sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Glicosídeos ou Heterosídeos

São compostos que por hidrólise fornecem um ou mais açúcar, sendo a mais comum a D-glicose.Desempenham papel importante na vida da planta, participando de funções reguladoras, protetoras e sanitária

  • Glicosídeo compreende uma classe de substâncias químicas formadas pela união de moléculas de glúcido - glicídeos, gliconas ou "oses" (geralmente um monossacarídeo) - e um composto não glucídico, também chamado de aglicona.
Os glicosídeos também são conhecidos por "heterosídeos" e podem desempenhar funções importantes nos organismos vivos. Muitas plantas biossintetizam e armazenam substâncias químicas sob a forma de glicosídeos inativos, que podem ser ativados por hidrólise enzimática liberando a aglicona (geralmente um metabólito secundário) e a glicona. Entretanto, alguns glicosídeos podem ser sintéticos ou mesmo semi-sintéticos.
  • Os vegetais biossintetizam uma gama enorme de glicosídeos, os quais podem ser subdivididos em quatro grandes categorias de acordo com o tipo de átomo da aglicona que se une a uma glicona através de uma ligação glicosídica (com consequente perda de uma molécula de água): O-, C-, N- e S-glicosídeos. Os mais comuns são os O-glicosídeos, onde a ligação glicosídica é formada a partir de um grupamento hidroxila da aglicona e outro da molécula de açúcar , como mostra a estrutura química ao lado.
Como classes ou categorias de glicosídeos, podem ser citados os cardiotônicos, os cianogenéticos e os antraquinônicos. Também é comum citar o nome da classe da aglicona precedido da palavra heterosídeo ou glicosídeo, como por exemplo "glicosídeos flavonóides", indicado na estrutura ao lado. Outros glicosídeos possuem nomes próprios e já fica subentendido que existe uma aglicona ligada a uma ou mais oses, como é o caso dos taninos hidrolisáveis e das saponinas .
Muitos glicosídeos são importantes na terapêutica e estão presentes em plantas medicinais, tais como os cardiotônicos, destacando-se a digitoxina isolada de espécies do gênero Digitalis, no caso a D. purpurea, conhecida como dedaleira, e a digoxina, isolada de D. lanata.
  • Drogas cardioativas possuem em sua composição glicosídeos cardiotônicos, que são compostos que atuam diretamente no miocárdio, sendo utilizados principalmente no tratamento da insuficiência cardíaca congestiva.
Quimicamente, as agliconas (ou geninas) desse grupo caracterizam-se pelo núcleo fundamental do ciclopentanoperidrofenantreno e são divididas em dois grupos de acordo com o anel lactônico insaturado ligado ao C-17: pentacíclico (cardenólido) ou hexacíclico (bufadienólido), indicados nas estruturas abaixo. Os glicosídeos do grupo cardenólido são os mais importantes na medicina.
  • A glicona, ligada na aglicona em C-3β, é composta de até quatro unidades de açúcar, incluindo glucose e ramnose juntamente com outros desoxiaçúcares, por exemplo, 2,6-didesoxi-hexoses (digitoxose) ou seus 3-O-metil éteres (cimarose).
A ação farmacológica é observada quando o princípio ativo está sob a forma de glicosídeo; a atividade inata reside nas agliconas (geninas), mas os açúcares conferem maior solubilidade e aumentam o poder de fixação dos glicosídeos ao músculo cardíaco.
  • Por superdosagem esses compostos são muito tóxicos, o que torna necessário rigoroso controle da posologia dos princípios ativos. A droga exibe como efeito a soma da ação dos vários constituintes ativos que são de difícil separação.
Para caracterização desses compostos, usam-se reações que evidenciam isoladamente partes da molécula do glicosídeo, como: reações de caracterização dos esteróides (Pesez e Liebermann), reações relacionadas com o anel lactônico pentacíclico (Baljet e Raymond) ou com desoxiaçúcares (Keller-Kiliani e xantidrol).
  • As drogas cardiotônicas mais importantes são: estrofanto: sementes de Strophantus kombe Oliver, S. hispidus DC. e S. gratus (Wall et Hook) Bailon, APOCYNACEAE; espirradeira: folhas de Nerium oleander L., APOCYNACEAE; convalária: rizomas e raízes dessecadas de Convallaria majalis L., LILIACEAE; cila: bulbos de Urginea maritima (L.) Baker, LILIACEAE e dedaleira.

Ácido neuramínico - Monossacarídeo

  • Ácido neuramínico (ácido 5-amino-3,5-dideoxi-D-glicero-D-galacto-non-2-ulosônico) é um monossacarídeo de 9 carbonos, um derivado de uma cetononose. Ácido neuramínico pode ser visualizado como o produto de uma condensação aldólica, produto do ácido pirúvico e D-manosamina (2-amino-2-deoxi-manose). Ácido neuramínico não ocorre naturalmente, mas muitos de seus derivados são encontrados largamente distribuídos em tecidos animais e bactérias, especialmente em glicoproteínas e gangliosídeos. Os derivados N- ou O-substituídos do ácido neuramínico são coletivamente conhecidos como ácidos siálicos, a forma predominante nas células de mamíferos sendo o ácido N-acetilneuramínico.
Glicosídeos Cardioativos:
  • O coração é o principal órgão do sistema cardiovascular, responsável pelo transporte de oxigênio e nutrientes às células. O coração adulto se contrai e relaxa cerca de 115.000 vezes por dia, impulsionando 7.500 litros de sangue pelo corpo.
O coração é uma bomba muscular pulsátil, dividida em quatro câmaras. As câmaras superiores são os átrios e as inferiores são os ventrículos. Os ventrículos são câmaras expulsoras, com paredes espessas que, ao se contrair fornecem a principal força que impulsiona o sangue através dos pulmões e do sistema circulatório periférico. O ventrículo direito bombeia o sangue para os pulmões e o ventrículo esquerdo, com grande força de contração, bombeia o sangue na circulação periférica.
  • O sistema nervoso autônomo controla o débito cardíaco através da estimulação simpática (adrenérgica) ou parassimpática (colinérgica). Dentre aos diversos processos patológicos envolvendo o coração, temos a Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC) e a Fibrilação Atrial (FA).
Na ICC há comprometimento da função cardíaca, tornando o coração incapaz de manter um débito suficiente para os requisitos metabólicos dos tecidos e órgãos do corpo. Ocorre por causa de uma capacidade miocárdica reduzida para se contrair ou em decorrência de uma incapacidade de encher os compartimentos cardíacos com sangue. A maioria dos casos de ICC é conseqüente à progressiva deterioração da função contrátil miocárdica.
  • Por outro lado, a FA caracteriza-se por uma arritmia ventricular com taquicardia e ausência de onda P visível no ECG. A fibrilação reduz o enchimento do ventrículo esquerdo, mas não leva a parada cardíaca. O ritmo cardíaco nesta situação é geralmente irregular e rápido e pode levar a desconforto ou sintomas de dispnéia.
Os glicosídeos cardioativos extraídos dos vegetais e anfíbios são fármacos utilizados para o tratamento da ICC e da FA. Por muito tempo eles foram as drogas de escolha para o tratamento da ICC.
  • O uso terapêutico dos glicosídeos cardioativos deve-se à sua capacidade de aumentar a força da contração sistólica (ação inotrópica positiva); aumento da contratilidade do coração provoca o esvaziamento mais completo do ventrículo e encurtamento do período de sístole.
São substâncias químicas formadas por moléculas de glúcido - glicídeos, gliconas ou "oses" (geralmente um monossacarídeo) - e um composto não glucídico, também chamado de aglicona.
São também conhecidos por "heterosídeos", podendo desempenhar importantes funções nos organismos vivos.
  • As plantas biossintetizam uma gama enorme de glicosídeos, subdivididos em quatro grandes categorias conforme o tipo de átomo da aglicona que se adere a uma glicona através de ligação glicosídica (perdendo uma molécula de água), que são: O-, C-, N- e S-glicosídeos, sendo os O-glicosídeos os mais comuns.Os glicosídeos são subdivididos em classes, podendo ser citados os cardiotônicos, os fenólicos e os antraquinônicos. 
Muitos são utilizados na terapêutica, sendo altamente específicos no músculo cardíaco, estando presentes em plantas medicinais, tais como os cardiotônicos, destacando-se a digitoxina isolada de espécies do gênero Digitalis, no caso a D. purpurea, conhecida como dedaleira e a digoxina, isolada de D. lanata.
  • Porém, possuem efeito cumulativo e podem ser tóxicos, além de aumentar o débito cardíaco e diminuir a frequência cardíaca.
Mecanismo de ação:
  • A ação dos glicosídeos cardioativos se dá pela inibição potente, reversível e altamente seletiva da bomba de sódio e potássio ATPase dos cardiomiócitos (células do músculo cardíaco). A inibição da NA+/K+-ATPase aumenta os níveis de Na+ e diminui os de K+ no interior da célula,o que, por sua vez, estimula um segundo mecanismo de troca iônica, o de Na+ e Ca+, que ocorre para retirar o Na+ de dentro da célula com um subseqüente aumento do nível intracelular de Ca+. Este aumento do nível intracelular de cálcio provoca a liberação de uma quantidade ainda maior Ca+ armazenado intracelularmente nos reservatórios sarcoplasmáticos. 
Daí então, o nível aumentado de Ca+ antagonizam a ação da troponina, possibilitando a formação do complexo atinamiosina, culminando na contração miocárdica ATP-dependente.

