quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Atividade física e qualidade de vida

Atividade física e qualidade de vida

Rodrigo Sinnott Silva
Luciano Souza 
Ivelissa da Silva
Escola de Psicologia, Universidade Católica de Pelotas 
Rua Almirante Barroso 1202, Centro. 96010-280 Pelotas RS 
rodrigo.ss.79@hotmail.com 
Ricardo Azevedo da Silva
Elaine Tomasi
Programa de Pós-graduação em Saúde e Comportamento, Escola de Psicologia, Universidade Católica de Pelotas
  • O esporte e a atividade física chegaram ao século XIX acompanhando as transformações políticas e sociais que começaram nos séculos anteriores, demonstrando, desde então, uma tendência a servir como uma tela de projeção da dinâmica social 1. O exercício físico é uma forma de lazer e de restaurar a saúde dos efeitos nocivos que a rotina estressante do trabalho e do estudo traz.
O exercício, após superado o período inicial, é uma atividade usualmente agradável e que traz inúmeros benefícios ao praticante, que vão desde a melhora do perfil lipídico até a melhora da auto-estima 2.
  • Qualidade de vida em saúde coloca sua centralidade na capacidade de viver sem doenças ou de superar as dificuldades dos estados ou condições de morbidade 3.
Existem fatores físicos e psicológicos intervenientes na qualidade de vida das pessoas quando em situação de trabalho e que, dependendo do seu competente gerenciamento, proporcionarão condições favoráveis imprescindíveis ao melhor desempenho e produtividade 4.
  • A inatividade física e um estilo de vida sedentário estão relacionados a fatores de risco para o desenvolvimento ou agravamento de certas condições médicas, tais como doença coronariana ou outras alterações cardiovasculares e metabólicas 5.
Estudos realizados nos Estados Unidos afirmam que a prática sistemática do exercício físico está associada à ausência ou a poucos sintomas depressivos ou de ansiedade 6.
  • Por outro lado, a exigência pela boa performance, o elevado grau de competitividade e a tolerância à frustração e ao estresse são algumas características que o ser humano encontra em seu dia-a-dia, segundo Rubio 7.
Além dos benefícios, a atividade física também está associada a prejuízos para a saúde mental, aparecendo ligada a quadros como "exercício excessivo"8.
  • Pessoas que criam relações de dependência e compulsão pela prática de exercícios físicos passam a buscar nessas atividades mais a diminuição de sensações desagradáveis, como ansiedade, irritabilidade e depressão do que uma boa forma física 9.
Portanto, este estudo visa analisar as relações entre atividades físicas e qualidade de vida em funcionários, professores e alunos da Universidade Católica de Pelotas (UCPEL).

