Páginas

domingo, 4 de fevereiro de 2018

A Contaminação Humana e Ambiental por Agrotóxicos

O pimentão e o pepino estão entre os alimentos com o maior número 
de amostras contaminadas por agrotóxico

  • Os agrotóxicos são agentes constituídos por uma grande variedade de compostos químicos (principalmente) ou biológicos, desenvolvidos para matar, exterminar, combater, repelir a vida (além de controlarem processos específicos, como os reguladores do crescimento). 
Normalmente, têm ação sobre a constituição física e a saúde do ser humano, além de se apresentarem como importantes contaminantes ambientais e das populações de animais a estes ambientes relacionadas (Anvisa, 2002).
  • Os agrotóxicos aparecem no Brasil, na década de 1960-1970, como a solução científica para o controle das pragas que atingiam lavouras e rebanhos (Peres et al., 2003). 
Tal visão, reforçada pela forte e crescente atuação da indústria química no país, passou a legitimar o uso indiscriminado de agrotóxicos no meio rural e, ao mesmo tempo em que este saber se fazia dominante e dominador, não eram oferecidas alternativas à grande massa de trabalhadores que, ano a ano, se expunha cada vez mais aos efeitos nocivos destas substâncias. 
  • O Ministério da Saúde estima que mais de 400.000 pessoas são contaminadas anualmente por agrotóxicos, somente no país. 
Tais estimativas levam em conta o número de casos notificados no país (aproximadamente 8.000 em 2002 – Sinitox, 2003) multiplicados por 50, fator de correção usado pelo Ministério da Saúde para dimensionar o número de casos não-notificados. Em todo o planeta, o número de pessoas expostas a estes agentes chega a casa dos milhões (25 milhões somente nos países em desenvolvimento – Jeyaratnam, 1990; Levien & Doull, 1993).
  • A saúde humana pode ser afetada pelos agrotóxicos diretamente, através do contato com estas substâncias ou através do contato com produtos e/ou ambientes por estes contaminados – e, indiretamente, através da contaminação da biota de áreas próximas a plantações agrícolas, que acaba por desequilibrar os ecossistemas locais, trazendo uma série de injúrias aos habitantes dessas regiões. 
As formas de exposição responsáveis pelos impactos destes agentes sobre o homem são razoavelmente conhecidas. Os processos através dos quais as populações humanas estão expostas, entretanto, constituem-se, ainda hoje, verdadeiros mistérios, dada a multiplicidade de fatores que estão envolvidos.
  • Os riscos da contaminação, mais que entidades físicas independentes, estão intimamente relacionados às formas através das quais estas populações se relacionam com os perigos existentes, processos estes fortemente enviesados por determinantes de ordens social, cultural e econômica. O conhecimento destes determinantes é essencial ao entendimento do problema, responsável pela morte de milhares de pessoas – e o adoecimento de milhões – em todo o mundo, razão pela qual o objeto do estudo da contaminação humana e ambiental por agrotóxicos é extremamente complexo.
Existe uma série de complicadores, de ordem metodológica, analítica e estrutural, que contribuem para a imprecisão dos dados disponíveis sobre intoxicações, em todo o mundo, acarretando na consolidação de verdadeiras barreiras às iniciativas de intervenção e ao processo de formulação e implementação de políticas públicas específicas.
  • No presente trabalho serão discutidos alguns dos principais determinantes da contaminação humana e ambiental por agrotóxicos e os principais desafios a serem superados pelos profissionais que atuam na avaliação e controle dos problemas associados a esta contaminação/exposição. Serão apresentados alguns dos complicadores, de ordem estrutural e prática, e de que forma esses fatores podem influenciar o entendimento dos processos através dos quais as populações humanas tornam-se, a cada ano, cada vez mais vulneráveis a estes agentes. 
As informações apresentadas serão contextualizadas com dados de trabalhos anteriores – já publicados – realizados por uma equipe de pesquisadores do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/Ensp – Fiocruz) em regiões rurais do Estado do Rio de Janeiro (Moreira et al., 2002; Oliveira-Silva, 1994; Oliveira-Silva et al., 2000; 2001; 2003; Peres, 1999; 2003a; Peres et al., 2001; 2004)
.
A Exposição Humana a Agrotóxicos: 
Uma breve discussão
  • O monitoramento da exposição humana é um processo que demanda significativos recursos – humanos e materiais – e tem por objetivo primordial identificar precocemente o potencial de agravo à saúde de determinado agente. 
Assim, através de diversos processos analíticos e de diagnóstico, é possível identificar situações, indivíduos ou grupos com maior probabilidade de desenvolver processos patológicos derivados da exposição a um determinado agente; ademais, através destes mesmos processos diagnósticos, é possível identificar determinadas alterações patológicas em estágio inicial de desenvolvimento.
  • O monitoramento da exposição humana a agentes tóxicos contribui significativamente para a redução do número de pessoas a serem avaliadas clinicamente, impede o estabelecimento de quadros individuais de intoxicação – através do afastamento do trabalhador da fonte de contaminação – e atenua a gravidade deste quadro, nos casos em que os indivíduos já se encontram intoxicados. Adicionalmente, facilita o processo de tratamento dos indivíduos intoxicados, através da indicação terapêutica mais adequada ao agente (químico ou biológico) encontrado.
Os agrotóxicos representam um grupo heterogêneo de compostos que podem variar tanto na sua estrutura química quanto nos seus diferentes mecanismos tóxicos de ação (Larini, 1999). Por essa razão, torna-se muito difícil o desenvolvimento de um método único e universal capaz de indicar a dose interna, ou mesmo o efeito biológico da exposição, a todo e qualquer agente utilizado com o propósito de controlar e/ou eliminar pragas.
  • Assim, diversos métodos vêm sendo utilizados, ao longo dos últimos 50 anos, para avaliar a exposição humana a agentes químicos como os agrotóxicos. Os principais são os métodos de diagnóstico através de indicadores de dose interna e de indicadores de efeito.
Os métodos diagnósticos que se baseiam na utilização de indicadores de dose interna determinam a concentração da substância química e/ou metabólito(s) presentes em matrizes biológicas, tais como, sangue, urina ou tecidos. 
  • As técnicas mais difundidas de quantificação destes indicadores são a cromatografia em fase gasosa ou em fase líquida de alta performance com o auxílio de vários detectores (Mukherjee & Gopal, 1996; Biziuk et al., 1996). 
Estas técnicas apresentam alta sensibilidade, produzem resultados exatos e possibilitam a avaliação da relação entre o agrotóxico em sua forma original e seus (sub)produtos – fato este que possibilita estudar o processo metabólico que esta substância sofre no organismo.
  • As análises cromatográficas geralmente requerem o uso de equipamentos caros, etapas preliminares de extração, mas têm a vantagem de poderem ser utilizadas na determinação de todos os tipos de agrotóxicos e na determinação quali e quantitativa de diversas substâncias, simultaneamente em uma mesma amostra.
Outras técnicas analíticas tais como a espectrofotometria de absorção atômica, a voltametria e os imunoensaios podem também ser utilizadas com o objetivo de determinar a concentração de um agente tóxico no organismo Garrido et al., 2003; Turdean et al., 2002; Sampedro et al., 1998). 
  • Todas elas possuem características e limitações próprias, mas a principal limitação relacionada ao uso destas metodologias em um país como o Brasil é de ordem econômica.
Já os indicadores de efeito são ferramentas analíticas utilizadas na determinação de alterações bioquímicas transitórias que, ao serem produzidas, geralmente: 
  • a) não resultam em transtornos funcionais; 
  • b) não provocam a ruptura da homeostase; 
  • c) não aumentam a susceptibilidade a outros agentes; 
  • d) e não incapacitam o organismo a compensar novas sobrecargas do elemento original.
Por princípio, os indicadores de efeito servem para avaliar as conseqüências e, indiretamente, a intensidade da exposição, ou seja, no momento em que os valores destas análises se distanciam dos valores estabelecidos como normais representam o desfecho de um processo de exposição.
  • Na maioria das vezes, quando analisados isoladamente, os indicadores de efeito fornecem poucas informações sobre o agente tóxico. Contudo, em determinadas situações em que o histórico de exposição e o processo de trabalho são conhecidos – e em que o indicador apresenta um alto grau de especificidade –, os resultados permitem aferir a exposição a um ou mais agentes, desde que possuam mecanismos semelhantes de interação com o meio biológico. Dentre todos os métodos diagnósticos acima apresentados, os indicadores de efeitos são os menos sensíveis.
Entretanto, devido ao baixo custo (em relação aos demais métodos), estes métodos são amplamente utilizados, em particular nos países em desenvolvimento e, sobretudo, como indicadores de diagnóstico rápido da situação de saúde de uma determinada população, facilitando as estratégias de intervenção local e terapêutica individual.
  • Diversos indicadores de efeito, tais como a atividade da enzima Na++/K+ ATPase e o tempo de coagulação sanguínea, têm sido utilizados sistematicamente para a avaliação da exposição a determinados tipos de agrotóxicos. Entretanto nenhum indicador de efeito, relacionado à exposição a agrotóxicos, tem sido mais utilizado que as colinesterases sanguíneas (Oliveira-Silva et al., 2000).
As colinesterases sangüíneas são enzimas que atuam no organismo humano como mediadores químicos. Estas enzimas são inibidas na presença de agrotóxicos das classes dos organofosforados e dos carbamatos (por esta razão também conhecidos como "anticolinesterásicos"). Um indivíduo, uma vez exposto a agrotóxicos destas classes, tem sua atividade colinesterásica diminuída quantitativa e proporcionalmente à intensidade da exposição, uma das razões pelas quais estes indicadores de efeito são amplamente utilizados no monitoramento humano a estes agentes agrotóxicos.
  • Embora apresentem sérias limitações quanto à exatidão de seus resultados – comparativamente aos indicadores de dose interna –, as colinesterases sangüíneas ainda se constituem importantes indicadores da exposição humana a agrotóxicos, sobretudo nos países em desenvolvimento como o Brasil, onde a extensão territorial e a carência de laboratórios de referência – distribuídos pelo país –, capazes de atender as áreas rurais e remotas, constituem sérios limitantes ao uso de metodologias baseadas em instrumentação analítica mais elaborada.
Além disso, observa-se também uma grave deficiência na formação dos agentes de saúde e médicos que atuam nestas populações – principalmente no que diz respeito à identificação clínica de sintomas relacionados com a intoxicação por agrotóxicos. Assim, apesar da imprecisão inerente a esta metodologia, o uso destes indicadores não deve ser sistematicamente abandonado como estratégia de monitoramento de populações expostas a agrotóxicos anticolinesterásicos – principalmente na identificação de situações emergenciais – mas sim criteriosamente utilizado, dentro de seus limites.
  • Alguns dos pontos críticos da utilização das colinesterases sangüíneas como indicadores da exposição aos anticolinesterásicos se referem aos valores de referência utilizados e ao desconhecimento do comportamento destes indicadores quando inibidos. A correção destes pontos críticos, por parte do profissional avaliador, pode representar uma melhoria da exatidão dos resultados obtidos, diminuindo o peso dos fatores de interferência.
Os valores de referência usualmente utilizados são construídos através da determinação das atividades médias destas enzimas em populações não expostas. Deste valor médio deve-se subtrair de 25% a 30% da atividade média e então estabelecido o valor de referência limite (ponto de corte). Abaixo deste limite o indivíduo deve ser considerado exposto a uma concentração elevada destes agentes.
  • Ocorre que o ponto de corte tem duas origens distintas: uma clínica e outra estatística. A origem clínica reside no fato de não se observar qualquer sintomatologia até uma redução de cerca de 25% da atividade anterior à exposição. 
Do ponto de vista estatístico, considerando-se a atividade colinesterásica como tendo uma distribuição gaussiana normal, o valor de subtração corresponde ao desvio padrão de 1,645 da média que, de um modo geral, representa 30% da atividade média. É importante reforçar que este recurso só é válido quando as atividades enzimáticas destes indicadores seguem uma distribuição normal. Em populações com menor e maior heterogeneidade, este valor de subtração varia.
  • Em estudo realizado pelo Laboratório de Toxicologia do Cesteh/Fiocruz com um grupo de 102 trabalhadores rurais (Oliveira-Silva et al., 2003), foi possível demonstrar que a adoção de um valor médio de uma população não exposta, subtraído de 30% (VR30), produziu aproximadamente 28% de resultados falsos negativos e 17% de falso positivos, totalizando 45% de resultados incorretos.
Quando se adotou, na mesma amostra, um valor médio subtraído do desvio padrão de 1,6425 (VR1,6) como valor de referência, aproximadamente 9% dos resultados foram falsos positivos e 18% de falsos negativos, totalizando 27% de resultados sem consonância com a realidade. Este estudo só foi possível com a obtenção dos valores de referência do próprio indivíduo, que foi utilizado como padrão-ouro (Oliveira-Silva et al., 2003). 
  • A adoção deste critério analítico indica que aproximadamente 34% da população estudada estava exposta a anticolinesterásicos e não 20% como constatado inicialmente.
Outro fator de interferência identificado na realização deste monitoramento é o chamado "efeito rebote" da colinesterase plasmática, a BChE (butirilcolinesterase). Em estudos anteriores (Oliveira-Silva et al., 2000; 2001), nos quais aproximadamente 300 trabalhadores tiveram sua atividade colinesterásica monitorada durante um ano, observou-se que BChE, no intervalo de 11 a 20 dias, apresentava um comportamento atípico, caracterizado por um aumento médio de suas atividades em torno de 14%, sendo que em alguns casos atingia 42% da atividade basal, efeito este não observado na colinesterase das hemácias, a AChE (acetilcolinesterase).
  • Tal efeito, relacionado ao processo de renovação sanguínea desta enzima plasmática, se apresenta como determinante de falsos resultados (tanto positivos quanto negativos), contribuindo para um diagnóstico impreciso da exposição humana a agrotóxicos.
Como forma de corrigir tais distorções, para o monitoramento ocupacional realizado naquela amostra de 102 trabalhadores (Oliveira-Silva et al., 2003), utilizou-se apenas a AChE. Tal fato não inviabiliza o uso da BChE, ou mesmo das colinesterases totais, como nos kits de diagnóstico rápido – fundamentais ao atendimento de emergências, mas alerta para a possibilidade de os resultados produzidos a partir destes métodos estarem sub ou sobre-mensurados.

