terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Metais Traço nas Águas de Superfície do Porto da Cidade do Rio Grande (Estuário da Lagoa dos Patos)

Metais Traço nas Águas de Superfície do 
Porto da Cidade do Rio Grande (Estuário da Lagoa dos Patos)

Fabiana Gonçalves Barbosa
  • O Porto do Rio Grande é o porto marítimo mais meridional do Brasil, localizado na margem oeste do Canal do Rio Grande. É o porto de melhores condições geográficas e de infra-estrutura para o escoamento de todo o Rio Grande do Sul e norte da Argentina (NIENCHESKI et al., 2000), sendo de grande importância para a economia do município, do Estado e do País, além de ser o terceiro porto mais importante do Brasil, atrás apenas dos Portos de Santos e do Rio de Janeiro.
A área hídrica portuária encontra-se enquadrada na Classe C das águas salobras (FEPAM, 1995), segundo a legislação ambiental brasileira (CONAMA, 1986). Na Classe C se enquadram águas destinadas à navegação comercial, à harmonia paisagística, à recreação de contato secundário. 
  • Em 17 de março de 2005, foi publicada pelo Diário Oficial da União uma nova resolução do CONAMA (Resolução n° 357), nessa nova resolução as águas salobras de Classe C são denominadas como águas salobras Classe 2.
O presente estudo teve como objetivo avaliar os teores de metais traço (Cd, Cu, Pb e Zn) na fração total em águas superficiais do Canal de Acesso ao Porto do Rio Grande.

Figura 1 – Localização da área de estudo

Material e Métodos:
Amostragem:
  • Amostras de água superficial foram coletadas em 9 pontos dispersos na área do Canal de Acesso ao Porto do Rio Grande. Essas amostragens foram de janeiro a junho de 2000, totalizando 54 campanhas.
As amostragens foram realizadas em cada uma das condições hidrológicas enfocadas nesse presente estudo, conforme mostra a Tabela 1, resultantes da combinação entre dois regimes hídricos ocorrentes no estuário (enchente e vazante) e cada uma das 3 faixas de salinidade das águas superficiais do Porto de Rio Grande, definidas como sendo: salinidade de 0 a 5 – água doce; salinidade de 5 a 20 – água mixohalina; salinidade > 20 – água salina.

Parâmetros e Métodos:
  • A temperatura da água, salinidade e pH foram determinados “in situ”, usando termômetro de mercúrio, salinômetro de indução e pH-metro respectivamente. O material em suspensão (MS) foi analisado pelo método gravimétrico e uso de filtros de acetato de celulose com 0,45µm de porosidade (Strickland e Parsons, 1972).
Para a determinação do teor total de Cd, Cu, Pb and Zn as análises foram realizadas usando espectrofotometria de absorção atômica (EAA) com atomização eletrotérmica em forno de grafite, após digestão ácida da amostra de água (APHA, 1989). O instrumento utilizado foi AAS5-ZEISS.

Regiões Amostradas:
  • Para um melhor entendimento e interpretação dos dados, os pontos amostrados foram agrupados em três regiões ao longo do Canal de Acesso, conforme mostra a Figura 1: Região A – pontos de 1 ao 3, região norte do canal; Região B – pontos de 4 ao 6, região central do canal; Região C – pontos 7 ao 9, região sul do canal.
Análises Estatísticas:
  • Para caracterização das águas superficiais foi aplicada estatística aos dados obtidos no estudo usando o software Statistica versão 5.1 através dos seguintes métodos: análise estatística descritiva e regressão linear simples.
Resultados:
Parâmetros Físico-Químicos:
  • As Faixas de Salinidade da Água em dois diferentes Regimes Hidrológicos do Estuário e MS
  • No mês de janeiro até março observa-se a presença de águas salinas, tornando-se, a partir de então, mixohalinas no período de outono e inicio de inverno quando um decréscimo muito importante foi evidenciado, baixando a salinidade para valores menores que 5, até o mês de junho, conforme mostra a Tabela 1.
  • Tabela 1 - Datas das amostragens concretizadas para cada faixa de salinidade. Ao lado de cada data cita-se a direção do vento do dia da coleta.
Faixas de Salinidade :
  • 0 a 5 
  • 5 a 20 
  • >20 
Enchente 
  • 18.01.00 (SE) 
  • 25.02.00 (SE) 
Vazante 
  • 27.06.00 (NE) 
  • 26.04.00 (N-NE) 
  • 30.05.00 (NO) 
  • 30.03.02 (NE-E) 
(E= leste; NE = nordeste; NO = noroeste; N = norte; SE = sudeste)
O MS apresentou uma diferença entre os regimes de vazante (média de 19,92 mg.L-1) e enchente (média de 17,01 mg.L-1), conforme mostra a Tabela 2.
  • Tabela 2 - Parâmetros estatísticos de média aritmética, mediana, mínimos e máximos de MS (mg.L-1) das águas superficiais do Porto do Rio Grande, nos regimes de enchente (E) e de vazante (V).
região:
  • mediana 
  • média 
  • mínimo 
  • máximo 
  • média global 
MS (E) B 
  • 11,00 
  • 24,02 
  • 20,60 
  • 13,23 
  • 19,28 
  • 18,53 
  • 7,60 
  • 3,60 
  • 8,60 
  • 24,80 
  • 33,20 
  • 28,80 
  • 17,01 
MS (V) B 
  • 8,50 
  • 16,00 
  • 23,80 
  • 19,26 
  • 18,08 
  • 22,43 
  • 7,20 
  • 9,00 
  • 8,00 
  • 34,20 
  • 31,60 
  • 49,60 
  • 19,92 
Temperatura e pH:
  • Os maiores valores de temperatura ocorreram no regime de enchente, período de verão (média de 27,92 °C), com declínio no regime de vazante, período de inverno (média de 17,61 °C), conforme mostra as Tabelas 3 e 4.
Tabela 3 - Parâmetros estatísticos de média aritmética, mediana, mínimos e máximos de temperatura (°C) e pH das águas superficiais do Porto do Rio Grande, no regime de enchente.
região 
  • mediana 
  • média 
  • mínimo 
  • máximo 
  • média 
  • global 
T B 
  • 24,00 
  • 24,00 
  • 24,50 
  • 35,28 
  • 24,00 
  • 24,50 
  • 23,00 
  • 24,00 
  • 24,00 
  • 25,00 
  • 24,00 
  • 25,00 
  • 27,92 
pH B 
  • 8,00 
  • 8,05 
  • 8,10 
  • 8,01 
  • 8,08 
  • 8,10 
  • 7,70 
  • 7,70 
  • 7,80 
  • 8,30 
  • 8,60 
  • 8,50 
  • 8,06 
Os resultados de pH evidenciam o caráter fracamente alcalino das águas no regime de vazante (média 7,81) e de enchente (média 8,06), conforme mostra as Tabelas 3 e 4.
  • Tabela 4 - Parâmetros estatísticos de média aritmética, mediana, mínimos e máximos de temperatura (°C) e pH das águas superficiais do Porto do Rio Grande, no regime de vazante.
Região:
  • mediana 
  • média 
  • mínimo 
  • máximo 
  • média global 
  • T B 
  • 18,50 
  • 17,50 
  • 18,50 
  • 17,58 
  • 17,25 
  • 18,00 
  • 14,00 
  • 14,00
  • 14,00 
  • 21,00 
  • 20,00 
  • 21,00 
  • 17,61 
pH B 
  • 7,85 
  • 7,97 
  • 8,04 
  • 7,66 
  • 7,86 
  • 7,93 
  • 6,50 
  • 7,31 
  • 7,45 
  • 8,22 
  • 8,19 
  • 8,18 
  • 7,81 

Metais Traço nas Águas de Superfície do 
Porto da Cidade do Rio Grande (Estuário da Lagoa dos Patos)

Metais Traço:
  • O Cd apresentou uma variação média de 0,13 a 0,17 mg.L-1 nos regimes de enchente e vazante, respectivamente. Para o Cu foi observado um aumento de 1,88 mg.L-1 (enchente) para 3,25 mg.L-1 (vazante). O Pb variou, em média, de 1,02 em enchente a 1,75 mg.L-1 vazante. Ao contrário dos outros elementos, Zn teve sua maior média no regime de enchente de 8,5 mg.L-1 em relação ao regime de vazante de 6,08 mg.L-1.
Espacialmente, as maiores concentrações de metais traço ocorreram na Região A (0,17 µg.L-1 de Cd, 1,57 µg.L-1 de Pb e 7,77 µg.L-1 de Zn), com exceção ao Cu, onde a maior foi observada na Região B (4,35 mg.L-1 de Cu), conforme mostra a Figura 2.

Figura 2 – Distribuição do Cd, Cu, Pb e Zn (fração total) 
nas regiões de estudo do Porto do Rio Grande.

  • Em uma subseqüente análise, a relação dos metais traço com a salinidade foi conduzida usando análise de correlação linear, conforme mostra a Figura 3. As concentrações de Zn mostraram-se baixas relações com a salinidade, enquanto que as de Cd, Cu e Pb foram positivamente relacionadas com a salinidade.




Figura 3 - Metais na fração total em função da salinidade.

Discussão:
Parâmetros Físico-Químicos:
  • Os valores de salinidade, temperatura (T) e pH foram semelhantes aos obtidos em outros estudos realizados na região estuarina (WINDOM et al., 1999; NIENCHESKI & BAUMGARTEN, 2000; DIAS, 2002; PEREIRA, 2003).
Os resultados de MS apresentam-se dentro da faixa de concentração considerada normal para esse estuário (NIENCHESKI et al., 1999; WINDOM et al.,1999). As altas concentrações de MS ocorreram na presença de águas doces, conforme mostram as Tabelas 1 e 2, que podem ser atribuídas a alta carga de MS das águas oriundas do norte da lagoa, que escoam intensamente pelo canal (CALLIARI & ANTIQUEIRA, 2005). Nas Regiões, as menores concentrações de MS associaram-se significativamente às maiores salinidades, conseqüência de que a água salgada é pobre em suspensões.

