mês, representando no conjunto uma das variáveis que mais contribuem para a geração líquida de resultados.
  • Através do uso de tecnologias (dentre elas a utilização de estufas e a integração das atividades) pode-se atingir eficiência técnico-agronômica e econômica. A utilização de tecnologias do sistema produtivo orgânico pode oferecer para os agricultores: ampliação da proteção do meio ambiente e da saúde das famílias, obtenção de maiores produtividades agrícolas e aumento da eficiência da força de trabalho.
Outras Considerações:
  • As externalidades negativas da agricultura química convencional e as externalidades positivas da agricultura orgânica, consideradas lado a lado, destacam aspectos a serem considerados na definição de estratégias de desenvolvimento. O desafio da atualidade é garantir a segurança alimentar, com alimentos saudáveis, e o fornecimento dos insumos necessários para a economia, de forma socialmente justa e sem comprometer o meio ambiente e as gerações futuras. Esse comprometimento promoveu o amplo desenvolvimento da agricultura orgânica, acontecendo de forma muito intensa em outras partes do mundo, principalmente na União Européia. O Brasil não conseguiu ainda apresentar esta tendência, tendo apenas 0,24% de sua área sob este sistema produtivo.
Para isso, são analisados os produtores olerícolas orgânicos da região metropolitana de Curitiba, identificando as suas características pessoais, técnicas e econômicas relevantes. Fatores relevantes desse conjunto de agricultores orgânicos são grau de instrução e outras experiências profissionais. Muito diferente da média brasileira, o grupo conta com uma distribuição de escolaridade com elevado percentual de agricultores com nível superior, bem como, mais da metade já tinha experiências com atividades de comércio ou serviços. A maior escolaridade e a elevada experiência fora da agricultura são fatores que diferem muito o grupo de conversão do grupo já certificado.
  • No entanto, esses não são fatores que excluem os produtores que não tenham essas habilidades, isto é, aqueles que tenham baixa escolaridade e experiência apenas agrícola. Não existe correlação significante entre o nível de escolaridade e outras experiências profissionais com o resultado líquido. Isto é, o desempenho agrícola não depende do produtor ser mais ou menos escolarizado, bem como independe de ter ou não outras experiências profissionais, em qualquer situação podem desenvolver a mesma capacidade de gerar resultado financeiro líquido.
Outro resultado importante da avaliação desse grupo de agricultores é a grande variação da composição das despesas totais. Essa oscilação indica que são possíveis duas alternativas para o crescimento da agricultura orgânica.  A primeira forma é a agricultura orgânica com mínimo ingresso de insumos. Existe um grande potencial de desenvolvimento da agricultura orgânica com baixo uso de aquisições externas à fazenda e que vise o incremento da produção de qualidade e com produtividade. A segunda forma de desenvolver a agricultura orgânica é pela forma intensiva em tecnologias sustentáveis. Com uma visão empresarial, essa modalidade pode respeitar o meio ambiente, produzir alimentos saudáveis, trazer benefícios sociais de geração de empregos e dignidade no campo, sendo, ao mesmo tempo, uma opção lucrativa para agricultores com alta tecnologia orgânica. O estudo desse caso mostra que a agricultura capitalizada pode investir e colher os frutos com a agricultura orgânica.
  • A análise de regressão indica que é importante que as famílias agrícolas tenham desejos de prosperarem, pois os gastos da família é um fator que estimula a obtenção de resultados positivos. O conhecimento aplicado e a capacitação técnica são indispensáveis para elevar o nível técnico do produtor, independente da escolaridade formal e de outras experiências profissionais. Isso abre o caminho para o uso de tecnologias mais apropriadas de manejo, como o uso de estufas, e de integração da lavoura e da pecuária dentro do estabelecimento. A aquisição de conhecimentos técnicos independente da formação acadêmica, promove aumentos das produtividades através do manejo sustentável da agricultura orgânica e da maior utilização de mão-de-obra. Tudo isso induz a certificação orgânica, fator que agrega valor ao preço do produto vendido.
A agricultura orgânica, do ponto de vista governamental, é uma oportunidade de formulação de políticas públicas. O potencial brasileiro para a agricultura orgânica são os agricultores familiares excluídos da agricultura química. Essa modalidade pode contemplar, no mínimo, 70% dos agricultores brasileiros, aqueles que não possuem nenhuma força mecânica para realizarem suas atividades (FAO/INCRA, 2000). 
  • Políticas bem planejadas poderiam induzir o desenvolvimento desses agricultores marginalizados. É condição básica, no entanto, o agricultor ser devidamente capacitado. Conhecer os princípios da agricultura orgânica, os objetivos da visão da propriedade como um organismo, a integração da agricultura e da pecuária para fertilização do solo, a importância da biodiversidade, as práticas ecológicas de conservação e todos os outros conhecimentos para cultivar com eficiência técnica e econômica.

Como a tecnologia disponível no mercado foi desenvolvida para o modelo convencional de agricultura, os produtores orgânicos são obrigados a adaptar ferramentas e equipamentos e a realizar outras inovações a fim de aumentar a produtividade de seu trabalho

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Biotecnologia e Agricultura

Após anos de indecisão, o governo brasileiro passou a adotar postura pró-ativa 
em relação à biotecnologia.

  • Com a descoberta da tecnologia do DNA recombinante, a emergência da biotecnologia moderna nos anos 70 significou uma mudança radical no padrão tecnológico e organizacional de todos os setores que direta ou indiretamente estão ligados às “ciências da vida”. A agricultura – e toda a cadeia produtiva da agroindústria – está entre os setores que mais impactos vem sofrendo com a descoberta dessa nova tecnologia. 
Primeiramente, a biotecnologia moderna causou mudanças radicais na estrutura do mercado da indústria de fertilizantes e de sementes e, conseqüentemente, a indústria de insumos sofreu impactos. Depois, a partir de 1996, ela passou a ser introduzida na agricultura, por meio de sementes geneticamente modificadas. Finalmente, ela também começa a causar impacto na indústria de processamento, com a necessidade de rotulagem e rastreamento dos produtos derivados de cultivos geneticamente modificados.
  • Este artigo visa mostrar a evolução do crescimento da produção de cultivos geneticamente modificados e seus principais impactos econômicos, a partir de 1996. Na primeira parte faz uma breve descrição da biotecnologia agrícola moderna, suas principais aplicações, sua difusão, principais produtos e produtores. Em seguida, apresenta uma análise da biotecnologia no Brasil, país com grande peso no comércio mundial de commodities, com boa infraestrutura científica e tecnológica, mas com sérios obstáculos institucionais que o impedem de ter grande inserção no comércio mundial de cultivos geneticamente modificados. 
E, finalmente, analisa os principais estudos de impactos econômicos da difusão dos cultivos geneticamente modificados na agricultura, para os três grupos de commodities com maior proporção de variedades geneticamente modificadas: soja, algodão e milho. Os impactos são estudados sobre três variáveis: custo de produção, produtividade e inserção no mercado.