A Contaminação Humana e Ambiental por Agrotóxicos 

Determinantes das intoxicações:
Sociais, Culturais e Econômicos 
  • A utilização dos agrotóxicos no meio rural brasileiro tem trazido uma série de conseqüências tanto para o ambiente como para a saúde do trabalhador rural. Em geral, essas conseqüências são condicionadas por fatores intrinsecamente relacionados, tais como o uso inadequado dessas substâncias, a pressão exercida pela indústria e o comércio para esta utilização, a alta toxicidade de certos produtos, a ausência de informações sobre saúde e segurança de fácil apropriação por parte deste grupo de trabalhadores e a precariedade dos mecanismos de vigilância. Esse quadro é agravado por uma série de determinantes de ordens cultural, social e econômica.
Um trabalho realizado no município de Magé (RJ) avaliou a relação entre a exposição de 300 agricultores a agrotóxicos e suas relações com uma série de determinantes socioeconômicos (Oliveira-Silva et al., 2001).
  • Estes trabalhadores tiveram seu sangue analisado, para a determinação do grau de exposição/intoxicação, através da dosagem da atividade colinesterásica. Dados socioeconômicos e de utilização de agrotóxicos, para cada trabalhador, foram obtidos em entrevista estruturada.
O possível papel dos indicadores socioeconômicos e de uso de agrotóxicos sobre o nível de contaminação dos trabalhadores foi estimado por análise de regressão linear múltipla, utilizando-se a atividade enzimática como variável dependente e os indicadores socioeconômicos e de uso de agrotóxicos como variáveis independentes.
  • Os resultados daquele estudo mostraram um perfil da exposição a estes compostos na região, onde aproximadamente 44% da amostra apresentava redução significativa da atividade colinesterásica. Estes dados foram confrontados com os indicadores socioeconômicos e de utilização de agrotóxicos, tendo se destacado a importância do nível de escolaridade sobre a prevalência das intoxicações.
Aproximadamente 70% da amostra apresentava mínima ou nenhuma habilidade de leitura e escrita. Esta variável era fortemente correlacionada com a atividade colinesterásica (r = 0,646 e r2 = 0,418), indicando a influência destes fatores no processo que determina a exposição/contaminação dos trabalhadores aos agrotóxicos. Para os demais determinantes estudados (idade, uso de EPI, etc.), nenhuma correlação significativa foi tão evidente.
  • A interpretação destes resultados fica mais clara quando levados em consideração dois outros fatores que atuam de forma determinante no processo que resulta na exposição dos trabalhadores rurais a agrotóxicos: o processo de comunicação que tem como objetos os saberes relacionados ao manejo de agrotóxicos; e a percepção de riscos daqueles que utilizam estes agentes químicos em seu processo de trabalho.
No meio rural brasileiro, como um todo, observa-se um elevado índice de analfabetismo e baixa escolaridade (IBGE, 2000; Oliveira-Silva, 1994), fato este que determina uma série de políticas de comunicação visual (como o uso de ilustrações, figuras, pictogramas, faixas coloridas, etc.) em produtos e informes direcionados a esta audiência. 
  • Essas figuras, em especial os pictogramas (representações gráficas de rápida visualização, como a "caveirinha" que indica perigo, ou o "par de luvas" que indica a obrigatoriedade do uso de luvas no manuseio de tal produto), são encontradas em rótulos de produtos agrotóxicos, em teoria para informar àquelas pessoas que não dispõem de habilidade de leitura/escrita.
Os resultados de um estudo de recepção de informações realizado em uma região agrícola do Estado do Rio de Janeiro (Peres, 1999; Peres et al., 2001), entretanto, mostraram que os trabalhadores não conseguem identificar as informações presentes nos pictogramas e em figuras, de uma forma geral, devido à falta de clareza ("poluição visual") dessas figuras/pictogramas. Outro dado do estudo de recepção está diretamente relacionado ao uso de linguagem rebuscada (portanto de difícil apropriação por parte desta audiência específica) em materiais informativos e rótulos/bulas de agrotóxicos.
  • Durante a pesquisa, foi apresentada aos trabalhadores entrevistados a seguinte frase, retirada do rótulo do herbicida Gramoxone®, o produto mais utilizado na região – e um dos mais utilizados em toda a área rural do país: Esta formulação contém um agente emético, portanto não controle vômito em pacientes recém intoxicados por via oral, até que pela ação do esvaziamento gástrico do herbicida, o líquido estomacal venha a ser claro.
Tal informação é de fundamental importância, visto que o produto apresenta coloração amarronzada, semelhante a dos refrigerantes tipo cola, o que faz com que tal produto seja freqüentemente confundido com estes refrigerantes por crianças que, inadvertidamente, acabam ingerindo este produto altamente tóxico.
  • Aproximadamente 40% dos trabalhadores entrevistados (n = 23) entenderam que não se deveria deixar a pessoa intoxicada vomitar para que o veneno saísse do organismo (no caso, a dupla negativa "não controle" era identificada como "não provoque", invertendo o sentido da frase), outros 40% não faziam a menor idéia do que tal frase informava e 20% interpretaram que era um veneno "brabo", e que se a pessoa bebesse, morreria (Peres, 1999). 
Um trabalhador perguntou ao entrevistador qual seria o significado daquela frase. Ao receber a devida explicação, em uma linguagem apropriada, sobre significado da frase, este trabalhador sugeriu uma interessante construção: 
Em vez disso aí, o sujeito não podia escrever "se o caboclo beber o veneno, deixe ele vomitar até as tripa"! (Agricultor, 35 anos)
Outro aspecto levantado pelo estudo tinha relação com a percepção das cores dos rótulos de embalagens de agrotóxicos (faixas que indicam a classe toxicológica dos produtos). O trabalhador rural, de uma maneira geral, tende a construir suas percepções e pensamento a partir de elementos concretos (fatos vividos e experimentados) de seu dia-a-dia, apresentando dificuldades na interpretação de situações abstratas (como exemplos hipotéticos, correlações mais amplas, etc. – Rozemberg & Peres, 2003).
  • Baseado nessas percepções, alguns trabalhadores rurais entrevistados correlacionaram as faixas coloridas dos rótulos de agrotóxicos com os sinais de trânsito. 
Para eles, o produto com faixa vermelha é muito perigoso, logo a pessoa tem de "parar" antes de usá-lo (analogia com o sinal vermelho); o produto com faixa amarela é merecedor de "atenção" (analogia com o sinal amarelo); e o produto com faixa verde é "liberado para ser usado à vontade" (analogia com o sinal verde), o que pode representar um sério risco à saúde desses trabalhadores, pois embora os produtos de tarja verde – classe toxicológica IV – sejam pouco tóxicos, eles podem, em quantidades demasiadas, provocar uma série de efeitos nocivos à saúde do trabalhador, inclusive levá-lo à morte (Peres, 1999).
  • A experiência dos trabalhos aqui apresentados mostrou que os trabalhadores rurais são, como amplamente difundido, carentes de informações. Entretanto, não são, e jamais devem ser vistos como carentes de cultura.
Muito pelo contrário; na realidade, a cultura do homem do campo é riquíssima, embora seja construída em uma sintaxe estranha à "cultura técnica/acadêmica", o que, muitas vezes, acaba por promover a manutenção de um distanciamento e hierarquização na relação entre técnicos e trabalhadores rurais, facilitando, assim, a imposição da visão de mundo desses profissionais "sobre" sua "clientela" (Peres, 1999; Ugalde, 1985).
  • O grande desafio que se configura é, portanto, incorporar essa cultura nas informações direcionadas a este grupo populacional.Ou seja, construir a informação em uma sintaxe comum aos dois grupos (técnicos e trabalhadores rurais).
O discurso determinista da indústria e a legitimação do uso de agrotóxicos Olhando para o atual panorama do consumo de agrotóxicos no país e no mundo, algumas perguntas ainda permanecem sem respostas conclusivas: 
  • Será que não existem mesmo alternativas a estes produtos? 
  • Será que a população se tornou, para sempre, refém dos agrotóxicos? 
  • Será que centenas de anos gastos com o aprimoramento de técnicas orgânicas de controle de pragas devem ser, simplesmente, jogados ao acaso de suas existências?
A questão central não parece estar relacionada à existência ou não de técnicas alternativas ao uso de agrotóxicos, e sim ao caráter determinista do discurso industrial, que permeia diversos setores da sociedade e acaba por ser consolidado (por impregnação) nas falas de trabalhadores rurais, os interlocutores mais distantes e distanciados neste processo de comunicação. E tal fato fica bastante explícito quando se analisam alguns dados, como os que serão apresentados a seguir.
  • Segundo dados da FAO (2003), o mercado mundial de agrotóxicos movimentou, somente no ano de 2000, cerca de 22 bilhões de dólares em todo o mundo. No Brasil, o comércio destes produtos é estimado pelo Sindag (2001) em cerca de 2,5 bilhões de dólares, o que coloca o país no sétimo lugar do ranking dos países consumidores de agrotóxicos (Anvisa, 2002).
Visualizando estes dados, torna-se claro o discurso ora vigente no país da impossibilidade da produção agrícola sem o uso de agrotóxicos. Os defensores deste discurso, grupo que inclui não apenas técnicos ligados às indústrias e ao comércio destes produtos, como também profissionais do poder público, desconsideram as técnicas alternativas ao uso de agrotóxicos, por acreditar no modelo agrícola da monocultura exportadora, sustentado pelo uso abusivo de agrotóxicos e outros insumos químicos, e que vem sendo o fiel da balança comercial brasileira nos últimos anos. 
  • A uniformidade e as semelhanças entre o discurso destes profissionais e o das grandes indústrias são assustadoras: poucos produzem alimentos para muitos e, caso não se garanta uma alta produtividade, com o (ab)uso de agrotóxicos na lavoura, não haverá alimento para saciar a fome de uma população que cresce incessantemente.
Entretanto, a realidade é outra: de acordo com a própria FAO (2003), foram produzidas em 2001 aproximadamente nove trilhões de toneladas de produtos agrícolas, provenientes de lavouras primárias (sem beneficiamento). Pode-se considerar, minimamente, que apenas 5% deste montante é destinado ao consumo direto (contabilizando as perdas com estocagem e o montante que vai para o beneficiamento e para a engorda animal); sobram aproximadamente 450 milhões de toneladas/ano para alimentar uma população de pouco mais de seis bilhões de pessoas, o que resultaria em algo como 200 kg de alimento disponível por habitante por dia.
  • Tomando que, em média, são necessários 2 kg de alimentos não processados/dia para alimentar uma pessoa, teria-se hoje uma produtividade capaz de alimentar 100 planetas somente com lavouras primárias (sem contar os produtos beneficiados e os de origem animal).
A perda média de produtividade com as técnicas alternativas de controle de pragas mais consagradas chega à casa de 60% (existem experiências bem-sucedidas em que a perda é de aproximadamente 10%). Ainda assim, haveria hoje a capacidade de alimentar 40 planetas sem o uso de agrotóxicos.
  • A produtividade agrícola atual é suficiente para suprir as demandas mundiais de alimento. Não falta comida: falta coragem às pessoas para admitir que o que impulsiona o modelo agrícola atual, baseado no uso intensivo de agentes químicos, não é a garantia da demanda alimentar do planeta, e sim a garantia dos lucros relacionados à produção agrícola mundial e à produção/comercialização de agrotóxicos. 
A fome não é, como dizem os "doutores" dos agrotóxicos, um problema de produção, e sim um problema de distribuição de riquezas. Por outro lado, as técnicas de controle de pragas alternativas aos agrotóxicos são, hoje, uma realidade, tanto em termos da produtividade quanto em relação aos custos, além de apresentarem um potencial de contaminação humana ou ambiental muito menor, ou mesmo desprezível.
  • O controle dos problemas relacionados ao uso indiscriminado e descuidado dos agrotóxicos, já identificados e bem conhecidos pela comunidade científica em geral, somente poderá ser alcançado com a adoção de práticas alternativas ou, quando estritamente necessário, pelo uso seguro, criterioso e cuidadoso destas substâncias.
Para tal, governo, sociedade organizada, grupos de interesse e organizações não governamentais devem estar unidos por um objetivo maior que o lucro: a garantia da qualidade de vida do trabalhador rural, do ambiente e da população, consumidora dos produtos provenientes da lavoura. 
  • Enquanto este problema não for considerado uma prioridade de governo, a situação tende a se agravar e se expandir cada vez mais, ameaçando até mesmo os grandes centros urbanos, adjacentes a áreas de cultivo, cujas fronteiras estão cada vez mais próximas.
A não incorporação da percepção de riscos: 
Das comunidades na construção de estratégias educativas
  • De uma maneira geral, podemos conceber que uma grande parcela da população está exposta aos efeitos nocivos de produtos agrotóxicos. 
A contaminação (ou não) destas pessoas, muito provavelmente, está relacionada não apenas ao grupo ao qual pertencem, mas também à maneira como, individual ou coletivamente, estas pessoas identificam e se posicionam diante dos riscos a que estão expostas. O conhecimento da percepção de riscos destes indivíduos ou grupos populacionais específicos é, portanto, fundamental para a construção de estratégias de intervenção sobre o problema (Peres, 2003b).
  • A construção – individual ou coletiva – da percepção de riscos é resultante direta do conhecimento sobre o assunto em questão que, por sua vez, é constituído a partir das representações e interpretações das informações disponíveis.
Os estudos de percepção de riscos surgem no final da década de 1970-1980, como importante contraponto à perspectiva utilitarista da análise e gerenciamento de riscos, com o objetivo de incorporar determinadas escolhas sociais, políticas e econômicas em problemas "puramente" técnicos e científicos (Gomez & Freitas, 1997). 
  • Naquele momento, tornava-se urgente a consolidação de estratégias de análise de risco que levassem em consideração a percepção (no sentido mais amplo da palavra) dos indivíduos, comunidades e grupos populacionais envolvidos com os processos/situações potencialmente danosos.
Em estudos sobre a percepção de riscos de comunidades agrícolas expostas a agrotóxicos em duas localidades do Estado do Rio de Janeiro (Peres, 2003a), foi possível observar que a maioria dos entrevistados (n = 60) percebia algum perigo nas práticas de uso destas substâncias (apenas um entrevistado não identificou perigo qualquer). No total, 90% dos trabalhadores, quando perguntados sobre os agrotóxicos (de uma maneira genérica), responderam "perigoso", "muito perigoso", "um perigo", ou "um troço muito ruim".
  • Os principais sinais/sintomas relatados como "problemas de saúde relacionados aos agrotóxicos" eram dores de cabeça, dores de barriga e tonteiras. Tais sinais são observados mais freqüentemente em episódios de intoxicação aguda, cujo quadro sintomatológico é bastante forte – convulsões, desmaios, etc. – o que vem reforçar a importância da observação de fatos cotidianos na construção do pensamento do homem do campo.
A "invisibilidade" dos riscos relacionados ao uso de agrotóxicos acaba por determinar uma maior exposição a estes produtos, por parte dos trabalhadores rurais, assim como contribui para a degradação do ambiente, como se observa na frase a seguir, registrada durante a realização daquele estudo (Peres, 2003a): 
Eu num acho que prejudica nada. (...) você pulverizou lá um gramoxone lá dentro do inhame. Diz que se dê uma chuva leva lá pra dentro do rio. Leva nada! Até chegar lá já acabou o efeito. Eu acho que já acabou o efeito. Eu quanto a isso eu acho que num tem nada prejudicando o meio ambiente de água, essas coisas assim. Eu penso que não (Agricultor, 72 anos):
No que se refere à organização do trabalho rural, convém ressaltar a existência de uma divisão das tarefas de acordo com o sexo: as mulheres participam ativamente das principais etapas do trabalho agrícola, e assumem todo o trabalho doméstico. Em uma primeira análise poderia se pensar que as mulheres não estão tão expostas aos agrotóxicos quantos os homens, já que, geralmente, o processo de pulverização é uma tarefa masculina.
  • Entretanto, mesmo durante este processo, as mulheres ajudam os seus maridos, puxando as mangueiras – no caso de pulverizadores mecânicos – ou abastecendo os pulverizadores costais (manuais). Pelo fato de o marido estar no comando do pulverizador (e, muitas vezes, usando algum tipo de equipamento de proteção), as mulheres não percebem os riscos a que estão expostas (e, freqüentemente, encontram-se sem qualquer equipamento de proteção individual). 
Este fato caracteriza a situação de risco experimentada pelas mulheres em todo o meio rural brasileiro, e aponta para a necessidade de estudos mais aprofundados sobre a relação da mulher no processo de trabalho rural que envolve a utilização de agrotóxicos (Peres et al., 2004). 
  • Ademais, suscita a necessidade de estratégias educativas e de comunicação de riscos focadas neste grupo. Estudos de percepção de riscos não devem estar dissociados de esforços educativos, de políticas e estratégias que tenham como objeto a promoção de transformações sociais nos grupos focalizados, razão pela qual estes estudos aparecem, cada vez mais, como subsídios a projetos e ações, sobretudo para o delineamento de políticas e estratégias que envolvam práticas de comunicação de riscos e campanhas educativas (Peres, 2002).
Aqui se observa um dado que acaba também por se caracterizar como importante determinante da situação ora apresentada: na tentativa de suprir as supostas carências cognitivas do homem do campo, diversos profissionais – educadores, sobretudo, – acabam desconsiderando os saberes e os conhecimentos deste personagem e impondo seus valores de modernização das práticas rurais, uma vez que, para estes profissionais, este é o ponto estratégico para a superação de um impedimento fundamental às melhorias de saúde nos países em desenvolvimento (Ugalde, 1985).
  • Tal postura, notadamente equivocada, representa uma negação dos saberes deste grupo, legitimando valores externos e interesses alheios aos dos habitantes das zonas rurais, contribuindo para a manutenção de uma posição sectária e excludente, que identifica o homem do campo como um ser "carente por natureza", que necessita ser alimentado, tratado, cuidado (Calazans et al., 1985). 
Para Paulo Freire, o profissional, por vezes, tende a se esquecer ou minimizar o papel do homem do campo em função de seu compromisso profissional – baseado em ações de caráter técnico –, impondo sua visão de mundo a este grupo, sem o cuidado de invadir a cultura daquela audiência: Quase sempre, técnicos de boa vontade, embora ingênuos, deixam-se levar pela tentação tecnicista (mitificação da técnica) e, em nome do que chamam de "necessidade de não perder tempo", tentam, verticalmente, substituir os procedimentos empíricos do povo por suas técnicas (Freire, 1997).
  • De acordo com Rozemberg & Peres (2003), alguns profissionais, por despreparo, confundem, ainda, a habilidade para a leitura e o domínio da linguagem formal como critérios de julgamento sobre a inteligência e a capacidade de construção de raciocínios lógicos da população rural. 
A saída para tal situação é sugerida pelos autores: Para desconstruir os preconceitos ainda tão freqüentes nas publicações e ações educativas, tais como os de que a população rural sem escolaridade sofre de "falta de compreensão", "ignorância" ou "incongruência" é preciso que o profissional se acostume a problematizar de maneira crítica e aberta sua relação com valores e decisões tomadas em contextos sociais e culturais muito diferentes do dele. 
  • Mas para tanto é necessário conhecer tais contextos, experiências, interesses, valores, racionalidades dos grupos com os quais deseja trabalhar. Para isso a realização de pesquisas por parte do educador torna-se imprescindível. 
Nossa experiência trabalhando com agricultores nos últimos anos vem permitindo demonstrar, através de inúmeros exemplos de campo, que há uma lógica e uma racionalidade articulando a aparente "falta de sentido" de alguns discursos.Essa lógica costuma estar inclusive, muito bem ancorada na visão de mundo dos grupos, ainda pouco conhecidos e compreendidos em sua própria racionalidade (Rozemberg & Peres, 2003).