Metais Traço – Regime de Enchente e Vazante
Vazante:
  • Ocorreram as maiores concentrações de Cd, Cu e Pb, conforme mostra a Figura 2. A positiva correlação destes metais com a salinidade, conforme mostra a Figura 3 evidencia mais elementos metálicos neste regime hídrico, que geralmente predomina no inverno, quando o nível da Lagoa é geralmente mais alto, dificultando a entrada da água costeira e resultando na predominância de águas de baixa salinidade (MÖLLER et al., 2001).
Enchente:
  • Houve maior diminuição de Cd, Cu e Pb, conseqüência da maior dispersão dos poluentes favorecida pela entrada da água marinha. A ausência nas águas por Zn manteve-se, entretanto, ao contrário, observou-se que os valores máximos ocorreram neste regime, refletindo a presença de forma fraca de aportes antrópicos deste metal, conforme mostra a Figura 2, uma vez que ocorreu a independência da concentração de Zn com a salinidade, conforme mostra a Figura 3.
Uma fonte antrópica de Zn que pode ser representativa é o deflúvio superficial urbano (“runoff” urbano) que, em geral, contém poluentes que se depositam na superfície do solo (Al, Mn e Zn) (JESUS et al., 2004). Além disso, metais associados ao desgaste de lonas e freios ou outros componentes do solo, podem acumular-se nas ruas, valas, bueiros, sendo então arrastados para os cursos d’água. Outra problemática refere-se à poluição veicular, além do Fe outros elementos estão presentes na composição natural dos combustíveis, e muitos destes (Zn, Mg, Ca) são utilizados como aditivos da gasolina e do óleo do motor para evitar a oxidação e auxiliar a lubrificação, sendo liberados para a atmosfera através dos gases de exaustão dos veículos.
  • Assim sendo, as contribuições metálicas de Zn associadas a este regime de amostragem podem estar relacionadas ao acúmulo de partículas no solo ao longo do tempo, decorrente do uso da auto-estrada que conta com tráfego intenso e com a ocorrência de chuvas podem carrear estas partículas para o meio aquático.
Metais Traço – Regiões Estudadas:
Região A:
  • Engloba as instalações do Porto Novo e a entrada do Saco da Mangueira na margem oeste do Canal de Acesso e na margem leste a cidade de São José do Norte (cerca de 27.000 habitantes). Esta região recebe maior aporte dos efluentes doméstico, pluvial e misto através do Saco da Mangueira e efluentes pluviais (LAGO et al., 2004; ALMEIDA et al., 1993) juntamente com a influência significativa de atividades portuárias nesta região.
Região A apresenta, teoricamente, uma taxa de renovação de água menor do que as Regiões B e C, por estar mais afastado do Oceano Atlântico. Isto indica um elevado aporte de água doce e uma baixa mistura com a água mais salina. O maior tempo de residência das águas propicia a retenção dos elementos lançados na nesta região.
  • As médias das concentrações de Cd, Pb e Zn foram altas, conforme mostra as Figura 2, estes resultados indicam a contribuição antrópica de metais pesados para as águas superficiais na Região A.
VARMA (2000) citam os esgotos domésticos como fonte de Cd para o ambiente aquático. As águas da entrada do Saco da Mangueira são receptoras do principal efluente doméstico (Sistema Centro) da cidade, sendo que este atende cerca de 20.000 residências, o qual é lançado de forma ininterrupta (BAUMGARTEN et al., 1998). 
  • O Zn é um dos elementos mais abundantes em esgotos domésticos (SALOMONS & FÖRSTNER, 1984). Além desta fonte potencial de Zn para estuário, pode ser citada também a lixiviação das bacias de drenagem (VARMA, 2000). Além disso, próximo à área portuária pode-se encontrar outras prováveis fontes, tais como resíduos resultantes da deteriorização de ligas metálicas da construção civil (visto que o Zn pode ser encontrado em tintas e pigmentos) e de estruturas metálicas galvanizadas, onde o Zn é usado como uma camada protetora em superfície de ferro para prevenir a corrosão (VARMA, 2000).
Região B:
  • Em torno desta região existem atividades portuárias e industriais (fertilizantes, extração e refino de óleos vegetais) que podem ser considerada como uma fonte de metais para as águas marginais (NIENCHESKI & BAUMGARTEN, 2000).
A média da concentração de Cu foi alta, apresentando os maiores valores em relação às outras regiões estudadas, conforme mostra a Figura 2. De acordo com Baisch (1987), as indústrias de fertilizantes também contribuem através dos resíduos minerais resistentes ao tratamento industrial de rochas fosfatadas, utilizadas na fabricação de fertilizantes. 

Região C:
  • Possui grande renovação das águas devido à proximidade com oceano e teoricamente sem aporte de efluentes (LAGO et al., 2004; ALMEIDA et al., 1993). A Região C pode ser considerada relativamente limpa, conforme mostra a Figura 2, em função da hidrodinâmica da região. 
Conclusão:
  • Os resultados mostraram que a qualidade das águas superficiais do Porto do Rio Grande é diferente para os dois regimes hidrológicos (vazante e enchente) e regiões (A, B e C). A entrada de água marinha, livre de contaminantes, favoreceu a diluição elementos metálicos. Enquanto que entre as regiões, a Região A por estar mais afastada do oceano, apresentou maiores concentrações. Todos os valores de Cd, Pb e Zn estiveram abaixo dos limites máximos pela legislação vigente
Referências:

ALMEIDA, M.T.; BAUMGARTEN, M.G.Z., RODRIGUEZ, R.M.O. Identificação das possíveis fontes de contaminação das águas que margeiam a cidade do Rio Grande. Série “Documentos Técnicos-Oceanografia 06”. FURG, Rio Grande, 34p, 1993.
APHA. Standard methods for the examination of water and wastewater. 14ª ed. Washington, 1193p, 1989.
BAISCH, P. Les oligo-éléments métalliques dans les sediments de la Lagune dos Patos-Brésil. 1987. Tese de Doutorado - D.E.A. Université de Bordeaux, 1987.
BAUMGARTEN, M.G.Z., AZNAR, C.E., ROCHA, J.M., ALMEIDA, M. T., KINAS, P.G. Contaminação química das águas receptoras do principal efluente doméstico da cidade do Rio Grande (RS). Atlântica, FURG, v. 20, p. 35-54, 1998.
CALLIARI, L.J. & ANTIQUEIRA, J.A.F. Características sedimentares da Laguna dos Patos. Gravel, Porto Alegre, 3, p. 39-46, 2005.
CONAMA. Resolução número 20, de 18 de junho de 1986 (D.O.U. de 30.07.86). Decreto nº. 88.351 de 1º de junho de 1983.
CONAMA. Resolução número 357, de 17 de março de 2005 (D.O.U. de 18.03.05). Decreto nº. 99.274 de 6 de junho de 1990.
DIAS, R.A. Salinidade, temperatura e oxigênio dissolvido e descarga fluvial do estuário da Lagoa dos Patos. 2002. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Oceanologia) - Fundação Universidade Federal do Rio Grande. 2002.
FEPAM. Portaria SSMA n.7. Norma técnica 003/95. Enquadramento dos recursos hídricos da parte sul do estuário da Lagoa dos Patos. Diário Oficial da União, 24 de maio 1995.
JESUS, H.C.; COSTA, E.A.; MENDONÇA, A.S.F. & ZANDONADE, E. Distribuição de metais pesados em sedimentos do sistema estuarino da Ilha de Vitória-ES. Revista Química Nova, v. 27, p. 378-386, 2004.
LAGO, C., BAUMGARTEN, M.G.Z., MILANI, I.C.B., NIENCHESKI, L.F.H. Identificação dos pontos de lançamento de efluentes no Canal do Norte e Canal do Rio Grande (estuário da Lagoa dos Patos/RS). In: III Mostra de Produção Universitária, 2004, Rio Grande. Cd de resumos, Rio Grande: FURG, 2004.
MÖLLER JR., O.O.; CASTAING, P. SALOMON, J.C., LAZUNE, P. The influence of local and non-local forcing effects on the subtidal circulation of Patos Lagoon. Estuaries, v. 24, p. 297-311, 2001.
NIENCHESKI, L.F.H. & BAUMGARTEN, M.G. Distribution of particulate trace metal in the southern part of the Patos Lagoon estuary. Aquatic Ecosystem Health & Management, Canadá, v. 3, n. 4, p. 515-520, 2000.
NIENCHESKI, L.F.H., BAUMGARTEN, M.G., BARAJ, B. Monitoramento hidroquímico da área do Porto de Rio Grande (RS) submetida a atividades de dragagens. Boletim Informativo da CIRM, v. 12, n. 2, p. 16-16, 2000.
NIENCHESKI, L.F.H., BAUMGARTEN, M.G., FILLMANN, G., WINDOM, H.L. Nutrients and suspended matter behaviour in the Patos Lagoon Estuary (Brazil). In: PERILLO, G.M.E., PICCOLO, M.C., PINO-QUIVIRA, M. Estuaries of South America. Heidelberg: Springer-Verlag, 1999, p. 67-81.
PEREIRA, R.S. Processos que regem a qualidade da água da Lagoa dos Patos, segundo o modelo Delft3D. 2003. Dissertação (Mestrado em Engenharia Oceânica) - Fundação Universidade Federal do Rio Grande. 2003.
SALOMONS, W. & FÖRSTNER, U. Metals in the Hidrocycle. Springer-verlag Berlin, 349p, 1984.
STRICKLAND, J.D.H. & PARSONS, T. Apratical handbook of seawater analysis. 2ª ed. J. Fis. Res. Board. Canadá, Ottawa Bull, 310p, 1972.
VARMA, A. Handbook of atomic absorption analysis. CRC Press, Boca Raton, Florida, 2000.
WINDOM, H. L., NIENCHESKI, L.F.H., SMITH, R. Biogeochemistry of nutrients and trace metals in the estuarine region of Patos Lagoon (Brazil). Estuarine - Coastal and Shelf Science, Estados Unidos, v. 48, p. 113-123, 1999.

Metais Traço nas Águas de Superfície do 
Porto da Cidade do Rio Grande (Estuário da Lagoa dos Patos)

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Transgênicos: Avaliação da possível (in)segurança alimentar através da produção científica

Transgênicos: 
Avaliação da possível (in)segurança alimentar através da produção científica