Metodologia:
  • Realizou-se uma pesquisa do tipo transversal em três segmentos da UCPEL - alunos, funcionários e professores.
A amostra foi determinada pelo método de Triola 10, admitindo-se nível de confiança de 95% e proporção estimada de 0,5 para um total de 5.931 acadêmicos e 760 professores e funcionários. Esta foi estratificada por segmento, obtendo-se 218 professores e funcionários com erro admissível de 5,6% e 634 estudantes com erro admissível de 3,6%.
  • Os estudantes foram amostrados de um total de 22 cursos da universidade, sorteando-se uma turma dos semestres iniciais, uma turma dos semestres intermediários e uma turma dos semestres finais. Todos os alunos das turmas sorteadas foram convidados a participar do estudo, obtendo-se, ao final, 645 estudantes; já os professores e funcionários foram selecionados de acordo com uma tabela de números aleatórios.
Os dados foram coletados através de um instrumento anônimo, auto- aplicável, com perguntas diretas e respostas pre-codificadas. Nesse instrumento, para avaliação da qualidade de vida, foi utilizado o WHOQOL-abreviado OMS 11. Esse mensura, através de 26 questões, a qualidade de vida em quatro domínios - físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. 
  • O domínio físico avalia dor e desconforto, energia e fadiga, sono e repouso; o domínio psicológico, os sentimentos positivos, pensar, aprender, memória e concentração, auto-estima, imagem corporal (aparência), sentimentos negativos; o domínio relações sociais questiona as relações pessoais, suporte (apoio) social e atividade sexual; enquanto o domínio meio ambiente, a segurança física e proteção, ambiente no lar, recursos financeiros, cuidados de saúde e sociais, oportunidade de adquirir informações e habilidades, oportunidades de recreação e lazer, ambiente físico e locomoção.
Na avaliação das atividades físicas, foi utilizado o questionário de atividades físicas habituais, desenvolvido originalmente por Pate; subdivide-se em atividades ocupacionais diárias e atividades de lazer através de onze questões, que ao final classifica em inativo, moderadamente ativo, ativo e muito ativo. A referida escala foi traduzida e modificada por Nahas 12. Além disso, os entrevistados respondiam questões referentes a dados pessoais como idade, sexo, profissão, estado civil e turno predominante de trabalho/aula.
  • Os professores e funcionários foram avaliados nas unidades em que se encontram lotados, enquanto os estudantes, em suas respectivas salas de aula.
Os dados foram tabulados e analisados através do software SPSS versão 10.0 para Windows 13. Foram obtidas frequências simples das variáveis e os cruzamentos foram avaliados através de regressão linear em análise bivariada e controlados através de um modelo hierárquico em que as variáveis com um valor p < 0,20 no teste de razões de verossimilhança permaneciam no modelo.
  • A pesquisa foi autorizada pela Universidade Católica de Pelotas e solicitou-se o consentimento informado de cada um dos participantes, tendo esses autonomia para se recusar a participar.

Atividade física e qualidade de vida

Resultados:
  • A amostra foi composta por 863 participantes, sendo 638 estudantes (aumentando ainda mais a confiabilidade dos resultados), 111 funcionários e 107 professores (a amostra real valida o erro e confiabilidade dos resultados). Destes, 394 são do sexo masculino e 469, do sexo feminino. 
Quanto ao estado civil, 594 são solteiros, 173, casados, 50, divorciados, 10 viúvos e 36 marcaram a opção outros. Com relação ao turno predominante de trabalho/estudo, 337 o fazem à noite, 54, à tarde, 49, pela manhã, 295, manhã e tarde, 65, tarde e noite, 12, manhã e noite e 29, manhã, tarde e noite.
  • Das 863 pessoas que responderam o questionário, 313 são moderadamente ativas, 210 são inativas, 207 são ativas e 136 são muito ativas (Gráfico 1).


  • Na análise bivariada (Tabela 1), relacionando cada domínio do WHOQOL com a variável padrão de atividade física, pessoas muito ativas apresentaram significativamente maiores escores de qualidade de vida em relação aos inativos, exceto quanto ao domínio relações sociais; no entanto, a variação neste domínio não foi significativa (B= 0,51 IC95% -0,57 a 1,58).