Ginseng Siberiano

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Taninos e Saponinas

Taninos são polifenóis de origem vegetal, com pesos moleculares geralmente entre 500 e 3000. Eles inibem o ataque às plantas por herbívoros vertebrados ou invertebrados e também por micro-organismos patogênicos. 

  • Taninos e saponinas são substâncias conhecidas por algumas de suas características marcantes, como a adstringência e fator antinutricional dos taninos e a função emulsificante das saponinas. Porém, as características de conhecimento comum são poucas frente a diversidade de mecanismos de ação e possíveis usos ainda desconhecidos na indústria em geral.
Há várias linhas de pesquisas sobre compostos tânicos e saponinas, tanto na fisiologia vegetal, quanto na atividade biológica/farmacológica desses compostos. São estudos feitos sobre metodologias de identificação e determinação em plantas; avaliação da variação da concentração na planta, entre plantas da mesma espécie e relacionadas ao clima; relação com insetos herbívoros; usos na alimentação humana; alimentação animal; usos em processos industriais, etc. Na alimentação humana e animal, a busca crescente por alimentos nutracêuticos e aditivos fitogênicos que substituam produtos industriais atualmente utilizados em maior escala tem se constituído em grande motivação de pesquisas.
  • Os taninos e saponinas já foram identificados como princípios ativos de vários extratos vegetais pesquisados pela farmacognosia mundial. Uma vertente de pesquisas dentro da farmacognosia que tem sido utilizada com o objetivo de facilitar o processo de descoberta de novas substâncias é a etnofarmacologia. A etnofarmacologia é o ramo da Etnobiologia/Etnobotânica que associa informações obtidas de comunidades que fazem o uso da flora medicinal com estudos químicos/farmacológicos realizados em laboratórios especializados. Não é o interesse principal isolar todos os compostos ou um composto em particular, e sim identificar os compostos responsáveis pela ação farmacológica (ELISABETSHY, 2001). Assim, tem se interesse em conhecer os principais princípios ativos das plantas com potencial de uso tanto na medicina humana, quanto na animal.
Os compostos tânicos são responsáveis pela adstringência de muitos frutos e outros produtos vegetais. A adstringência ocorre devido à precipitação de glicoproteínas salivares, levando à perda do poder lubrificante (BRUNETON, 1991). São compostos fenólicos, e portanto são altamente reativos quimicamente que formam pontes de hidrogênio, intra e intermoleculares (MONTEIRO et al. 2005). Estes compostos são facilmente oxidáveis, tanto por enzimas vegetais específicas quanto por influência de metais, como cloreto férrico, o que ocasiona o escurecimento de suas soluções (MELLO & SANTOS, 2001).
  • Possuem a habilidade de formar complexos insolúveis em água com alcalóides, gelatina e outras proteínas, características nas quais são baseados os principais testes de detecção. A complexação entre taninos e proteínas é a base para suas propriedades como fator controlador de insetos, fungos e bactérias, assim como para seus principais usos industriais (Ex: manufatura do couro). São compostos do metabolismo secundário vegetal ou metabolismo especial e são importantes nas interações entre a planta e seu ecossistema.
As saponinas em solução aquosa formam espuma persistente e abundante. Essas atividades provem do fato de apresentarem em sua estrutura uma parte lipofílica denominada aglicona ou sapogenina e uma parte hidrofílica constituída por um ou mais açúcares (SCHENKEL et al., 2001). A espuma formada é estável à ação de ácidos minerais diluídos, diferenciando-se dos sabões comuns. Alguns dos compostos saponósidos desorganizam a membrana dos glóbulos vermelhos do sangue, o que pode levar à hemólise. 
  • Outra característica encontrada é a capacidade de complexar com esteróides, que é utilizada para explicar a ação antifúngica e hipocolesterolmiante (CUNHA & ROQUE, 2005). Em animais que ingerem rações com saponinas como aditivo, há redução da liberação de amônia das fezes (reduzindo o odor) e aumento da consistência das mesmas. Tais características são interessantes para a criação de cães e gatos, e em criações comerciais de suínos e aves. Pode resultar em melhoria da qualidade do ar, qualidade de cama, facilidade de limpeza de instalações, e outros benefícios que levam à melhoria do desempenho produtivo. Sendo, portanto, moléculas promissoras como aditivos em rações animais.
Taninos:
Caracterização química e classificação:
  • Os taninos são divididos de acordo com a estrutura química em dois grandes grupos: taninos hidrolisáveis e taninos condensados.
Os taninos hidrolisáveis estão presentes nas famílias Choripetalae das dicotiledôneas, dicotiledôneas herbáceas e lenhosas (MELLO & SANTOS, 2001). Algumas árvores desta classe, como o castanheiro e o carvalho são utilizadas como fontes industriais de tanino.
  • Taninos hidrolisáveis  possuem um grupo poliol central (em sua maioria, é β-d- glicose, mas também o ácido quínico, outros fenóis e outros glicósidos); e hidroxilas esterificadas pelo ácido gálico (parte fenólica) (KHANBABAEE & REE, 2001).
Os taninos hidrolisáveis são ainda classificados em galotaninos e elagitaninos. Os galotaninos são compostos por unidades de ácido gálico unidos por ligações depsídicas entre elas (figura 2). CLIFFORD et al. (2000) relataram que são extremamente raros na dieta humana. De acordo com os autores, o “ácido tânico”, utilizado comercialmente é uma mistura de vários taninos gálicos. É extraído principalmente de folhas e galhas de arbustos do gênero Rhus (sumagre), das vagens de Caesalpinia spinosa (tara) e das galhas de várias espécies de carvalho.
  • Os elagitaninos são moléculas que possuem um ou dois resíduos de hez-hidroxidifenoila de configuração R ou S, os quais são obtidos pelo acoplamento oxidativo C-C entre dois resíduos de ácido gálico adjacentes. Após a hidrólise ácida das ligações ésteres, ocorre a liberação do ácido difênico, que se rearranja espontaneamente para o ácido elágico. Os elagitaninos isolados até o presente são monômeros, dímeros, trímeros e tetrâmeros (MELLO & SANTOS, 2001).
Na alimentação humana, os elagitaninos são encontrados apenas em grupos restritos de alimentos tais como framboesa, morango, castanha, avelã, caju e pistachio. Estes taninos foram encontrados, também, em partes não comestíveis de plantas, como as folhas. É possível encontrar taninos elágicos em vinhos envelhecidos em barricas de madeira de carvalho, como resultado da sua difusão da madeira durante o estágio de produção em barricas (CLIFFORD et al., 2000).
  • Os taninos condensados ou proantocianidinas estão distribuídos por diversas famílias do reino vegetal, em geral, em plantas lenhosas. São polímeros de flavan-3-ol e/ou flavan-3,4-diol (figura 3), produtos do metabolismo do fenilpropanol (HEIL et al., 2002). As proantocianidinas são assim denominadas pelo fato de apresentarem pigmentos avermelhados da classe das antocianidinas, como cianidina e delfinidina. As moléculas têm grande variação estrutural, resultante de padrões de substituições entre unidades flavânicas, diversidade de posições das ligações e a estereoquímica (MELLO & SANTOS, 2001).
A análise de proantocianidinas nos alimentos torna-se difícil pela, já mencionada, variedade de estruturas existentes e à escassez de técnicas analíticas que permitam a sua separação, identificação e quantificação. Apesar de os polímeros constituírem a maioria dos polifenóis das plantas, a análise química se limita, normalmente, a monômeros, dímeros e alguns trímeros (CHEYNIER, 2005).
Os taninos condensados são mais comuns na dieta humana do que os taninos hidrolisáveis. Estão presentes em concentrações relativamente importantes em alguns frutos (uvas, maçãs, etc.) e suas bebidas derivadas, no cacau e chocolate (SANTOS-BUELGA & SCALBERT, 2000).