Maria Clara Coelho Camara
Doutoranda do Programa de Saúde Pública. Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) - Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). maria.clara@ensp.fiocruz.br 
Carmem L.C. Marinho
Pesquisadora do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh) /ENSP/Fiocruz. cmarinho1@oi.com.br 
Maria Cristina Rodrigues Guilam
Pesquisadora do Cesteh/ENSP/Fiocruz. Rua Leopoldo Bulhões, 1480 - Prédio Primeiro de Maio - 21041-210 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil.guilam@ensp.fiocruz.br 
Rubens Onofre Nodari
Professor titular do Centro de Ciências Agrárias. Universidade Federal de Santa Catarina. Campus Universitário Trindade, caixa-postal 476 - 88040-900 - Florianopolis - SC - Brasil. rubens.nodari@mma.gov.br
  • Os organismos transgênicos são aqueles cujo genoma foi modificado com o objetivo de atribuir-lhes nova característica ou alterar alguma característica já existente, através da inserção ou eliminação de um ou mais genes por técnicas de engenharia genética (Marinho, 2003). 
Entre as principais características almejadas encontram-se o aumento do rendimento com melhoria da produtividade e da resistência a pragas, a doenças e a condições ambientais adversas; a melhoria das características agronômicas, permitindo uma melhor adaptação às exigências de mecanização; o aperfeiçoamento da qualidade; a maior adaptabilidade a condições climáticas desfavoráveis e a domesticação de novas espécies, conferindo-lhes utilidade e rentabilidade para o homem (Lacadena, 1998).
  • A liberação dos transgênicos no Brasil, particularmente aqueles com finalidade comercial, vem provocando intensa polêmica quanto a possíveis riscos à saúde e ao meio ambiente. Tal polêmica, que envolve diversos atores, como cientistas, agricultores, ambientalistas e representantes do governo, refere-se ao nível de incerteza atribuído a esses alimentos diante da chamada 'segurança alimentar' (Marinho, 2003). 
O conceito surgiu na Europa do século XX, fortemente relacionado à capacidade de os países produzir sua própria alimentação no caso de eventos de guerra e catástrofes. Assim, seu percurso histórico iniciou-se associado às noções de soberania e segurança nacional e foi impulsionado pelas consequências da 1ª Guerra Mundial, que evidenciou o poder de dominação que poderia representar o controle do fornecimento de alimentos (Maluf, 2007).
  • Há um intenso conflito entre defensores e críticos da tecnologia transgênica. Grande parte da polêmica emerge da falta de informações completas e confiáveis sobre riscos, benefícios e limitações dessa aplicação. Os vários argumentos, utilizados por ambos os lados da controvérsia, encontram-se no Quadro 1 (Lacey, 2006).
Segundo Valle (2000) e Cavalli (2001), a intensa controvérsia que cerca o tema não possibilitou ainda uma definição clara quanto à segurança dos transgênicos para o consumo. A falta de conhecimento científico sobre os riscos é um fator associado à situação acima referida. 
  • Com base nisso, este estudo tem como proposta identificar e analisar criticamente a produção científica brasileira, no campo da saúde pública, sobre os organismos geneticamente modificados (OGMs), no que concerne à identificação da possível (in)segurança alimentar.
Caminho metodológico:
  • Para realizar a análise aqui proposta, realizou-se uma revisão bibliográfica nos portais do Scientific Eletronic Library Online (http://www.scielo.org/), rede de divulgação da comunicação científica nos países do Caribe e da América Latina, e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), instituição responsável pela pós-graduação stricto sensu no Brasil. 
Tem-se como pressuposto que a seleção nesses portais configura amostra representativa de como o tema vem sendo tratado no campo da saúde pública no Brasil. Cabe destacar que, na seleção realizada no portal SciELO, considerou-se a disponibilidade integral dos artigos, para viabilizar discussão mais aprofundada e detalhada do material. Considera-se que os estudos selecionados justificam-se por sua legitimidade, uma vez que representam pesquisas, comprovam pressupostos e são obrigatoriamente submetidos à avaliação por pares.
  • Os descritores utilizados para recuperar, nos portais da SciELO e da Capes, os estudos foram transgênico(s); OGM(s); transgênicos e segurança alimentar; OGMs e segurança alimentar; transgênicos e saúde pública. Através desses descritores foi possível adquirir uma visão ampla sobre como os transgênicos vêm sendo tratados no campo da saúde pública.
Análise dos resultados:
  • A busca por intermédio dos descritores mencionados resultou na localização de 716 estudos, dos quais 80 eram artigos e 636, teses e dissertações. O período da pesquisa foi de 1987 a 2008, e verificou-se que a maior parte das publicações ocorreu a partir de 1998 (aproximadamente 95%), em especial em 2007, ano que compreendeu 13,2% das publicações (94 estudos).
A literatura científica sobre transgênicos é ampla e diversa. Tange assuntos como rotulagem, direito do consumidor, biossegurança, experimentos em laboratórios, produção, comercialização e liberação comercial, riscos e benefícios oriundos dessa tecnologia. Apesar do grande número de referências reunidas sobre o tema, apenas oito estudos abordam especificamente a (in)segurança alimentar dos alimentos geneticamente modificados. Um resumo desses estudos encontra-se no Quadro 2.
  • Estudo semelhante ao exposto neste artigo foi realizado por Domingo (2007), que fez uma revisão da literatura no portal Medline. Nela foram identificadas mais de cinco mil referências a transgênicos, entretanto quanto à avaliação de risco - objetivo principal - localizaram-se apenas 29 escritos. 
O autor conclui que a tecnologia transgênica é nova e que os cientistas ainda não têm um conhecimento completo sobre ela. Afirma ainda que são necessários mais estudos científicos e investigações para garantir que a ingestão de alimentos geneticamente modificados não apresenta riscos para a saúde da população e o meio ambiente.
  • A análise da produção científica relativa à (in)segurança alimentar dos transgênicos revela dois critérios centrais e antagônicos a nortear os argumentos favoráveis e os contrários à liberação e comercialização dos alimentos geneticamente modificados. 
O primeiro refere-se ao critério da 'equivalência substancial' (ES), segundo o qual o organismo geneticamente modificado, sendo similar a sua contraparte convencional, é considerado substancialmente equivalente, inexistindo, portanto, razões para considerá-lo perigoso. Tal critério vem sendo utilizado por autoridades regulatórias globais (FAO, 2000) e por Estados Unidos, Canadá e Argentina. 
  • Na União Europeia, a ES é um dos componentes da análise de risco, tomando-se como ponto de partida a diretiva 2001/18/CE (Parlamento Europeu, 17 abr. 2001), embora o referido critério tenha sempre recebido críticas por parte da comunidade científica (Millstone, Brunner, Mayer, 1999).
O segundo critério refere-se ao 'princípio da precaução' (PP) que surgiu como uma ferramenta a ser utilizada quando for impossível efetuar a avaliação científica do risco, servindo para impedir ações que possam causar danos ambientais (Freestone, Hey, 1996). 
  • Adotado pela Convenção Sobre Diversidade Biológica (CDB), o PP preconiza essencialmente que, em caso de ameaça de redução ou perda de diversidade biológica, a simples falta de plena certeza científica não deve ser usada para postergar medidas que evitem ou minimizem essa ameaça (Brasil, s.d.) Assim, a adoção do princípio constitui uma alternativa a ser adotada diante de incertezas científicas.
Para muitos autores, o PP se adequa perfeitamente aos OGMs e, portanto, deveria ter sido empregada desde os primórdios da tecnologia. Marinho (2003) argumenta que o princípio teria beneficiado inclusive o desenvolvimento dessa tecnologia, já que por certo ela sofreria menor questionamento e rejeição, em especial pela sociedade civil organizada. 
  • Não é possível - ainda - avaliar os impactos mensuráveis dos transgênicos na saúde humana, com base em indicadores como mortalidade infantil ou expectativa de vida (Ruttan, 1999). É indispensável, no entanto, considerar o nível de incerteza no que diz respeito às implicações dessa tecnologia, uma vez que, segundo Caruzo (2006), as incertezas cientificas, mais do que as certezas cientificas, estão associadas aos riscos. 
Em síntese, na discussão sobre os alimentos transgênicos a equivalência substancial se contrapõe ao princípio da precaução, pois enquanto a primeira evita a identificação de riscos e não leva em conta as incertezas científicas, o segundo preconiza essencialmente o contrário.
  • A avaliação dos alimentos produzidos pela engenharia genética requer, por sua complexidade, uma abordagem holística (Traavik, Ching, 2007). Os testes usuais de toxicidade parecem carecer de um rigor particular (FAO, 2000). Millstone, Brunner e Mayer (1999) observam: demonstrar que um alimento geneticamente modificado é quimicamente similar a sua contraparte natural não constitui prova suficiente de segurança para o consumo humano. 
O conceito de ES, considerado pseudocientífico pelos autores, teria sido adotado com objetivos políticos e comerciais condizentes com os interesses das empresas produtoras dos OGMs, desejosas de tranquilizar os consumidores.
  • A adoção do critério da ES pressupõe também ignorar os mecanismos de segregação e preservação da identidade, uma vez que, sob essa ótica, tanto os alimentos naturais seriam iguais aos geneticamente modificados. Em 2000, a descoberta de um produto contaminado com uma variedade de milho Bt da Aventis nos EUA - que não havia sido aprovada para consumo humano - colocou a indústria biotecnológica na defensiva (Tokar, 2001). 
Os consumidores perceberam que estavam expostos a um risco fora de seu controle, e evidenciou-se a importância de estabelecer mecanismos de segregação entre colheitas geneticamente modificadas e não modificadas. Uma das medidas tomadas foi a rotulagem dos alimentos.
  • No Brasil, em meio a tal cenário de incertezas, cabe à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) avaliar, caso a caso, os possíveis riscos oferecidos pelos transgênicos cuja liberação vem sendo requerida, para fins experimentais ou comerciais. A Comissão teve sua competência e composição estabelecida pelo decreto 1.752, que regulamentou a lei 8.974, ambos de 1995. A lei foi contestada pela Justiça e obrigou o poder executivo a baixar a medida provisória 2.191/9, de 2001. 
Desde março de 2005 a biossegurança está sob a égide de uma nova legislação, a lei 11.105, mas a instrução normativa 20, de 11 de dezembro de 2001, que dispõe sobre as normas para avaliação da segurança alimentar de plantas geneticamente modificadas ou de suas partes, foi elaborada sob a lei anterior, portanto revogada (Brasil, 21 dez. 1995, 16 jan. 1995, 24 ago. 2001, 28 mar. 2005, 17 jan. 2002). De todo modo, a instrução normativa é instrumento privilegiado para estudos de avaliação dos alimentos transgênicos quanto à sua segurança para o consumo.

