sábado, 19 de outubro de 2013

Os Plastico e a Poluição do Marinha

Contaminação do mar brasileiro por resíduos plásticos: impactos e perspectivas

  • Estudos relatando a ocorrência de lixo marinho em praias e águas costeiras do Brasil, o país com maior extensão territorial e costeira da América do Sul (4°lat N - 34°lat S) com mais de 7.000 km de linha de costa, foram publicados desde a década de 1970 (Ivar do Sul and Costa, 2007). 
Desde há quase meio século, cientistas e outros atores sociais, direta ou indiretamente interessados na conservação da natureza, relatam problemas causados pela presença e acúmulo de lixo marinho em todos os ambientes costeiros, inclusive interações com animais (Ivar do Sul et al., 2012). 
  • O lixo marinho geralmente oferece uma combinação de ameaças físicas, químicas e biológicas, tanto ao interagir externa quanto internamente com a fauna, e está associado a diversas fontes baseadas em terra e no mar (Barletta et al., 2010). 
Cada item tem propriedades (tamanho, material, estado de decaimento, revestimentos/conteúdos) que levam ao desenvolvimento de problemas como emaranhamento, ferimentos externos e/ou internos, infecção, necrose e perda de membros, ou da própria vida do animal.
  • Dentre os riscos de natureza química e toxicológica, estão os de contato com substâncias abrasivas, ingestão de conteúdos tóxicos e assimilação de compostos presentes no material ou adsorvidos a ele. 
Os riscos biológicos, além do transporte de organismos bentônicos até lugares aonde suas larvas não chegariam naturalmente são sobretudo de natureza microbiológica. Itens plásticos de todos os tamanhos (macro e micro) possuem uma microbiota (bactérias, fungos) própria que se prolifera com maior sucesso na presença desses substratos Interações com animais da fauna carismática - emaranhamento
  • A interação mais óbvia entre o lixo marinho e animais marinhos é o emaranhamento, ou aprisionamento, de partes do corpo como as nadadeiras e/ou de todo animal. Mamíferos, tartarugas, aves e peixes marinhos são os casos mais comuns registrados. Geralmente o emaranhamento é relacionado a artes de pesca perdidas ou indevidamente descartadas. 
No sul do país, desde a fronteira com o Uruguai até a altura da Lagoa do Peixe, carcaças de aves marinhas (incluindo albatrozes, petréis, gaivotas, andorinhas do mar e o pinguim Spheniscus magellanicus) além da tartaruga verde Chelonia mydas, são frequentemente observados emaranhados em sacos plásticos, cabos, redes que foram perdidas ou abandonadas pelas atividades rotineiras da pesca.
  • Também existem relatos de indivíduos com lixo marinho, sobretudo plásticos, em seu conteúdo estomacal. Na plataforma continental do Estado do Rio Grande do Sul e além, o tubarão azul Prionace glauca é particularmente afetado por anéis plásticos (lacres de caixas de isca) descartados pela frota de pesca comercial. 
Esses anéis impedem ou dificultam ventilação pelas guelras e a alimentação, uma vez que se prendem como coleiras, levando o animal à morte. Redes e cabos de pesca de metros de comprimento são relatados em grande número na Reserva do Arvoredo (27°S). Essa reserva, no litoral sul de Santa Catarina, é uma importante área de reprodução da baleia franca Eubalaena glacialis, que já foi relatada presa a artes de pesca de grandes tamanhos, e também petrechos provenientes da pesca artesanal da região. 
  • No sudeste do país, São Paulo, anéis de garrafas PET também foram relatados como associados à morte de tubarões (Rhizoprionodon lalandii). Já na região Nordeste, invertebrados marinhos da Baia de Todos os Santos – Estado da Bahia (13° S) foram relatados emaranhados em itens de lixo marinho. Corais duros (Millepora spp.) estavam cobertos por redes de nylon e quebrados. 
Haviam ainda emaranhados a esses corais linhas de pesca e outros itens relacionados a essa atividade. Invertebrados bentônicos (moluscos e crustáceos) também interagem e se emaranham em itens do lixo marinho como fitas de alumínio, garrafas de vidro e outros recipientes descartados por usuários de praias, podendo ficar aprisionados. Esse processo pode gerar episódios de predação e até canibalismo não naturais.