Biotecnologia e Agricultura:
  • A biotecnologia pode ser definida como um conjunto de técnicas de manipulação de seres vivos ou parte destes para fins econômicos. Esse conceito amplo inclui técnicas que são utilizadas em grande escala na agricultura desde o início do século XX, como a cultura de tecidos, a fixação biológica de nitrogênio e o controle biológico de pragas. Mas o conceito inclui também técnicas modernas de modificação direta do DNA de uma planta ou de um organismo vivo qualquer, de forma a alterar precisamente as características desse organismo ou introduzir novas. 
A técnica de transferência e modificação genética direta, conhecida como engenharia genética ou tecnologia do DNA recombinante, mais a genômica, ficaram conhecidas como “biotecnologia moderna”, em contraposição à “biotecnologia tradicional ou clássica”, que inclui as técnicas tradicionais, que manipulam seres vivos sem manipulação genética direta.
  • Portanto, o surgimento da biotecnologia moderna marca o início de um novo estágio para a agricultura e reserva um papel de destaque à genética molecular. Os avanços no campo da genética vegetal têm como efeito reduzir a dependência excessiva da agricultura das inovações mecânicas e químicas, que foram os pilares da revolução verde. Além do aumento da produtividade, a biotecnologia moderna pode contribuir para a redução dos custos de produção, para a produção de alimentos com melhor qualidade e para a o desenvolvimento de práticas menos agressivas ao meio ambiente. 
Assim, a principal contribuição da biotecnologia moderna à agricultura é a possibilidade de criar novas espécies a partir da transferência de genes entre duas outras distintas. Essa transferência visa ao desenvolvimento de uma planta com um atributo de interesse econômico, como é o caso das plantas resistentes a vírus ou a pragas.
  • Os primeiros experimentos com cultivos geneticamente modificados (GM) foram feitos em 1986, nos Estados Unidos e na França. A primeira variedade comercializada de uma espécie vegetal produzida pela engenharia genética foi o “tomate FlavrSavr”, desenvolvido pela empresa americana Calgene e comercializada a partir de 1994. (BORÉM; SANTOS, 2001). 
Entre 1987 e 2000 foram realizados mais de 11.000 ensaios de campo em 45 países, com mais de 81 cultivos GM diferentes. As culturas mais freqüentemente testadas foram milho, tomate, soja, canola, batata e algodão, e as características genéticas introduzidas foram tolerância a herbicidas, resistência a insetos, qualidade do produto e resistência a vírus (BORÉM; SANTOS, 2001).
  • A utilização de cultivos GM para fins comerciais e em grande escala iniciou-se em 1996, nos Estados Unidos, com a introdução da soja RR, entre 1996 e 2003, a área plantada com cultivos GM cresceu de 2,8 milhões para 67,7 milhões de hectares. 
Quanto aos atributos dos cultivos GM, há uma concentração nos cultivos tolerantes a herbicidas e nos resistentes a insetos. Em 2003, da área total com cultivos GM, 73% referiam-se a variedades tolerantes a herbicidas, 18% a variedades resistentes a insetos e 9% apresentavam as duas funções (JAMES, 2004). Quanto aos produtos, a produção de cultivos GM está concentrada em quatro grupos de commodities de grande valor do comércio mundial: soja, milho, algodão e canola.
  • Como mostra o Gráfico 2, a soja é o principal produto, pois responde por cerca de 60% da área mundial plantada com cultivos GM. Quanto à taxa de difusão (relação entre a produção de cultivos GM e os cultivos convencionais), a soja também se destaca dos demais, pois sua taxa de adoção em 2003 foi de cerca de 55% em relação a produção mundial, como mostra o Gráfico 3. Nos Estados Unidos e na Argentina (primeiro e terceiro maiores produtores mundiais), essa taxa atinge 85% e 99%, respectivamente. 
Como já foi mencionado antes, a difusão dos GM tem sido acelerada. Entre 1996 e 2003, a taxa de crescimento geométrico anual da área plantada com cultivos transgênicos foi de 46,42%. Apesar da grande participação dos Estados Unidos, a Tabela 1 mostra que a difusão ocorreu também nos países em desenvolvimento, com destaque para a Argentina, que apresentou no mesmo período uma taxa de crescimento geométrico anual de 80%.
  • Atualmente, os cultivos GM estão presentes em 18 países, os quais têm grande peso na economia regional e mundial. Os dez principais produtores de cultivos GM em 2003 tinham população de aproximadamente 3 bilhões de pessoas e PIB de US$ 13 trilhões, quase a metade dos US$ 30 trilhões do PIB mundial. Afora os Estados Unidos, estão entre os países produtores de cultivos GM: os três países mais populosos da Ásia (China, Índia e Indonésia) as três maiores economias da América Latina (Brasil, México e Argentina) e a principal economia africana (África do Sul). 
Além do peso nas economias regionais, os países produtores de cultivos GM destacam-se também no comércio mundial de commodities.Os maiores produtores mundiais de soja, milho e algodão já adotaram cultivos GM. A dimensão da difusão geográfica dos cultivos GM fica mais evidente quando são analisados os principais produtos disponíveis e aprovados para comercialização.
  • Como a produção de soja, milho e algodão é concentrada em poucos países, é natural que a quantidade de países que produzem as variedades GM não seja muito maior. A soja, por exemplo, tem 93% da produção mundial cultivada em apenas cinco países. No caso do milho e do algodão, a concentração é um pouco menor, mas ainda assim é muito elevada: os cinco maiores produtores representam 71% da produção mundial. Assim, o importante é salientar que, como mostra a Tabela 2, dentre os maiores produtores mundiais dessas commodities, todos já produzem ou fazem experimentos de campo com cultivos GM. 
A existência de restrições ao comércio de produtos GM em diversos países, especialmente na União Européia, não impediu seu vigoroso crescimento no mercado mundial.
  • Entre 2002 e 2003, o valor comercializado com GM aumentou de US$ 4 bilhões para algo estimado entre US$ 4,5 bilhões e US$ 4,75 bilhões. Em 2002, a participação mundial desse tipo de cultivo já era de 15% dos US$ 31 bilhões do mercado global de proteção de plantas e 13% dos US$ 30 bilhões do mercado de sementes. Entretanto, esse valor de mercado baseia-se apenas no preço das sementes acrescido das taxas de tecnologias aplicáveis (JAMES, 2004). Se for considerado também o volume de comércio das três principais commodities com cultivos GM, o valor do mercado mundial é bem maior do que os US$ 4,5 bilhões. 
Esses valores estão subestimados porque não incluem a produção de canola e porque não é possível mensurar corretamente a produção em países como o Brasil devido à vasta produção clandestina.
  • Tomando como base os dados sobre as taxas de adoção apresentados por James (2004) estima-se que a produção total de cultivos GM dos três principais produtos foi de aproximadamente US$ 30 bilhões em 2003. Já as exportações de cultivos GM de soja, algodão e milho em 2003, foi de aproximadamente US$ 8,3 bilhões. A soja é o principal produto GM em termos de volume de exportações, representando 90% das exportações de cultivos GM em 2003.