Transgênicos: 
Avaliação da possível (in)segurança alimentar através da produção científica

Insegurança alimentar dos transgênicos:
  • Nos oito estudos que abordam a segurança alimentar dos alimentos transgênicos, a análise é feita principalmente pela exposição de riscos e incertezas desses produtos, quanto a saúde e meio ambiente. 
O termo segurança alimentar e nutricional foi definido em 2004, por ocasião da 2ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, como: "a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis" (Menezes, Burlandy, Maluf, 2004, p.14). Trata-se de um conceito abrangente, que, no Brasil, engloba os termos food safety (alimento seguro) e food security (segurança alimentar).
  • Os Ministérios da Saúde e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento são os órgãos responsáveis pelo controle da qualidade de toda a cadeia alimentar. Cabe destacar, no entanto, que a política de fiscalização desempenhada por esses órgãos é precária e convive, ainda, com a fome e a miséria de grande parte da população.
A Codex Alimentarius Commision, da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) adotou, em 2003, uma lista de princípios para a análise dos riscos oriundos da aplicação da técnica de transgenia. Além disso, descreve, também, uma metodologia para conduzir as avaliações da segurança alimentar desses produtos (WHO, 2005). 
  • Os princípios de avaliação requerem a investigação de: (a) efeitos diretos para a saúde (toxicidade); (b) tendência a provocar reações alérgicas (alergenicidade); (c) componentes específicos que promovem propriedades nutricionais ou tóxicas; (d) estabilidade do gene inserido; (e) efeitos nutricionais associados com a modificação genética específica; e (f) qualquer efeito não intencional que pode resultar da inserção genética.
Cavalli (2001) ressalta outro aspecto quanto ao risco da aplicação da engenharia genética: o argumento de que os OGMs poderiam solucionar o problema da fome no mundo. Tal afirmação teria levado as indústrias de biotecnologias a realizar uma "nova revolução verde", objetivando, com isso, o aumento da produção de alimentos para acabar com o problema da fome. Ressalta-se, entretanto, que o aumento da produção de alimentos não possibilitará a segurança alimentar e nutricional, uma vez que tal problema não decorre da produção de alimentos, mas sim de sua distribuição para a população.
  • Além disso, a monopolização das sementes transgênicas pode proporcionar a diminuição da disponibilidade de alimentos, como destaca Spendeler (2005) ao analisar a segurança alimentar dos produtos transgênicos, discutindo as incertezas, os riscos e a monopolização desses alimentos. Segundo a autora, todas as sementes transgênicas pertencem a um pequeno número de multinacionais, daí resultando a monopolização do mercado mundial de sementes, com os agricultores cada vez mais dependentes dessas empresas. 
A autora afirma: "a segurança alimentar em termos de disponibilidade de alimentos está em jogo" (p.279; tradução livre). Apresenta, ainda, as incertezas da engenharia genética, como a alta probabilidade de efeitos imprevistos e indesejáveis. Spendeler conclui seu estudo ressaltando a pequena quantidade de estudos sobre o assunto e a tendência à industrialização que tais cultivos proporcionam, desconsiderando as necessidades das comunidades locais e a biodiversidade agrícola. Tais aspectos constituem fatores importantes para atestar a insegurança alimentar desses produtos.
  • É importante considerar a percepção da população em relação aos OGMs. Arnaiz (2004) analisou algumas pesquisas de opinião sobre transgênicos e concluiu que, com o avanço do consumo desses alimentos, ocorreu também um aumento da percepção negativa dos indivíduos a respeito das novas aplicações tecnológicas na alimentação. Afirma, ainda, sabermos pouco sobre o que comemos, e que as incertezas da população a respeito dos OGMs deriva do comportamento das instituições responsáveis pela avaliação dos riscos desses alimentos.
Sobre as instituições, Lacey (2004) verifica que as políticas públicas que apoiam o cultivo de transgênicos consideram não haver alternativas nem riscos na aplicação da transgenia. Essa postura política, no entanto, ignora as práticas agroecológicas e o princípio da precaução, além de expor a população a riscos ainda não mensuráveis.
  • As incertezas sobre os transgênicos também estão presentes nas empresas detentoras dessa tecnologia, uma vez que apresentam argumentos contraditórios e de acordo com seus interesses: ao mesmo tempo que argumentam sobre a segurança alimentar de seus produtos (com base no conceito ES), consideram-nos diferentes dos naturais no que concerne à propriedade intelectual (Valle, 2000).
No cenário atual de incertezas sobre os possíveis efeitos dos alimentos transgênicos, a rotulagem é um mecanismo que possibilita ao consumidor decidir se aceita ou não consumir alimentos cujas propriedades não são ainda suficientemente conhecidas pela ciência. Além disso, é direito do consumidor ser informado de maneira adequada sobre a qualidade, quantidade e composição dos alimentos que pretende adquirir. A rotulagem permite, ainda, rastrear a origem do alimento, em casos de eventuais problemas. A questão da rotulagem precisa ser compreendida no âmbito da segurança alimentar. Sem rotulagem, é impossível fazer bio-vigilância.
  • O estudo de Cavalli (2001) apresenta uma controvérsia sobre a biotecnologia e a biossegurança: a primeira é compreendida como um campo que colocará o Brasil em condições de competir com as demais nações desenvolvidas, e a segunda é encarada como o freio para a produção de transgênicos sem análises profundas e de longo prazo acerca dos riscos para a saúde e o meio ambiente. Nodari e Guerra (2003) corroboram com a autora e destacam a importância da rotulagem como um instrumento fundamental dos indivíduos na escolha desses alimentos.
Outros aspectos também contemplados pelo campo da segurança alimentar são o impacto na exportação de alimentos, e mesmo no turismo, para os países produtores, sobretudo numa economia globalizada. Eventos recentes como o conhecido mal da vaca louca, na Inglaterra, e o acidente da dioxina, na cadeia de alimentação humana, na Bélgica, são capazes de abalar fortemente a credibilidade dos consumidores (Borges, 2000). 
  • Tais eventos repercutiram na credibilidade dos OGMs e, provavelmente, contribuíram para que o avanço da biotecnologia agrícola tenha sido mais lento do que fora anunciado no começo dos anos 1980 (Ruttan, 1999). Em grande medida e a despeito das prováveis dificuldades da técnica em si, a reação dos consumidores representou e representa um entrave considerável.
Outras preocupações relacionadas com os OGMs são o receio de uma possível resistência bacteriana aos antibióticos empregados na modificação genética, e o aumento das alergias alimentares às novas proteínas (Nodari, Guerra, 2003). Utilizam-se genes marcadores de resistência a antibióticos, cuja função é selecionar e confirmar se a alteração genética foi de fato realizada da maneira planejada. 
  • No entanto, discute-se que tais genes podem continuar a ser expressos nos tecidos da planta e, ao serem ingeridos através dos alimentos, reduziriam, no homem, a eficácia do antibiótico comumente administrado no combate a doenças. Argumenta-se também que esses genes de resistência poderiam ser transferidos a patógenos humanos ou animais, tornando nulo o efeito da aplicação de certos antibióticos. 
A crescente resistência de organismos aos antibióticos vem sendo avaliada como problema grave para a saúde pública (Union of Concerned Scientists, 2001). Nos EUA, o Food and Drug Administration (FDA, 4 set. 1998) parece reconhecer tal possibilidade quando, em relatório de grupo consultivo reunido com o objetivo de avaliar a questão, recomenda como regra a adoção de cuidados no uso dos antibióticos.
  • A Organização Mundial de Saúde (OMS) e associações médicas americanas, entre outros, expressam preocupação de que se "os genes resistentes a antibióticos" usados em alimentos GM se transferissem para bactérias, poderiam resultar no aparecimento de super doenças. Tal fato motivou a Associação Médica Britânica a declarar uma moratória para alimentos GM (Jeffrey, 2004).
Com relação aos riscos para o meio ambiente, destacam-se as transferências vertical (acasalamento sexual entre indivíduos da mesma espécie) e horizontal (DNA transferido de uma espécie para outra, aparentada ou não). No Brasil, região de grande variedade genética de sementes crioulas, esse tipo de risco configura grande desafio (Nodari, Guerra, 2003). 
  • Lewgoy (2000), por sua vez, analisou os riscos ambientais dos alimentos transgênicos e apontou a possibilidade de cruzamentos genéticos não esperados. Destaca falhas nos testes de toxicidade apresentados por uma empresa produtora de transgênicos à CTNBio e a falta de avaliação adequada dos riscos de toxicidade e alergias de seu produto, para obtenção da liberação comercial.
Com relação à liberação comercial, Marinho e Minayo-Gomez (2004) analisaram o tratamento dado pela CTNBio a solicitações de liberações ambientais de transgênicos. Os autores concluíram que, apesar do amplo arcabouço legal existente, as instâncias governamentais não conseguiram assegurar o cumprimento da biossegurança, "adotando uma postura negligente no estabelecimento das exigências técnicas legais" (p.101).
  • No Portal de Periódicos da Capes, observou-se apenas uma dissertação que aborda a (in)segurança alimentar dos transgênicos (Venzke, 2006). Elaborada no formato de três artigos, a tese tem como primeira parte uma revisão bibliográfica sobre a instrução normativa 20 de 2001 (mencionada anteriormente) e aponta a necessidade de estudos aprofundados sobre ela em que se priorize a análise de toxicidade e alergenicidade.
A alergenicidade é um importante risco a ser analisado, considerando-se que os alergênicos alimentares são proteínas que podem ser oriundas de genes endógenos ou exógenos. Com o objetivo de avaliar o potencial de alergenicidade de proteínas transgênicas, a FAO estabeleceu inicialmente a comparação das estruturas da nova proteína com as de alergênicos já conhecidos, alinhando as sequências de aminoácidos em bases de dados. 
  • A seguir, caso a fonte do gene fosse confirmada como alergênica, deveria ser realizado um teste com soro de pacientes alérgicos a essa fonte. A dissertação em questão alerta para a necessidade de atenção particular ao possível potencial alergênico do milho Bt (Venzke, 2006).
Na avaliação pelo critério da ES, o óleo de milho transgênico, por exemplo, não precisaria ser rotulado como geneticamente modificado, porque seu processo de produção seria capaz de separar todos os constituintes tóxicos do milho, e a composição final seria idêntica àquela obtida do milho não-alterado geneticamente. 
  • Argumentos similares têm sido usados para fundamentar a desregulamentação do óleo de soja geneticamente modificado. Segundo Fagan (2002), há dois problemas com tal argumentação: primeiro, o óleo de milho não é quimicamente puro e contém proteínas suficientes do milho para provocar reações alérgicas nos indivíduos sensíveis; segundo, na avaliação do óleo de milho geneticamente modificado pela estratégia da ES, somente os principais constituintes são examinados, e os demais, ignorados nessa avaliação, podem ter papel importante no valor nutricional ou na própria segurança do produto. 
Como exemplo, as manipulações genéticas podem inesperadamente, por meio de determinados mecanismos, alterar o metabolismo do óleo e gerar um derivado tóxico de ácido graxo. Conclui a autora que o critério de ES é superficial e não pode ser utilizado como argumento para justificar a não realização de testes e/ou rotulagem.
  • O segundo artigo da referida dissertação aborda a relação dose/resposta de camundongos alimentados, por noventa dias, com diferentes concentrações de milho Bt e com a proteína Cry1Ab. Foram preparados quatro tipos de dietas: a controle (sem milho Bt), a com Cry1Ab e aquelas em que foram acrescidos 10% a 30% de milho Bt. 
Concluiu-se que os camundongos que consumiram milho transgênico tiveram ganho de peso e menor comportamento animal (erguer, brincar e festejar). Ressalte-se que a alteração genética no milho Bt é a inserção de um gene oriundo da bactéria do solo Bacillus thuringiensis. As toxinas desse bacilo são eficazes (mortais) contra diversas variedades de insetos que atacam plantações como as de milho e algodão. 
  • Com a transgênese, o gene recebido pela planta codifica uma das toxinas Bt e impede que a planta seja danificada pelos insetos, enquanto não houver insetos resistentes à referida toxina. Ou seja, a própria planta exerce função inseticida matando os insetos que dela se alimentam (Marinho, 2003).
A avaliação da segurança alimentar do milho Bt foi concluída no terceiro artigo, no qual, com base no experimento mencionado, a autora observou que os camundongos alimentados com o milho acrescido da proteína Cry1Ab apresentaram degeneração, necrose e aumento do volume do fígado.
  • Em 1999 um estudo elaborado por Losey, Rayor e Carter (1999) comprovou resultados semelhantes e causou, à época, grande impacto junto à comunidade científica. O estudo comparou o desenvolvimento de larvas alimentadas com folhas em que o pólen do Bt havia sido aspergido, com outras alimentadas com folhas sem o pólen do milho Bt. Concluiu que as larvas do primeiro grupo comeram menos, cresceram mais lentamente e apresentaram maior taxa de mortalidade.
Outro estudo de grande importância, cujos resultados foram publicados na revista científica The Lancet e provocaram intensa polêmica, foi realizado pelo cientista Arpad Pusztai, no Rowett Institute da Escócia, utilizando ratos alimentados com batatas transgênicas. Concluiu que os animais apresentavam alterações no sistema imunológico e no desenvolvimento de órgãos vitais. 
  • Pusztai destacou que as alterações poderiam ser causadas pela expressão do gene utilizado na modificação das batatas, como também devido à presença, no vetor, de um ou mais genes usados na transferência gênica, ou, ainda, em virtude de distúrbios no funcionamento dos próprios genes da batata, em consequência da incorporação aleatória do vetor no seu genoma. 
Tais conclusões foram questionadas pela The Royal Society, baseada em estudos semelhantes que não chegaram aos mesmos resultados, sugerindo que o cientista precisaria refinar seu projeto experimental e realizar estudos adicionais, definindo claramente as hipóteses focalizadas nos efeitos específicos relatados. 
  • A despeito da necessidade de mais estudos na linha de investigação desenvolvida por Pusztai, a pesquisa distingue-se por ter sido realizada sem financiamento de empresas, ao contrário de grande parte dos trabalhos sobre o assunto (Pusztai, 2002).
A principal conclusão dessa dissertação foi a insegurança alimentar do milho transgêncico Cry 1Ab. As demais teses e dissertações encontradas no portal abordam questões como legalização dos OGMs (Salles, 2006; Carvalho, 2003), rotulagem (Cavalcanti, 2006; Costabile e Solimene, 2004), repercussões econômicas, institucionais e políticas (Carmo, 2006; Souza, 2006; Pizzatto, 2006; Franco, 2006; Sousa, 2001), resistências genéticas (Pinto, 2002) e biossegurança (Paz, 2004).