Outras Considerações:
  • Olhar para a situação ora vigente no meio rural brasileiro, no que diz respeito ao uso indiscriminado de agrotóxicos, não é uma tarefa simples. Não é o bastante conhecer as formas através das quais as populações humanas continuam, a cada ano, a se expor e se contaminar por estes agentes. 
Avaliar o problema através do modelo clássico-toxicológico que inclui a identificação do perigo, caracterização do risco, avaliação da resposta e gerenciamento dos riscos, é insuficiente diante da dimensão desta situação que, ano a ano, acomete milhões de pessoas em todo o mundo. Olhar para a questão sem o cuidado de observar os mais discretos aspectos, tanto relacionados à forma como as populações humanas agem diante da necessidade de uso destes agentes químicos, quanto às limitações dos instrumentos analíticos hoje disponíveis, é como olhar para uma figura distante: delimita-se, imprecisamente, o contorno, sem conhecer os detalhes que lhe dão a forma.
  • O objeto da contaminação humana e ambiental por agrotóxicos é, em sua natureza, complexo, e demanda um entendimento mais amplo do problema, dissociado da corrente que acredita (ou leva as pessoas a crer) que o problema é resultante da ignorância do homem do campo – que deliberadamente se exporia aos riscos oriundos do processo de trabalho (visão esta que só interessa à indústria produtora destes agentes que, anualmente, fatura em cima de um mercado estimado na casa dos bilhões de dólares).
Diversos aspectos, como a influência dos determinantes socioeconômicos, as dificuldades relacionadas à organização dos dados de intoxicação no país, os desafios metodológicos relativos ao monitoramento da exposição humana aos agrotóxicos e o reforço de estereótipos etnocêntricos do homem do campo, por parte de técnicos e educadores, trazem à discussão a necessidade de uma abordagem interdisciplinar e integrada do problema, sem a qual existe o risco de serem empreendidos esforços em vão, onerando desnecessariamente tanto os órgãos de assistência rural quanto o Sistema Único de Saúde, responsáveis diretos pelo atendimento destas populações. 
  • Vale, ainda, ser destacada a forte influência de grupos de interesse (no caso específico, a indústria química e o comércio à qual está ligado) em criar as supostas "necessidades" que levam à adoção em massa de tais tecnologias. Somente com a desvinculação dos interesses comerciais é possível reverter a situação ora experimentada pelos milhões de trabalhadores ocupados no campo. 
Para tal, governo, sociedade organizada, grupos de interesse e organizações não governamentais devem estar unidos em torno de um objetivo maior que o lucro: a garantia da qualidade de vida do trabalhador rural, do ambiente e da população – consumidora dos produtos provenientes da lavoura – como um todo.
  • E para tanto, abordagens integradoras e interdisciplinares devem ser adotadas para a avaliação e o controle dos efeitos nocivos dos agrotóxicos sobre a saúde humana e o ambiente, integrando as ciências farmacêuticas/toxicológicas e sociais/humanas de forma a colocar a vulnerabilidade das populações rurais e do ambiente no eixo central das análises e avaliações.