Atividade biológica:
  • Diversos estudos sobre atividade dos taninos evidenciaram importante ação antibacteriana, ação sobre protozoários, na reparação de tecidos, regulação enzimática e proteica, entre outros. Estes efeitos dependem da dose, tipo de tanino ingerido e período de ingestão.
Atividades bactericidas e fungicidas ocorrem por três características gerais comuns aos dois grupos de taninos: complexação com íons metálicos; atividade antioxidante e sequestradora de radicais livres; habilidade de complexar com outras moléculas, principalmente proteínas e polissacarídeos (MELLO & SANTOS, 2001).
  • Têm sido atribuídas aos taninos muitas atividades fisiológicas humanas, como a estimulação das células fagocíticas e a ação tumoral, e atividades anti-infectivas (LOGUERCIO, 2005). Em processos de cura de feridas, queimaduras e inflamações, os taninos auxiliam formando uma camada protetora (complexo tanino-proteína e/ou polissacarídeo) sobre tecidos epiteliais lesionados, permitindo que, logo abaixo dessa camada, o processo de reparação tecidual ocorra naturalmente (MELLO & SANTOS, 2001). Em patologias estomacais, o mecanismo de ação é bem semelhante, com a formação de uma camada de tanino-proteína complexados que envolvem a mucosa estomacal (HASLAM, 1989).
A atividade antioxidante e ação em úlceras gástricas do extrato de Syzygium jambos cujos princípios ativos nas folhas são flavonóides, taninos e óleos voláteis; foi investigada por DONATINI et al. (2009). O conteúdo de taninos das folhas e do extrato foi calculado, respectivamente, em 21,9% e 43,3%. A administração oral prévia do extrato (400 mg/kg) a ratos Wistar reduziu significativamente as lesões gástricas induzidas por etanol acidificado. Porém, no modelo de úlcera subcrônica e indução de lesão gástrica com ácido acético a 30%, o tratamento com o extrato (400 mg/kg) não apresentou resultado significativo.
  • O mecanismo de atividade antioxidante atribuída aos flavonóides e taninos auxilia no processo de cura, já que os radicais livres são um fator importante na formação de lesões ulcerativas e erosivas do trato gastrintestinal (BORRELLI & IZZO, 2000; CARBONEZI et al., 2007).
Várias doenças degenerativas (câncer, esclerose múltipla, arteroesclerose, etc.) e o processo de envelhecimento estão associados a altas concentrações de radicais livres. Como os taninos atuam como captadores de radicais, interceptam o oxigênio ativo formando radicais estáveis (MELLO & SANTOS, 2001), seria interessante que houvessem mais estudos sobre taninos e sua interferência em processos patológicos.
  • Já as propriedades antimicrobianas dos taninos, são bem conhecidas e documentadas. Porém, os resultados ainda são controversos, e em apenas alguns trabalhos se faz a diferenciação do tipo de tanino presente no extrato, o que poderia esclarecer as dúvidas quanto aos efeitos observados. SCALBERT (1991) afirma que taninos condensados e hidrolisáveis não apresentam diferenças significantes frente a fungos e bactérias, e justifica que o efeito da toxicidade relacionado à estrutura molecular do tanino é ainda desconhecido.
LOGUERCIO et al. (2005) realizaram estudo para avaliar a existência de efeito antibacteriano do extrato hidro-alcoólico a 10% (m/v) de folhas de jambolão (Syzygium cumini (L.) Skeels). As folhas são ricas em taninos e saponinas. A investigação partiu da utilização popular como adstringente, diurético, antidiabético e estomáquico. Foram utilizadas várias cepas bacterianas gram positivas e gram negativas e comparado os halos de inibição de crescimento bacteriano causados pelo extrato, etanol, solução salina e antimicrobiano padrão para teste de resistência específico para cada bactéria.
O extrato apresentou efeito inibitório sobre várias bactérias, inclusive apresentando resultados melhores que antimicrobianos comerciais. Diferenças de atividade frente bactérias gram-positivas e gram-negativas são atribuídas à constituição da parede celular bacteriana. Bactérias gram-positivas possuem paredes celulares quimicamente menos complexas e têm menor teor lipídico do que as gram-negativas.
  • AURICCHIO et al. (2007) realizaram experimento para verificação de possíveis ações antimicrobianas, antioxidantes e tóxicas do extrato hidroalcoólico de Eugenia uniflora L, composto por flavonóides e taninos (20,06%).O extrato demonstrou atividade antimicrobiana a Staphylococcus aureus, Salmonela cholerasuis e Pseudomonas aeruginosa. Pelos dados das análises realizadas, foi verificada a atividade antioxidante in vitro e a baixa toxicidade no ensaio agudo com camundongos. O efeito foi atribuído aos compostos fenólicos, principalmente os taninos.
Ação antiviral de taninos foi pesquisada por COHEN et. al. (1964). Realizaram inoculação do extrato de Melissa officinalis em ovos embrionados com 9 a 11 dias de idade, e posteriormente desafiaram com os vírus Newcastle, Herpes, Vaccinia, Semliki Forest. A administração prévia do extrato possibilitou a sobrevivência dos embriões, sugerindo a atuação de taninos nos mecanismos de infecção viral.
  • A atividade antiparasitária é relatada em alguns trabalhos. VILLALBA et al. (2010) realizaram experimento em que buscaram avaliar a preferência de consumo entre feno de alfafa ou feno de alfafa misturado com quebracho (Schinopsis quebracho-colorado), que é fonte de tanino, e a carga parasitária em cordeiro. O grupo de tratamento com feno de alfafa acrescido de quebracho apresentou níveis menores de carga parasitária. Os resultados obtidos da preferência de consumo levaram os autores a concluir que os animais naturalmente infectados procuram alimentar da mistura com taninos que sugere mecanismo semelhante a auto-medicação.
Em recente estudo realizado por SIA et al. (2011), foi avaliado a ação do extrato de Mimosa pudica em veneno de Naja kaouthia, e foi comparado com taninos utilizados comercialmente (ácido tânico) no tratamento de picadas. A pré-incubação do veneno com o extrato manteve 100% de sobrevivência no grupo de ratos após 24 horas. Foi considerado mais eficaz. que o ácido tânico comercial, neste experimento. A avaliação de proteínas do veneno indicou a ausência de dois spots de proteínas indicando a regulação das mesmas pelos taninos de Mimosa pudica.

Molécula de  glicose
D-Glucose
Saponinas:
Caracterização química e classificação
  • Saponinas são glicosídeos de esteróides ou de terpenos policíclicos. É uma estrutura com caráter anfifílico, parte da estrutura com característica lipofílica (triterpeno ou esteroide) e outra hidrofílica (açúcares). Essa característica determina a propriedade de redução da tensão superficial da água e suas ações detergentes e emulsificante (SCHENKEL et al., 2001).
São classificadas de acordo com o número fundamental da aglicona, e também, pelo seu caráter ácido, básico ou neutro. Assim, quanto a aglicona, denominam-se saponinas esteroidais e saponinas triterpênicas.
  • O caráter ácido ocorre pela presença de grupamento carboxila na aglicona ou na cadeia de açúcares. 
  • O caráter básico decorre da presença de nitrogênio, em geral sob forma de uma amina secundária ou terciária, como nos glicosídeos nitrogenados esteroidais (SCHENKEL et al., 2001).
Outra classificação refere-se ao número de cadeias de açúcares ligado na aglicona. Assim, saponinas monodesmosídicas possuem cadeia de açúcares, enquanto as saponinas bidesmosídicas possuem duas cadeias de açúcares, a maioria com ligação éter na hidroxila em C-3 e a outra com ligação éster (WINA et al., 2005).

Distribuição no reino vegetal:
  • As saponinas esteroidais e triterpênicas apresentam distribuição diferenciada no reino vegetal. As saponinas esteroidais neutras são encontradas quase que exclusivamente em monocotiledôneas, principalmente nas famílias Liliaceae, Dioscoreaceae e Agavaceae. Os Gêneros Smilax, Dioscorea, Agave, Yucca são especialmente ricos nessas saponinas.
Na alimentação humana, saponinas esteroidais são encontradas na aveia, pimentas, berinjela, semente de tomate, aspargos, inhame, feno-grego e ginseng (FRANCIS et al., 2002). As saponinas esteroidais básicas ou alcaloídicas são encontradas principalmente no gênero Solanum, pertencente à família Solanaceae.
  • As saponinas triterpênicas encontram-se predominantemente em dicotiledôneas, principalmente nas famílias Sapindaceae, Hippocastanaceae, Sapotaceae, Polygalaceae, Caryophylaceae, Primulaceae e Araliaceae.
Saponinas triterpênicas tem sido detectadas em muitas leguminosas, como a soja, feijões, ervilhas; e também na acelga, chás, açúcar, alcaçuz, quinoa, girassol e ginseng. Sendo que o grupo de triterpenóides mais estudados é obtido a partir da Quillaja saponaria, uma árvore nativa da região dos Andes, no Chile.