Biotecnologia Agrícola no Brasil:
  • O Brasil é um país com grande potencial para o desenvolvimento da biotecnologia agrícola. Em primeiro lugar, é um país detentor de grande diversidade biológica e o mais rico em plantas, animais e microorganismos, com cerca de 20 % do total existente. No caso de plantas superiores, o Brasil possui cerca de 55 mil espécies, o equivalente a 21% do total classificado em todo o mundo. Essa elevada concentração de biodiversidade mostra que existe um elevado número de genes tropicais e de genomas funcionais (VALOIS, 2001). 
Em segundo lugar, dentre os países em desenvolvimento, o Brasil é considerado um Super NARS. Ou seja, é um país que possui um forte sistema nacional de pesquisa agrícola (TRAXLER, 2000). O Brasil é o único país tropical considerado um grande player no cenário agrícola mundial.
  • Essa posição foi conquistada com muitos anos de pesquisa científica voltada para um melhor aproveitamento das suas vantagens naturais: clima tropical e subtropical, cerrados (que permitem rápida expansão da área cultivada e aumento rápido da produtividade) e germoplasma selecionado e adaptado de grande variabilidade (obrigação frente à grande variabilidade ambiental). A pesquisa científica contribuiu não apenas para o aumento da produtividade, mas também para a melhora na qualidade dos produtos e para o aumento da diversificação da produção. A produção de soja na região Centro-Oeste e a de frutas na região Nordeste são exemplos da contribuição da pesquisa para a diversificação. 
No caso da biotecnologia, o Brasil possui uma ampla rede de pesquisa, que tem a liderança do setor público, mas conta também com a participação de empresas privadas. Nas pesquisas genômicas, por exemplo, diversas etapas foram realizadas com a ajuda do setor privado. Atualmente existem no Brasil diversos grupos em instituições públicas e universidades que estão desenvolvendo pesquisas com transgenia e genômica. Em 2000 havia 6.616 pesquisadores trabalhando com biotecnologia no país, distribuídos em 1.718 grupos e 3.814 linhas de pesquisas.
  • As ciências agrárias lideravam os grupos, com 1.075 linhas de pesquisa. Grande parte dessa pesquisa estava concentrada em instituições públicas, mas, nos últimos anos, vem crescendo a participação das empresas privadas (SALLES FILHO, 2000).
As pesquisas com transgenia no país têm a liderança da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa e de algumas universidades públicas. As pesquisas são direcionadas não apenas ao desenvolvimento de transgênicos com “propriedades agronômicas” (como resistência a pragas e tolerância a agrotóxicos), mas também com modificações na qualidade de produto, como é o caso da pesquisa para o desenvolvimento de um eucalipto com maior produção de celulose.
  • Outra área de destaque no Brasil é a da genômica. As pesquisas genômicas tiveram início em maio de 1997, com a iniciativa da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp em organizar a Rede ONSA (do inglês, Organização para o Sequenciamento e Análise de Nucleotídeos), que é um instituto virtual de genômica formado inicialmente por 30 laboratórios de diversas instituições de pesquisa do Estado de São Paulo.
Além da Fapesp, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e o Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq estão financiando diversos projetos genomas no país. Em dezembro de 2000, eles lançaram o Projeto Genoma Brasileiro com a participação de 25 laboratórios de biologia molecular, distribuídos em todas as regiões geográficas do país (DAL POZ et al., 2004).
  • Há financiamento para diversos estudos genômicos no campo da saúde humana,2 mas grande parte deles está voltada para a resolução de problemas da agricultura. Os principais estudos genômicos de plantas e de outros organismos de interesse para agricultura desenvolvidos nos últimos anos. Afora esses, iniciou-se em 2002, com financiamento da Fapesp, o estudo do genoma funcional do boi, que poderá ter grande impacto na pecuária brasileira. Além do setor público, a rede de pesquisa e inovação no Brasil conta com a participação ativa do setor privado.
Um estudo realizado em 2001 pela Fundação Biominas, com base em dados da Base de Dados Tropicais (BDT) e da Associação Brasileira de Empresas de Biotecnologia (Abrabi), identificou a existência de 304 empresas de biotecnologia no país, distribuídas em 10 segmentos de mercado, dentre as quais, 37 atuam em agronegócios (JUDICE, 2004).
  • Uma parte considerável das empresas de biotecnologia no mercado de agronegócios produz e comercializa sementes melhoradas e conta com a participação das grandes empresas multinacionais, como Monsanto e Dupont.
Mas também existem empresas que atuam em outros segmentos, como a produção de mudas e matrizes e a produção de inoculantes e de controle biológico (FONSECA et al., 2004).
  • Entretanto, apesar de existir uma forte rede de pesquisas e desenvolvimento e de o país ser um grande produtor e exportador agrícola, a difusão de organismos geneticamente modificados na agricultura é muito inferior à realizada nos outros competidores no comércio internacional, como os Estados Unidos e Argentina. Em 2003, a produção de transgênicos no Brasil representava apenas 4% da produção mundial. Além disso, a soja RR era o único produto transgênico produzido no país, embora este também fosse produtor de milho e algodão (JAMES, 2004).
A dificuldade para criar um quadro regulatório estável e coerente nos últimos oito anos foi a principal causa para o atraso do Brasil em relação aos seus concorrentes. Apesar do Decreto no 1.752, de 20 de dezembro de 1995, que regulamentou a Lei de Biossegurança e conferiu a CTNBio o poder de emitir pareceres conclusivos, uma ação judicial movida pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Greenpeace impede a produção e a comercialização desses produtos desde 1998.
  • Entretanto, essa situação não impediu a difusão clandestina da soja transgênica no país, principalmente no estado do Rio Grande do Sul. O grande volume de colheita transgênica nesse estado forçou o governo federal a emitir, em 2003, uma medida provisória que liberava essa colheita.
Em 2004, a área cultivada com soja transgênica no Brasil foi de 5.610 milhões de hectares – o equivalente a quase um terço da área cultivada com soja convencional. Mas, considerando-se as vantagens da soja transgênica para os produtores e um possível avanço no quadro regulatório da biossegurança, as projeções são de aumento da participação da soja transgênica na produção brasileira.
  • Assim, a aprovação e sanção recente de uma Lei de Biossegurança criaram grandes expectativas em diversos setores envolvidos com alguma atividade no campo da biotecnologia: instituições públicas de pesquisa, universidades, empresas privadas nacionais e estrangeiras e fundos de investimento ao capital de risco.