  • Quando comparada a variável sexo com o domínio ambiente físico, foi observada uma diferença significativa, indicando que o sexo feminino tem melhor qualidade de vida neste domínio que o sexo masculino (B= -1,80 IC95% -3,26 a -0,25). 
Os cruzamentos com o domínio ambiente psicológico e com o domínio meio ambiente apontam na mesma direção; no entanto, em ambos não houve significância. No cruzamento da variável sexo com o domínio relações sociais, a situação foi inversa, apontando melhor qualidade de vida no sexo masculino; contudo, foi uma diferença sem significância estatística (B= 0,43 IC95% -1,75 a 2,60).
  • A variável idade, quando comparada ao domínio ambiente físico, ambiente psicológico e meio ambiente mostrou que quanto maior a idade dos participantes, maior os escores de qualidade de vida; porém, somente no cruzamento com o ambiente físico as diferenças se mostram significativas (B= 3,19 IC95% 2,13 a 4,25). Uma diferente situação foi encontrada no cruzamento com o domínio relações sociais, em que, com diferenças significativas, quanto menor a idade do participante, maior seu escore em qualidade de vida (B= -1,61 IC95% -3,22 a 0,00).
Quando analisamos a variável profissão, obteve-se significância no domínio ambiente físico, apontando que funcionários têm maiores escores de qualidade de vida do que professores e, estes, maiores que os dos alunos (B= -2,24 IC95% -3,26 a -1,22). Nos demais domínios, não houve significância entre as diferenças; no cruzamento com o domínio ambiente psicológico, os escores apontam melhor qualidade de vida nos funcionários e pior nos alunos, contrário aos achados nos domínios relações sociais e meio ambiente.
  • Em uma análise multivariada (Tabela 2), de acordo com o modelo hierárquico estabelecido (domínio ambiente físico: nível 1: sexo, nível 2: profissão, nível 3: idade, nível 4: atividade física/ domínio ambiente psiológico: nível 1: sexo, nível 2: atividade física/domínio ambiente relações sociais: nível 1: sexo, nível 2: profissão, nível 3: idade, nível 4: atividade física/domínio meio ambiente: nível 1: profissão, nível 2: atividade física), controlando a variável sexo ao analisar o cruzamento da variável profissão com os quatro domínios do WHOQOL, percebeu-se variação apenas no domínio ambiente físico, que apresentou maior significância na diferença entre os valores, confirmando o resultado obtido anteriormente. (B= -2,17 IC95% -3,19 a -1,15)


  • Analisando a variável idade, controlando as variáveis sexo e profissão, obteve-se perda da significância no domínio ambiente físico (B= 2,75 IC95% 1,45 a 4,05) e uma tendência a significância no domínio relações sociais (B= -0,10 IC95% -0,22 a 0,14). Os demais domínios se mantiveram sem alterações.
Controlando as variáveis sexo, profissão e idade no cruzamento da variável padrão de atividade física com os domínios do WHOQOL, obteve-se um aumento da significância do domínio ambiente físico (B= 1,59 IC95% 0,87 a 2,31) e uma equivalência de resultados semelhantes à análise bivariada apresentada anteriormente.

Discussão:
  • Ao contrário de estudos como os de Alves et al. 14, que apontam para uma elevada prevalência de inatividade em populações similares, os dados encontrados no presente estudos mostram maior prevalência de pessoas ativas em geral, dados que apóiam um estudo futuro que possa confirmar uma melhora na qualidade de vida em decorrência do abandono do estilo de vida sedentário.
Resultados que mostram pior qualidade de vida em estudantes são preocupantes, visto que ficou comprovada uma correlação significativa entre atividade física e qualidade de vida e adolescentes sedentários têm grande probabilidade de se tornarem adultos sedentários, como foi referido em Alves et al.
  • 14, justificando a adoção de rotinas de exercícios físicos em escolas, universidades e a devida indicação de profissionais da saúde.
Associações que indicam melhora em estados físicos e psicológicos também são encontradas em Assumpção et al. 15 quando os comparam à prática de atividades físicas.
  • Em concordância com estudos realizados por Pereira et al. 16, dentre os quatro domínios, o que mais explicou a qualidade de vida global foi o físico.
Os resultados em relação à qualidade de vida e à prática de atividade física não se modificaram quando controladas as variáveis sexo, idade e profissão, contrariando o que relatam Melanson et al. 17, que as informações relacionadas à prática habitual de atividade física encontradas mediante a aplicação de questionários podem diferir por conta da natureza e das especificações das questões apresentadas, o que deverá variar de acordo com o sexo, a idade, o desenvolvimento cognitivo e o contexto sociocultural em que os sujeitos estão inseridos.
  • Apesar de não apontar uma variação significativa no cruzamento entre padrão de atividade física e o domínio relações sociais, as maiores médias estão em pessoas ativas em geral, e a menor, em pessoas inativas. Dados que merecem atenção quando se pensa no aumento das atividades em grupo e das novas interações pessoais proporcionadas pelas atividades físicas, de modo que esta torna-se uma oportunidade de "investimento social", como também é referenciado em Laberg 18.
Independente de sexo, idade e profissão, ficou evidenciado que a atividade física acarreta melhoras na qualidade de vida em todos os aspectos.
  • Os resultados não fornecem dados para especular sobre as razões das indicações de melhor qualidade de vida encontrada nos funcionários, pois partilhamos das idéias de Sato, citado por Lacaz 19, de que a qualidade de vida também esta ligada ao mundo subjetivo (desejos, vivências, sentimentos), aos valores, crenças, ideologias e aos interesses econômicos e políticos. Porém, estas questões devem ser estudadas tendo em vista os fatores de influência na qualidade de vida em situação de trabalho.
Não analisado em nosso estudo, recomendamos atenção ao desenvolvimento da dependência ao exercício 9 e a prática excessiva 8 do mesmo relacionados à qualidade de vida. Assim como mostram estudos recentes 20, compartilhamos da idéia de que o exercício é uma intervenção de baixo custo, que pode promover saúde em vários aspectos quando conscientemente realizado.