Propriedades biológicas:
  • As saponinas são substâncias derivadas do metabolismo secundário das plantas, relacionados, principalmente, com o sistema de defesa. São encontradas nos tecidos que são mais vulneráveis ao ataque fúngico, bacteriano ou predatório dos insetos (WINA et al., 2005), considerando-se parte do sistema da defesa das plantas e indicadas como “fitoprotetoras” (PIZARRO, 1999). Essa atividade seria devido a interação com os esteróis da membrana (FRANCIS et al., 2002).
O comportamento anfifílico das saponinas e a capacidade de formar complexos com esteróides, proteínas e fosfolipídeos de membranas possibilitam ações biológicas variadas.
  • Vale ressaltar a ação sobre membranas celulares que pode alterar a permeabilidade ou até mesmo levar à destruição (SCHENKEL et al., 2001).
Relacionadas com essa ação sobre membranas, estão as atividades hemolíticas, ictiotóxica e molusquicida. A irritação causada nas mucosas é relata por alguns autores como fator que impede o desenvolvimento de aplicações práticas.
  • ÁLVARES (2006), verificou a tendência de diminuição nos parâmetros sanguíneos de hemácias e hematócrito após a adição de extrato de Yucca schidigera na ração de cães adultos. Porém, ainda permanecendo dentro dos valores de referência. Não houve alterações significativas em outros parâmetros sanguíneos avaliados (proteínas totais, proteínas plasmáticas totais, albumina, globulina, ALT, AST, fosfatase alcalina, uréia, creatinina, colesterol).
A capacidade de ligação das saponinas com esteróis (colesterol como principal objeto dos estudos) têm sido investigados principalmente na medicina humana. Atividades hipocolesterolemiante são relatadas. O mecanismo da ação poderia ser explicado pelo aumento da excreção do colesterol por formação de complexo com as saponinas administradas por via oral, ou pelo aumento da eliminação fecal de ácidos biliares com maior utilização do colesterol para síntese dessas substâncias.
  • Outra proposta, leva em consideração as propriedades irritantes das saponinas. Com a formação dos complexos entre as saponinas e o colesterol das membranas das células da mucosa intestinal, ocorreria uma esfoliação com perda da função e redução da área de absorção (CHEEKE, 1996).
FERREIRA et al. (1997) executaram ensaio in vitro para verificar o efeito de saponinas presentes na erva-mate com ácidos biliares e colesterol. A partir dessas observações, concluíram que há diminuição desses ácidos e aumento da sua eliminação, e, portanto, parte do colesterol da corrente sanguínea seria desviado para suprir sua carência na bile.
  • As saponinas são importantes para a ação de drogas vegetais, destacando-se as tradicionalmente utilizadas como expectorantes e diuréticas (SIEDENTOPP, 2008). Entretanto, o mecanismo de ação dessas drogas não está bem elucidado. Alguns autores argumentam que a irritação no trato respiratório aumentaria o volume do fluido respiratório e reduziria sua viscosidade. Outra possibilidade seria relacionada a sua tensão superficial originando, menor viscosidade e maior facilidade de expulsão do muco.
A atividade diurética é atribuída à irritação do epitélio renal causada pelas saponinas (SCHENKEL et al., 2001). Entretanto, em pesquisa realizada por DINIZ (2006), as saponinas triterpênicas reduziram o fluxo urinário em ratos. O mecanismo provável seria a aumento da reabsorção de água nos túbulos renais, já que foi verificado aumento na atividade das ATPases renais.
  • Outros empregos destacados são como adjuvantes para aumentar a absorção de medicamentos pelo aumento da solubilidade ou interferência nos mecanismos de absorção e, como adjuvante para aumentar a resposta imunológica.
As saponinas mais utilizadas como adjuvantes são Quil A e seus derivados QS-21, isolados da casca de Quillaja saponaria Molina. São capazes de estimular o sistema imune e as torna ideais para uso em vacinas de subunidades, vacinas contra patógenos intracelulares, e vacinas terapêuticas (Ex: câncer).
  • No entanto, saponinas Quillaja têm inconvenientes graves, como alta toxicidade, efeito hemolítico indesejável e instabilidade na fase aquosa que limita seu uso como adjuvante na vacinação (SUN et al., 2009).
Taninos são importantes partes do vinho, para reduzir o risco de doenças cardíacas, por bloqueio da formação de certa molécula (endotelina-1), que causa a constrição dos vasos sanguíneos, fazem parte da estrutura, sabor e a capacidade de armazenamento dos vinhos.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Chá Santo Daime - Dimetiltriptamina

Por ser uma bebida produzida há muito tempo, o chá do Santo Daime 
aparece na história de diversas culturas e religiões assumindo 
outros nomes como ayahuasca.

  • A polêmica travada atualmente em torno do Culto ao Santo Daime é relativamente recente. É possível localizá-la a partir dos anos oitenta, quando o assunto começou a ganhar destaque no cenário nacional, em função de sua divulgação nos meios de comunicação de massa. Ela gira em torno da validade ou não do uso sagrado de substâncias psicoativas em rituais religiosos. Esse fato paira no imaginário nacional como verdadeira ameaça aos pilares da chamada cultura cristã-ocidental; como catalisador do medo ao desconhecido, ao estranho, ao exótico, por sua suposta possibilidade de ameaçar a ordem e corromper os bons costumes.
Por outro lado, e pelos mesmos motivos, apresenta-se a determinados segmentos sociais como uma promissora oportunidade para a revisão dos descaminhos que conduziram ao "labirinto" da racionalidade moderna. E, desde o principio, esta tem sido uma das características do Santo Daime: gerar discussões apaixonadas, dividindo o debate em dois extremos que tendem a radicalizar cada vez mais suas posições. Pois, diante dele, dificilmente fica-se indiferente.
  • O chá que recebe o nome de Santo Daime (também conhecido por Ayahuasca, Yagé ou Vegetal) faz parte da tradição cultural de várias nações indígenas da amazônia ocidental. É um produto da decocção de duas plantas nativas da região: um cipó (Banisteriópsis Caapi), conhecido por Jagube; e uma planta arbustiva (Psicótria Víridis), a Rainha da Floresta. Aos caules do cipó macerado, cujos principais alcalóides encontrados são a Harmina e a Harmalina, acrescentam-se as folhas da arbustiva, que contém principalmente Dimetil-Triptamina (DMT).
Tais alcalóides têm como característica o fato de serem rapidamente metabolizados e absorvidos pelo aparelho digestivo, sempre que ingeridos isoladamente, produzindo pouco ou nenhum dos efeitos psíquicos normalmente esperados. Isso se deve ao fato de que o organismo humano produz uma enzima (a Monoamina Oxidase - MAO) que neutralizaria a maior parte desses agentes psicoativos.
  • Entretanto, isso não ocorre devido a um "segredo" do Santo Daime, descoberto recentemente pela psicofarmacologia. Quando a análise das substâncias presentes na bebida produzida pela decocção das plantas foi realizada, revelou-se a presença de outro alcalóide (a Bcarbolina), cuja ação inibe a produção das enzimas de MAO, facilitando a ação dos demais agentes no organismo humano. Outra questão, relacionada aos efeitos psíquicos do chá, refere-se à existência de certo alcalóide que, segundo o psicofarmacólogo Elisaldo A. Carlini - da Escola Paulista de Medicina - possui uma estrutura molecular semelhante à de uma das substâncias produzidas pelo cérebro, cuja função é a de estabelecer o contato entre os neurônios para a realização das sinapses.
Especulando um pouco a esse respeito pode-se supor, por exemplo, que o aumento artificial dessa substância no cérebro pode levar o organismo a produzir o mesmo número de sinapses, em tempo menor do que o normalmente necessário para realizá-las. Tal possibilidade abre espaço para um conjunto de novas hipóteses que poderiam vir a contribuir para o aprofundamento dos conhecimentos acerca da mente humana, tanto no que se refere aos aspectos bioneurológicos, quanto aos psico-culturais.
  • Será que a alteração do Estado de consciência através da utilização do Santo Daime não provocaria mudanças na capacidade de raciocínio, de maneira semelhante a um computador que recebe uma placa adicional para aumentar sua velocidade de processamento das informações? Ou, talvez, seu efeito seria mais parecido com aquele obtido pela instalação de um disco rígido para aumentar a capacidade de memória do computador? Quem sabe ele não produziria alterações de fato na percepção ou nos sentidos? Ou ainda, não seriam as emoções e sentimentos os elementos mais envolvidos na experiência? Talvez, todas essas questões, simultaneamente? Sem dúvida, trata-se de um vasto campo, muito promissor para pesquisas transdisciplinares.
Evidentemente, não pretendo responder aqui a todas estas questões, mas apenas fazer algumas "provocações" para propor um debate, na tentativa de esboçar o assunto dentro de uma perspectiva abrangente, capaz de levantar algumas pistas para a compreensão da dinâmica do fenômeno em nosso contexto cultural. Afinal, o Santo Daime é apenas mais uma droga que dá "barato" ou, realmente, trata-se de um fenômeno religioso peculiar que, como tal, deve ser entendido e respeitado?