A Contaminação Humana e Ambiental por Agrotóxicos 

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Utilização de drogas veterinárias, agrotóxicos e afins em ambientes hídricos: Demandas, regulamentação e considerações sobre riscos à saúde humana e ambiental

Utilização de drogas veterinárias, agrotóxicos e afins
em ambientes hídricos:Demandas, regulamentação e considerações
sobre riscos à saúde humana e ambiental

Adriana de Araújo Maximiano 
Renata Oliveira de Fernandes
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis/DILIQ. SCEN – Trecho 2. Av. L 4 Norte, Edifício Sede Bloco C, 70800-200, Brasília DF. adriana.maximiano@ibama.gov.br
Flávio Pereira Nunes
Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde
Marcelo Prudente de Assis
Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Qualidade Ambiental
Ruben Vieira de Matos
Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, Faculdade de Ciências da Saúde
Cynthia Gonçalves Silva Barbosa
Agência Nacional de Vigilância Sanitária, GGTPS
Eduardo Cyrino Oliveira-Filho
Embrapa Cerrados, Laboratório de Ecotoxicologia
  • A água é um dos recursos naturais mais importantes para a vida, apresentando usos intensivos e diversificados. Além de ser componente vital no sistema de sustentação da vida na Terra, também é necessária para dar continuidade ao crescimento econômico das sociedades. 
Dentre os vários usos, destacam-se o consumo humano, a dessedentação de animais, a irrigação, o cultivo de espécies aquáticas, os processos industriais, a geração de energia, o lazer e a navegação (Maciel Jr. et al., 2000). Esses usos dependem dos padrões de qualidade da água dos recursos hídricos, os quais são estabelecidos por normas federais e estaduais.
  • No Brasil, a situação de poluição dos recursos hídricos apresenta-se de forma bastante diversificada, reflexo da variabilidade de desenvolvimento socioeconômico e disponibilidade hídrica nas regiões (Zampieron & Vieira, 2003).
A falta de informação sobre a biodiversidade dos ecossistemas aquáticos no Brasil impede a sistematização de dados abrangentes, o que prejudica o desenvolvimento de políticas e planejamentos de ação para os recursos hídricos (Buss, 2002). Este cenário dificulta o estabelecimento de causa e efeito dos impactos da utilização de produtos químicos ou biológicos sobre os ambientes hídricos.
  • A adição, por quaisquer processos (despejo, lançamento, transporte, deriva ou lixiviação) não-intencionais, de substâncias químicas ou material biológico ao meio ambiente representa um impacto. Muitos desses processos podem implicar a eutrofização dos ambientes hídricos, mortandade de organismos aquáticos, ruptura de cadeias tróficas, e comprometimento ou inviabilização dos fins determinados para utilização da água.
Além de lançar resíduos de maneira direta ou indireta nos ambientes hídricos, o homem também vem interferindo nesses ecossistemas, por meio da aplicação direta de produtos agrotóxicos e afins, entre outras substâncias, com o objetivo de controlar espécies nocivas ou proteger espécies úteis, de acordo com seus interesses e necessidades.
  • Nesse contexto, surge a preocupação sobre os possíveis riscos decorrentes da adição intencional (aplicação) desses produtos aos ambientes hídricos, com a finalidade de atender demandas planejadas e administradas pelos setores da saúde, agricultura, saneamento, energia, entre outros.
Assim sendo, o presente trabalho tem como objetivo apresentar as demandas nacionais para a utilização de produtos nos diversos ambientes hídricos e as bases legais que disciplinam tais atividades, de modo a identificar as lacunas existentes no gerenciamento dessas ações.

Demandas para uso de produtos em ambientes hídricos:
Controle sanitário e de doenças em aquicultura
  • A aquicultura é o ramo da zootecnia que trata do cultivo dos organismos que têm na água seu principal ou mais freqüente ambiente de vida. A piscicultura, em particular, apresenta um enorme potencial de crescimento no Brasil, devido a características como condições climáticas adequadas, grande rede hídrica e grande área coberta por reservatórios (Zaniboni Filho, 1997). Porém, o aproveitamento racional e otimizado desse potencial é ainda incipiente, causando problemas de ordem técnica e ambiental (Queiroz et al., 2002).
O confinamento dos peixes em tanques, com alta densidade populacional, e a introdução de espécies exóticas, sem os cuidados sanitários necessários, criam condições que favorecem a introdução e o desenvolvimento de patógenos e parasitas. 
  • Para prevenir e controlar os danos decorrentes, os criadores têm utilizado produtos químicos, de forma indiscriminada. Como, de um modo geral, na aquicultura a água é retirada de cursos d’água e devolvida a eles depois de passar pelos tanques, tais produtos podem ser transportados e causar impactos diversos em outros ambientes.
Entre os principais produtos utilizados em todo o mundo para o controle sanitário e de doenças em aquicultura, destacam-se: cloreto de sódio, permanganato de potássio, azul de metileno, formaldeído, verde malaquita, sulfato de cobre, triclorfon, e os antibióticos, tetraciclina, eritromicina e a oxitetraciclina.

Controle de algas:
  • As algas azuis (cianobactérias ou cianofíceas) são microrganismos componentes do fitoplâncton em ambientes dulcícolas. Algumas espécies desse grupo produzem toxinas que ao serem liberadas para a água podem ocasionar efeitos tóxicos no ser humano e em outros organismos habitantes do meio. Fatores como a eutrofização dos ambientes hídricos, ocasionada principalmente pelo lançamento de nutrientes na água (ex.: esgoto, fertilizantes), aumentam de forma excessiva a população dessas algas e dão origem ao fenômeno chamado floração ou bloom (Sant’Anna & Azevedo, 2000). 
Desse modo, surge a necessidade do controle e do monitoramento dessas populações nas represas destinadas ao abastecimento público. Ainda segundo Sant’Anna & Azevedo (2000), o controle da água destinada ao abastecimento é feito colocando-se algicidas, como sulfato de cobre ou peróxido de hidrogênio nas represas. Contudo, a aplicação desses produtos pode gerar efeitos adversos, uma vez que podem ser tóxicos para organismos não-alvo e a própria morte das algas, por lise celular, pode liberar toxinas em concentração suficiente para causar danos à outras espécies e comprometer o uso da água.
  • Dentre os principais algicidas utilizados em vários países, destacam-se: os compostos à base de cobre, como sulfato de cobre e os cobres quelados (CRCWQT, 2002; Garling, 1999; Zagatto et al., 1998; Sant'Anna & Azevedo, 2000; Vandiver Jr., 2002); além do peróxido de hidrogênio (Zagatto et al., 1998; Sant'Anna & Azevedo, 2000), endotal (Garling, 1999; Vandiver Jr., 2002), simazina (CRCWQT, 2002) e diquat (Vandiver Jr., 2002).
Cabe ressaltar que, por se tratarem de substâncias com ação biocida, os algicidas são caracterizados pela legislação brasileira como agrotóxicos e afins e, desse modo, estão sujeitos às mesmas exigências requeridas para este grupo de produtos. Todavia, no Brasil, nenhum algicida utilizado para tratamento de piscinas, tem uso autorizado para ambientes hídricos (Brasil, 1989; Anvisa, 2003).

Controle de plantas aquáticas:
  • As plantas aquáticas são vegetais que se desenvolvem em ambientes, temporária ou permanentemente alagados e caracterizam-se pela alta taxa de crescimento e pela capacidade de reprodução assexuada.
O crescimento excessivo de plantas aquáticas tem prejudicado o uso múltiplo dos recursos hídricos no Brasil e em vários outros países. Em geral, tal desequilíbrio é gerado por efeito da ação antrópica sobre o meio ambiente. Os principais fatores responsáveis por esse crescimento são: excesso de nutrientes (eutrofização do ecossistema), desequilíbrio na cadeia de inimigos naturais, alteração do regime hídrico e introdução de espécies exóticas.
  • O controle de plantas aquáticas deve ser realizado quando as mesmas apresentam crescimento desequilibrado nos ambientes, prejudicando várias atividades, tais como a navegação, a captação de água para irrigação e uso público; a pesca, o lazer, os esportes náuticos, o funcionamento de unidades de geração de energia elétrica; ou favorecendo a proliferação de organismos vetores de doenças e ameaçando a diversidade biológica dos ecossistemas, ou seja, comprometendo assim a saúde pública, o meio ambiente e a utilização da água para diversos fins. 
Dentre os métodos de controle destacam-se: 
  1. O controle mecânico, realizado por meio de colheitas mecânicas ou manuais, queimadas, sombreamento, alteração do nível da coluna d’água, corantes que limitam a penetração de luz, entre outros; 
  2. O controle biológico, alcançado por meio de manejo de predadores ou parasitas (peixes, fungos, insetos, bactérias); e 
  3. O controle químico, realizado por meio de herbicidas sistêmicos ou de contato, seletivos ou de largo espectro de absorção (Ibama, 2001).
Entre os principais ingredientes ativos herbicidas utilizados em vários países do mundo para o controle de plantas aquáticas destacam-se: 2,4-D, diquat, endotal, fluridone, glifosato e imazapir. Segundo a Anvisa (2003), apenas o ingrediente ativo fluridone tem autorização de uso para este fim no Brasil, sendo justamente o único não utilizado na agricultura.

Controle de vetores em campanhas de saúde pública:
  • Uma das principais estratégias dos programas de controle das doenças transmitidas por vetores tem sido o combate direto aos mesmos, tendo em vista a indisponibilidade de vacinas ou drogas efetivas para a prevenção ou tratamento dessas doenças. O objetivo dos programas de saúde pública é erradicar o transmissor ou manter a transmissão em níveis que possam ser tratados pelos serviços de saúde sem a necessidade de medidas adicionais de controle (Hayes, 1991; WHO, 1997).
Segundo levantamentos realizados na Coordenação Geral de Insumos Estratégicos (CGIES), da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), os programas de saúde pública que utilizam agrotóxicos aplicados diretamente na água para combate de determinada fase do ciclo de vida dos vetores são: malária (Bacillus sphaericus), dengue (temephós, methoprene, Bacillus thuringiensis) e esquistossomose (niclosamida). De um modo geral, os métodos de controle de vetores estão baseados no manejo ambiental (ex. saneamento, alterações físicas do ambiente), e nos controles biológico (e.g. predadores naturais, armadilhas com feromônios, agentes microbiológicos) e químico (agrotóxicos).

Bases legais pertinentes:
Legislação relacionada à qualidade de água:
  • Quanto à poluição dos corpos hídricos, a lei nº 9.605, de 12.02.98 (Lei de Crimes Ambientais), dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de conduta e atividades lesivas ao meio ambiente. Seu artigo 33 determina pena de detenção ou multa para quem provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o perecimento de espécimes da fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou águas jurisdicionais brasileiras, incorrendo das mesmas penas aquele que, segundo o artigo 54, causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.
No que diz respeito ao controle das atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetivamente ou potencialmente poluidoras, bem como capazes de causar degradação ambiental, a resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) nº 237, de 19.12.97, estabelece a necessidade de prévio licenciamento ambiental do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis. No âmbito desta resolução destacam-se as atividades de manejo de recursos aquáticos vivos. Além disso, sobre os parâmetros de qualidade de água, a resolução Conama nº 20, de 18.06.86, estabelece os critérios para a classificação das águas doces, salobras e salinas e a portaria Funasa nº 1.469, de 29.12.00, estabelece os parâmetros relativos à qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade.