A Biotecnologia na Agricultura

Os Impactos Econômicos:
dos Cultivos Geneticamente Modificados:
  • A principal questão é saber se o uso da nova tecnologia aumenta a competitividade do produtor agrícola perante seus concorrentes. Para isso, serão analisados os impactos sobre o nível de custos de produção e de produtividade e a inserção dos cultivos GM no mercado.
A literatura sobre os impactos dos cultivos GM ainda é muito escassa. Grande parte dos estudos está concentrada nos impactos sobre custos e produtividade na produção de soja RR nos Estados Unidos e na Argentina, de algodão Bt na China e de milho Bt na Espanha e nos Estados Unidos
.
Impactos Econômicos Diretos:
Custos e Produtividade:
  • A seguir, serão mostrados os principais impactos econômicos dos cultivos GM comercializados atualmente no mundo, segundo seus atributos: tolerância a herbicida e resistência a insetos. Cultivos Tolerantes a Herbicidas – A soja RR é o principal produto do grupo dos cultivos GM tolerantes a herbicidas. Foi desenvolvida com a introdução do gene da bactéria Agrobacterium tumefaciens em seu DNA.
Essa bactéria vive naturalmente no solo e é resistente ao glifosato – um herbicida de amplo espectro. Assim, a soja que recebe o gene dessa bactéria também torna-se resistente. Segundo Bonny (2003), uma das principais vantagens da soja RR é a simplificação do trabalho de remover as ervas daninhas. Na soja convencional, os produtores precisam fazer diversas aplicações de herbicidas e mesmo assim muitas são de difícil controle. Assim, a soja RR facilita a gerência da erva daninha, simplifica o uso de herbicidas e reduz o risco e falta de controle sobre as pragas.
  • Além dessas vantagens, alguns autores também relatam impactos significativos sobre os custos de produção e produtividade. Segundo Hubbell e Welsh (1998), em 1996, nos Estados Unidos, a adoção da soja RR provocou uma redução de custos por hectare entre US$ 17 e US$ 30 no país como um todo. Moschini et al. (2000) estimou um ganho de custo de US$ 20 por hectare. Em alguns estados, a diferença de custos entre a soja RR e a tradicional foi insignificante, como é o caso do Estado de Iowa (DUFFY, 2001). Em outros, a diferença de custos chegou a US$ 40 ou mais (GIANESSI et al., 2002).
Na Argentina, os principais benefícios da soja RR para os produtores foram a redução dos custos de produção e a expansão da área plantada. De acordo com Trigo et al. (2003), a grande vantagem da soja RR foi a redução do custo variável, principalmente a redução dos gastos com herbicidas, máquinas e mão-de-obra. A redução dos custos desses três fatores foi mais que suficiente para compensar o aumento do custo com sementes.Segundo Trigo et al. (2003), a soja transgênica não só causou impacto sobre os custos de produção, como também sobre o rendimento e os volumes de produção e comércio.
  • Na Argentina, a soja RR contribuiu para o aumento da área com plantio direto e, conseqüentemente, para o aumento da área plantada. Entre 1996 e 2003, a área plantada com soja aumentou de 6,4 milhões para 12,8 milhões de hectares. Como essa expansão ocorreu através da combinação de plantio direto-soja de segunda, não houve a substituição de outros cultivos (TRIGO et al., 2003). A introdução da soja GM na Argentina apresentou ainda dois outros resultados: aumento do rendimento e das exportações.
Entre 1996 e 2003, o rendimento na produção de soja na Argentina aumentou cerca de uma tonelada por hectare: passou de 1.720 kg/ha para 2.764 kg/ha. Já a exportação, somando a de grãos e a de derivados (farelos e óleo), mais do que triplicou em sete anos (TRIGO et al., 2003).
  • O aumento da produção de soja na Argentina nesse período objetivou essencialmente o mercado externo. Em 2003, 97% da produção de farelo e 99,5% de óleo foram exportadas. No mesmo ano, esses dois produtos argentinos representaram, respectivamente, 41,3% e 47,9% das exportações mundiais (FNP, 2004).
Cultivos Resistentes a Insetos – A principal vantagem econômica dos cultivos GM resistentes a insetos é a redução dos gastos com inseticidas, implicando uma redução no custo variável de produção. Assim, as vantagens de utilizar a variedade GM dependerão da participação dos gastos com inseticidas na planilha de custos do produtor.
  • Quanto maior for a incidência de pragas, maiores serão as vantagens da variedade GM. Os dois principais produtos resistentes a insetos comercializados atualmente são o algodão Bt e o milho Bt.
O algodão Bt contém um gene da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt), resistentes a pragas de insetos e foi cultivado pela primeira vez em 1996, na Austrália, México e nos Estados Unidos. Posteriormente foi introduzido comercialmente em outros seis países: Argentina, China, Colômbia, Índia, Indonésia e África do Sul (JAMES, 2004).