Considerações: 
E recomendações finais:
  • A principal conclusão refere-se à pequena produção científica sobre a segurança alimentar dos OGMs no campo da saúde pública, quando comparada aos demais estudos sobre os transgênicos. O escasso número de estudos sobre o tema evidencia que a polêmica sobre a adoção/incorporação desses alimentos justifica-se, entre outros elementos mencionados anteriormente, pela incerteza de seus efeitos sobre a saúde e o meio ambiente, como também pela ausência de dados experimentais.
Outra conclusão refere-se ao fato de todos os estudos discursarem sobre a insegurança alimentar dos alimentos geneticamente modificados, o que permite apontar uma questão importante: que estudos embasaram a CTNBio na permissão para as liberações comerciais de transgênicos, se na amostra por nós analisada todos afirmam que tais alimentos não são seguros?
  • Recomenda-se também a avaliação da eficácia da instrução normativa 20, proposta pela CTNBio, principal instrumento para analisar a segurança alimentar dos transgênicos no Brasil, mesmo que esse principal instrumento para analisar a segurança alimentar dos transgênicos no Brasil tenha sido revogado. 
Em seu lugar, surge a resolução normativa 5, de 12 de março de 2008, que dispõe sobre normas para liberação comercial de OGMs e derivados, em que a análise de questões relativas à qualidade nutricional (modificação e/ou inserção de novos carboidratos ou gorduras), à alergenicidade e aos efeitos adversos à saúde oriundos dos transgênicos fica em segundo plano.
  • Contudo, o mais intrigante é a aprovação de três tipos de milho transgênico, o milho Liberty Link (evento LL25), o milho Guardian (evento MON 810) e o milho Bt11 (evento Bt11), sem estudos sobre segurança alimentar e riscos ao meio ambiente nos ecossistemas brasileiros, contrariando as normas mais elementares de biossegurança, razão pela qual o IBMA e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recorreram contra a decisão da CTNBio, junto ao Conselho Nacional de Biossegurança.
Referências:

ARNIZ, Mabel Gracia. Pensando sobre el riesgo alimentario y su aceptabilidad: el caso de los alimentos transgénicos. Revista de Nutrição, Campinas, v;17, n.2, p.125-49. 2004. [ Links ]
BORGES, Miguel. A segurança alimentar e a sustentabilidade do agroecossistema. Rumos & Debates, Brasília. Disponível em: http://www23.sede.embrapa.br: 8080/aplic/rumos.nsf/b1bbbc852ee1057183256 800005ca0ab/ccec784ccf50bd3583256904005 48791?OpenDocument. Acesso em: 24 jun. 2008. 2000. [ Links ]
BRASIL. Comissão Técnica Nacional de Biossegurança. Lei 11.105 de 24 de março de 2005. Dispõe sobre as normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados - OGM e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília. 28 mar. 2005. [ Links ]
BRASIL. Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Instrução normativa 20 de 11 de dezembro de 2001. Diário Oficial da União, Brasília. 17 jan. 2002. [ Links ]
BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Medida provisória 2.191-9. Acresce e altera dispositivos da lei 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília. 24 ago. 2001. [ Links ]
BRASIL. Decreto 1.752 de 20 de dezembro de 1995. Dispõe sobre a vinculação, competência e composição da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília. 21 dez. 1995. [ Links ]
BRASIL. Congresso Nacional. Lei 8.974 de 05 de janeiro de 1995. Estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados. Diário Oficial da União, Brasília. 6 jan. 1995. [ Links ]
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Biodiversidade e Florestas. Convenção Sobre Diversidade Biológica. Disponível em: http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo. monta&idEstrutura=72&idMenu=2335. Acesso em: 28 jun. 2009. s.d. [ Links ]
CARMO, Aurélio Hipólito do.Organismos geneticamente modificados (OGMs): alimentos, teorias e tendências no Mundo. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo. 2006. [ Links ]
CARUSO, Denise. Intervention. San Francisco: Hybrid Vigor Press. 2006. [ Links ]
CARVALHO, Thais Dai Ananias de. Uma análise jurídica e bioética da inserção dos organismos geneticamente modificados no Brasil: uma análise sob o ponto de vista dos princípios constitucionais. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2003. [ Links ]
CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. O impacto da rotulagem dos alimentos transgênicos nos direitos da personalidade e na sadia qualidade de vida. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo. 2006. [ Links ]
CAVALLI, Suzi Barletto. Segurança alimentar: a abordagem dos alimentos transgênicos. Revista de Nutrição, São Paulo, v.14, p.41-46. 2001. [ Links ]
COSTABILE E SOLIMENE, Roberto Caruso.Rotulagem de alimentos transgênicos: responsabilidade da administração por deficiência na fiscalização. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 2004. [ Links ]
DOMINGO, José. Toxicity studies of genetically modified plants: a review of the published literature. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, London, v.47, p.721-733. 2007. [ Links ]
FAGAN, John. The failings of the principle of substantial equivalence in regulating transgenic foods. NetLink Direkt-Service. Disponível em: http://www.netlink.de/gen/jfsubeq.htm. Acesso em: 8 jun. 2002. 2002. [ Links ]
FAO. Food and Agriculture Organization of the United Nations. Joint FAO/WHO Expert Consultation on Foods Derived from Biotechnology. Topic 1: The concept of substantial equivalence, its historical development and current use. Nick Tomlinson, Food Standards Agency. United Kingdom. Disponível em: http://www.who.int/fsf/GMfood /Consultation_May2000/Documents_ list.htm. Acesso em: 7 dez. 2007. 2000. [ Links ]
FDA Food and Drug Administration. Guidance for industry: use of antibiotic resistance marker genes in transgenic plants. Center for Food Safety and Applied Nutrition. Draft guidance. Disponível em: http://vm.cfsan.fda.gov/~dms/opa-armg.html. Acesso em: 10 abr. 2006. 4 set. 1998. [ Links ]
FRANCO, Silvania Bezerra. A responsabilidade civil na relação de consumo de produtos transgênicos. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Belém. 2006. [ Links ]
FREESTONE, David; HEY, Ellen. Origins and development of the precautionary principle. In: Freestone, David; Hey, Ellen. The precautionary principle and international law. London: Kluwer Law International. 1996. [ Links ]
JEFFREY, M. Smith. Perigo dos alimentos manipulados geneticamente. In: Zanoni, Magda (Org.). Transgênicos, terapia genética, células-tronco: questões para a ciência e para a sociedade. Brasília: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura. p.25-33. (NEAD Debate, 1). 2004. [ Links ]
LACADENA, Juan Ramón. Plantas y alimentos transgénicos. Madrid: Departamento de Genética, Facultad de Biología, Universidad Complutense. Disponível em: http://cerezo.pntic.mec.es/~jlacaden/Ptransg0.html. Acesso em: 7 dez. 2007. 1998. [ Links ]
LACEY, Hugh. A controvérsia sobre os transgênicos: questões científicas e éticas. Aparecida: Ideias & Letras, 2006. [ Links ]
LACEY, Hugh. Investigating the environmental risks of transgenics crops. Trans/form/ação, São Paulo, v.27, n.1, p.111-131. 2004. [ Links ]
LEWGOY, Flávio. A voz dos cientistas críticos. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v.7, n.2, p.503-508. 2000. [ Links ]
LOSEY, John; RAYOR, Linda; CARTER, Maureen. Transgenic pollen harms monarch larvae. Nature, v.399, n.6733, p.214-215. Disponível em: http://www.biotech-info.net/transpollen. html. Acesso em: 5 maio 2006. 1999. [ Links ]
MALUF, Renato. Segurança alimentar e nutricional. Petrópolis: Vozes. 2007. [ Links ]
MARINHO, Carmem Luiza Cabral. Discurso polissêmico sobre plantas transgênicas no Brasil: estado da arte. Tese (Doutorado) - Escola Nacional de Saúde Pública, Fiocruz, Rio de Janeiro. 2003. [ Links ]
MARINHO, Carmem Luiza Cabral; MINAYO-GOMEZ, Carlos. Decisões conflitivas na liberação dos transgênicos no Brasil. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.18, n.3, p.96-102. 2004. [ Links ]
MENEZES, Francisco; BURLANDY, Luciene; MALUF, Renato. Princípios e diretrizes de uma política de segurança alimentar e nutricional: textos de referência para a II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Brasília: Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. 2004. [ Links ]
MILLSTONE, Erik; BRUNNER Eric; MAYER, Sue. Beyond 'substantial equivalence'. Nature, v.401, p.525-526. 1999. [ Links ]
NODARI, Rubens Onofre; GUERRA, Miguel Pedro. Plantas transgênicas e seus produtos: impactos, riscos e segurança alimentar (biossegurança de plantas transgênicas). Revista de Nutrição, São Paulo, v.16, n.1, p.105-116. 2003. [ Links ]
PARLAMENTO EUROPEU. Diretiva 2001/18/CE de 12 de março de 2001, relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados. Jornal Oficial, n.L106, p.1-39. 17 abr. 2001. [ Links ]
PAZ, Viviane Candeia. Alimentos e biossegurança: o caso da soja transgênica. Dissertação (Mestrado) - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí. 2004. [ Links ]
PINTO, Eduardo Romano Campos. Plantas transgênicas resistentes a viroses: obtenção e estudos de segregação não medeliana. Tese (Doutorado) - Universidade de Brasília, Brasília. 2002. [ Links ]
PIZZATTO, Marilândia Marsaro. Uma avaliação prospectiva dos efeitos econômicos da adoção de soja transgênica no Brasil. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande. 2006. [ Links ]
PUSZTAI, Árpád. Submission of dr. Árpád Pusztai. Disponível em: http://www.freenetpages.co.uk/hp/a.pusztai/ NewZealand/nz-arpad.htm. Acesso em: 9 jul. 2005. 2002. [ Links ]
RUTTAN, Vernon W. Biotechnology and agriculture: a skeptical perspective. AgBioForum, v.2, n.1, p.54-60. Disponível em: http://www.agbioforum.org. Acesso em: 7 dez. 2007. 1999. [ Links ]
SALLES, Alessandra Alvissus de Melo. Alimentos transgênicos no Brasil: análise dos reflexos da legalização à luz dos princípios de direito ambiental. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Taubaté, Taubaté. 2006. [ Links ]
SOUSA, Eduardo Luis Leão de. Preservação da identidade de grãos e a coordenação dos sistemas agroindustriais. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, São Paulo. 2001. [ Links ]
SOUZA, José Augusto de. Avaliação da soja transgênica à luz do ambiente institucional. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel. 2006. [ Links ]
SPENDELER, Lilian. Organismos modificados geneticamente: una nueva amenaza para la seguridad alimentaria.Revista Española de Salud Pública, Madrid, v.79, n.2, p.271-282. 2005. [ Links ]
TOKAR, Brian. Biohazards: the next generation? - genetically engineering crop plants that manufacture industrial and pharmaceutical proteins. Disponível em: http://www.edmonds-institute.org. Acesso em: 6 ago. 2007. 2001. [ Links ]
TRAAVIK, Terje; CHING, Lim Li (Ed.). Biosafety first: holistic approaches to risk and uncertainty in genetic engineering and genetically modified organism. Trondheim: Tapir Academic Press. 2007. [ Links ]
UNION OF CONCERNED SCIENTISTS. Risks of genetic engineering. fact sheet. Disponível em:http://www.ucsusa.org/food/gen.risks.html. Acesso em: 10 abr. 2006. 2001. [ Links ]
VALLE, Silvio. Transgênicos sem maniqueísmo. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v.7, n.2, p.493-98. 2000. [ Links ]
VENZKE, Janaina Guimarães. Segurança alimentar de milho geneticamente modificado contendo o gene cry Ab de Bacillus thuringiensis. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pelotas, Pelotas. 2006. [ Links ]
WHO World Health Organization. Modern food biotechnology, human health and development: an evidence-based study. Disponível em: www.who.int/foodsafety. Acesso em: 5 nov. 2008. 2005. [ Links ]