Utilização de drogas veterinárias, agrotóxicos e afins
em ambientes hídricos:Demandas, regulamentação e considerações
sobre riscos à saúde humana e ambiental

Legislação relacionada ao uso de drogas veterinárias:
  • O decreto-lei nº 467, de 13.02.69, define produto de uso veterinário como todos os preparados de fórmula simples ou complexa, de natureza química, farmacêutica, biológica ou mista, com propriedades definidas e destinadas a prevenir, diagnosticar ou curar doenças dos animais, ou que possam contribuir para a manutenção da higiene animal. 
Além disso, estabelece os critérios para fiscalização, fracionamento, comercialização, armazenamento, manipulação, acondicionamento e utilização desses produtos, e obriga os estabelecimentos que desenvolvem essas atividades a se licenciarem no Ministério da Agricultura.
  • O decreto nº 1.662, de 6.10.95, que regulamenta a legislação sobre a fabricação e a comercialização de produtos veterinários, define produto veterinário como toda substância química, biológica, biotecnológica ou preparação manufaturada, cuja administração seja aplicada de forma individual ou coletiva, direta ou misturada com os alimentos, destinada à prevenção, ao diagnóstico, à cura ou ao tratamento das doenças dos animais, incluindo os aditivos, suprimentos, promotores, melhoradores da produção animal, anti-sépticos, desinfetantes de uso ambiental ou equipamentos, pesticidas e todos produtos que, utilizados nos animais e/ou no "habitat", protejam, restaurem ou modifiquem suas funções orgânicas e fisiológicas. 
Compreendem-se ainda, nesta definição os produtos destinados ao embelezamento dos animais. Além disso, estabelece normas para o registro de tais produtos no Departamento de Defesa Animal, do Ministério da Agricultura. Cabe ressaltar que o artigo 26 estabelece que os produtos de uso veterinário deverão atender às normas de qualidade e segurança para a saúde animal, saúde pública e o meio ambiente; e que nos dizeres de rótulo e bula devem estar discriminados, dentre outras coisas, a dose recomendada por espécie.
  • Várias publicações posteriores normatizam esse decreto. A portaria nº 301, de 19.04.96, do Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária (MAARA), define normas complementares do regulamento de fiscalização de produtos veterinários e estabelecimentos que os fabriquem e ou comercializem. 
O artigo 30 estabelece que os produtos veterinários somente poderão ser comercializados, em qualquer parte do território nacional, depois de devidamente registrados no Departamento de Defesa Animal (DAA) e deverão obedecer a uma das seguintes classificações quanto à necessidade de receita para venda: com receita oficial arquivada, com receita veterinária arquivada, com receita veterinária e de venda livre. 
  • A portaria nº 74, de 11.06.96, da Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA), estabelece o roteiro para registro de produtos farmacêuticos de uso veterinário. Para tal registro são exigidas informações quanto a: intoxicação no homem (tratamento, antídoto e dados de centros toxicológicos), efeitos biológicos não desejados (carcinogenicidade, teratogenicidade, mutagenicidade, etc), controle sobre resíduos medicamentosos (Ingesta Diária Admissível – IDA, Limite Máximo de Resíduos – LMRs), tempo que deve transcorrer entre o último dia de tratamento e o abate dos animais para consumo humano, etc. 
A portaria nº 48, de 12.05.97, da SDA, regulamenta o licenciamento e/ou renovação de licença de produtos antiparasitários de uso veterinário, definindo critérios a serem obedecidos nos testes de eficácia dos produtos com a especificação da espécie animal utilizada no experimento. A portaria nº 193, de 12.05.98, do MAARA, regulamenta o licenciamento e a renovação de licença de antimicrobianos de uso veterinário, com a ressalva que o produto deve discriminar a dose recomendada para cada espécie de animal indicada. 
  • Nenhuma dessas normas prevê a utilização de tais produtos em ambientes hídricos. Curiosamente a instrução normativa nº 42, de 20.12.99, da SDA, que altera o Plano Nacional de Controle de Resíduos em Produtos de Origem Animal, inclusive o pescado, cita como antibióticos mais recomendados na piscicultura, a tetraciclina, a eritromicina e a oxitetraciclina.
Legislação comum: 
Relacionada ao uso de produtos algicidas, herbicidas e para controle de vetores:
  • A lei nº 7.802, de 11.07.89, dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins. 
Esta lei ainda define agrotóxicos e afins como os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos. 
  • O decreto nº 4.074, de 8.01.02, regulamenta essa lei e estabelece as competências dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), da Saúde (MS) e do Meio Ambiente (MMA). Além disso, a publicação desse decreto abriu caminho para várias normatizações complementares a serem definidas, incluindo produtos microbiológicos, produtos destinados exclusivamente aos ambientes hídricos e os produtos agrotóxicos/domissanitários registrados conforme a lei nº 6.360, de 23.09.76.
Essa lei e decreto são complementados por normas que dispõem sobre pesquisa e experimentação (portaria da Secretaria de Vigilância Sanitária – SVS nº 14, de 24.01.92), o registro de produtos químicos (portaria da SVS nº 03, de 16.01.92, portaria Ibama nº 84, de 15.10.96) e de produtos microbiológicos (portaria Ibama nº 131, de 3.11.97, resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, nº 194, de 8.07.02). 
  • Ressalta-se que a portaria SVS nº 03/92 estabelece a monografia técnica dos produtos agrotóxicos, documento este que dá publicidade ao deferimento de um ingrediente ativo na vigilância sanitária, e define sua autorização de uso para os vários tipos de ambiente, além do estabelecimento de doses e culturas. Segundo a Anvisa (2003), no Brasil não há produtos registrados para o controle de algas em reservatórios.
Legislação relacionada: 
Aos produtos utilizados no controle de vetores:
  • A lei nº 6.360, de 23.09.76, dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos. Os produtos utilizados no controle de vetores são regulamentados nessa lei, por serem considerados inseticidas domissanitários. 
Nesse contexto, define-se inseticida aquele saneante domissanitário destinado ao combate, à prevenção e ao controle dos insetos em habitações, recintos e lugares de uso público e suas cercanias. Essa lei é regulamentada pelo decreto nº 79.094, de 5.01.77, que dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os insumos farmacêuticos e correlatos, saneantes e outros produtos. 
  • A lei nº 10.191, de 14.02.01 dispõe sobre a aquisição de produtos para a implementação das ações de saúde no âmbito do Ministério da Saúde. Esta lei estabelece que a aquisição de inseticidas para a implementação de ações de saúde poderá ser realizada por intermédio de organismos multilaterais internacionais de que o Brasil faça parte e, neste caso, obedecerão aos procedimentos por eles adotados.
A portaria do Ministério da Agricultura nº 329, de 2.09.85, proibiu a comercialização, o uso e a distribuição dos produtos agrotóxicos organoclorados, com exceção dos aplicados pelos órgãos públicos competentes, em campanhas de saúde pública de combate a vetores de agentes etiológicos de moléstias. Todavia, a proibição definitiva de uso do DDT em saúde pública ocorreu somente em 1998 com a publicação da portaria nº 11, de 8.01.98.
  • Com relação aos produtos domissanitários, a portaria da Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) nº 321, de 28.07.97, aprova normas gerais para produtos inseticidas e outros produtos desinfestantes destinados à venda direta ao consumidor e para aplicação por entidades especializadas. Ainda sobre a mesma matéria, destacam-se as portarias: nº 631 snvs, de 10.12.97, nº 380 SVS, de 26.04.99 e a Resolução Anvisa-RDC nº 184, de 22.10.01.
Considerações finais:
  • Por meio da identificação das demandas para o uso de drogas veterinárias, agrotóxicos e afins, verificou-se a importância de tais produtos no controle de determinados organismos em ambientes hídricos, uma vez que muitos desses organismos trazem grandes prejuízos à economia, à saúde humana e ao meio ambiente.
Diferentes métodos podem ser utilizados para controlar organismos aquáticos ou que tenham seu ciclo de vida associado a água, com destaque para os controles químico e biológico. O controle químico utilizado refere-se principalmente ao uso de substâncias químicas no combate a esses organismos. 
  • Esse método vem sendo muito discutido nos últimos anos, nos países onde é utilizado com maior experiência, já que muitos dos produtos promovem a seleção biológica dos organismos indesejáveis, que adquirem resistência às substâncias químicas. Outro ponto desfavorável à adoção do controle químico é a agressão, muitas vezes irreversível, que estes produtos podem provocar no meio ambiente, o que acaba gerando protestos de toda a sociedade.
Quanto à utilização de drogas veterinárias diretamente em ambientes hídricos, observa-se que o decreto nº 1.662/95 estabelece que todo produto veterinário deverá ser registrado no Departamento de Defesa Animal da Secretaria de Defesa Agropecuária, do MAARA, atualmente Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). 
  • O requerimento para registro de produtos veterinários deverá ser acompanhado de relatório técnico descritivo, incluindo informações sobre os testes de controle da toxicidade, com indicativo das margens entre os níveis de uso e o aparecimento de sintomas tóxicos na espécie mais sensível, ou buscando a correlação com animais controles, ou com outros métodos cientificamente reconhecidos. 
Ressalta-se que para os casos de uso de drogas em aquicultura/piscicultura, não há legislação específica e tampouco produtos com registro para este fim. Além disso, diferentemente dos agrotóxicos e afins, tais produtos hoje no Brasil, são avaliados apenas pelo órgão registrante, o MAPA, sem nenhum envolvimento dos setores de saúde e meio ambiente. 
  • Esse fato é preocupante, pois na medida em que não existe nenhuma avaliação do perigo que essas drogas representam para as comunidades aquáticas, para o consumidor dessa água e, consequentemente, para o consumidor de alimentos da área tratada, a extensão dos riscos desse tipo de uso, à saúde humana e ao meio ambiente, é ainda desconhecida. Essa consideração reflete uma situação explicitada por Benbrook (2002) para os Estados Unidos. 
Nesse contexto, o autor comenta que a falta de produtos regulamentados para este fim aumenta o potencial para abusos e usos incorretos, levando os criadores a utilizarem drogas ilegais, em geral aprovadas para outros usos. Assim torna-se difícil estabelecer o quantitativo do uso de drogas em ambientes hídricos e dos perigos potenciais, pois há falta de dados e as leis são fragmentadas.
  • Quanto à utilização de algicidas e herbicidas em ambientes hídricos, observa-se que a necessidade do uso desses produtos é gerada, principalmente, pelo enriquecimento dos ambientes com nutrientes, tais como os oriundos do lançamento de esgotos domésticos. Desse modo, a simples melhoria das políticas públicas de saneamento, valorizando e investindo na construção de estações de tratamento de esgotos e de efluentes industriais poderia minimizar tais demandas.
Os produtos aplicados em ambientes hídricos para controle de plantas aquáticas (herbicidas) têm dois modos de ação – contato e sistêmico. No primeiro, a dose aplicada é estabelecida por área de superfície d’água; e no segundo, a dose é calculada por volume de água. Os produtos cujas doses são expressas em g/ha (massa/área) dificultam a determinação da concentração da exposição dos organismos aquáticos. 
  • Nesses casos, a exposição pode ser super ou subestimada, na dependência de uma série de fatores ambientais (fluxo d’água, ventos, cobertura vegetal) e técnicos (tamanho da gota, fluxo da aspersão, presença de adjuvantes). A concentração dos produtos na coluna d’água pode, todavia, ser estimada por meio da proposição de um cenário com condições extremas – pior caso e modelos de dispersão. Em todos os casos, o monitoramento ambiental torna-se fundamental para validar as hipóteses propostas.
Quanto à utilização de produtos no controle de vetores, verifica-se que os inseticidas utilizados em campanhas de saúde pública são registrados no país pela Anvisa, com base em dados de eficiência e toxicidade. Todavia, conforme a lei nº 7.802/89 e o decreto nº 4.074/02, os produtos a serem utilizados em ambientes hídricos deveriam ser registrados no Ibama, mediante anuência da Anvisa. 
  • Desse modo, de acordo com a legislação pertinente, os produtos utilizados em campanhas de saúde pública, aplicados em ambientes hídricos deveriam ser registrados mediante a avaliação da Anvisa e do Ibama, o que ainda não ocorre no Brasil. Além disso, a opção pela estratégia de controle, seja por meio da utilização de inseticidas químicos ou biológicos, ou ações sanitárias e de saúde ambiental é avaliada pela Funasa, tomando por base indicadores epidemiológicos e recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Do ponto de vista epidemiológico, é difícil correlacionar os efeitos de compostos químicos específicos sobre a saúde humana. As dificuldades são inúmeras em face da variedade dos métodos de utilização dos produtos, a multiplicidade de fatores de risco no ambiente e no estilo de vida, a dificuldade de mensurar com precisão os níveis e tempo de exposição aos contaminantes, e o desconhecimento da toxicidade apresentada por misturas de substâncias.
  • Existem poucos estudos sobre o comportamento ambiental dos agrotóxicos e afins em climas tropicais. As propriedades físico-químicas e toxicológicas diferem grandemente entre os compostos de diferentes classes químicas e, inclusive, para os de uma mesma classe química, o que torna extremamente difícil a tarefa de fazer generalizações sobre os destinos e impactos dos mesmos no ambiente (Dores & De-Lamonica-Freire, 2001). 
O mesmo pode ser afirmado com relação à presença de drogas veterinárias e resíduos de medicamentos humanos em ambientes hídricos, fato que tem gerado muita preocupação na comunidade científica, principalmente em países da Europa (Jones et al., 2003).
  • Embora algumas vezes utilizados de acordo com as recomendações prescritas em seus registros, não se exclui a possibilidade de que concentrações mais elevadas dos produtos venham a ocorrer, seja devido a erros de dose na aplicação, mudanças no fluxo hídrico esperado, inversão climática, ou mesmo, devido ao acúmulo da aplicação de diversas doses de produtos persistentes. Não existe nível seguro previsível para agrotóxicos na água quando pode ocorrer inclusive, o fenômeno da biomagnificação (Eichelberger & Lichtenberg, 1971).
O arcabouço legal que disciplina o registro, a pesquisa, a importação, o controle e o uso dos produtos de utilização médico-sanitário, em campanhas de saúde pública, é ainda deficiente no País, uma vez que, os procedimentos para pleitos de registro, dados necessários para as avaliações de eficiência e ecotoxicológica, assim como os procedimentos referentes ao descarte de embalagens e fiscalização de uso não estão contempladas na legislação.
  • O decreto nº 4.074/02 não traz regras específicas para produtos a serem utilizados em ambientes hídricos e isto pode se tornar um problema, na medida em que, com a ausência de uma regulamentação específica para a avaliação do uso de produtos dessa natureza, nesses ambientes, a segurança do ecossistema pode ser seriamente comprometida.
A portaria Funasa nº 1.469/00 estabelece os parâmetros relativos à qualidade da água para consumo humano, e a Resolução Conama nº 20/86 estabelece os limites máximos de resíduos em água, segundo os seus usos de destino, com os objetivos de preservar a saúde humana e os organismos aquáticos, respectivamente. Essas normatizações, no entanto, não contemplam a maioria dos ingredientes ativos citados neste trabalho, tampouco a maioria dos agrotóxicos utilizados na agricultura que podem vir a contaminar os recursos hídricos.
  • É importante enfatizar que existe, ainda hoje, muita controvérsia com relação aos efeitos tóxicos crônicos dos agrotóxicos, e outras substâncias, para o ser humano, principalmente quando consumidos em baixas doses ao longo de toda uma vida (Dores & De-Lamonica-Freire, 2001). A mesma controvérsia aplica-se ao desconhecimento dos efeitos tóxicos crônicos dessas substâncias sobre os organismos aquáticos.
Todos os pontos abordados neste trabalho direcionam para a necessidade de se desenvolver estudos sobre a presença de resíduos de agrotóxicos e afins, bem como de drogas veterinárias, em ambientes hídricos, e sobre seus efeitos na biodiversidade aquática e na saúde humana em condições tropicais. 
  • Observou-se também a necessidade premente do debate entre todos os órgãos envolvidos na liberação e no uso dessas substâncias, visando à elaboração de uma legislação integrada e intersetorial, determinando, entre outras coisas, o registro para tal finalidade, os intervalos de segurança, os limites máximos de resíduos em água e os responsáveis pelo uso e pela possível ocorrência de danos à saúde e ao meio ambiente. 
Em todo o caso, deve-se primar pelo diálogo, objetivando atender aos interesses de todos os envolvidos, incluindo: produtores, usuários e sobretudo, membros das comunidades que dependem desses ambientes para a manutenção da sua sobrevivência e nesse caso devem conhecer e deliberar sobre o potencial de risco a que estarão submetidos.

