Água contaminada com arsênio afeta 77 milhões de pessoas em Bangladesh.
Um dos países mais pobres e populosos do planeta, Bangladesh, no sudeste asiático, só costuma aparecer na mídia quando é vítima de alguma catástrofe. E foi isso que aconteceu recentemente quando um estudo publicado pela revista médica The Lancet revelou que a população é vítima de um envenenamento acidental sem precedentes.
- O problema todo teve origem na década de 70, quando o governo, com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), iniciou um projeto de instalação de poços tubulares no país. A medida foi destinada a controlar doenças transmitidas pela água, como cólera e disenteria. Até então, as pessoas bebiam água da superfície.
Com a abertura de cerca de 10 milhões de poços, a fonte de abastecimento mudou para os lençóis de água subterrânea, sem que fossem feitas análises detalhadas sobre a qualidade da água, que apresentava teores de arsênio acima do nível considerado seguro. O arsênio é uma substância naturalmente presente no solo e em rochas, mas também é um resíduo de vários processos industriais.
- Indícios de arsênio e de água contaminada nos solos, em Bangladesh, já afetaram milhões de pessoas, segundo noticia publicada no The New York Times. Os poços que foram cavados em aquedutos pouco profundos produzem água com níveis de arsênio muito acima dos considerados seguros. Contudo, nem toda a água vai para os poços e durante a época de seca, procede-se a alguma descarga diretamente para alguns dos maiores rios.
Um estudo publicado na The Proceedings of the National Academy of Sciences mostra que os sedimentos desses rios se tornaram bastante contaminados com arsênio e com repercussões nas águas dos solos.
- Yan Zheng e os seus colegas, do Observatório Lamont-Doherty Earth e do Queens College, analisaram amostras de sedimentos retirados do rio Meghna, que em conjunto com o Ganges e Brahmaputra, formam um vasto delta na Índia e Bangladesh. O resultado das amostras retiradas de pouca profundidade revelou baixas concentrações, já os sedimentos de águas mais profundas mostravam o dobro.
Cientistas europeus e chineses criaram um modelo informático para determinar a taxa de contaminação por arsênico nas águas subterrâneas na China
Os investigadores acreditam que a água contaminada entra no rio, e as causas químicas precipita-se e adere aos minerais. Os sedimentos formam uma espécie de cortina de ferro que mantém o arsênio fora da superfície da água, nos rios. No entanto, os cientistas dizem ainda que reciclar estes sedimentos carregados de arsênio no delta de Ganges-Brahmaputra-Meghna provavelmente levará à contaminação dos solos.
- Novo estudo relaciona uma em cada cinco mortes no país com o excesso de arsênio na água de poços artesianos construídos numa desastrosa política pública nos anos 1970 que resultou no maior envenenamento em massa da história
Entre 33 e 77 milhões de pessoas de Bangladesh estão expostas diariamente a uma quantidade nociva de arsênio na água de poços que utilizam para cozinhar e beber, uma catástrofe já conhecida pela Organização Mundial de Saúde e destacada como o “maior caso de envenenamento em massa da história”.
- Apesar de já ser um problema reconhecido, apenas agora se tem a real noção da tragédia. Um estudo publicado nesta semana no periódico Lancet demonstrou que uma em cada cinco mortes no país do sudeste asiático está relacionada com a concentração de mais de 10 microgramas de arsênio por litro de água.
Pesquisadores norte-americanos acompanharam 12 mil pessoas em Bangladesh por mais de uma década, entrevistando e coletando amostras de urina a cada dois anos. Assim foi possível traçar perfis e controlar fatores externos como doenças genéticas e vícios como cigarro e bebida. Além disso, a água de mais de seis mil poços foi analisada e comparada com a saúde dos pacientes que vivem ao redor deles.
- Dessa forma, o estudo constatou que a taxa de mortalidade para doenças crônicas entre os pacientes com os níveis mais altos de contaminação é 70% maior. Além disso, os problemas relacionados com o envenenamento, como lesões na pele, dificuldade de locomoção, rigidez das articulações e vários tipos de cânceres, são extremamente comuns em grande parte da população.
Envenenamento por arsênio
Ajuda:
- O envenenamento em massa em Bangladesh foi resultado de um esforço bem intencionado de agências de desenvolvimento que durante a década de 1970 construíram 10 milhões de poços artesianos para minimizar os efeitos da cólera e disenteria.
Segundo o líder da pesquisa, Joseph Graziano, da Universidade de Colúmbia, enquanto os poços foram importantes para frear essas doenças, eles foram escavados muito próximos a superfície e por isso a água estocada neles ia aos poucos se contaminando com arsênio, através de um fenômeno natural na região.
- Assim, milhões de pessoas nas últimas décadas foram sendo envenenadas aos poucos e como os problemas relacionadas com o arsênio só aparecem com o passar dos anos, várias gerações vivem atualmente com problemas de saúde e são mais vulneráveis a uma série de doenças.
Algumas soluções já foram sugeridas e aos poucos estão sendo adotadas. Uma delas é simplesmente escavar poços mais profundos. Outra é fornecer às pessoas pacotes com uma mistura de sulfato de ferro e hipoclorito de cálcio especialmente desenvolvida para ser adicionada à água para anular os efeitos do arsênio.
- “O governo de Bangladesh está aparentemente comprometido em resolver o problema. Mas deveria existir um maior apelo mundial para essa tragédia”, afirmou Richard Wilson, da Universidade de Harvard.
Tornar essa questão mais conhecida da comunidade internacional será fundamental para que a ajuda combinada de políticos, especialistas em saúde pública, epidemiologistas e organizações não governamentais minimize esse grave quadro que apesar de seus números assustadores passa praticamente em branco pelos noticiários e discussões internacionais.
- “A necessidade de uma resposta global para esse caso é urgente, até porque o problema ultrapassa as fronteiras de Bangladesh. A presença de arsênio na água está afetando 140 milhões de pessoas em vários países, especialmente no sudeste asiático. Os investimentos para remediar esse problema não chegam nem perto do que seria ideal”, concluiu Graziano.
Para os autores do estudo publicado na The Lancet, uma das alternativas para solucionar o problema é cavar poços mais profundos, onde a água estará livre de arsênio. Mas o médico Joseph Graziano, líder da pesquisa adverte: "Devemos dar uma resposta global a essa situação, que vai além das fronteiras de Bangladesh. A presença de arsênio em águas subterrâneas afeta 140 milhões de pessoas em vários países e especialmente no sul da Ásia. É necessário um esforço concentrado para trazer segurança a essas pessoas."
Por quase metade do ano, as chuvas de monção causam cheias nos três principais rios do país, o Ganges, Brahmaputra e Meghna e em seus afluentes.