Transgênicos: 
Avaliação da possível (in)segurança alimentar através da produção científica

domingo, 29 de janeiro de 2017

Avaliação das condições ambientais da lagoa de Varano, no sul da Itália

Avaliação das condições ambientais da lagoa de Varano, no sul da Itália

Sergio Pelosi
Massimo Franchi
Istituto per lo Studio degli Ecosistemi Costieri, Consiglio Nazionale delle Ricerche, Via Pola, 4, 71010 Lesina (Fg) Italia
  • A lagoa salobra de Varano estende-se por quase 6.000 hectares 1 e é a mais extensa do Sul da Itália. Tem forma trapezoidal com aproximadamente 10 km de comprimento, 7 km de largura e profundidade máxima de 5 m na área central. Esta lagoa comunica-se com o mar através de dois canais: Capoiale e Varano. 
O primeiro é um segmento com aproximadamente 1,6 km de comprimento e largura variável entre 2 e 5 m e o segundo, com cerca de 1 km e com largura entre 1,5 e 2 m. Através destes dois canais permite-se a circulação das barcas para a deslocação dos mexilhões da lagoa para o mar e vice-versa, além da atividade normal de pesca. 
  • A superfície da bacia hidrográfica é igual a 30 mil hectares e, ao compará-la com a superfície da lagoa, tem-se uma idéia da relação de influência antrópica que, nesse caso, é igual a 5; inferior em relação à lagoa de Lesina, distante apenas 30 km da primeira, e que tem uma relação de influência antrópica de quase 9,22.
A produção dos mexilhões é estimada em 7-8 mil toneladas por ano na lagoa e, atualmente, devido às mudanças das condições operativas já citadas, a produção transferida para mar aberto subiu para 17.000 toneladas por ano 3. A criação de mexilhões sofreu, nos últimos, anos uma profunda transformação nas técnicas produtivas. Através dos dois canais, permite-se a troca entre as águas da lagoa e do mar em conseqüência das marés. 
  • A intensa circulação de navios no interior dos canais provoca uma acumulação de HAP (hidrocarbonetos aromáticos policíclicos) nos sedimentos, além dos resíduos de gasolina durante o abastecimento dos navios. A área central da lagoa é a mais eutrófica, pois nela foram encontrados os valores mais elevados de nutrientes nos sedimentos em relação às outras areas 4. 
Estudos realizados na coluna de água da lagoa determinaram valores elevados de nutrientes também na área central, devido ao despejo de esgoto de cidades como Cagnano Varano, Ischitella e Carpino 5. As estações de tratamento estão situadas na região meridional da lagoa e as águas ricas em nutrientes são canalizadas para a área central. Esta situação é ainda pior devido à fraca circulação de águas através dos dois canais, não permitindo uma diluição eficaz dos nutrientes. 
  • Como conseqüência dessa acentuada concentração de nutrientes, na região central da lagoa verificam-se as bem conhecidas condições anóxicas, que determinam a morte dos mexilhões criados nessa área; então é comum, por parte dos criadores, removê-los juntamente com as estruturas de criação para mar aberto 6. 
Esta operação permite que sobrevivam, assegurando a rentabilidade dessa atividade. As freqüentes condições anóxicas dos últimos anos tiveram como conseqüência a perda de viveiros com mexilhões e dos equipamentos de apoio para a mitilicultura, constituídos por estacas de castanho e redes de plástico. A decomposição anaeróbica das macroalgas produz sulfeto de hidrogênio com redução do pH, provocando condições anóxicas que causam a morte de organismos bentônicos.
  • A lagoa é fonte de atividades econômicas como a criação de Molluscos Lamellibrancos, diferenciadas em mitilicultura (Mytilus galloprovincialis L.) e venericultura (Tapes decussatus e Tapes Philippinarum), além da atividade tradicional de pesca, que abrange espécies como Dicentrarchus labrax L., Sparus aurata L., Atherina boyeri R., Mugilidae sp. e Carcinas moenas. 
A atividade de criação de mexilhões, atualmente, é praticada utilizando-se a lagoa como "berçário", porque o acréscimo depois dos períodos iniciais vem comprometido pela exuberante carga de mexilhões em relação à bacia e pela presença de dinoflagelados tóxicos nos mexilhões durante o período do verão 7. 
  • As áreas de criação estão situadas na frente da duna, em mar aberto, com o auxílio da técnica dos tachos flutuantes, aproveitada amplamente em muitas áreas do mar do norte Adriático 8. Esta estrutura é dotada de quase 650 km de "long lines" nas quais são penduradas as arestas de mexilhões de 35 kg cada uma, com uma produção estimada em 43 kg por metro linear.
Parte Experimental:
Materiais e métodos:
  • Na lagoa de Varano, durante o período de 1999 a 2000, foram fixadas 16 estações de amostragem (Figura 1). As amostras de sedimento foram coletadas com um "box-corer" de dimensões 15 x 15 x 25 cm. As estações foram identificadas através de um sistema GPS modelo Magellan NAV-DLX-10. 
Sub-amostras dos primeiros 5 cm de sedimento foram congeladas a -20 ºC até a análise e foram determinadas as concentrações de metais pesados 9, como o As, Pb, Cd, Cr, Cu e Ni através de espectrofotômetro com absorção atômica (A.A.) UNICAM 929, com uma lâmpada com deutério, que faz uma correção de fundo para os metais. No A.A. foi usado um sistema de fluxo contínuo para determinar as concentrações de As e forno de grafite para determinar Pb, Cr, Cd, Cu, e Ni.