Colaboradores:
AA Maximiano trabalhou na concepção teórica, formatação do trabalho, pesquisa bibliográfica e na análise do material coletado; RO Fernandes, na formatação do trabalho, pesquisa bibliográfica e na análise do material; FP Nunes, na formatação do trabalho, realização de pesquisa bibliográfica e na análise do material; MP Assis, na formatação do trabalho, realização de pesquisa bibliográfica e entrevistas e na análise do material. RV Matos e CGS trabalharam no levantamento bibliográfico e na análise do material; e EC Oliveira Filho, na concepção teórica, orientação do trabalho, análise do material e na revisão do conjunto da obra.
Referências bibliográficas:

Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) 2003. Toxicologia – monografias de produtos agrotóxicos. 22 maio 2003. [ Links ]Disponível em <http://www.anvisa.gov.br/toxicologia/monografias/index.htm>.
Benbrook CM 2002. Antibiotic drug use in U.S. aquaculture. 15 maio 2003. [ Links ]Disponível em <http://www.iatp.org/fish/library/uploadedFiles/Antibiotic_Drug_Use_in_US_Aquaculture.doc.>
Brasil 1989. Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989. Dispõe sobre ... agrotóxicos, seus componentes e afins e dá outras providências. 15 maio 2003. Disponível em <http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Leis/L7802.htm> [ Links ]
Buss DF 2002. Proteção à vida aquática, participação das comunidades e políticas de recursos hídricos. Ciência & Ambiente 25:71-84. [ Links ]
CRCWQT (Cooperative Research Centre for Water Quality and Treatment) 2002. Using algicides for the control of algae in Australia. 15 maio 2003. Disponível em <http://www.waterquality.crc.org.au/Publictn/algicides_crc.pdf> [ Links ]
Dores EFG & De-Lamonica-Freire EM 2001. Contaminação do ambiente aquático por pesticidas. Estudo de caso: Águas usadas para consumo humano em Primavera do Leste, Mato Grosso – Análise preliminar. Química Nova 24(1):27-36. [ Links ]
Eichelberger JW & Lichtenberg JJ 1971. Persistence of pesticides in river water. Environmental Science and Technology, 5(6):541-544. [ Links ]
Garling DL 1999. Nuisance aquatic plant control using algicides and herbicides. 15 maio 2003. Disponível em <http://www.msue.msu.edu/oakland/aquatics2.html> [ Links ]
Hayes Jr. WJ 1991. Introduction, pp. 1-38. In WJ Hayes Jr. & ER Laws Jr. (orgs.). Handbook of pesticide toxicology. Academic Press, San Diego. [ Links ]
Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) 2001. Controle de plantas aquáticas por meio de agrotóxicos e afins. DILIQ/Ibama, Brasília. [ Links ]
Jones OAH, Voulvoulis N & Lester JN 2003. Potential impact of pharmaceuticals on environmental health. Bulletin of the World Health Organization 81(10):768-769. [ Links ]
Maciel Jr. AA et al. 2000. Interfaces da gestão de recursos hídricos e saúde pública, pp. 396-420. In HR Muñoz (org.). Interfaces da gestão de recursos hídricos. Desafios da lei de águas de 1997. Secretria de Recursos Hídricos, Brasília. [ Links ]
Queiroz JF, Lourenço JNP & Kitamura PC 2002. A Embrapa e a aqüicultura: demandas e prioridades de pesquisa. Embrapa Informação Tecnológica. (Texto para Discussão; 11), Brasília. [ Links ]Disponível em <http://www22.sede.embrapa.br/unidades/uc/sge/texto11.pdf>
Sant'Anna CL & Azevedo MTP 2000. Uma ameaça à qualidade da água. Espalhadas pelo Brasil. Pesquisa Fapesp53:28-30. [ Links ]
Vandiver Jr. VV 2002. Biology and control of algae. University of Florida. 15 maio 2003. Disponível em <http://edis.ifas.ufl.edu/BODY_AG142> [ Links ]
WHO (World Health Organization) 1997. Vector control. Methods for use by individuals and communities. World Health Organization, Genebra. [ Links ]
Zagatto PA, Aragão MA, Domingues DF, Buratini SV & Araújo RPA 1998. Avaliação ecotoxicológica do reservatório do Guarapiranga, SP, com ênfase à problemática das algas tóxicas e algicidas. Anais do IV Congresso Latino-Americano de Ficologia, 1:63-81. [ Links ]
Zampieron SLM & Vieira JLA 2003. Poluição da água. Material de apoio – Textos. 20 maio 2003. Dissponível em <http://educar.sc.usp.br/biologia/textos/m_a_txt5.html> [ Links ]
Zaniboni Filho E 1997. O desenvolvimento da piscicultura brasileira sem a deterioração da qualidade da água. Revista Brasileira de Biologia 57(1):2-9. [ Links ]

Utilização de drogas veterinárias, agrotóxicos e afins
em ambientes hídricos:Demandas, regulamentação e considerações
sobre riscos à saúde humana e ambiental

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

As Embalagens de Defensivos Agrícolas no Brasil

A Logística Reversa e as Embalagens vazias de Defensivos Agrícolas no Brasil

  • A perspectiva iminente do colapso do planeta, tanto na questão ambiental quanto pela escassez de recursos naturais e alimentos, trouxe ao poder público e para as empresas privadas um mesmo direcionamento, resultando na mobilização por políticas de respeito ao meio ambiente e às pessoas.
A necessidade de maior produção de alimentos em espaços menos disponíveis para a agropecuária levou à busca de tecnologias que proporcionassem maior rendimento por área, com isso a proliferação do uso de defensivos agrícolas e conseqüente problema de destinação das embalagens vazias.
  • Por defensivos agrícolas pode-se entender que são produtos destinados ao uso nos setores de produção, armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens e na proteção de florestas nativas ou implantadas e de outros ecossistemas. 
Podem ser usados também em ambientes urbanos, hídricos e industriais, com o objetivo de modificar a composição da flora e da fauna, de modo a preservar das ações danosas de seres vivos considerados nocivos, bem como de substâncias e produtos empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores do crescimento. 
  • Outros nomes citados como sinônimos de defensivos agrícolas são agroquímicos e agrotóxicos segundo a Associação Brasileira das Industrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades-ABIFINA (2010).
A utilização dos defensivos agrícolas iniciou-se na década de 1920, época em que eram pouco conhecidos do ponto de vista toxicológico. No Brasil passou a ser utilizado intensivamente na agricultura a partir da década de 1960. Em 1975, o Plano Nacional de Desenvolvimento - PND, responsável pela abertura do Brasil ao comércio de defensivos agrícolas, condiciona o agricultor a comprá-los com recursos do crédito rural, ao instituir a inclusão de uma cota definida de agrotóxico para cada financiamento requerido conforme Organização Pan-Americana da Saúde-OPAS / Organização Mundial da Saúde-OMS (2010).
  • No canal de distribuição de insumos agrícolas a preocupação do setor com a sustentabilidade vai além de marketing social, porque de fato, é questão de sobrevivência do negócio. O segmento é fiscalizado por vários ministérios, e a legislação, vasta e onerosa, possui normativas para uso, comercialização, armazenagem e transporte de defensivos agrícolas, considerados produtos perigosos.
Portanto, a logística usualmente entendida como o gerenciamento do fluxo de materiais, estoque em processo de fabricação, produtos acabados, distribuição e informações, desde a origem da matéria prima até o ponto de consumo, com o propósito de atender as exigências dos clientes, conforme definido por Ballou (2001), é ampliado para que a competição real para a conquista dos consumidores deve incluir, em suas estratégias empresariais, o meio ambiente. 
  • Nesse enfoque, a logística reversa deve ser entendida como uma extensão do gerenciamento logístico, preocupado com o retorno dos resíduos de produtos, tornando-os inertes ao meio ambiente, ou das embalagens vazias para serem reciclados e retornarem ao processo produtivo, conforme Gomes e Ribeiro (2004).
Os objetivos do desenvolvimento sustentável desafiam as companhias contemporâneas, (BELLEN, 2007), porque todas as definições e ferramentas pertinentes à sustentabilidade devem considerar o fato de que não se conhece totalmente como o sistema opera, podendo se descobrir apenas os impactos ambientais decorrentes de atividades e a interação com o bem-estar humano, com a economia e o meio ambiente. 
  • Muitos economistas ressaltam semelhanças entre a gestão de portfólios de investimento com a sustentabilidade, em que se procura maximizar o retorno mantendo o capital constante (RUTHERFORD, 1997), o que significa a necessidade de muitas vezes mudar a proporção dos capitais investidos como uma estratégia para obter lucros futuros. As empresas estão tomando um comportamento ambiental ativo, transformando uma postura passiva em oportunidades de negócios (LORA, 2000). 
O meio ambiente deixa de ser um aspecto para atender as obrigações legais e passa a ser uma fonte adicional de eficiência.
  • No atual cenário econômico, muitas empresas procuram se tornar competitivas, nas questões de redução de custos, minimizando o impacto ambiental e agindo com responsabilidade. E descobriram que controlar a geração e destinação de seus resíduos é uma forma a mais de economizar e que possibilita a conquista do reconhecimento pela sociedade e o meio ambiente, pois não se trata apenas da produção de produtos, mas a preocupação com a sua destinação final após o uso.
Isso significa que, para ter sucesso, uma organização deve oferecer um produto com maior valor perceptível pelo cliente, ou produzir com custos menores, ou, ainda, utilizar a combinação das duas estratégias.
  • Assim, a logística tem se posicionado como uma ferramenta para o gerenciamento empresarial pela sua contribuição na obtenção de vantagens econômicas, sem, contudo, desconsiderar os aspectos ambientais, conforme Rogers e Tibben-Lembke (1998). Porque a legislação que atribui maior responsabilidade ao produtor fica cada vez mais popular em todo o mundo, isto é, repassa ao fabricante a responsabilidade sobre o seu produto desde a fabricação até o final da vida útil.
A destinação final desses produtos traz um grande problema ao meio ambiente, mas apresenta oportunidades de reciclagem ou reuso que podem incentivar diversas outras operações capazes de trazer resultados positivos.
  • A logística reversa está ligada ao mesmo tempo, a questões legais e ambientais e as econômicas, o que coloca em destaque e faz com que seja imprescindível o seu estudo no contexto organizacional, porque é o processo por meio das quais as empresas podem se tornar ecologicamente mais eficientes por intermédio da reciclagem, reuso e redução da quantidade de materiais usados, conforme Carter e Ellram (1998).
Diante desse cenário, é formulada a seguinte questão de pesquisa:
Desde a implantação da Lei n° 9.974/2000 e Decreto n° 4.074/2002 que estimula o retorno e a reciclagem das embalagens houve melhoria no manuseio das embalagens vazias de defensivos agrícolas no Brasil?
Para responder a questão realizou-se uma pesquisa aos dados secundários coletados na forma quantitativa que foram tratados por meio da estatística descritiva, média e percentagem, enquanto os dados secundários coletados na forma qualitativa foram tratados segundo a abordagem da análise de conteúdo e documental (BARDIN, 1997).