Breve histórico:
  • Levando em consideração essa preocupação, farei, inicialmente, um breve histórico das origens do culto e de sua trajetória para, em seguida, introduzir algumas questões que poderão vir a contribuir para o debate acerca da validade ou não de tais experiências religiosas em nossa cultura.
O Santo Daime foi criado em 1930 por Raimundo Irineu Serra - o Mestre Irineu - a partir de um sincretismo realizado entre o pensamento xamânico dos povos autóctones da região amazônica, o pensamento cristão ocidental (representado pela tradição esotérica da "Igreja Primitiva", aliada a alguns componentes do que se convencionou chamar de "catolicismo popular") e por uma forte influência da concepção oriental sobre a lei do Carma (a concepção da vida como um ciclo de reencarnações espirituais). Constituído a partir dessas três influências básicas, o Santo Daime afirma-se enquanto instituição religiosa capaz de impor determinado conjunto de valores morais, normas sociais e padrões de comportamento em regiões onde, ainda hoje, vigora a "lei da selva".
  • Antes dele, vários outros "centros" e "casas" espirituais já praticavam diferentes formas de sincretismo religioso com a Ayahuasca. Isoladas nos altos rios da Amazônia Ocidental, distantes dos centros urbanos e de qualquer tipo de assistência estatal, as práticas xamânicas proliferaram na periferia de diversas comunidades tanto peruanas (Iquitos, Pucalpa e outras), quanto brasileiras (Brasiléia, Sena Madureira, Xapuri e outras), particularmente durante o período de declínio do primeiro ciclo da borracha (entre 1913 e 1940).
Observa-se, nesse período de retração do mercado da borracha, a incorporação de determinados elementos dos sistemas culturais indígenas, com suas crenças religiosas e sua concepção anímica do universo. Vários estudos mostram que essas manifestações de origem xamânica - que se popularizaram, sob a denominação genérica de "curandeirismo" - colocavam-se como prática sincrética alternativa, capaz de satisfazer aos anseios e necessidades de toda uma população de "deserdados da floresta".
  • Por essa época, os bolsões de seringueiros que se formaram ao redor de Rio Branco - a capital do então Território Federal do Acre, constituíram-se no cenário propício para a gestação do culto que, desde o princípio até meados de 1940, sempre manteve uma relação tensa e tumultuada com o Estado. Nesse período, a simples prática de qualquer tipo de "curandeirismo" já era considerada como motivo justo e legal para a repressão policial. O que dizer, então, quando era associada ao uso de plantas desconhecidas e de origem indígena ?
Ao contrário do caminho trilhado pelos demais "curandeiros" da região, (que optaram por sincretizar as práticas xamânicas ao catolicismo e às “religiões de possessão”), Mestre Irineu funda a Igreja do "Alto Santo" (em Rio Branco-AC), filiando-se ao Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento - de S. Paulo. Com isso, ele abre um novo caminho dentro das práticas religiosas até então existentes.
Em fins dos anos sessenta, filia-se à ordem Rosa-Cruz, desligando-se do Círculo Esotérico no início de 1971,pouco antes de falecer. Sua trajetória de vida ‚ exemplar e repleta de episódios que refletem a epopéia clássica da iniciação xamânica (Cf. Eliade: 1951). Porém, ao enveredar por esse caminho singular, criando uma nova doutrina capaz de romper determinadas barreiras culturais, Irineu assume grande importância, influindo sobre o destino dos demais grupos de "huasqueiros" existentes na região.
  • Após a morte do Mestre (06/07/1971), o "Alto Santo" entrará em um período de crise. Segundo um grupo de adeptos, o comando dos "trabalhos" fora deixado por Mestre Irineu para Leôncio Gomes (tio de sua esposa - Da. Peregrina). Mas, passou a ser contestado pelo grupo liderado por Sebastião Mota Melo.
Este, que entrara para o culto no princípio da década de sessenta, contava com o apoio de cerca de cem pessoas, que o seguiam em função de sua expressiva liderança carismática. A disputa de comando prosseguiu até fins de 74, quando o "padrinho" Sebastião (como era tratado por seus liderados) retirou-se da igreja do "Alto Santo", levando consigo seu grupo para organizar o que viria a ser a "Colônia Cinco Mil", em uma gleba mais distante da cidade. Tal fato inaugura uma nova fase, uma outra etapa na existência do culto.
  • Rapidamente, a Colônia Cinco Mil prospera, atraindo novos adeptos que iriam mudar o perfil do daimista tradicional. Eram, principalmente, jovens de classe média provenientes dos grandes centros urbanos que migravam para lá em busca de uma alternativa de vida mística e ligada à natureza. Idealistas, visionários, ou simples curiosos, trouxeram consigo seus sonhos, hábitos e costumes.
Desses, alguns retornaram às suas cidades, já na década de oitenta, com a missão de fundar novas igrejas do culto; ao mesmo tempo em que o "padrinho" liderava seu povo em direção ao seringal Rio do Ouro e, posteriormente, para o centro da floresta, ocupando o seringal do Mapiá (no Amazonas), com a finalidade de acomodar um número ainda maior de adeptos que para lá afluía.
  • No princípio dessa década, simultaneamente ao duplo movimento realizado pelo grupo, primeiro em direção ao centro da floresta e, em seguida, em direção aos principais centros urbanos do país, o grupo de Sebastião passa a ter problemas com a Polícia Federal e a repressão estende-se aos demais grupos daimistas, culminando com a proibição do uso da bebida em seus rituais, em 1985.
Por cerca de seis meses o Santo Daime foi ilegalmente incluído na lista de substâncias proscritas da Divisão Nacional de Vigilância Sanitária - DIMED. A ilegalidade foi cometida por precipitação do órgão, ao incluir o Daime na sua listagem de substâncias proscritas, sem realizar a prévia e necessária consulta ao Conselho Federal de Entorpecentes - CONFEN.
  • Uma vez acionado, o CONFEN instituiu um Grupo de Trabalho composto por profissionais e representantes das áreas mais diretamente envolvidas, com a finalidade de realizar um estudo abrangente do assunto e emitir um parecer sobre a questão. Uma de suas primeiras providências foi retirar a bebida da referida listagem, restabelecendo a situação anterior à proibição.Este estudo foi realizado entre 1985 e 1987, concluindo pela ausência de fatos que comprovassem quaisquer danos psíquicos ou sociais provocados pelo uso ritual da bebida. Ao contrário, destacava até certa rigidez excessiva na preservação das normas e valores morais validados por nossa cultura e recomendava, ainda, a realização de novos estudos que aprofundassem o conhecimento existente acerca do tema.
Sem dúvida, estamos diante de uma forma de tratamento "sui generis" da questão; mas, que se coloca perfeitamente de acordo com a abordagem da tradição xamânica regional ao ser considerada como mais uma "planta de poder". Trata-se de um enfoque abrangente, que leva em consideração os aspectos culturais do culto, distinguindo-o claramente das demais formas de consumo profano e indevido dos psicofármacos.
  • Depois de encaminhar seu relatório ao CONFEN, o Grupo de Trabalho dissolveu-se e, no final do mesmo ano, o Conselho do órgão reuniu-se para examinar o documento, aprovando-o em sua totalidade. Desta maneira, atualmente não existe nenhum impedimento legal em relação às práticas do culto ou ao consumo ritual da bebida. Apesar das pressões contrárias, penso que esta tenha sido uma decisão sábia e correta, que reverterá em benefício do conjunto da própria sociedade brasileira.
Composição Química:
  • A dimetiltriptamina (N,N-dimetiltriptamina, onde: N,N-dimetil-1H-indolo-3-etanamina), cuja abreviatura é DMT, é uma substância psicodélica (grupo de agentes químicos também denominados como psicodislépticos), termo proposto por J. Delay (traduzido como modificadores ou perturbadores do sistema nervoso central) pertencente ao grupo das triptaminas, semelhante à serotonina, e/ou à melatonina como sugerem alguns estudos, em especial, do Dr. Rick Strassman na Universidade do Novo México em 1990.
Tem como fórmula molecular C12H16N2 e peso molecular 188.27, ponto de fusão entre 44,6 e 46,8 °C e ponto de ebulição entre 60 e 80 °C de acordo com o índice de Merck. Sua dose ativa em forma de base livre é de aproximadamente entre 15 mg a 60 mg e dura pouco menos de uma hora.
  • É encontrada in natura em vários gêneros de plantas (Acacia, Mimosa, Anadenanthera, Chrysanthemum, Psychotria, Desmanthus, Pilocarpus, Virola, Prestonia, Diplopterys, Arundo, Phalaris, dentre outros), em alguns animais (Bufo alvarius possui 5-Meo-DMT, um alcalóide bastante parecido em estrutura e em propriedades químicas) e também produzida pelo corpo humano. 
É o princípio ativo da mistura do ayahuasca, utilizado nos rituais do Santo Daime e do vinho de Jurema e é bem conhecida por índios brasileiros e da América do Sul em geral. Sua propriedade psicodélica tem efeito curto e intenso quando fumada em forma de base livre. Na mistura do ayahuasca e talvez de algumas formas de preparação da jurema onde a concentração do elemento ativo é relativamente bem menor que forma de extrato de DMT, seu efeito é menos intenso e mais duradouro e torna-se ativo oralmente por conta de um IMAO (inibidor da monoaminoxidase) que também pode ser encontrado in natura em diversas plantas.(Banisteriopsis, Peganum).

Dimetiltriptamina
(C12H16N2)

Triptaminas relacionados :
  • Metiltriptamina
  • Etiltriptamina (NET, isômero)
  • Metilisopropiltriptamina (MIPT)
  • Dietiltriptamina (em vez dos dois -metil, dois -etil)
  • 2,N,N-Trimetiltriptamina (2,N,N-TMT, mais um metil no carbono 2)
  • 4-Metoxi-dimetiltriptamina (4-MeO-DMT, mais um metoxi no carbono 4)
  • Bufotenina (mais um hidroxi no carbono 5)
  • 5,N,N-Trimetiltriptamina (5,N,N-TMT, mais um metil no carbono 5)
  • 7,N,N-Trimetiltriptamina (7,N,N-TMT, mais um metil no carbono 7)
No corpo humano:
  • O DMT é sintetizado pelo corpo humano. Não existem ainda respostas conclusivas sobre as funções deste DMT interno, tão pouco sobre o órgão responsável por esta produção - função especuladamente dada à epífise, conhecida como glândula pineal, mas há, no meio científico, uma série de apontamentos e teorias. Sabe-se que as quantidades de DMT produzidas no cérebro são reguladas pela MAO (monoaminoxidase) e este processo é coadjuvante nos estados alterados de percepção e consciência criados pelo consumo (oral, intravenal ou por vias aéreas) de DMT externo.
As moléculas de DMT são similares às moléculas da Serotonina e se encaixam nos mesmos receptores do cérebro.
  • Muito se tem falado sobre possíveis funções ansiolíticas desta substância, quando produzida dentro do cérebro humano. Há uma diversidade de pesquisas e investigações sobre o tema, entre os quais a de maior destaque foi desenvolvida pelo psiquiatra estadunidense Rick Strassman, pioneiro no estudo e testes clínicos com DMT em seres humanos, após mais de 20 anos de moratória científica sobre substâncias psicodélicas, entre elas o LSD - substância semi-sintetizada, mescalina - obtida do cacto peiote, e psilocibina - oriunda de algumas espécies de cogumelo, também da classe das triptaminas, com estrutura química muito próxima ao DMT.
É também um neurotransmissor que se encontra em todos os seres humanos, e tem um papel fundamental em todos os casos de estados de percepção incomuns. Este neurotransmissor encontra-se no cérebro, no sangue, nos pulmões e noutras partes do corpo humano. Existe forte evidência que aponta para a glândula pineal ("o terceiro olho" nas tradições esotéricas), localizada no centro do cérebro, como sendo a principal fonte do DMT humano. Para além de se encontrar nos seres humanos, o DMT também pode ser encontrado em todos os mamíferos e numa variedade de plantas