  • O algodão Bt é muito eficiente para combater pragas de lagartas, como a rosada do algodoeiro (Pectinophora gossypiella), e a cápsula do algodoeiro (Helicoverpa zea) e é parcialmente eficiente contra a lagarta do broto do tabaco (Heliothis virescens) e a lagarta negra (Spodoptera frugiperda). Essas pragas prejudicam a produção em diversas zonas produtoras de algodão, mas existem outras que não são combatidas pelo Bt e que continuam necessitando do uso de praguicidas químicos. Como consequência, os efeitos do algodão Bt nas diversas regiões produtoras serão diferentes, dependendo da intensidade de incidências de pragas suscetíveis ao Bt. A produção de algodão convencional depende decisivamente dos inseticidas químicos para combater os insetos.
Segundo o Relatório da FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations), a produção de algodão consome cerca de 25% de todos os praguicidas agrícolas utilizados em todo o mundo. Na China – que é o maior produtor de algodão do mundo – até 1998, cerca de 20% do custo total da produção de algodão era com inseticidas (HUANG et al., 2003). Os resultados mais evidentes do uso do algodão Bt são a redução dos custos, o aumento do rendimento e da produtividade.
  • Os dados mostram que em todos os países houve redução de custos e incrementos de produtividade, com o seguinte padrão geral: os ganhos de produtividade foram significativos na Ásia (China e Índia) e na África do Sul, mas foram pequenos nos Estados Unidos. Em compensação, a redução dos custos com inseticidas foi maior nesse país do que nos demais, com exceção da China. A Índia, que teve o maior aumento da produtividade, também apresentou maior aumento no custo com sementes, que afetam a incidência de pragas. Nas regiões onde o uso de inseticidas é muito intenso, o algodão Bt é mais competitivo do que o tradicional – mesmo com o aumento do custo da semente – pois a redução nos gastos com inseticidas é muito grande (considerando que a participação destes na planilha de custos é muito maior do que a participação da semente). Nos Estados Unidos, por exemplo, em apenas dois estados – Louisiana e Tennessee – não houve aumento da produtividade com a utilização do algodão Bt. As diferenças regionais dos impactos estão relacionadas com a incidência de pragas. Eles são mais elevados nas regiões que têm maior incidência e que, portanto, utilizam grandes quantidades de inseticidas (MARRA et al., 2002).
O país que mais se beneficiou da queda no custo de produção foi a China. Entre 1999 e 2001, os gastos com inseticidas tiveram uma redução de 80%. Um estudo realizado com 482 unidades produtivas de algodão – 337 produtores de algodão GM e 45 de algodão convencional – mostrou que, em média, o número de aplicações de inseticidas por hectare nas unidades que produzem algodão Bt é um terço das demais. A quantidade (kg/ha) e o custo (em US$/ha) nas unidades produtoras de Bt é um sexto do das demais unidades (HUANG et al., 2003).
  • Além da redução dos gastos com inseticidas, o algodão Bt trouxe outras vantagens para os produtores. Normalmente a utilização de inseticidas químicos está relacionada com um inconveniente: as pragas desenvolvem resistências, o que, na ausência de outro produto eficiente, inviabiliza a produção. Mas, no caso da tecnologia Bt, a ação contra as pragas estão sempre presentes na planta.
Considerando que os agricultores aplicam os inseticidas químicos somente depois de detectar a presença das pragas e seus estragos, a tecnologia Bt impede a perda parcial da lavoura. Além disso, a eficiência dos inseticidas químicos, ao contrário do Bt, depende também das condições meteorológicas, já que a chuva pode impedir a ação dos produtos jogados sobre as plantas. Por fim, o algodão Bt oferece aos agricultores mais certeza de combate às pragas, já que é eficiente contra os insetos que têm criado resistência aos inseticidas químicos disponíveis (HUANG et al., 2003).
  • Os estudos com o milho Bt mostram resultados muito parecidos com os do algodão. A utilização do milho Bt também causou impactos positivos sobre a produtividade, sobre o lucro e sobre os custos de produção. Mas a amplitude desses impactos variou em função da incidência de pragas em cada região (BROOKES, 2003). Como no caso do algodão, a redução nos custos da produção de milho convencional também está diretamente relacionada com a intensidade em que é aplicado inseticida.
O estudo de Brookes (2003) comparou os custos das duas principais regiões produtoras de milho na Espanha – Sarinena e Barbastro. Na região de Sarinena, onde o uso de inseticidas era intenso, a redução do custo total de produção foi de 23,5% em média; mas, em alguns casos, chegou a 83,5%. Já na região de Barbastro, onde o uso de inseticidas era muito reduzido, a adoção do milho Bt causou um aumento de 18,5% no custo total de produção, porque os custos mais elevados com sementes não foram compensados com a redução dos custos com inseticidas.
  • Além dos impactos sobre o custo, a utilização do milho Bt está permitindo um maior aproveitamento da safra para a produção de alimento humano e animal. Uma pesquisa recente em 107 unidades produtivas, mostrou que os níveis de fumonisinas (toxinas) encontradas nos grãos de milho Bt foram menores do que nas variedades convencionais.
Por isso, a produção de milho Bt aumenta a porcentagem de grãos de milho que podem ser utilizados para consumo humano e rações (HAMMOND et al., 2004).