Classificação dos defensivos agrícolas:

Dada à diversidade dos produtos, cerca dos 300 princípios ativos em duas mil formulações comerciais diferentes no Brasil, é importante apresentar a classificação dos defensivos agrícolas quanto à sua ação (OPAS/OMS, 2010):
  • Inseticidas: possuem ação de combate a insetos, larvas e formigas;
  • Fungicidas: combatem fundos;
  • Herbicidas: combatem ervas daninhas;
  • Raticidas: utilizados no combate a roedores;
  • Acaricidas: ação de combate a ácaros diversos;
  • Nematicidas: ação de combate a nematóides;
  • Molusquicidas: ação de combate a moluscos, basicamente contra o caramujo da esquistossomose;
  • Fundgantes: ação de combate a insetos e bactérias.
Quanto ao poder tóxico, à classificação está a cargo do Ministério da Saúde (OPAS/OMS, 2010) e por determinação legal, todos os produtos devem apresentar nos rótulos uma faixa colorida indicativa de sua classe toxicológica, Classe toxicológica e cor da faixa no rótulo de produto agrotóxico
Classe I Extremamente tóxicos Faixa vermelha
Classe II Altamente tóxicos Faixa amarela
Classe II Medianamente tóxicos Faixa azul
Classe IV Pouco tóxicos Faixa verde
O Brasil está entre os principais consumidores mundiais de defensivos agrícolas, e a maior utilização dessas substâncias é na agricultura, em grandes extensões nos sistemas de monocultura. São também utilizados na saúde pública, na eliminação e controle de vetores transmissores de doenças endêmicas, e ainda, no tratamento de madeira para construção, no armazenamento de grãos e sementes, na produção de flores, para combate a piolhos e outros parasitas, na pecuária etc.

Logística Reversa:
  • Logística reversa é um termo bastante genérico e significa em seu sentido mais amplo, todas as operações relacionadas com a reutilização de produtos e materiais, englobando todas as atividades logísticas de coletar, desmontar e processar produtos e/ou materiais e peças usadas a fim de assegurar uma recuperação sustentável (LEITE, 2003). 
Historicamente foi associada com as atividades de reciclagem de produtos e a aspectos ambientais (KOPICKI; BERG; LEGG, 1993; KROON; VRIJENS, 1995; STOCK, 1992), assim, passou a ter importância nas empresas devido à pressão exercida pelos stakeholders relacionados às questões ambientais (HU; SHEU; HAUNG, 2002) e não podiam ser desprezadas. Desse modo, resumem-se as atividades da logística reversa em cinco funções básicas:
  • Planejamento, implantação e controle do fluxo de materiais e do fluxo de informações do ponto de consumo ao ponto de origem;
  • Movimentação de produtos na cadeia produtiva, na direção do consumidor para o produtor;
  • Busca de uma melhor utilização de recursos, seja reduzindo o consumo de energia, seja diminuindo a quantidade de materiais empregada, seja reaproveitando, reutilizando ou reciclando resíduos;
  • Recuperação de valor;
  • Segurança na destinação após utilização.
Os benefícios potenciais da logística reversa podem ser agrupados em três níveis:
  • Demandas ambientalistas que tem levado as empresas a se preocupar com a destinação final de produtos e embalagens por elas geradas (HU; SHEU; HAUNG, 2002);
  • Eficiência econômica, porque permite a geração de ganhos financeiros pela economia no uso de recursos (MINAHAN, 1998);
  • Ganho de imagem que a empresa pode ter perante seus acionistas, além de elevar o prestígio da marca e sua imagem no mercado de atuação (ROGERS; TIBBEN-LEMBKE, 1998).
Em termos práticos a logística reversa tem como objetivo principal reduzir a poluição do meio ambiente e os desperdícios de insumos, assim como a reutilização e reciclagem de produtos. O reaproveitamento de materiais e a economia com embalagens retornáveis têm trazido ganhos que estimulam cada vez mais iniciativas e esforços para implantação da logística reversa, visando à eficiente recuperação de produtos (ROGERS; TIBBENLEMBKE, 1998),
  • Na logística reversa é normal que a empresa tenha que recolher produto ou equipamento de forma completa, inclusive componentes que não lhes servirão, por exemplo: mesmo que possa aproveitar partes dos invólucros das pilhas e baterias, terá de captar a peça completa, inclusive a parte química, cuja recuperação nem sempre é vantajosa, ou as metalúrgicas só recolherem as partes metálicas de um veículo descartado, desprezando pneus, estofamentos, lubrificantes, plásticos etc.
A logística reversa como processo pode ser entendido como complementar à logística tradicional, pois enquanto a última tem o papel de levar produtos dos fornecedores até os clientes intermediários ou finais, a logística reversa deve completar o ciclo, trazendo de volta os produtos já utilizados dos diferentes pontos de consumo a sua origem, de acordo com Lacerda (2002). 
  • A logística reversa é a área da logística empresarial que visa equacionar os aspectos logísticos do retorno dos bens ao ciclo produtivo ou de negócios por meio da multiplicidade de canais de distribuição reversos de pós–venda e de pós–consumo, agregando-lhes valor econômico, ecológico e legal (LEITE, 2003).
Quando se fala que o produto deve retornar a sua origem, não se pretende dizer que ele deve ser devolvido exatamente ao ponto em que foi fabricado, mas sim voltar para a empresa que o produziu. A empresa, por sua vez, dará o destino que lhe for mais conveniente, pode ser recuperá-lo, reciclá-lo, vendê-lo para outra empresa ou, até mesmo, jogá-lo no lixo. 
  • Logística reversa, diz respeito ao fluxo de materiais que voltam à empresa por alguns motivos tais como: devoluções de produtos com defeitos, retornos de embalagens, retornos de produtos e/ou materiais para atender à legislação. A atividade principal é a coleta dos produtos a serem recuperados e sua distribuição após reprocessamento.

A Logística Reversa e as Embalagens vazias de Defensivos Agrícolas no Brasil

Caracterização da Logística Reversa: 
De embalagens vazias de defensivos agrícolas:
  • Devido a legislações ambientais cada vez mais rígidas, a responsabilidade do fabricante sobre o produto está se ampliando, portanto, não é suficiente o reaproveitamento e remoção de refugo que fazem parte diretamente do seu próprio processo produtivo, o fabricante está sendo responsabilizado pelo produto até o final de sua vida útil. 
A logística reversa está ganhando importância nas operações das empresas, conforme Bowersox, Closs e Helferich (1986), quer seja devido a recalls efetuados pela própria empresa, responsabilidade pelo correto descarte de produtos perigosos após seu uso, produtos defeituosos e devolvidos para troca, vencimento do prazo de validade dos produtos ou desistência da compra por parte dos consumidores.Lacerda (2002) destaca três causas básicas:
  • Questões ambientais: prática comum em alguns países, notadamente na Alemanha, e existe no Brasil uma tendência de que a legislação ambiental caminhe para tornar as empresas cada vez mais responsáveis por todo ciclo de vida de seus produtos;
  • Diferenciação por serviço: os varejistas acreditam que os clientes valorizam mais, as empresas que possuem políticas mais liberais do retorno de produtos;
  • Redução de custo: iniciativas relacionadas à logística reversa têm trazido retornos consideráveis para empresas. 
Economias com a utilização de embalagens retornáveis ou com o reaproveitamento de materiais para a produção têm trazido ganhos que estimulam cada vez mais novas iniciativas de fluxo reverso.
  • Para Mueller (2005) nos processos industriais é freqüente a ocorrência de sobras durante a fabricação, e a logística reversa deve possibilitar a utilização desse refugo transferindo para a área correspondente ou se caso não for possível o seu uso para produzir novos produtos, deve ser removido para o descarte correto do material, portanto, é responsável por seu manuseio, transporte e armazenamento.
Em meados da década de 1990, foram iniciadas as primeiras articulações para a adoção de uma legislação para tratar do tema do descarte de embalagens vazias de defensivos agrícolas. 
  • Essa indústria é altamente regulamentada e o lançamento de cada produto exige apresentação de relatórios de pesquisa detalhados, contendo dados e informações para os Ministérios da Saúde, Agricultura e Meio Ambiente, garantindo que os mesmos não são prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente. Principalmente, conter cuidados e instruções sobre o uso e o descarte das embalagens vazias desses produtos (CANTOS; MIRANDA; LICCO, 2008).
A adoção de um procedimento que se ocupa da destinação final das embalagens vazias de defensivos agrícolas é complexa e requer a participação efetiva de todos os agentes envolvidos na fabricação, comercialização, utilização, licenciamento, fiscalização e monitoramento das atividades relacionadas com manuseio, transporte, armazenamento e processamento dessas embalagens.
  • O estudo assinalou-se, quanto aos fins, exploratório do tipo descritivo e, quanto aos meios, bibliográfico e documental, conforme Vergara (2009). O objetivo desta pesquisa é verificar se a partir da Lei n° 9.974/2000 e Decreto n° 4.074/2002 que estimula o retorno e a reciclagem das embalagens houve melhoria no manuseio das embalagens vazias de defensivos agrícolas no Brasil. Como objetivos intermediários procurar identificar o retorno em quilogramas das embalagens vazias e também identificar o consumo de defensivos agrícolas por cultura.
A coleta de dados foi por meio de fontes secundárias e para isso, foi pesquisado a legislação referente às questões de controle de embalagens; dados quantitativos de consumo de defensivos agrícolas, retorno de embalagens vazias e tipo de cultivo de plantações. 
  • As fontes secundárias foram obtidas na Associação Brasileira da Indústria Química (ABIQUIM), na Associação Nacional de Defesa Vegetal (ANDEF), na Associação Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV), na Revista Agroanalysis e no Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (SINDAG).
Em 2007 os Estados Unidos foi o principal consumidor mundial de defensivos agrícolas, seguido pelo Brasil, Japão e França. O Brasil é o que tem conseguido maior índice de produtividade em sua lavoura de 11,9 t/ha, seguido pelo Japão com 11,7 t/ha, resultante do uso intenso de agrotóxicos da ordem de US$ 87,83/ha, com custos relativamente mais baixos, se comparada a produção de US$ 7,36/t.

