A agência reguladora norte-americana, FDA, emitiu nota para alertar que
a solução oral de lidocaína viscosa a 2% não deve ser usada para
o tratamento de bebes.
- A lidocaína ou xilocaína®, 2-(dietilamino)-N-(2,6 dimetilfenil) acetamido, é um fármaco do grupo dos antiarrítmicos da classe I (subgrupo 1B), e dos anestésicos locais que é usado no tratamento da arritmia cardíaca e da dor local (como em operações cirúrgicas). É pouco tóxica.
A endoscopia digestiva:
- A endoscopia digestiva alta em crianças e adolescentes tem permitido uma melhor compreensão da fisiopatologia de doenças digestivas e, atualmente, é um instrumento diagnóstico e terapêutico plenamente incorporado à prática médica. Nessa faixa etária, a sedação necessária para a endoscopia digestiva é geralmente a sedação profunda, embora alguns utilizem a sedação consciente e a anestesia geral. Em crianças, o regime empregado com maior frequência é a sedação profunda ministrada por anestesista, especialmente nos grandes serviços.
O propofol é amplamente empregado nesse contexto, sendo um agente anestésico e sedativo de curta duração, que permite rápida recuperação após o exame e possui como principais efeitos adversos dor no local da infusão, apnéia transitória e hipotensão. Estudo comparativo recente demonstrou que o propofol melhora a qualidade do exame endoscópico, permitindo melhor visualização dos marcos anatômicos e, possivelmente, reduzindo a necessidade de repetição do exame.
- A droga é pelo menos tão segura quanto a combinação de meperidina e midazolam na sedação para endoscopia digestiva alta em crianças, com a vantagem de requerer menos frequentemente a contenção do paciente, ter rápido início de ação e pronta recuperação.
Além disto, a droga possui ação sinérgica com o midazolam, requerendo menores doses quando usado em associação. A eficácia e a segurança do propofol lançam dúvida sobre a necessidade do uso de anestesia tópica com lidocaína como medicação pré-anestésica em crianças. A lidocaína é um anestésico local que interage com um receptor situado no canal de sódio da fibra nervosa, tornando lenta a despolarização da membrana. É o anestésico tópico faríngeo mais empregado em nosso meio para a realização de exame endoscópico.
- O emprego de anestésico tópico faríngeo melhora a tolerância do procedimento e facilita a sua realização em pacientes não sedados, quando comparado ao uso de placebo. Estudo recente mostrou que a lidocaína tópica, comparada ao placebo e à não-medicação, reduziu o aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial sistólica ocorrido no início do exame.
Apesar de os pacientes avaliados serem adultos submetidos à sedação consciente com midazolam ou placebo, tal efeito poderia levar à diminuição da dose necessária de medicação sedativa, com consequente redução dos custos e complicações a ela relacionados. Além disso, a anestesia tópica apresenta algumas desvantagens, pois, em pacientes sedados, há dúvidas quanto à sua tolerabilidade, sendo relatado que alguns a consideram moderadamente desconfortável, pois é irritativa e deixa um gosto amargo na boca. Em crianças, esse efeito poderia potencialmente aumentar a dose necessária de medicação sedativa. Ademais, o seu uso pode elevar o custo do exame se a ele não corresponder a uma redução do tempo gasto em cada procedimento, além de diminuição do tempo de ocupação da sala de procedimento e da dose de medicação sedativa.
- Por fim, efeitos adversos podem ocorrer após a anestesia tópica da orofaringe. Além disso, a anestesia tópica da faringe interfere com a deglutição e o fechamento da glote, constituindo fator de risco para aspiração e consequente pneumonia. Ainda não está claro se isso poderia levar a uma maior incidência de complicações respiratórias (hipoxemia, hipoventilação) durante o procedimento em pacientes com sedação profunda.
Não existem estudos para avaliar a utilidade da pré- medicação com lidocaína em pacientes pediátricos recebendo sedação profunda com propofol para a realização de endoscopia digestiva. Assim, este estudo tem como objetivo avaliar a eficácia da anestesia faríngea tópica com lidocaína em reduzir a dose necessária de propofol para sedação suficiente de crianças e adolescentes submetidos à endoscopia digestiva alta.