A opinião dos especialistas:
  • Nesse sentido, é interessante levantar a opinião de alguns estudiosos do assunto. Em suas pesquisas, o médico e psico-farmacólogo americano Andrew Weil, por exemplo, sugere que as diferentes técnicas utilizadas para alterar a consciência corresponderiam a uma pulsão própria da natureza humana, a um valioso impulso "para satisfazer uma necessidade interna de experimentar outros modos de consciência...". Para referendar sua posição em defesa da tese do impulso natural, ele recorre ao exemplo das brincadeiras cinegéticas como recurso, utilizado espontaneamente por crianças, para experimentar diferentes estados de consciência. Weil afirma ser irracional o modo de pensar a questão, adotado pela Associação M‚dica Americana e o Instituto Nacional de Saúde Mental, que tenta reprimir sua expressão em indivíduos e na sociedade. Ele chega a ser radical quando diz que este poderia ser "um ato psicologicamente danoso para as pessoas e evolucionalmente suicida para a espécie".
De fato, existem vários aspectos controvertidos e discutíveis em suas posições bem como, de resto, sobre a questão como um todo. Contudo, como os próprios especialistas no assunto não possuem parâmetros minimamente consensuais para lidar com a questão; penso que, além de ter sido precipitada, a proibição pura e simples de tais manifestações, provavelmente conduziria à gestação de problemas de ordem mais complexa e de difícil solução.
  • Primeiramente, parece-me uma tarefa urgente sistematizar e,aprofundar os estudos existentes, adotando-se uma perspectiva transdisciplinar capaz de abordar a problemática de maneira abrangente. Sua complexidade exige um debate a ser travado não apenas entre diferentes teorias de uma mesma ciência, mas sobretudo, entre os vários campos do conhecimento humano. Num debate em que devem se manifestar, minimamente, as ciências biopsicoantroposociais.
Em segundo lugar, é de fundamental importância a adoção de uma postura desprovida de preconceitos, que podem acabar agravando ainda mais a situação e criando novos e imprevisíveis problemas.
  • Pois, a prática tem demonstrado que, além de não resolver a questão a que se propôs, a postura repressiva (quando adotada pelo Estado) acaba fomentando outras questões, estas sim, uma ameaça concreta à ordem social; como é o caso, por exemplo, do perigoso fenômeno representado pelo narcotráfico.
Resta, ainda, a necessidade de adotar uma posição de humildade, assumindo a insuficiência dos estudos existentes sobre estas questões. Postura que pode ser observada mesmo entre os especialistas. Por exemplo, falando sobre o tratamento psicoterapêutico mais adequado para os usuários de drogas em geral, Claude Olievenstein – um respeitado estudioso do assunto - é da opinião de que todos os meios são válidos, desde que possuam mecanismos que revalorizem o indivíduo.
  • Segundo suas palavras, "para isso todos os meios são bons, desde o charlatanismo até a ortodoxia freudiana, de acordo com o tipo do paciente e a personalidade do terapeuta.".Nesse sentido, sua abordagem é pragmática, reconhecendo inclusive a validade do trabalho de recuperação de drogados realizado pelas "Free Clinics" (nos E.U.A.) e relativizando a discussão das questões de ordem teórica a respeito.
Reconhece, sobretudo, a importância da existência de um grupo de apoio (tenha ele o caráter terapêutico, religioso ou de ajuda mútua) capaz de fornecer um código de conduta prática e moral, diante do problema. E são esses grupos que, na realidade, têm conseguido maior êxito no tratamento e recuperação de drogados. Dentro dessa perspectiva, o fenômeno do Santo Daime reveste-se de características inusitadas em nossa sociedade, por se tratar de um grupo que fornece vários elementos para uma reflexão mais profunda sobre as formas de controle social do uso de psicoativos.
  • O fato de sacralizar a bebida, estabelecer normas de conduta ritual e adotar rígidos padrões éticos e morais, todos eles cumpridos com extrema disciplina, oferece-se como um interessante "laboratório" para a observação e o aprendizado de alternativas para lidar com a questão, sem que seja necessário recorrer à repressão. Em seu estudo sobre o Santo Daime, o antropólogo Edward MacRae destaca a importância dos mecanismos de controle social usados no culto ao Santo Daime, durante os rituais e fora deles, no sentido de propiciarem uma forma de utilização positiva de tais substâncias.
Se suas observações estiverem corretas, o mal-estar provocado pela existência desse culto seria suscitado pelo fato de que o Santo Daime apresenta-se como verdadeiro paradoxo diante do modo tradicional de pensar os estados alterados de consciência em nossa sociedade. Diante dessa posição torna-se lícito perguntar até que ponto o controle social espontaneamente adotado pelo grupo não seria o maior responsável pela manutenção de sua saúde mental e de sua própria existência enquanto grupo? Quais as conseqüências de uma intervenção repressiva do Estado? Em que medida tal procedimento traria benefícios ou malefícios ao grupo e à sociedade como um todo?