A Inserção no Mercado:
  • Para a difusão de um novo produto não bastam custos de produção mais baixos ou rendimentos mais elevados: é necessário, também, que esse produto seja aceito pelo mercado consumidor. No caso dos cultivos GM, a aceitação do mercado está relacionada não apenas com a preferência do consumidor, mas também com as regulamentações existentes nos países compradores. 
Os Estados Unidos, como grande produtor e grande exportador de produtos agrícolas, adotam o “princípio da equivalência substancial”, que considera o cultivo GM equivalente ao convencional. Já a União Européia, grande importadora de produtos agrícolas, adotou o “princípio da precaução”, que considera o cultivo GM diferente do convencional, portanto, a Europa acredita que o cultivo e o consumo de produtos GM podem causar problemas ainda desconhecidos sobre o meio ambiente e a saúde humana e animal.
  • Essa divergência entre os países que cultivam produtos GM – sobretudo Estados Unidos e Argentina – e a União Européia tem servido de argumento para os defensores da tese “Brasil livre de transgênicos”. Segundo estes, as supostas barreiras aos produtos GM colocadas pela Europa cria um mercado para os produtos convencionais. Assim, o Brasil, livre de transgênicos, poderia ser o grande fornecedor para esses mercados. 
Entretanto, a evolução recente do mercado de produtos GM mostra que essa tese não se sustenta. No caso do mercado de soja, por exemplo, a evolução recente não indica nenhuma vantagem da soja convencional em relação à soja GM.
  • Nos últimos dez anos ocorreram duas modificações na estrutura do mercado mundial de soja: uma, do lado da demanda; e outra, do lado da oferta. Primeiro, houve um aumento significativo de participação da Ásia – sobretudo da China – nas importações mundiais. Pelo lado da oferta, houve um aumento da participação do Brasil nas exportações mundiais. 
Entre os críticos da adoção de transgênicos no Brasil, há uma tendência em interpretar esse aumento espetacular das exportações brasileiras como uma sinalização inequívoca de que o mercado consumidor dá preferência à soja tradicional. Entretanto, existem outros dados que dificultam essa interpretação de que a “preferência por soja convencional” explica isoladamente o aumento das exportações brasileiras. Há outras variáveis que devem ser consideradas, dentre as quais destacam-se:
  • O desempenho comercial da Argentina; 
  • O aumento dos custos de produção da soja nos EUA; 
  • As mudanças na estrutura da demanda mundial; 
  • O desempenho comercial do Rio Grande do Sul; 
  • A evolução do preço da soja convencional. 
A evolução das exportações mundiais de soja entre 1993 e 2002. O que se observa é uma mudança significativa nesse período, com uma queda da participação dos Estados Unidos e um aumento da participação do Brasil e da Argentina. Mesmo com um aumento absoluto de cerca de oito milhões de toneladas, as exportações dos Estados Unidos caíram de 75% da exportação mundial, em 1993, para 55%, em 2002.
  • Essa queda de market-share da soja dos Estados Unidos foi resultado de dois problemas: queda na produtividade e aumento dos custos (WILKINSON, 2002; PEREIRA, 2004). E esses dois problemas não estão relacionados com o uso da soja GM.
O aumento dos custos de produção não está relacionado com o aumento dos custos de sementes, mas sim com o aumento dos custos fixos – principalmente o custo da terra. Os custos fixos nos Estados Unidos, em 2000, eram 75% maiores do que no Brasil e 50% maiores do que na Argentina (WILKINSON, 2002).
  • Já a queda na produtividade é devida a eventos climáticos e não ao uso da semente GM. Só em 2003, os Estados Unidos perderam cerca de 13 milhões de toneladas de soja em relação a sua estimativa inicial, que era de 80 milhões de toneladas (PEREIRA, 2004). 
Do mesmo modo, o aumento da produtividade no Brasil também não está relacionado com a baixa taxa de adoção de soja GM, porque esse aumento na produção nacional é devido principalmente ao aumento da produtividade no Rio Grande do Sul, estado com maior taxa de adoção de soja GM no Brasil (PEREIRA, 2004).
  • Quanto à suposta dificuldade de exportar a soja GM, o Brasil que aumentou sua participação, mas também a Argentina – que tem uma taxa de adoção de soja GM de quase 100% (TRIGO et al., 2003). Esse aumento das exportações da Argentina não corrobora a tese de que a adoção de cultivos GM implica em perda de competitividade externa. 
Além da exportação de soja em grãos, a Argentina apresentou excelente desempenho na exportação de derivados da soja. Ela é atualmente a maior exportadora de farelo de soja do mundo – posição que era ocupada pelo Brasil até 1997. A Tabela 7 mostra que, entre 1996 e 2003, enquanto a exportação de farelo de soja do Brasil aumentou de oito para 14 milhões de toneladas, a da Argentina aumentou de oito para 18 milhões de toneladas. Em 2003, a Argentina respondeu por 41,3% das exportações mundiais de farelo e por 48% das de óleo de soja (FNP, 2004).
  • Assim, os estudos mostram que a adoção de transgênicos na Argentina, ao invés de prejudicá-la comercialmente, garantiu sua maior participação no mercado mundial no decorrer da década de 90. A Argentina tem um sério problema de escassez de terra. No entanto, a adoção de transgênicos contribuiu para o aumento da produtividade e para o aumento da área de plantação direta – o que permitiu o aumento da produção de soja sem prejuízos para a produção de outras culturas importantes para sua economia, como o milho e o trigo (TRIGO et al., 2003). 
No caso do Brasil, as exportações do Rio Grande do Sul não foram prejudicadas pela introdução da soja GM. O Rio Grande do Sul é o terceiro maior produtor de soja do Brasil.
  • Em 2003, sua produção foi de 9,8 milhões de toneladas, cifra superada apenas pelo Mato Grosso, com 15,2 milhões de toneladas, e pelo Paraná, com 11,2 milhões de toneladas (FNP, 2004). É o estado brasileiro com maior taxa de adoção de soja transgênica.Observa-se que a participação desse estado na exportação brasileira de soja aumentou de 5%, em 1996, para 20%, em 2003. 
Além do aumento das exportações do Rio Grande do Sul, não foi observada nenhuma tendência de diferenciação entre o preço da soja desse estado do das demais regiões do país. A comparação entre o preço da soja exportada do Rio Grande do Sul e o preço médio dos demais estados não corrobora a tese de que existe um preço diferenciado para a soja convencional, pois os preços são praticamente os mesmos.
  • Se, do lado da oferta, a grande mudança na década passada no mercado mundial de soja foi o aumento da participação da América Latina – especialmente Argentina e Brasil – do lado da demanda a grande novidade foi o aumento da participação da Ásia na importação mundial. Sua participação passou de 30%, em 1996/97, para 72%, em 2003/04. Grande parte desse aumento da demanda asiática foi resultado do aumento da demanda da China, que em 2003/04 representou 29% da importação mundial: a mesma participação da União Européia. 
A expansão do mercado asiático pode reduzir os possíveis ganhos com a soja tradicional, uma vez que os principais compradores da região – Japão e China – têm mostrado indiferença quanto à escolha entre a soja convencional e a GM. O Japão continua importando quase 100% dos Estados Unidos; e a China, em 2002, comprou praticamente o mesmo tanto dos Estados Unidos e do Brasil (PEREIRA, 2004).
  • Em termos absolutos, o Brasil aumentou suas exportações tanto para a União Européia quanto para a Ásia. Porém, em termos relativos, a participação desta última aumentou de 12% para 38%, entre 1996 e 2003, enquanto que a participação da Europa caiu de 82% para 53% . 
Dada a indiferença dos países asiáticos em relação ao tipo da soja, quanto maior a participação deles no mercado comprador, menor será a possibilidade de o Brasil conseguir um preço melhor para a soja convencional. Além do mais, com a redução de custos da soja transgênica, o aumento da competitividade da Argentina e de outros países poderá resultar na perda de participação da soja brasileira no mercado mundial. Se a Ásia continuar aumentando sua participação no mercado mundial, tudo indica que a competitividade terá como base a variável “preço”.