2-(dietilamina)-N-(2,6-dimetilfenil)-acetamida
Molécula de Lidocaína
Estudos sobre o outros usos da Lidocaína:
- O estudo foi delineado como um ensaio clínico aleatorizado, duplo-cego, controlado por placebo. Foram incluídos 80 pacientes encaminhados ao serviço de endoscopia do Hospital Infantil Cândido Fontoura para realizar endoscopia digestiva alta em regime ambulatorial, sendo 49 do sexo feminino (61%), com idade variando entre 8 e 19,9 anos (média 12,5 anos, mediana 12 anos, desvio padrão 2,7).
Os pacientes foram incluídos prospectiva e consecutivamente, sendo considerados critérios de inclusão a idade entre 8 e 18 anos e o peso superior a 30 kg. Foram excluídos aqueles com comorbidades e doenças neuropsiquiátricas que necessitavam de tratamento contínuo, as crianças e adolescentes com sondas nasogátricas, com alergia conhecida à medicação (lidocaína) ou cujo pai ou responsável não tenha consentido em participar do estudo.
- Após convite para participação voluntária no estudo e assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelo responsável, os pacientes foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos, sendo 40 pacientes para o grupo A e 40 pacientes para o grupo B. Dois pacientes foram excluídos após a distribuição aleatória, sendo um do grupo A (9 anos, feminina) por agitação psicomotora que impediu o prosseguimento do procedimento, e outro do grupo B (11 anos, masculino) por retirada do consentimento. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, após anuência da instituição em que o estudo foi realizado, e foi condicionado à inexistência de custos para a instituição. Os pacientes alocados para o grupo A receberam quatro jatos de spray de placebo (ácido tânico 0,5%) em orofaringe, enquanto os pacientes do grupo B receberam quatro jatos de spray da medicação (lidocaína 10%). Os grupos foram definidos por sorteio e os códigos de randomização foram guardados por uma terceira parte, sendo que o médico endoscopista, o médico anestesista e o paciente (ou responsável) não estavam cientes da droga empregada em cada caso individual até concluída a análise estatística dos dados.
Os códigos seriam quebrados em caso de efeito adverso significativo que necessitasse intervenção, fato não ocorrido. O protocolo foi registrado no sítio Clinical Trials.gov (http://www.clinicaltrials.gov) sob a identificação NCT00521703. A endoscopia digestiva alta foi realizada conforme a rotina do serviço. Todos os pacientes foram sedados com propofol (dose a critério do anestesista), sendo usada outra droga a critério do anestesista (midazolam e/ou fentanil) e monitorizados com cardioscópio e oximetria de pulso durante todo o procedimento. Todos os pacientes receberam oxigênio (2L/ min) por cateter nasal durante o procedimento. O aparelho de endoscopia empregado foi o gastrofibroscópio Fujinon FG 100-PE.
- A ocorrência de taquicardia (FC>120bpm), bradicardia (FC<50bpm) e hipoxemia (Sp O2 <94%) foram anotadas, assim como sua duração. O tempo de sala foi definido como o tempo decorrido entre a entrada do paciente na sala e a sua saída. O tempo de procedimento foi definido como a duração da endoscopia. Após o procedimento, os pacientes foram inquiridos sobre a ansiedade antes do procedimento, sua avaliação do spray empregado e dor de garganta após o procedimento. Essas perguntas foram feitas no momento da alta e, para cada uma delas, foi empregada uma escala visual de 10 pontos(11). A randomização foi feita através de tabela gerada por computador, sendo usado sítio da internet (http://www. randomization.com).
As tabelas de randomização foram geradas a cada 20 pacientes incluídos, em blocos de quatro. O desfecho primário foi a dose de propofol empregada, enquanto os desfechos secundários foram a incidência de complicações, tempo de sala e duração do procedimento. Considerando que uma diferença clinicamente significativa entre os dois grupos seria igual ou superior a 0,5 desvios padrão (DP), com nível de significância de 0,05 e poder de 85%, a amostra foi definida em 80 pacientes em cada grupo (total de 160 pacientes).
- Durante o estudo, os dados foram analisados a cada 20 pacientes incluídos para verificar diferença significativa entre os grupos quanto a variáveis de segurança (tempo de sala, tempo de procedimento, presença de bradicardia, taquicardia e hipoxemia), situação em que o estudo seria interrompido. Entretanto, o estudo foi interrompido porque houve diferença significativa entre os dois grupos quanto ao tempo de sala. As variáveis quantitativas contínuas foram descritas por suas médias e DP, ou por sua mediana e distância interquartil (DIQ), conforme o caso.