  • Mais ao Norte do litoral Bahia, tartarugas marinhas da espécie Eretmochelys imbricata nidificam em praias pesadamente contaminadas por lixo marinho proveniente de fontes terrestres e marinhas. As fêmeas podem se emaranhar atravessando as praias ao subirem para pôr seus ovos, e os neonatos podem ficar presos aos itens de lixo marinho ao tentarem alcançar o mar. 
No estado de Pernambuco, a biota estuarina também foi relatada como estando sob risco de emaranhamento em lixo marinho plástico proveniente da pesca (ex. Possatto et al., 2011). 
  • Em um pequeno estuário (Goiana, 7°S), que é inclusive uma Unidade de Conservação Federal do tipo Reserva Extrativista (RESEX), os bagres e as tartarugas foram observados emaranhados em redes ativas e fragmentos de redes descartados no ambiente. 
Também nesse estuário, a floresta alagada de manguezal se encontra contaminada por plástico de fontes locais e por itens transportados pelo rio. Com a maré baixa, sacos plásticos são observados tampando os buracos dos caranguejos, que, ao tentarem desobstruir a entrada de suas tocas, acabam emaranhados nos sacos. Acredita-se que esse problema se repita em outras florestas de manguezal do Nordeste e Norte do país. 
  • No arquipélago de Fernando de Noronha (3°S, 32°W), os golfinhos rotadores Stenella longirostris interagem com sacolas plásticas do tipo que é distribuído em supermercados. 
Mesmo sem registros de emaranhamentos, esse fato sugere que há uma ampla disponibilidade de lixo marinho no entorno do arquipélago, o que confirma a existência de interação entre os plásticos e a fauna. No Norte do país o lixo marinho já é amplamente relatado como ocorrência frequente e significativa para ambientes ribeirinhos, costeiros e marinhos. 
  • A captura acidental de peixes-boi (Trichechus inunguis) e golfinhos em rios pela pesca artesanal já foi relatada e é comum para toda a região, já que artes de pesca são perdidas ou descartadas indevidamente, inclusive na bacia amazônica. Todos os grupos animais, vertebrados e invertebrados, parecem estar em risco de interação com lixo marinho na costa brasileira. 
Poucas iniciativas se dedicam a reduzir os eventos de emaranhamento, estando restritas a organizações não-governamentais, muitas vezes sem apoio técnico ou financeiro eficazes, e que agem apenas com a boa-vontade de cidadãos. Os itens mais frequentemente apontados como responsáveis pelas interações com a fauna marinha são aqueles provenientes da pesca, provavelmente por serem também os mais conspícuos e facilmente identificados. 
  • Consequentemente, iniciativas continuadas e de ampla abrangência geográfica para a redução da perda e descarte indevido de artes de pesca serão aquelas de maior efetividade. No caso de interações específicas entre artes de pesca ativas e tartarugas, aves e golfinhos, existem iniciativas um pouco mais bem estruturadas. 
Além do emaranhamento, a ingestão de lixo marinho, sobretudo de itens plásticos, também é um evento preocupante de interação entre fauna e lixo. A ingestão de itens de diversos tamanhos e materiais atesta a grande disponibilidade do lixo marinho nos ambientes costeiros, de plataforma e oceânicos (tanto pelágicos quanto bentônicos). 
  • Esse tipo de interação tem consequências diferentes do emaranhamento, pois pode demorar a ser detectado pela maioria dos observadores, além de poder levar o animal à morte por diversas causas. 
As principais causas de morte por ingestão de lixo marinho não são necessariamente a sensação de saciedade e a perda de estímulo alimentar que tanto se divulga, mas pode ser também, e mais provavelmente, ferimentos internos e infecções decorrentes. 
  • A ingestão de lixo marinho só é detectada e confirmada quando, se capturado vivo, o animal passa por um processo de recuperação assistida e defeca os itens ingeridos ou; quando é feita a necropsia da carcaça, no caso do animal ser encontrado morto ou se vier a óbito logo após a captura. 
Durante a permanência dos itens no trato digestivo do animal, ainda podem ocorrer reações químicas de sorção e desorção de compostos orgânicos e inorgânicos dos plásticos ou outros materiais para a corrente sanguínea, e de lá para os diversos tecidos. 
  • Poluentes orgânicos persistentes são fortemente associados a itens plásticos de todos os tamanhos (ex. atratores luminosos ou lightsticks e pellets). 