Outras Considerações:

Este trabalho objetivou analisar a evolução e os impactos econômicos da difusão dos cultivos geneticamente modificados na agricultura. As principais conclusões foram:
  • A difusão dos cultivos geneticamente modificados está relacionada a ganhos econômicos para os produtores agrícolas, como: redução de custos, aumento da produtividade e aumento da eficiência na administração do controle de pragas; 
  • Os impactos positivos dos cultivos GM dependem das especificidades de cada região. No caso dos cultivos resistentes a insetos, os ganhos dependerão da incidência de pragas. A redução nos gastos com inseticidas deverá ser grande o suficiente para compensar o aumento do custo com sementes; 
  • Apesar das divergências internacionais quanto à forma de regular a pesquisa, a produção e o comércio dos cultivos GM, não há nenhuma evidência empírica de que esses cultivos têm baixa competitividade em comparação com os cultivos convencionais. 
A Argentina, o país com a maior taxa de adoção de soja transgênica, conseguiu aumentar significativamente sua exportação de soja em grãos e derivados.Nos últimos dez anos houve um grande aumento da participação da Ásia no mercado consumidor de soja e esta, ao contrário da União Européia, não apresenta restrições ao comércio de cultivos GM. E por fim, não há evidências empíricas que comprovem a tese de que os produtos convencionais têm a preferência do mercado, e, portanto, apresentam um preço maior do que os geneticamente modificados.
  1. A concentração geográfica dos cultivos GM comercializados reflete, em grande medida, a geografia anterior à sua introdução, já que no momento inicial eles substituem cultivares não geneticamente modificados. 
  2. A rede de estudos genômicos criada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pela Fapesp inclui diversos estudos relacionados à saúde humana: o genoma humano do câncer, genoma do parasita Schistosoma mansoni e o sequenciamento do genoma do parasita Leptospira interrogans, entre outros. 

Do ponto de vista ambiental, evidências se acumulam mostrando a enorme 
contribuição dos grãos transgênicos. Recentemente foi divulgado 
que a biotecnologia evitou o desmatamento, no mundo, 
de uma área equivalente à do Pará.

domingo, 28 de junho de 2015

A Biotecnologia no Brasil

Os agricultores brasileiros apostam nos avanços em biotecnologia para serem mais competitivos no mercado internacional e manter o país entre os principais celeiros do mundo.

  • O governo brasileiro é adepto da biotecnologia. O Presidente Fernando Henrique Cardoso já se posicionou em pelo menos uma entrevista como entusiasta da utilização da engenharia genética na produção agrícola, como forma de melhorar a qualidade, aumentar a produtividade e reduzir custos de produção.
Foi o Presidente Fernando Henrique quem sancionou a Lei nº 8.974, de 5.1.1995, “Lei de Biossegurança”, que juntamente com o Decreto nº 1.752, de 20.12.1995, regula toda e qualquer atividade relacionada aos organismos geneticamente modificados (“OGM’s”).
  • A nossa lei de biossegurança é moderna e restritiva, prevendo penas de até 20 anos de detenção para quem desrespeitá-la, e estabelecendo a responsabilidade civil objetiva, pela qual o causador do dano responde por ele independentemente de ter ou não agido com culpa.
A lei veio sendo paulatinamente regulamentada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, órgão criado pela lei e vinculado à Secretaria Executiva do Ministério da Ciência e Tecnologia. A CTNBio é composta por 18 membros, entre representantes da comunidade científica, dos Ministérios da Agricultura, Saúde, Meio Ambiente, Relações Exteriores, Educação e Ciência e Tecnologia, do setor industrial, dos órgãos de defesa do consumidor e da saúde do trabalhador.
  • Compete à CTNBio autorizar o funcionamento das entidades que desenvolvam atividades relacionadas a OGM’s, concedendo Certificado de Qualidade em Biossegurança - CQB, e autorizar o ingresso no País de qualquer produto contendo OGM’s ou derivado de OGM’s. Também cabe à CTNBio emitir parecer técnico prévio conclusivo sobre o registro, uso, transporte, armazenamento, comercialização, consumo, liberação e descarte de produto contendo OGM ou derivados.
O trabalho já desenvolvido pela CTNBio foi intenso. Decidiu dezenas de processos administrativos relativos ao uso de técnicas de engenharia genética, concedeu outras dezenas de Certificados de Qualidade em Biossegurança às mais diversas entidades e aprovou muitas liberações de produtos transgênicos no campo, para testes.
  • O órgão técnico também já promulgou diversas Instruções Normativas, dispondo acerca dos Certificados de Qualidade em Biossegurança, da importação de OGM’s, de sua liberação planejada, do seu transporte, da sua experimentação, da sua manipulação e da utilização da biogenética em animais (que é vedada).
A CTNBio não foi concebida para ser um órgão fechado, voltado para si. É composto por Comissões Setoriais Específicas, da área da saúde, área vegetal, ambiental e animal. Cada uma dessas Comissões emite pareceres técnicos específicos, no âmbito de suas áreas de atuação, delineando os critérios a serem seguidos em cada análise levada a cabo pela CTNBio. A segurança do OGM em termos ambientais é matéria de interesse da Comissão Setorial Específica da Área Ambiental, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente; a segurança do OGM para semeadura, multiplicação e cultivo, é matéria de interesse das Comissões Setoriais Específicas das Áreas Vegetal e Animal, vinculadas ao Ministério da Agricultura; e a segurança do OGM para utilização na produção de alimentos para consumo humano, interessa à Comissão Setorial Específica da Área da Saúde, vinculada ao Ministério da Saúde.
  • Os trabalhos da CTNBio são divulgados ao público em geral e às entidades interessadas. Cada proposta de liberação de OGM no meio ambiente deve ser divulgada no Diário Oficial da União, com o que se abre prazo para que qualquer um se manifeste acerca da proposta. As manifestações são encaminhadas pela CTNBio ao proponente, que as responde por escrito e pode ser inquirido em reuniões. Manifestam-se também as Comissões Setoriais Específicas da própria CTNBio, e eventualmente podem ser solicitados pareceres de consultores externos.
Todo aquele que tenha feito comentários ou questionamento é informado do desenvolvimento dos estudos, de modo que haja interação com os trabalhos da CTNBio.