As variáveis qualitativas foram comparadas de acordo com o grupo de alocação por meio do qui-quadrado de Pearson ou teste exato de Fisher, quando necessário. As variáveis quantitativas foram avaliadas quanto à normalidade por análise do histograma. As variáveis de distribuição normal foram comparadas pelo teste t de Student e, para as variáveis com distribuição diferente da normal, foi empregado o teste de Mann-Whitney. Em todos os testes foi considerado significativo um valor de p<0,05. A análise estatística foi feita por meio do programa R (R Development Core Team, disponível em http://cran.r-project.org) em ambiente Linux (versão 2.6, distribuição Ubuntu 7.10).
Resultados:
- A indicação mais comum de endoscopia foi a dor epigástrica, seguida de dor abdominal. Os dados demográficos de ambos os grupos estão dispostos na Tabela 1. Não houve diferenças entre os dois grupos quanto a sexo, idade, história de endoscopia prévia e indicação do procedimento.
A dose média de propofol empregada não foi diferente nos dois grupos (3,1±1,1 mg/kg no grupo A e 2,9±1,3 mg/kg no grupo B; p=0,697), mesmo quando considerada a dose bruta (136,9±46,0 mg no grupo A e 126,4±49,1 mg no grupo B; diferença=10,5 mg; IC95%: -10,9 a 32; p=0,33).
- Em apenas 12 (15%) pacientes o propofol foi usado como droga única; em 23 (29%), o midazolam e o fentanil foram associados; em 2 (3%), o fentanil foi aplicado; e em 41 (52%), o midazolam. O midazolam foi usado em 64 (82%) pacientes: 33/39 (55%) do grupo A e 31/39 (79%) do grupo B (p=0,55). O fentanil foi empregado em 25 (32%), dos quais 12/39 (31%) eram do grupo A e 13/39 (33%) do grupo B (p=0,81). O tempo de sala médio foi de 21±6 minutos, sendo significativamente maior no grupo A (23±7 minutos) do que no grupo B (20±5 minutos; IC95% da diferença=0,5-5,9; teste t, p=0,02) (Figura 1). O tempo de procedimento mediano foi 5 minutos (DIQ 4-5) no grupo A e 4 minutos (DIQ 4-5) no grupo B (teste de Mann-Whitney, p=0,27).
Usos clínicos:
- Taquicardia ventricular, especialmente pós Infarto agudo do miocárdio (IAM), é a primeira escolha.
- Fibrilação ventricular, primeira escolha.
- Anestésico local em pequenas operações cirúrgicas (como as dentárias).
Mecanismo de ação:
- Enquanto ambos antiarrítmico e anestésico local, é um bloqueador rápido dos canais de sódio, ativados ou inativados, existentes nos miócitos especializados do sistema de condução (coração) ou nervos periféricos.
Administração:
- Para efeito antiarrítmico, seu uso intravenoso é o de escolha. Podendo ser utilizada por via endotraqueal em casos de emergência, quando o acesso venoso ainda não foi estabelecido.
Utiliza-se também a aplicação em spray para anestesia tópica de mucosas, a exemplo de seu uso na endoscopia digestiva e técnicas de intubação com o paciente acordado.Para bloqueios anestésicos loco-regionais, infiltra-se com agulha o anestésico na pele, ou na proximidade de troncos nervosos. Também é utilizada em raquianestesia e anestesia peridural.
Efeitos clinicamente úteis:
- Encurta o potencial de ação e prolonga a diástole. Diminui a taxa de contração cardíaca, eliminando especialmente os batimentos ectópicos. Impede a condução de potencial de ação nos axônios dos nervos periféricos, quando usada topicamente.
Toxicidade sistêmica:
- São raros os efeitos tóxicos da lidocaína. Em geral só aparecem em decorrência de sobredose ou injeção intravascular inadvertida.
Dentre as manifestações, podemos citar:
- Hipotensão arterial
- Sensação de cabeça leve
- Tinitus (zumbido no ouvido)
- Parestesias - Sensação de formigamento na língua e lábios
- Convulsões:
- Colapso cardiovascular
Desaconselhado uso de lidocaína no tratamento da dor
da erupção de dentes em crianças