Contaminação do mar brasileiro por resíduos plásticos: impactos e perspectivas

Microplásticos:
  • Dentre os tipos de itens de lixo marinho plástico mais sujeitos a interações com a fauna por ingestão estão aqueles de tamanho reduzido, os microplásticos (Ivar do Sul and Costa, 2014; Lima et al., 2014). 
Quanto menor o item de lixo marinho, seja ele plástico ou não, maior a probabilidade de ser ingerido por um número cada vez maior de grupos animais, já que o tamanho da boca ou mecanismo de filtração/ingestão é o principal condicionante do tamanho de partícula a ser selecionado/ingerido.
  • Esses itens de <5mm são onipresentes em habitats aquáticos, tendo sido reportados para literalmente todos os compartimentos ambientais conhecidos. Os microplásticos estão presentes nos ambientes costeiros e marinhos misturados ao plâncton e aos sedimentos (Ivar do Sul and Costa, 2014; Lima et al., 2014). 
Sua origem pode ser o decaimento de itens maiores ou, em casos especiais como o das esférulas plásticas de diversos tamanhos, já são produzidos para várias finalidades (ex. plásticos primários, abrasivos, cosméticos), e chegam ao mar em pequenos tamanhos mas em grandes quantidades (Ivar do Sul and Costa, 2014). Os microplásticos podem ser ingeridos e causarem danos físicos, químicos e biológicos em todos os grupos animais (Ivar do Sul and Costa, 2014). 
  • Atualmente, considera-se que os microplásticos no mar são uma “bomba-relógio”, cujas consequências ainda não sabemos estimar com precisão. Não existe remediação técnica e economicamente viável para a retirada (despoluição) do volume de escalas oceânicas de microplásticos secundários, aqueles provenientes da fragmentação de itens maiores. 
E o problema tende a se agravar com o tempo. Mesmo que as fontes atualmente conhecidas cessem imediatamente, já existe um passivo ambiental de escala incalculável a ser resolvido.
  • O problema tende a se agravar com tamanhos ainda menores, os nanoplasticos (escala de μm), assim como com tecnologias alegadamente verdes de plásticos fotodegradáveis ou fabricados a partir de biomassa. 
A alta relação superfície/volume dos microplásticos faz com que eles sejam especialmente preocupantes em relação à adsorção/desorção de poluentes orgânicos quando na coluna d’água e quando no trato digestivo dos animais depois de ingeridos. Há uma perspectiva no entanto do controle das fontes de microplásticos primários, cuja produção e manuseio passou a ser controlado. 
  • Isso já resultou, ao longo das últimas décadas, em uma redução da presença de pellets nas águas do Oceano Atlântico Norte, por exemplo.
O que os olhos não, necessariamente, vêem:
  • O território nacional vai, no entanto, muito além do convencional, entendido como o Brasil continental, onde bacias hidrográficas, praias, estuários e outros ambientes costeiros estão sob constante risco de poluição por lixo marinho. Existem outros ambientes onde a influência do estado Brasileiro e de seus cidadãos se faz sentir.
As ilhas oceânicas, a Amazônia Azul (Ivar do Sul et al., 2014, 2013) e o território reclamado pelo Brasil na Antártica (Ivar do Sul et al., 2011) também merecem atenção da nossa parte em relação aos seus riscos de poluição por lixo marinho, e sobretudo de interação da fauna com esses itens. No entanto, a vigilância desses territórios é dificultada por sua extensão e afastamento. 
  • Pesquisas nas águas da Amazônia Azul e nos ambientes bentônicos de nossa jurisdição, indicam haver um grau de contaminação preocupante, visto que diversas técnicas amostrais direcionadas a outras variáveis tem capturado plásticos (Ivar do Sul et al., 2013) e outros itens de lixo marinho de diversos tamanhos. Complementarmente, chama-se a atenção para a contaminação dos ambientes antárticos nos arredores das bases e abrigos frequentados por pesquisadores brasileiros. 
Uma série de relatos foram feitos, quando de retorno ao continente, sobre a presença de lixo marinho em praias e ambientes submersos. Investigações de ninhos e regurgito de aves marinhas estão em andamento.

Somos todos responsáveis:
  • O desafio colocado pela poluição por lixo marinho, sobretudo plásticos, é grande e complexo, e sua abordagem e solução irão requerer a participação de diversas áreas do conhecimento humano (Hatje et al., 2013). 
Profissionais ligados as ciências do mar a partir de todos os pontos de vista do conhecimento técnico científico tem certamente uma contribuição a fazer sobre o assunto. Mas, mais importante de tudo será a coordenação dos esforços na redução das fontes do lixo marinho, a exemplo de diversos outros países, como a União Europeia. 
Caberá não só aos governos de todas as escalas políticas, mas a toda a sociedade assumir seus papéis na prevenção e combate à poluição marinha por lixo. Lembrando do mencionado por James M. Coe e Donald B. Rogers em seu livro de 1997, nenhum outro tipo de poluição marinha nos é tão familiar quanto os plásticos.

Contaminação do mar brasileiro por resíduos plásticos: impactos e perspectivas