Colaboradores:
  • RS Silva participou da concepção, análise dos dados e redação final. I Silva participou da pesquisa e metodologia. RA Silva foi revisor crítico e orientador. L Souza foi revisor crítico e participou da análise dos dados e E Tomasi participou da análise dos dados.
Referências:
  1. Rubio K. Medalhistas olímpicos brasileiros: memórias, histórias e imaginário. São Paulo: Casa do Psicólogo/FAPESP; 2006. [ Links ]
  2. Tofler GH, Mittleman MA, Muller JE. Physical activity and the triggering of myocardial infarction: the case for regular exercise. Heart 1996; 75:323-325. [ Links ]
  3. Minayo MCS, Hartz ZMA, Buss PM. Quality of life and health: a necessary debate. Cien Saude Colet [periódico na Internet]. 2000 [acessado 2006 nov 21];5(1):[cerca de 12 p.]. Disponível em: http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext& pid=S1413-81232000000100002&lng=en&nrm=iso [ Links ]
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  7. Rubio K, organizadora. Psicologia do esporte: interfaces, pesquisa e intervenção. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2000. [ Links ]
  8. Peluso MAM, Andrade LHSG. Atividade física e saúde mental: a associação entre exercício e humor. Clinics [periódico na Internet]. 2005 [acessado 2006 nov 21]; 60(1):[cerca de 10 p.]. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext &pid=S1807-59322005000100012&lng=pt&nrm=iso [ Links ]
  9. Bicudo F. Praticar exercícios é terapia para dependentes de atividades físicas. Jorn da paulis. [periódico na Internet]. 2001 [acessado 2006 jul 03];(157). Disponível em: http://tuiuiu.epm.br/comunicacao/jpta/ed157/pesq5.htm [ Links ]
  10. Triola MF. Introdução à estatística. 9ª ed. Rio de Janeiro: LTC; 2005. [ Links ]
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  12. Nahas MV. Atividade física, saúde e qualidade de vida: Conceitos e sugestões para um estilo de vida ativo. Londrina: Miografi; 2001. [ Links ]
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  16. Pereira RJ, Cotta RMM, Franceschini SCC, Ribeiro RCL, Sampaio RF, Priore SE, Cecon PR. Contribuição dos domínios físico, social, psicológico e ambiental para a qualidade de vida global de idosos. Rev Psiquiatr RS [periódico na Internet]. 2006 [acessado 2006 nov 21]; 28(1):[cerca de 12 p.]. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0101-81082006000100005 &lng=pt&nrm=iso [ Links ]
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