  • Para a determinação de Pb, Cd, Cr, Cu e Ni foram utilizadas 10-15 g de sedimento úmido, colocados em estufa à 105-110 ºC por 2 h. Posteriormente as amostras foram moídas e homogeneizadas. 
A seguir, foram pré-lavados 0,5-1 g de sedimento seco, pesado exatamente e colocado em um balão volumétrico de 100 mL. As amostras foram mineralizadas com uma mistura de ácido nítrico e ácido perclórico (1:1). Sucessivamente, as amostras foram filtradas em filtro tipo Whatman GF/C e o volume foi ajustado para 100 mL com água bidestilada.
  • Para determinação do arsênio foram pesados 1-2 g do sedimento fresco, dos quais foi anteriormente determinado o conteúdo de água, colocados em um balão volumétrico de 100-200 mL e acrescentou-se uma mistura ácida ternária (ácido nítrico 65%, ácido sulfúrico 96%, ácido perclórico 65% em relação de 10:1:4, respectivamente). A amostra foi mineralizada e mantida sob agitação por 15 min. Em seguida a solução extratora foi filtrada com um filtro do tipo Whatman GF/C e o filtrado foi ajustado para 100 mL com água bidestilada.
Uma sub-amostra de sedimento foi mantida durante uma semana a 4 ºC para testar a reação do sedimento com o cepo bacteriano Vibrio fischeri (Toxalert® 10 Luminometer, Merck). Os eluatos foram preparados com aproximadamente 10 g de sedimento em 40 mL de cloreto de sódio 2% (relação 1:4). 
  • Esta mistura foi agitada por 30 min e o pH ajustado a 6,8-7,2 com HCl ou NaOH entre 0,1-10 M, depois centrifugada a 5000 rpm por 15 min 10. O eluato foi filtrado através dos filtros polissulfonados de 0,45 micron para permitir a eliminação das interferências 11-12.
Em uma alíquota de 1 mL do sobrenadante foi efetuada a medida da inibição da bioluminescência. Esta técnica ecotoxicológica baseia-se na utilização de bactéria com bioluminescência em forma liofilizada da cepa Vibrio fischeri NRRL B -11177. O sistema prevê a ativação da enzima luciferase que catalisa a seguinte reação :
FMNH2 + O2 + R-CO-H ® FMN + R-COOH + H2O + luz
A luminescência está direitamente ligada à capacidade vital e ao estado metabólico da célula. Uma substância tóxica produz variações no estado celular, na parede celular, na membrana celular, no sistema de transporte dos elétrons, nas enzimas e nos constituintes citoplasmáticos que se refletem, rapidamente, em uma diminuição da bioluminescência.
  • Para o monitoramento biológico foi realizada uma amostragem no verão e outra no inverno utilizando um "box-corer" (Benna de draga Ekman), retirando-se um extrato superficial do sedimento com dimensões de 15 x 15 x 20 cm. As amostras foram passadas em peneira de 1 mm. As estações de amostragem foram 50 e colocadas em um sistema estatístico do tipo semi-randômico. O material foi transferido para sacos de polietileno e, imediatamente, acondicionados em caixa de isopor.
No laboratório, as amostras dos sedimentos foram peneiradas para se obter organismos biológicos e poder executar a classificação da espécie biológica dos macrozoobentos.
  • O tratamento estatístico foi efetuado com o programa Statgraphics 7.013, utilizando os módulos estatísticos MANOVA de análise com duas vias.
Resultados e Discussão:
Avaliação ecotoxicológica:
  • Os valores da inibição da bioluminescência dos sedimentos (Tabela 1) foram muito similares no inverno e no verão, com uma região centro - meridional caracterizada por maior toxicidade. Na primavera, a área onde se verificou a maior toxicidade foi na estação 14, que é um ponto de confluência dos esgotos urbanos transportados através dos canais S. Antonino e S. Francisco. 
No outono, ao contrário, os valores de maior toxicidade foram encontrados próximos à foz de Capoiale. Este último fenômeno parece estar relacionado com a maior presença de HAP nos sedimentos 14, que são normalmente mais abundantes neste local e atribuídos à presença de navios destinados às atividades de pesca, de vazamentos acidentais durante o abastecimento e da contínua circulação destes navios. 
  • Por isso, a toxicidade dos HAP explica-se induzindo uma redução dos valores da bioluminescência 15, pois tem tendência a se acumular em forma estável no seston, nos sedimentos e nos bivalves 16-19. Os HAP, na mesma amostra, devem ser colocados em relação à presença de outros contaminantes com os quais podem se comportar de maneira sinérgica ou antagônica 20.


  • Os valores de bioluminescência são correlacionados positivamente (P<0,001) com as concentrações de chumbo, cromo e com a soma dos valores de todos os metais pesados determinados no sedimento. Tais valores foram influenciados pela estação de amostragem (P<0,001), enquanto a variável temporal não foi significativa (Tabela 2). 
Os maiores valores de redução da bioluminescência foram encontrados na área centro-meridional da lagoa, próximos à estação 14, onde são canalizados os esgotos urbanos das cidades situadas ao redor da lagoa. Estes não são normalmente diluídos porque os pontos de esgotos estão na área oposta à foz que, canalizando água marinha no interior da lagoa, não consegue efetuar uma boa diluição das descargas. 
  • Este teste pode ser considerado satisfatório porque a reação do sedimento ao ensaio Microtox é condicionado pelo efeito de diversos fatores. O mais importante é a percentagem de fração pelítica (fração do sedimento inferior a 63 micron de diâmetro) que vai interagir com os possiveis contaminantes 21 .


  • A estimativa da toxicidade deve considerar o processo da homogeneidade da fração pelítica 22, porque esta última indica a maior concentração de HAP e dos metais pesados. Coletando-se os dados provenientes das provas ecotoxicológicas com este método foram conseguidas informações sobre a toxicidade de, pelo menos, 1300 substâncias químicas criando-se, assim, um arquivo toxicológico 23. 
A baixa solubilidade de muitas substâncias limita a aplicação deste exame, como também a identificação de muitas outras substâncias que ficam, de fato, desconhecidas 24. Além disso, é preciso considerar que o método ecotoxicológico não é isento de interferências, sendo que a mais evidente é a ação capturante do íon clorato contido no cloreto de sódio por metais pesados, reduzindo a biodisponibilidade 25. 
  • Esta limitação é muito evidente nos casos em que são feitas as diluições dos eluatos com uma redução da concentração dos metais pesados tóxicos, eventualidade que na nossa pesquisa nunca se verificou.
Esta técnica ecotoxicológica demonstrou uma boa aplicação também no monitoramento das águas costeiras 26-27 na lagoa de Varano, um ambiente notoriamente mais eutrófico com relação à faixa costeira. A aplicação desta cepa bacteriana, como os outros testes toxicológicos em ambientes aquáticos, tem se difundido cada vez mais por ter características de simplicidade, rapidez e ser relativamente menos custosa em comparação com outros sistemas 28.
  • Na Itália, para a conferência das águas foi instituído o Decreto Legislativo nº 152/99, que se vale da descrição morfológica do lugar a cada 5 anos (coletor imbrifer, afluentes e suas cargas de nutrientes, cartografia com isobates, fozes marinhas, diques, barragens, canais subalveos, zonas de fraco recâmbio), da análise dos sedimentos (granulometria, carbono orgânico, metais pesados, 
HAP, pesticidas sobre Mitilus galloprovincialys, Ostrea edulis, Crassostrea Gigas, Donax trunculus, Tapes decussatus, T. philippinarum) e da contagem das espécies, da densidade e da distribuição do fitoplancton, macroalgas, fainerogamas e macrofauna bentônica. Além disso, são efetuadas análises a cada trinta dias e quando ocorrem as crises distróficas, as análises são feitas a cada quinze dias.
  • Este estudo, efetuado em período antecedente à aprovação definitiva do Decreto Legislativo citado acima, testemunha a vantagem de uma abordagem multidisciplinar na avaliação da condição ecológica de um ecossistema hídrico.
No passado, o estudo ecológico de uma lagoa ou do mar 29 era efetuado somente por análises químicas e era limitado porque podiam ficar ausentes poluentes não determinados; além disso, a análise era somente monodisciplinar. Os resultados obtidos com o teste do Microtox sobre amostras demonstrou que são úteis, como "primeira etapa", na quantificação dos níveis de toxicidade 30.

Avaliação das condições ambientais da lagoa de Varano, no sul da Itália

Avaliação química:
  • Sabe-se que a toxicidade de muitas substâncias químicas depende do comportamento destas com o pH da solução, das concentrações e do balanço osmótico 31. Poluentes como os metais pesados devem ser monitorados porque podem causar riscos ao funcionamento dos ecossistemas aquáticos, à saúde humana, às águas de percolação e às águas superficiais, além dos temidos danos à população bentônica 32. 
Quanto ao conteúdo dos metais pesados nos sedimentos, a única espécie metálica que sofreu influência temporal e espacial foi o cobre (Tabela 3). As variações das concentrações estão associadas à adição de produtos contra as infecções de cogumelos para uso e aproveitamento em campo agropecuário, sobre culturas de tomate e de azeitonas que aportam na lagoa, que funciona como um coletor das águas. O cobre é distribuído com preponderância durante os períodos de primavera e de verão e, pelo efeito das precipitações meteorológicas, é lixiviado para o interior da lagoa.


  • As concentrações médias mais elevadas nos sedimentos com relação à toxicidade são aquelas de níquel e de chumbo (Tabela 4), especialmente nas estações 5, 14 e 16. Assim, estas espécies podem ser classificadas como tóxicas 33 nestas concentrações (Tabela 5). Porém é preciso considerar que, em muitas amostras, os valores analíticos estão colocados entre um sedimento classificado como contaminado e um não contaminado.



  • Além disso, precisam-se considerar as sinergias toxicológicas, que podem exprimir conjuntamente todos os metais presentes em um sedimento. Baseando-se nesta última consideração, percebe-se que a soma dos valores analíticos dos metais pesados é mais elevada na área centro-meridional da lagoa, onde se acham os maiores valores de inibição de bioluminescência, nas estações 2, 9, 10, 14, 15 e 16.
É impossível estabelecer se a presença do cromo está associada com um agente antropogênico 34, mas em relação ao chumbo existem algumas fontes que poderiam ter determinado o acúmulo na matriz sedimentária. Especificadamente, parece que isto ocorre além da contribuição típica das fontes mais tradicionais, ou seja, aquela derivada do peso das redes constituído deste elemento, que se deposita sobre o fundo.
  • Deve-se considerar que a concentração desta espécie metálica vai atingir concentrações médias mais elevadas em relação às registradas na lagoa de Veneza, notoriamente sujeita a grande aporte antrópico 35.
Considerando a ausência de contaminantes antrópicos presentes na bacia imbrifer, potenciais transportadores de chumbo no ecossistema hídrico, pode-se afirmar que a maior parte de chumbo pode derivar da combustão da gasolina. 
  • De fato, estima-se que 80-90% do chumbo presente no ar se deve à gasolina 36. Do ar esta espécie metálica chega ao ecossistema hídrico, determinando fenômenos de acumulação; a recente introdução da gasolina sem chumbo não vai excluir totalmente a presença deste metal, porque vai ser admitida só aquela com um conteúdo de chumbo na medida máxima de 0,013 g/L37.
Avaliação biológica:
  • Na lagoa de Varano, foram efetuadas pesquisas durante os períodos de inverno e verão utilizando como indicador biótico a macrofauna bentônica invertebrada, durante o triênio 1997-199938. Durante este período foram coletadas amostras de macrofauna bentônica utilizando uma amostra sistemática - casual e atribuindo a cada área da lagoa uma classificação, segundo o esquema proposto por Frisoni 39. Esta classificação nos permitiu dividir o ecossistema em 6 zonas (Figura 2), de acordo com o aspecto da qualidade biológica. 
A zona I é caracterizada pela presença de macrofauna bentônica marinha que se encontra normalmente próxima às fozes que determinam a entrada de água marinha na lagoa. A zona II é considerada ainda como um ambiente de transição, onde vai prevalecer a contribuição de água do mar e a sua fauna típica; as zonas III e IV são aquelas tipicamente lagunares, com formas de vida bentônica típicas dos ambientes salobres. 
  • A zona V é considerada a pior, porque tem escassa presença de vida e as formas bentônicas ali presentes são aquelas adaptadas às condições distróficas recorrentes. A zona VI, onde a macrofauna bentônica é aquela típica das águas doces, é caracterizada pela contribuição de águas continentais. A partir de uma análise sistemática das amostras biológicas durante o triênio considerado, verificou-se que as zonas III e V dividem completamente a lagoa (Figura 3).