Biotecnologia, a base para alimentar o mundo no futuro

A oposição à biotecnologia:
  • Existe uma corrente contrária ao uso da biotecnologia em geral, ou que se opõe ao modelo legalmente previsto para as análises que a CTNBio faz em torno dos OGM’s.
Essa corrente propõe, inicialmente, que a CTNBio expeça normas genéricas relativas à segurança alimentar, comercialização e consumo dos alimentos transgênicos. Ocorre que a sistemática adotada pela “Lei de Biossegurança” prevê mesmo o exame caso a caso, no pressuposto de que não cabe estabelecer normas genéricas para produtos tão variados quanto o estado da arte da engenharia genética possa conceber.
  • Na verdade, quando a CTNBio atesta que determinado OGM é bioquimicamente equivalente ao organismo convencional, o que deveria acontecer seria a desregulamentação dessa variedade de OGM, para ser tratada exatamente como o organismo convencional, não modificado geneticamente.
Esse termo desregulamentação provém da palavra inglesa deregulation, que significa dispensar o produto de tratamento legal específico, posto que passa a ser tratado da mesma forma que seu similar natural.
  • Nesse sentido, para os produtos que venham a ser considerados pela CTNBio como bioquimicamente equivalentes aos similares convencionais, não faria sentido algum impor regras relativas à segurança alimentar, comercialização e consumo, pois que, se essas novas variedades são equivalentes, não necessitam de regulamentação específica.
Outro pleito dos que se opõem ao modelo legalmente previsto para as análises que a CTNBio faz em torno dos OGM’s é exigir de todos os proponentes de OGM’s que realizem Estudo de Impacto Ambiental.
  • A legislação faculta à CTNBio exigir Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto no Meio Ambiente (RIMA) quando a CTNBio considerar que a liberação de OGM no meio ambiente provocará algum efeito negativo. Vale dizer, a CTNBio pode dispensar EIA/RIMA quando entender que a liberação proposta não será ambientalmente danosa.
Convém lembrar, neste ponto, que a CTNBio possui uma Comissão Setorial Específica da Área Ambiental, composta por quadros do Ministério do Meio Ambiente, justamente a quem interessaria exigir EIA/RIMA, se fosse o caso.
  • E ao facultar à CTNBio exigir ou não EIA/RIMA, a lei não está ferindo a Constituição. O artigo 225, parágrafo 1º, inciso IV, da Constituição Federal, preceitua incumbir ao Poder Público exigir EIA/RIMA para qualquer atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental. Mas quem avalia se a atividade é potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, para o efeito de exigir EIA/RIMA? O Poder Público, no caso a CTNBio. Portanto, a legislação de biossegurança pode ser havida como em perfeita consonância com o preceito constitucional, ao condicionar a exigência de EIA/RIMA ao poder discricionário da CTNBio, de avaliar se a proposta de liberação de OGM’s provocará algum efeito negativo no meio ambiente ou, como diz a Constituição, se a atividade é potencialmente causadora de significativa degradação ambiental.
Os mestres de Direito Administrativo, com efeito, definem o ato discricionário do Poder Público como aquele que “vinculado, embora, por uma regra de direito, permite ao titular que o edita certa liberdade ou opção, dentro dos limites legais” (José Cretella Jr. in Manual de Direito Administrativo); ou a discricionariedade como “a margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal” (Celso Antônio Bandeira de Melo in Curso de Direito Administrativo); ou ainda o poder discricionário como “a atribuição legal de decidir com possibilidade de escolha” (Odete Medauar in Direito Administrativo Moderno).
  • Aliás, “o ato discricionário é insuscetível de apreciação por outro Poder que não aquele que o editou. Assim, nem o Judiciário, nem o Legislativo podem revogar ato do Executivo” (José Cretella Jr.).
De resto, o pleito pela elaboração de um EIA/RIMA seria meramente formal, quando se sabe que a análise da biossegurança levada a cabo pela CTNBio é em si um EIA/RIMA sem precedentes, com testes de campo, com avaliações feitas pelas Comissões Setoriais
  • Específicas das áreas da saúde, vegetal, ambiental e animal, e com o questionamento e a intervenção de entidades interessadas. Sem falar do monitoramento que a CTNBio pode prescrever no seu parecer conclusivo, a ser realizado pelo período necessário a que todos os efeitos dos OGM’s sejam plenamente conhecidos.
O futuro da biotecnologia no Brasil
  • Não é de ser descartada a possibilidade de se estar diante de uma corrente ideológica contrária à engenharia genética, em si. Mais ainda: contrária à política de economia agrícola adotada pelo Governo, que, claramente, deu sinais de ter feito uma opção política de apoio à utilização da engenharia genética na produção agrícola, como forma de melhorar a qualidade, aumentar a produtividade e reduzir custos de produção.
Esse movimento refratário à engenharia genética na agricultura encerra um contra-senso. Por um lado, não aceita o paradigma da experiência acumulada por outros países no trato dos organismos geneticamente modificados; por outro lado, também não dá crédito aos técnicos da CTNBio aos quais incumbe atestar a biossegurança dos OGM’s. Afinal, por que se deva dar mais crédito a um alarmismo ainda sem provas, do que às conclusões, que se pressupõem fundamentadas, dos técnicos brasileiros que compõem a CTNBio?
  • O fato é que esse movimento refratário à engenharia genética poderá acarretar ao país um atraso tremendo na utilização da biotecnologia para fins agrícolas. Com o risco de perda de competitividade, já que os produtos transgênicos podem reduzir significativamente o custo de produção, conforme se vê nos Estados Unidos, na Argentina, no Canadá. Restaria o consolo de disputar “nichos” de mercado restritivos aos produtos transgênicos, o que pode ser muito pouco para um gigante agrícola como o Brasil.
E os benefícios ambientais, afinal de contas, seriam no mínimo improváveis, porque a idéia dos produtos transgênicos em última análise é fazer a agricultura depender menos de agrotóxicos e inseticidas.

Um estudo apontou que 75% dos brasileiros estão dispostos a pagar mais por alimentos produzidos de forma ambientalmente correta, mais de 80% dos consumidores estão preocupados com a sustentabilidade na agricultura e 90% afirmam respeitar o trabalho do agricultor.