Consumo dos defensivos agrícolas no mundo em 2007:
Área Defensivo/ Defensivo/
País Plantada Produção Defensivos Produtividade Área Produção
(milhões/ha) (milhões/t) (milhões US$) (t/ha) (US$/ha) (US$/t)
  • USA 104,46 646,03 6.077 6,18 58,18 9,41
  • Brasil 61,48 733,98 5.400 11,94 87,83 7,36
  • Japão 3,19 37,22 2.712 11,68 851,04 72,87
  • França 13,51 120,12 2.659 8,89 196,79 22,14
  • China 165,96 1.378,85 1.656 8,31 9,98 1,2
  • Argentina 30,64 126,1 1.350 4,12 44,06 10,71
  • Rússia 56,88 175,22 371 3,08 6,52 2,12
No Brasil de acordo com a Tabela 2, o decêndio 1999-2008 indica que as culturas que mais utilizam fertilizantes como: a soja, a cana de açúcar, o milho e o algodão tiveram o aumento na produção que foi superior ao aumento tanto da área plantada como da área colhida, enquanto culturas de consumo interno não apresentam uso elevado de agroquímicos como arroz e feijão tiveram as suas áreas plantadas e colhidas reduzidas, mas mesmo assim tiveram o aumento na produção.
  • O tipo de defensivo agrícola mais utilizado nesse período no Brasil foi o herbicida, por conta de sua larga utilização nas lavouras de soja, milho e algodão. Os inseticidas são utilizados em sua maioria nas lavouras de soja, milho, algodão e feijão. Já os fungicidas são mais utilizados nas culturas de soja, feijão e milho. A evolução da comercialização dos inseticidas e fungicidas tem retraído o volume de vendas dos herbicidas, conforme (SINDAG 2009). 
Em 2008 a principal cultura demandante de defensivos agrícolas foi a soja com 45%, seguida pelo do milho com 14%, cana-de-açúcar com 9%, citros com 8% e algodão com 6% e as outras culturas somaram 18% da demanda por defensivos agrícolas do país.

Demanda por defensivos Agrícolas: 
Por cultura no Brasil em 2008:
Defensivos/Cultura (t de ingrediente Ativo) (%) por Cultura
  • Soja 140.489 45%
  • Milho 45.410 14%
  • Cana-de-açúcar 27.213 9%
  • Citros 25.098 8%
  • Algodão 18.806 6%
  • Café 8.338 3%
  • Arroz 5.667 2%
  • Trigo 5.584 2%
  • Feijão 5.461 2%
  • Reflorestamento 5.085 2%
  • Outras 20.401 7%
  • Total 307.552 100%
O crescimento apresentado na produção no período de 1999 a 2008 está associado também à elevada taxa de crescimento anual do consumo de defensivos agrícolas, principalmente nas culturas da soja (15,47%), cana-de-açúcar (13,27%), milho (10,83%), algodão (13,26%), arroz (2,55%) e feijão (6,88%). 
  • Para a cultura da soja o crescimento 26,59% a.a. no consumo de fungicidas se deve a forte incidência da ferrugem a partir de 2003. Também por conta de ataques de ferrugens e manchas foliares, bem como pelo aumento do cultivo da safra de inverno, conhecido como safrinha na cultura do milho foram responsáveis pelo crescimento dos fungicidas em 49,22% a.a. 
No caso da cana-de-açúcar a elevada infestação das lavouras com cigarrinhas e lagartas aumentou o consumo de inseticidas em 20,76% a.a. (REVISTA AGROANALYSIS, 2009).
  • A necessidade de maior produção de alimentos em espaços menos disponíveis para a agropecuária levou à busca de soluções tecnológicas que proporcionassem maior rendimento por área com o uso intensivo de defensivos agrícolas e mecanização da lavoura, elevando os ganhos dos produtores em termos de rendimento agrícola, o que tem suscitado discussões em diversas esferas da sociedade preocupadas com o desenvolvimento sustentável do planeta.
Os defensores desta prática afirmam que a população pode ser abastecida com maior quantidade de alimentos mantendo-se a mesma área cultivada sem a necessidade de abrir novas áreas de florestas para a expansão da lavoura. 
  • Sendo os defensivos agrícolas a única medida para o controle de populações de insetos quando estas se aproximam do nível de dano, proporciona rápida ação curativa contra um dano visível ou eficiência na ação preventiva para diferentes condições de ocorrência de pragas, proporciona retorno econômico e custo de utilização relativamente baixo que possibilita ao agricultor uma ação isolada e independente.
As discussões acerca do uso de defensivos agrícolas são diversas, onde as vantagens dizem respeito aos retornos econômicos e agronômicos que eles proporcionam ao produtor rural e quanto às desvantagens estas se situam nos campos da degradação ambiental e o risco à saúde humana. Além disso, no caso de embalagens, existem restrições legais relacionadas ao meio ambiente e aos fatores econômicos.
  • A coleta de dados pelo inpEV foi iniciada em 2002, onde o volume total das embalagens coletadas foi 3,7 mil toneladas, chegando 28,7 mil toneladas em 2009, com crescimento de 764%, enquanto a área plantada passou de 39,4 mil hectares para 47,1 mil hectares, ou seja, um crescimento de somente 120%. 
A região norte iniciou a sua coleta das embalagens dos defensivos agrícolas no ano de 2005 e apesar do aumento anual apresentam ainda baixos indicadores por área plantada, enquanto na região nordeste existe uma melhora significativa nos indicadores, devido a vários Estados estarem gradativamente aderindo ao programa de coleta das embalagens de defensivos agrícolas da maneira ambientalmente correta do inpEV.
  • A região sudeste apresenta o indicador (kg/ha) crescente ano a ano desde 2002, mesmo quando a área plantada também acompanhava o crescimento, porém desde o ano de 2006 vem sendo revertida esta tendência até que em 2009 estar equivalente com a área plantada em 2002, isto é, 4,8 mil hectares, provavelmente a crescente coleta de embalagens dos defensivos agrícolas significa o aumento do uso dos defensivos agrícolas e a conseqüente evolução da produtividade.
Os três Estados da região sul apresentam as maiores áreas plantadas cerca de 18 mil hectares, isto é, aproximadamente 40% da área total cultivada no Brasil, porém a quantidade das embalagens coletadas de defensivos agrícolas apresenta um indicador de 0,43 kg/ha, o que talvez possa indicar que não haja tanto uso dos defensivos nas culturas na região, porém como nos Estados do Paraná e Rio Grande do Sul são plantadas em grande quantidade a soja, o milho e o trigo e essas culturas respondem pelo significativo volume de consumo de defensivos agrícolas, observa-se que existe ainda espaço para melhorar a coleta das embalagens dos agrotóxicos na região.
  • Já na região centro-oeste, que também possui uma grande extensão de área plantada 15 mil hectares a soja ocupa a maior parte desta área plantada, e em seguida o trigo, nota-se que a coleta das embalagens dos defensivos agrícolas nominalmente é o de maior volume e devido a cultura da soja geralmente demandar grandes extensões de propriedades, provavelmente essa concentração de volumes facilite essa tarefa de coleta,
Os dados referente a coleta de embalagens dos defensivos agrícolas do inpEV acumulado de janeiro até abril de 2010, apresentam 10.006.317 kg, ou seja, 23,6% superior ao ano anterior considerando o mesmo período, se for mantida esta tendência no ano, a quantidade recolhida apresentará uma evolução significativa porque conforme a Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA) a aquisição dos defensivos agrícolas nesse período foi 9% superior, isto é, 5.111 mil toneladas em 2009 e 5.568 mil toneladas em 2010.
  • A inexistência de dados de retorno das embalagens dos defensivos agrícolas por cultura, dificulta uma análise mais conclusiva para onde focar os esforços na coleta das embalagens por parte da inpEV. Essa preocupação esta fundamentada no fato do Brasil ostentar uma incômoda liderança dos países que mais utiliza defensivos agrícolas. 
Porém, a legislação ambiental caminha no sentido de tornar as empresas cada vez mais responsáveis por todo o ciclo de vida de seus produtos, o que significa que o fabricante é responsável pelo destino de seus produtos após a entrega aos clientes e pelo impacto ambiental provocado pelos resíduos gerados em todo o processo produtivo, e, também após seu consumo. 
  • Outro aspecto importante neste sentido é o aumento da consciência ecológica dos consumidores capazes de gerar uma pressão para que as empresas reduzam os impactos negativos de sua atividade no meio ambiente (CAMARGO; SOUZA, 2005).
Outras Considerações:
  • O mercado exerce pressão sobre as companhias, devido aos consumidores que exigem produtos com custos mais baixos e ao mesmo tempo cause menor dano ao meio ambiente. Por outro lado, existem as questões legais, que aumentam em quantidade e complexidade e, se tornam incentivos para que a empresa gerencie completamente o ciclo de vida de seus produtos.
Além do aumento da eficiência e da competitividade das empresas, a mudança na cultura de consumo por parte dos clientes também tem incentivado a logística reversa, devido à exigência dos consumidores por um nível de serviço mais elevado das empresas e para estas, como forma de diferenciação e fidelização dos clientes, estão investindo em logística reversa (CHAVES; MARTINS, 2005).
  • Para Barbieri e Dias (2002), a logística reversa deve ser concebida como um dos instrumentos de uma proposta de produção e consumo sustentáveis. Por exemplo, se o setor responsável desenvolver critérios de avaliação ficará mais fácil recuperar peças, componentes, materiais e embalagens reutilizáveis e reciclá-los sendo esse conceito denominado logística reversa para a sustentabilidade.
Portanto, a logística reversa torna-se sustentável segundo Barbieri e Dias (2002) e pode ser vista como um novo paradigma na cadeia produtiva de diversos setores econômicos, pelo fato de reduzir a exploração de recursos naturais na medida em que recupera materiais para serem retornados aos ciclos produtivos e também por reduzirem o volume de poluição constituída por materiais descartados no meio ambiente.
  • O processo de logística reversa revela-se como uma grande oportunidade de se desenvolver a sistematização dos fluxos de resíduos, bens e produtos descartados, seja pelo fim de sua vida útil, seja por obsolescência tecnológica e o seu reaproveitamento, dentro ou fora da cadeia produtiva de origem, contribuindo dessa forma para redução do uso de recursos naturais e dos demais impactos ambientais, isto é, o sistema logístico reverso consiste em uma ferramenta organizacional com o intuito de viabilizar técnica e economicamente as cadeias reversas, de forma a contribuir para a promoção da sustentabilidade de uma cadeia produtiva.
Dessa maneira para a questão de pesquisa:
Desde a implantação da Lei n° 9.974/2000 e Decreto n° 4.074/2002 que estimula o retorno e a reciclagem das embalagens houve melhorias no manuseio das embalagens vazias de defensivos agrícolas no Brasil?
A resposta converge para ser afirmativa, pois dada a importância do setor de agronegócios no Brasil, a logística reversa das embalagens dos defensivos agrícolas adquire dimensão significativa no aspecto econômico e social. Sendo que essa é uma ferramenta indispensável na busca de vantagem competitiva e controle operacional das atividades da empresa, além de subsidiar ações relacionadas a todas as dimensões do desenvolvimento sustentável.
  • Observa-se ainda a eficiência do retorno de embalagens vazias dos defensivos agrícolas de 3,7 mil toneladas em 2002 para 28,7 mil toneladas em 2009 devido à integração dos diversos pontos da cadeia logística, além de contar com a participação efetiva da indústria de agroquímicos e das associações de classe, treinamento dos agricultores, distribuidores e vendedores em função da Lei n° 9.974/2000 e Decreto n° 4.074/2002. Logo, nos Estados em que o volume de retorno de embalagens apresenta elevado percentual, foram fundamentais a iniciativa das empresas e a infra-estrutura organizada pelo inpEV, além da legislação.
Os resultados sugerem que o volume coletado de embalagens de defensivos agrícolas depende de fatores como o total de área plantada, a cultura explorada e a infra-estrutura prévia de um centro de recolhimento. Para tanto, é necessário de mais dados detalhados que não foi possível encontrar para este estudo essa série de dados mais ampla.
Portanto, as pesquisas futuras devem ser intensificadas ao tema devido ao crescimento significativo do número de habitantes no planeta, associado à expansão do consumo de bens, faz com que o mundo se torne uma máquina propulsora de geração de resíduos, porque sem a consciência ambiental, a sociedade é prejudicada pela diminuição da qualidade de vida, transferindo esses vícios às futuras gerações.

A Logística Reversa e as Embalagens vazias de Defensivos Agrícolas no Brasil