  • Durante o último ano observou-se uma diminuição da qualidade ambiental da lagoa de Varano, porque a zona V chegou a cobrir, durante o mês de agosto de 1999, 73% da mesma.
As espécies biológicas encontradas nesse triênio na lagoa, em ordem decrescente de biomassa, foram as seguintes: Mytilus galloprovincialis, Loripes lacteus, Cerastoderma glaucum, Anadavara diluvii, Nassarius sp., Perinereis cultrera, Gastrana fragilis, Cyclope neritea, Mytilaster minimum, Paphia aurea, Gibbula sp., Chironomus sp., Bittium sp., Haminea Navicula, Abra segmentus e Ficopomatus enigmatus.
  • Esse tipo de estudo indica a existência de uma boa correlação na definição da área mais antrópica como aquela central, seja com o método biológico, seja com o toxicológico. O resultado destas modulações similares encontra correspondência também em outras experiências semelhantes, nas quais foram comparadas técnicas biológicas com toxicológicas, particularmente aquela em que foi utilizado o Vibrio fischeri 40. Este último apresentava a vantagem de uma aplicação técnica mais simples.
A diminuição da qualidade biológica da lagoa depende principalmente das crises anóxicas durante o período de verão que, ciclicamente, determinam a morte de organismos bentônicos.

Conclusão:
  • O sistema toxicológico pode ser válido para determinar as amostras consideradas "não tóxicas". Seria oportuno destinar às técnicas mais complexas, como as cromatográficas, só amostras que demonstrarem ser tóxicas, com a análise toxicológica superando o valor extremo do 20% de inibição da bioluminescência. Adotando esta metodologia pode-se conseguir uma economia consistente no trabalho de análise das amostras 41.
A utilização de um estudo integrado resulta ser mais completo 42-45 porque vai prever a correlação dos parâmetros ambientais com os biológicos 46. Todos os tipos de avaliações (biológica, química e ecotoxicológica) utilizadas nesse estudo indicam a zona central da lagoa de Varano como a mais degradada. 
  • O teste ecotoxicológico é limitado em relação à indicação do tipo de toxicidade, porque não identifica o agente contaminante que, necessariamente, deve ser determinado quimicamente, com prévio conhecimento das atividades antrópicas e das descargas relativas derivantes destas. Em diversos casos resulta muito difícil identificar alguns agentes contaminantes; de fato, o Wordwatch Institute fez uma estimativa sobre a existência de 70.000 substâncias químicas de nosso uso cotidiano, e cerca de 500-1000 novas substâncias, a cada ano, são acrescentadas a esta lista 47. O teste apresenta, porém, a vantagem de fornecer respostas temporais rápidas.
O monitoramento químico tem o mérito de determinar o nível preciso de alguns contaminantes, mas não indica a presença de todos os componentes químicos que podem provocar toxicidade no ambiente, devido à enorme presença de substâncias químicas tóxicas, de substâncias intermediárias destas últimas e de novos produtos de síntese que, todos os anos, são produzidos e descartados no ambiente. 
  • A rapidez de execução do método químico, calculado como tempo de trabalho requerido, coloca-o em um nível intermediário entre o método toxicológico e o biológico. Este último requer maior empenho do grupo de laboratório e as respostas são menos velozes em relação aos outros tipos de monitoramento. 
No caso de condições ambientais adversas, as espécies macrozoobentônicas não podem fugir e por isso estão sujeitas a morte. Portanto, nestes ambientes transformados em lugares degradados, o número das espécies e a quantidade de biomassa vão se reduzir, determinando um bom teste de avaliação ambiental.

Referências:
  1. De Angelis, R.; Il Lago di Varano 1964, 10, 111. [ Links ]
  2. Atti del Convegno; La laguna di Lesina: quali prospettive, quali soluzioni? 1994, 1, 75. [ Links ]
  3. Breber, P.; Scirocco, T.; Eastfish Magazine Denmark 1998, 3, 36. [ Links ]
  4. Pelosi, S.; Franchi, M.; Terra Pugliese 2000, 4, 21. [ Links ]
  5. Pelosi, S.; Franchi, M.; Terra Pugliese 1999, 1, 31. [ Links ]
  6. Atti del Convegno; Situazione attuale e prospettive di sviluppo del lago di Varano, 1982, 1. [ Links ]
  7. Caroppo, C.; Biologia Marina Mediterranea 1999, 6, 652. [ Links ]
  8. Bussani, M.; Guida pratica di mitilicoltura - Edagricole 1983, 1, 231. [ Links ]
  9. IRSA - CNR; Quaderni Istituto di Ricerca sulle Acque. Metodi analitici per i Fanghi 1985, 64, 1. [ Links ]
  10. Harkey, G. A.; Yung, T. M.; Environ. Toxicol. Chem. 2000, 19, 276. [ Links ]
  11. Schuytema, G. S.; Nebeker, A. V.; Cairns, M. A.; Bull. Environ. Contam. Toxicol. 1996, 56, 742. [ Links ]
  12. E.P.A.; Testing Manual Department of the Army U.S. Army Corps of Engineers 1991, 8, 91. [ Links ]
  13. Statgraphics Plus; Reference Manual - Version 7.0 for DOS, Manugistics 1993, 1. [ Links ]
  14. Pelosi S.; Franchi, M.; Terra Pugliese 2000, 3, 15. [ Links ]
  15. Perez, S.; Farrè, M.; Garcia, M. J.; Barcelò, D.; Chemosphere 2001, 45, 705. [ Links ]
  16. Ankley, G. T.; Shubauer-Berigan, M. K.; Dierkes, J. R. ; Environ. Toxicol. Chem. 1991, 10, 1359. [ Links ]
  17.  Amodio Cocchieri, R.; Arnese, A.; Minicucci, A. M.; Mar. Pollut. Bull. 1990, 21, 15. [ Links ]
  18. Kirso, V.; Palme, L.; Voll, M.; Urbas, E.; Irha, N.; Mar. Chem. 1990, 30, 337. [ Links ]
  19. Woodhead, R. J.; Law, R. J.; Matthiessen, P.; Mar. Pollut. Bull. 2001, 42, 1073. [ Links ]
  20. Fernandez-Alba, A. R.; Hernando, M. D.; Piedra, L.; Chisti, Y.; Anal. Chim. Acta 2002, 456, 303. [ Links ]
  21. Burton, A. G. Jr.; Environ.Toxicol. Chem. 1991, 10, 1585. [ Links ]
  22. Onorati, F.; Pellegrini, D.; Ausili, A.; Acqua & Aria 1999, 3, 83. [ Links ]
  23. Kaiser, K. L. E.; Palabrica, V. S.; Water Pollution Research J. Canada 1991, 26, 361. [ Links ]
  24. Budavari, S.; The Mercks Index: an Encyclopaedia of Chemicals and Drugs, Merck & Co. Inc. Rahway: New Jork, 1989, cap. 1. [ Links ]
  25. Carlson-Ekvall, A. C. E.; Morrison, G. M.; Environ. Toxicol. Chem. 1995, 14, 17. [ Links ]
  26. Wells, P. G.; Mar. Pollut. Bull. 1999, 39, 39. [ Links ]
  27. Manzo, S.; Torricelli, L.; Convegno CoNISMA 2000, 1, 223. [ Links ]
  28. Tothill, I. E.; Turner, A. P. F.; Trends Anal. Chem. 1996, 15, 178. [ Links ]
  29. Atti Iº Workshop; Progetto Strategico per il monitoraggio automatico dell'inquinamento marino nel Mezzogiorno d'Italia, 1991, 1, 260. [ Links ]
  30. Nohava, M.; Vogel, W. R.;Gaugitsch, H.; Environ. Int. 1995, 1, 33. [ Links ]
  31. Jennings, V. L. K.; Rayner-Brandes, M. H.; Bird, D. J.; Water Res. 2001, 14, 3448. [ Links ]
  32. Stortelder, P. M. B.; Eur. Water Pollut. Control 1995, 5 , 8. [ Links ]
  33. Orio, A. A.; Donazzolo R.; Commissione di studio dei provvedimenti per la conservazione e difesa della laguna e della città di Venezia 1987, 11, 150. [ Links ]
  34. Spagnoli, F.; Specchiulli, A.; Scirocco, T.; Carapella, G.; Villani, P.; Casolino, G.; Schiavone, P.; Franchi, M.; Mar. Ecol. 2002, 23, 384. [ Links ]
  35. Zanottera, S.; Bianchi, M.; Capodaglio, G.; Cescon, P.; Muntau, H.; La Ricerca scientifica per Venezia, Eds. Istituto Veneto di Scienze, Lettere ed Arti 2000, cap. 1. [ Links ]
  36. WHO, IARC; Monographs on the Evaluation of The Carcinogenic risk to humans, France, 1987, cap. 1. [ Links ]
  37. Lynam, D.; Pfeifer, R. G. D.; Human health effects of highway-related pollutants. Highway Pollution, Amsterdam, 1991, cap. 1. [ Links ]
  38. Breber, P.; Cilenti, L.; Pagliani, T.; Savino, B.; Spada, A.; Strada, R.; Scirocco, T.; Biologi Italiani 2001, 6, 42. [ Links ]
  39. Frisoni, G.; Guelorget, O.; Perthuisot, J. P.; Management of Coastal Lagoon Fisheries GFCM, eds. FAO -Studies and Reviews, 1984. [ Links ]
  40. Cotou, E.; Papathanassiou, E.; Tsangaris, C.; Environ. Pollut. 2002, 119. [ Links ]
  41. Farrè, M.; Garcia, M. J.; Tirapù, L.; Anal. Chim. Acta 2001, 427, 181; [ Links ]Kirso, V.; Palme, L.; Voll, M.; Urbas, E.; Irha, N.; Mar. Chem. 1990, 30, 337. [ Links ]
  42. Carr, R. S.; Chapman, D. C.; Howard, C. L.; Biedenbach, J. M.; Ecotoxicol. 1996, 5, 341. [ Links ]
  43. Chapman, P. M.; Dexter, R. N.; Long, E. R.; Mar. Ecol. Prog. Ser. 1987, 37, 75. [ Links ]
  44. Chapman, P. M.; Sci. Tox. Environ. 1990, 97, 815. [ Links ]
  45. Chapman, P. M.; Paine, M. D.; Arthur, A. D.; Taylor, L. A; Mar. Pollut. Bull. 1996, 32, 47. [ Links ]
  46. Araújo Gerson, F.; Williams, W. P.; Bailey, R. G.; Estuaries 2000, 23, 305. [ Links ]
  47. Blum, D. J.; Speece R. E.; Environ. Sci. Technol. 1990, 24, 284. [ Links ]

Avaliação das condições ambientais da lagoa de Varano, no sul da Itália