Breve cartografia do imaginário:
  • Para avaliar melhor e poder responder com maior segurança a estas questões, seria interessante abordar rapidamente alguns aspectos centrais do culto, numa tentativa de compreender o significado simbólico e ritual da bebida e de suas práticas religiosas. A começar pela forma como é interpretada a experiência mística vivida durante as cerimônias. O êxtase propiciado pelo ritual de beberagem recebe o nome de "miração". Algumas “mirações” são consideradas viagens ao Reino Divino (o Astral) com a finalidade de ter acesso à realidade sagrada. Assim, o Astral é um lugar possível de ser visitado durante o voo extático da alma - uma das formas de representação da miração.
Esse Território Sagrado constitui-se numa espécie de Olimpo onde habitam os seres divinos - uma profusão eclética de "entidades" organizadas hierarquicamente, sob o comando supremo do General Juramidam - O Mestre Império (figura sincretizada com a imagem de Jesus Cristo). Ele é o Ser Divino que habita a bebida (o chá de Santo Daime) e o Senhor supremo desse "Panteão Amazônico". Trata-se de um universo divino invisível e paralelo ao nosso, um "domus" de perfeição e modelo ideal a ser atingido a cada “miração”, dependendo do merecimento espiritual de cada um.
... o domus perfeito, o arquétipo do lugar sublime, é um resumo plural do que um único indivíduo não pode realizar ... O que uma única pessoa não pode possuir (juventude, beleza, êxito, inteligência, encanto, etc.), um conjunto o assume.
Para a irmandade, a partilha do astral assume, acima de tudo, um valor territorial que concentra sobre um coletivo qualidades que raramente são encontradas em um só indivíduo; constituindo-se, assim, a metáfora espacial da União Mística. Esse espaço molda coercitivamente os hábitos e costumes cotidianos que, por sua vez, permitem uma sólida estruturação comunitária. A espacialização da “socialidade”, observada nas descrições do altral, atua como antídoto em relação ao angustiante devir do tempo, constantemente reiterado, principalmente, pelas “mirações” que envolvem experiências de morte/renascimento. A realidade que emerge dessa “socialidade” aponta, como referências exclusiva, o tempo presente.
A espacialização é o tempo em retardo, é o tempo que tentamos refrear, e daí a importância da ritualização na vida do dia-a-dia, que, pela repetição, representa e mimetiza o imutável... É aí que deve ser buscado o apego do fundamento afetivo ou passional que liga o indivíduo ou grupo ao território, qualquer que seja...
A partilha imaginária e ritualizada do território sagrado permite aos adeptos a subjetivação da história e a supressão do caráter histórico do devir, proporcionando os meios necessários à reatualização do Mito do Eterno Retorno, através da recuperação do tempo e do espaço cotidianos em bases sagradas.
Dessas imagens emergem a idéia dos arquétipos do Grande Pai Criador e da Terra Prometida: seria o paraíso perdido o alvo ideal a ser atingido durante as “mirações”?
  • Cada "trabalho" com o Santo Daime, cada ritual de beberagem, é considerado como uma lição dentro do processo de aprendizagem dos adeptos. A trajetória de cada um dentro do culto está vinculada à sua caminhada espiritual nesta e em outras vidas passadas. Alguns daimistas são considerados a reencarnação de certas divindades e o encontro com o Santo Daime é visto como o atendimento a um chamado seu. Desta forma, são todos predestinados, escolhidos pelos deuses. Como se pode observar, a idéia do avatar é uma imagem recorrente dentro da doutrina.
Certa vez, recolhi um relato que dava conta da possibilidade dos participantes "morrerem" durante um ritual e outro espírito assumir o controle de seu corpo, sem que os demais participantes sequer se apercebessem do fato. É a reiteração da idéia de morte-renascimento, da "passagem", da transformação espiritual, tantas vezes encontrada nos relatos etnográficos sobre os processos xamânicos de iniciação. Mas, somente os espíritos mais evoluídos assumirão suas missões, sempre recebidas em “miração” diretamente do Astral, a exemplo do processo de iniciação de Mestre Irineu. Como cada um encontra-se em um nível de desenvolvimento correspondente ao seu grau de espiritualidade, não se postula a igualdade como valor; ao contrário, legitimam-se as diferenças.
  • Nas entrevistas realizadas observa-se a existência de uma dada concepção de alma, de experiências de morte/renascimento e da idéia de “vôo da alma” ao separar-se do corpo, da crença na possessão espiritual e, invariavelmente, a leitura religiosa e “fantástica” de todas essas vivências. A idéia de vôo da alma, de abandono do corpo, revela a importância de “duplo” na vida social. Quanto a esse aspecto, Maffesoli afirma que:
"...é pela duplicidade mais ou menos consciente que os indivíduos aparentemente integrados na ordem social preservam um tanto para si que lhes permite sobreviver às varias imposições dessa ordem..., que permite a resistência astuciosa à injunção da identidade que nos obriga a ser isto ou aquilo, operário, intelectual, homem, mulher, etc...."
Ainda segundo Maffesoli, tal astúcia pode ser considerada como uma estrutura antropológica capaz de assegurar um escudo contra as agressões dos poderes instituídos; pois, é justamente nessa possibilidade mágica de existência do "duplo" que reside o rico espaço para a representação de papéis (para o espaço da "persona"). Esse escudo atua como espaço protetor contra o espaço linear de construção histórica da individualidade. Ele revela:
“... O conflito entre a prática societal que engendra instituições, controle, dominação e o surrealismo empírico que se oferece como concretude; o primeiro remete à ordem da moral, o segundo a uma expressão ética que ajuda a viver o dia-a-dia, através de um imaginal luxuriante e desordenado. Em regra geral, é o primeiro que, graças à ciência oficial, é retranscrito na historiografia, mas é certamente o segundo que assegura a permanência social, ao abrigo de várias máscaras e através de diversas astúcias.”
A dimensão fantástica que assume a realidade cotidiana, a partir da crença no astral, coloca-se como uma alternativa contra o processo de uniformização racionalizadora levada a cabo pela coerção das ideologias do progresso, incapazes de absorver as zonas de opacidade que margeiam a tessitura das relações sociais. Desse modo fantástico de pensar emerge um espaço capaz de integrar a "anormalidade", a "loucura" e o "caos" que emergem das incertezas do cotidiano, tornando-o minimamente aceitável.
  • O fantástico encontrado invariavelmente nas entrevistas pode ser considerado excepcional somente dentro de uma perspectiva universalista, racional e asséptica do mundo; na realidade, essas histórias constituem o substrato dos mitos que são revividos e atualizados a cada trabalho, desempenhando um papel-chave na abertura das portas para uma comunicação mais densa e, ao mesmo tempo, fluida, que expressa a tentativa de escapar à angustiante certeza do tempo que passa. O ritual é um recurso utilizado como possibilidade de regeneração do tempo ao reatualizar a cena mítica original.
O crescimento do culto no sudeste do país, por exemplo, não obedece a nenhuma estratégia de planejamento. Encontra-se sujeitado à “vontade superior” e ao acaso das conversas informais e das "fofocas" que são, de fato, o vetor das relações entre as pessoas em suas práticas cotidianas, definindo alianças e inimizades, simpatias e antipatias. A trama originada desse jogo organiza a troca, define a densidade de compromisso das relações e seus parceiros, numa disputa de muitas potências que ora se aliam, ora se opõem, formando um mosaico de relações fluidas, que tendem à permanente fragmentação na medida em que o culto cresce.
  • Também é interessante observar a forte tendência à centralização do poder baseado no carisma do comandante, fato que, geralmente, acaba conduzindo o grupo a um processo de cisão, após seu falecimento. Possivelmente, essa característica conduzirá a Igreja a um novo processo de disputa de poder e de conseqüente divisão, após a morte do padrinho Sebastião. Fato ocorrido recentemente com a Igreja do Céu do Mar, em São Conrado, quando um dos frequentadores entrou em disputa com seu comandante e retirou-se para fundar uma nova Igreja (a Rainha do Mar, em Pedra de Guaratiba).
No geral, nenhum dos adeptos discorda da moral expressa pela doutrina que, inclusive através dos hinos, prega o respeito aos irmãos e alerta para os perigos e venenos da língua (referência direta às "fofocas"); no particular, o que acaba vigorando com maior intensidade são as opiniões e impressões sobre o comportamento ético de tal ou qual irmão, passadas à boca pequena nos pequenos círculos de amizade, dando origem às cizânias. É nesse desdobramento do social entre a versão oficial genérica, uniformizadora, centralizadora e controladora  e a versão oficiosa - particular, fragmentária e policêntrica - que emerge com maior clareza o ‘non-sense” do social. Essa duplicidade confere uma outra dimensão aos fatos, podendo ser interpretada como uma forma de manifestação da resistência a uma existência unidimensional e "monadizadora"; como uma manifestação de astúcia a uma dada ordem social. Como nos lembra Maffesoli:
... em face de uma gestão da existência que é sobretudo linear, planificada, cheia de sentido e racional, o duplo introduz a descontinuidade, o non-sense, a acentuação do presente...  
A rica e densa concretude do cotidiano, observada nas relações dos devotos do culto, permanece refratária aos esquemas de análise positivistas. Isso ocorre porque tais manifestações não se esgotam numa causalidade ou finalismo capaz de lhes conferir um significado lógico. Ao lado de um social simplificador e redutivo, existe sempre uma “socialidade” multiforme, vivida de uma forma mais ou menos intensa através do recurso à teatralidade. O primeiro, enquanto produto de uma construção lógico-racional, é unidimensional; enquanto que, a segunda, é a própria expressão de uma vigorosa resistência, de uma vontade de viver, de uma potência de vida (cf. Nietzsche) tanto individual, quanto social.Trata-se de duas formas de análise que têm por base, de um lado, o pensamento lógico/racional/empírico; e, de outro, o pensamento simbólico/mitológico/mágico. O primeiro controla, mas atrofia o pensamento; o segundo, não só o alimenta, mas também confunde. Buscando compreender a relação entre ambos, evito privilegiar um ou outro. Sobretudo, em concordância com o que nos propõe Edgar Morin (1986), fiz minhas as suas palavras, quando afirma não acreditar:
...numa superação totalizante que englobaria harmonicamente um e outro. O que posso e quero considerar é, em contrapartida, o desenvolvimento de uma racionalidade que reconheça a subjetividade, a concretude, o singular, e que trabalhe com eles; é o desenvolvimento autocrítico da tradição crítica que reconheça não só os limites da racionalidade, mas os perigos sempre renovados da racionalização, isto é, da transformação da razão em seu contrário; (buscarei) é o desenvolvimento de uma razão aberta, que saiba dialogar com o irracionalizável...
Procurei despir-me dos preconceitos e adotar uma abordagem fenomenológica para poder penetrar nesse imaginário e captar uma outra lógica, capaz de desvendar os mecanismos mentais e espirituais que operam durante os rituais. Lá, cada participante desempenha determinado papel a fim de propiciar o surgimento das condições necessárias à chegada das "energias" invocadas pelos hinos; pois, somente a ação da bebida não seria suficiente para garantir a chegada da "força" e da "luz", das energias responsáveis pela miração. Aqui, todos os detalhes do ritual são voltados para o objetivo maior de atingir o êxtase, com a finalidade de estabelecer contato com o universo sagrado; particularmente o canto e o bailado (importantes técnicas que, juntamente com a bebida, possibilitam a alteração dos estados de consciência).
  • Estas "viagens" estão sujeitas a muitos perigos e ameaças - representados pelas "peias" (que abordarei a seguir) - e que se constituem em fonte geradora de permanente ansiedade pela possibilidade de dispersão, ou mesmo, de desagregação do Ego, colocada como "prova", pela Iniciação: a possibilidade de passar por uma experiência simbólica de morte e renascimento espiritual. Penso que, além de potencializar o processo de alteração da consciência, o ritual também contribui para o processo de organização da experiência, minimizando o medo e o pânico que, por vezes, se instauram numa situação como esta em que se está diante do desconhecido; diante da possibilidade de se entrar em contato com o as questões mais profundas do ser: a dor e a morte... o tempo.

Fiéis participam de culto do Santo Daime na igreja Céu dos Ventos 
em Haia, na Holanda

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Efedrina - (C10H15NO)

A efedrina é um produto químico usado para a fabricação de drogas sintéticas, cuja a demanda tem crescido nos últimos anos nos Estados Unidos, que também tem sido direcionada para a fabricação pelos cartéis mexicanos.

  • Por muitos anos, a efedrina tem sido utilizada em países como a China para ajudar no tratamento de uma variedade de problemas de saúde, incluindo sintomas de infecções do trato respiratório e para o tratamento da asma. 
A efedrina é uma amina simpaticomimética não catecolaminérgica. Sua utilização mais freqüente, em Anestesiologia, tem sido no tratamento da hipotensão arterial e da bradicardia após anestesia geral e bloqueio peridural ou sub aracnoideo, principalmente em Obstetrícia, embora ultimamente tenham sido descritos efeitos deletérios da efedrina sobre o recém-nascido.
  • A efedrina apresenta ações agonistas direta e indireta sobre os receptores e , com predomínio da ação indireta, que determina a liberação de noradrenalina pré-sináptica das terminações nervosas periféricas para o líquido extracelular.
Os efeitos hemodinâmicos da efedrina são resultantes da ativação dos receptores adrenérgicos, aumentando o débito cardíaco e a pressão arterial,mas com efeitos variáveis sobre a resistência vascular sistêmica.
  • Em relação aos efeitos da efedrina sobre a função renal, os trabalhos de pesquisa têm sido em pequeno número e muitas vezes com resultados contraditórios. Vários autores não observaram alterações da função renal, outros observaram importante diminuição da função renal, enquanto outros autores observaram melhora da função renal após o emprego de efedrina.
Ao se administrar a efedrina no pós-operatório imediato a pacientes submetidos à cirurgia eletiva de aneurisma aórtico, em doses suficientes para manter a pressão arterial 20%acima dos valores basais, ou seja, de 2a6μg.kg-1.min-1, após a injeção inicial de 5 mg por via venosa, os autores 12 observaram aumento significante da pressão arterial, da freqüência cardíaca e do débito cardíaco, que se acompanhou de aumento do fluxo plasmático renal, do débito urinário e da excreção fracionária de sódio. Quando os autores aumentaram a dose de efedrina para 4 a 12 μg.kg- 1.min, observaram as mesmas alterações cardiovasculares anteriores, mas menores alterações renais, com pequeno, mas significante, aumento do fluxo plasmático renal e da excreção fracionária de sódio,sem que
  • ocorresse alteração do débito urinário. Segundo os autores, os resultados obtidos em relação à função renal devem-se, parcialmente, ao aumento da pressão de perfusão, mas sem que seja descartada a possibilidade de efeito adicional direto vasodilatador renal de efedrina, semelhante ao da dopamina.
Coma perspectiva criada pela pesquisa anterior 12, de ações diferenciadas da efedrina sobre a função renal, dependendo da dose utilizada, e considerando-se as controvérsias ainda existentes a respeito dos efeitos dessa droga sobre a função renal, parece-nos oportuno o estudo dos efeitos de administração contínua de efedrina em diferentes doses, sobre a hemodinâmica cardiovascular e a função renal de cães, utilizando-se como anestésico o pentobarbital sódico.

História:
  • Há séculos seu uso com fins terapêuticos já era disseminado entre os chineses, que utilizavam o extrato da planta desidratada (chamada de Ma huang) para o tratamento de afecções respiratórias. Na medicina moderna, a efedrina já foi usada como descongestionante nasal, broncodilatador e vasopressor, porém, o uso terapêutico desses alcalóides tornou-se restrito por haver dúvidas quanto ao seu perfil de segurança.
Dentro dos seus traços mais notáveis pode dizer-se que este arbusto tem uma forma muito similar à da cauda de um potro. Deve saber-se desta planta que foi usada desde à milhares de anos graças ao grande número de propriedades naturais que oferece para a saúde humana.
  • Além do anterior, vale a pena dizer que esta planta não possui um grande tamanho, já que não costuma superar os 40 cm. Os seus ramos apresentam-se de forma articulada e são de uma cor verde que se destaca, não pela sua intensidade, mas pela sua claridade.
Nestes ramos apresentam-se algumas folhas que são de dimensões pequenas, as quais se mostram escamosas. As folhas da Efedrina da China unem-se na base. Da mesma forma esta planta possui flores de cor amarela ou também em alguns casos verdes. Normalmente apresentam-se agrupadas. Também possui um fruto, o qual possui a semente dentro.

Composição:
  • A efedrina é uma amina simpaticomimética similar aos derivados sintéticos da anfetamina, muito utilizada em medicamentos para emagrecer, pois ela faz que o metabolismo acelere, queimando mais gordura (através da termogênese - produção de calor), porém causa uma forte dependência, o que fez a droga ser proibida para este uso. Esses remédios variam de 15 mg a 25 mg de efedrina por comprimido. 
Atualmente, os remédios mais conhecidos que contém a droga são Marax (25 mg) e Franol (15 mg). Há um tempo era encontrado na composição de termogênicos (queimadores de gordura), porém após decorridas pesquisas ela foi lentamente sendo substituída por outros componentes termogênicos, pois seu uso continuado causava diversas complicações, dentre elas, perda de apetite, insônia, etc. A superdosagem de efedrina pode causar alucinações, tremores, alterações de humor, tontura, obnubilação, vertigem, taquicardia, hipertensão e até levar a morte.
  • Está sujeita ao fenômeno de taquifilaxia ,e o seu efeito é anulado pela administração prévia de cocaína ou reserpina.
A efedrina corresponde ao isômero D-efedrina alcaloide extraído de espécies de efedra ou obtido por síntese. É uma amina simpatomimética de ação indireta, tem ação discreta sobre receptores adrenérgicos, mas são suficientemente assemelhados à adrenalina para serem transportadas para o interior das terminações nervosas pela captura 1. Uma vez no interior das terminações nervosas, eles são internalizados nas vesículas através do transportador de monoaminas vesicular em troca da noradrenalina, a qual vai para o citosol. Parte da noradrenalina citosólica é degradada pela MAO, enquanto o restante sai através da captura 1, em troca pela monoamina exógena, para agir nos receptores pós-sinápticos. 
  • A exocitose não está envolvida no processo de liberação, e portanto suas ações não necessitam da presença de Ca²+. Eles não são completamente específicos em suas ações e agem parcialmente por um efeito direto nos receptores adrenérgicos, parcialmente inibindo a captura 1 (aumentando assim o efeito da noradrenalina liberada), e parcialmente ainda inibindo a MAO. As ações periféricas das aminas simpatomiméticas de ação indireta incluem broncodilatação, pressão arterial aumentada, vasoconstrição periférica, aumento da freqüência cardíaca e da forca de contração do miocárdio, e inibição da motilidade intestinal.

Molécula da efedrina
(1R,2S)-2-(methylamino)-1-phenylpropan-1-ol

Uso:
  • Atualmente, suplementos dietéticos que contêm efedrina e outros alcalóides relacionados à efedrina são largamente consumidos em vários países, com propósito de estímulo energético (aumento da performance atlética) e perda de peso, apesar de estudos clínicos demonstrarem que esta redução é modesta e ocorre apenas em curto prazo. 
Entre os efeitos colaterais na administração de superdosagem: Eventos cardiovasculares adversos advindos do uso de efedrina já são bem documentados na literatura, como hipertensão arterial, taquiarritmias, infarto do miocárdio e morte súbita, além de relatos de miocardite associada ao uso de compostos com efedrina. 
  • Acredita-se que o vasoespasmo por estímulo alfa e beta adrenérgico seja o mecanismo tanto da miocardite quanto do infarto agudo do miocárdio, e os efeitos adrenérgicos da efedrina, provocando diminuição do período refratário, também permitem o desenvolvimento de arritmias. O efeito cardiovascular da efedrina é, ao menos em parte, semelhante ao da cocaína, droga que também causa estimulação alfa e beta adrenérgica, levando a aumento da pressão arterial, aumento da freqüência cardíaca, vasoespasmo coronariano,isquemia, infarto e arritmias.
Um coquetel bastante conhecido entre fisiculturistas e pessoas que buscam emagrecer é a ECA, cujas siglas pertencem a substâncias que juntas atuam de forma mais eficaz na queima de gorduras. Efedrina, cafeína e aspirina. A cafeína é usada pois tem a capacidade de aumentar as concentrações plasmáticas de adrenalina, que por sua vez aumenta a oxidação de gorduras. Além disso, a combinação da cafeína/efedrina com aspirina parecem potencializar ainda mais esses efeitos, principalmente no que se refere à supressão do apetite. Hoje o mais potente termogênico é composto de 250 mg de asprina, com 20 mg de efedrina e 250 mg de cafeína. Além disso, esta droga é usada em diversos medicamentos, fazendo parte de sua composição.
  • A efedrina é originalmente isolado a partir de Efedrina vulgaris planta de amina simpaticomimética, do ingrediente ativo no Extremo Oriente conhecida como Ma Huang, erva amplamente utilizada na medicina tradicional chinesa. Este alcalóide também é encontrada em Sida cordifolia, mas em concentrações mais baixas.

A Efedrina da China é uma planta que forma parte das fanerógamas. Esta planta compõe o grupo familiar das plantas Ephedracear e tem a sua origem em terras do continente asiático.