sábado, 28 de fevereiro de 2015

As Relações entre Sociedade e as Ciências

Projeto da biodiversidade vai a comissão geral com várias polêmicas em aberto. Deputados brasileiros ligados ao agronegócio querem incluir no projeto regras sobre pesquisas com sementes.

  • A relação entre o homem e o ambiente que o circunda sempre o instigou. Em tempos remotos, a interpretação dos fenômenos naturais era tomada como mítica, obscura, sagrada ou revestida de medo. Com a evolução, sobretudo da ciência e das técnicas, o homem passou a entender estes fenômenos e a usá-los ao seu favor. 
Se a explicação do porquê de uma má colheita era conferida outrora à falta de sacrifícios e preces para deuses da fertilidade, hoje é atribuída ao baixo índice de sais minerais e vitaminas contidas no solo, por exemplo. A ciência e a técnica embrenharam-se em espaços antes ocupados pela religião e pelo medo.
  • Se, por um lado, o avanço da ciência e da técnica trouxe inúmeros benefícios que favoreceram o crescimento da espécie humana, por outro lado, semeou e fortaleceu a visão dicotômica homem versus natureza, na qual o homem se vê como manipulador do meio em que se insere. Esta visão provoca efeitos importantes na maneira em que o homem se relaciona com seu entorno.
Para Gonçalves (1996), no mundo ocidental há duas vertentes de percepção acerca da natureza. A primeira vertente é a antropocêntrica, que percebe a natureza como hostil, agressiva, na qual impera a lei da selva. Toma-se a natureza como um ambiente de luta, no qual caberia ao Estado impor as regras para a lei e a ordem, em oposição à barbárie, à selvageria e ao caos. A segunda vertente é a naturalista, que entende a natureza como expressão da bondade e da harmonia e os homens como destruidores deste equilíbrio. Ambas, ainda que simplistas, resultam de um ponto de partida comum: a dicotomia entre o homem e o meio que o cerca. 
  • Entender de que forma se deu a relação entre o homem e seu entorno, bem como as implicações derivadas desta relação auxilia a compreensão, em última instância, dos processos de institucionalização e regulação ao acesso e uso dos recursos naturais e, por extensão, da biodiversidade, pois entendida como uma derivação dos recursos naturais.
Do desencantamento da natureza ao “verdejar” da sociedade:
  • A evolução da relação homem-natureza é marcada pela subjugação da natureza pelo homem. Ainda que esta dominação não seja absoluta, o homem, observando a natureza, aprendeu a se beneficiar dela ampliando suas possibilidades de se alimentar, se deslocar, se fixar, se proteger e de dominar outros povos. 
Um exemplo emblemático é o domínio das técnicas de agricultura, durante a Revolução Neolítica, que resultou na domesticação de plantas e animais. Esta manipulação de plantas e animais viabilizou a fixação de grupos humanos anteriormente nômades. Assim, nascia o berço das antigas civilizações (COOK, 2005; OLIVEIRA, 2002).
  • Para Milton Santos, a existência do homem no planeta leva a uma constante redescoberta da natureza, e assim, desde o fim de sua história natural e criação da natureza social em um processo de “desencantamento do mundo, com a passagem da ordem vital a uma ordem racional” (SANTOS, 1992, p. 96).
Adorno e Horkheimer em sua obra Dialética do Esclarecimento, de 1947, igualmente discorrem desse processo de descoberta/dominação/desencantamento da natureza pelo homem.De forma que, muito antes da racionalidade advinda da ciência moderna constituir-se um meio de intervenção nos processos naturais, o homem já buscava e acreditava interferir nos processos naturais por meio de feitiços ou outras ações não cientificamente comprovadas. Segundo os autores:
O mito queria relatar, denominar, dizer a origem, mas também expor, fixar, explicar. [...] Muito cedo deixaram de ser um relato para se tornarem uma doutrina. Todo o ritual inclui uma representação dos acontecimentos bem como do processo a ser influenciado pela magia. (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 20).
Assim, a intenção de desencantar a natureza já existiu muito antes aos meios efetivos para concretizar a dominação. O que o conhecimento científico possibilitou em termos concretos, já estava presente no mito de domar as forças da natureza (DUARTE, 2002). Entretanto, como afirmaram Adorno e Horkheimer (1985), a ciência foi mais astuciosa do que a magia.
  • A relação homem-dominador versus natureza-dominada é questionada por Gonçalves (1996) quando se aprofunda na essência desta interação. A expressão “o homem domina a natureza”, de fato é uma afirmação que só procede quando se apreende o homem como não natureza. O que, na visão do autor, seria uma verdadeira contradição, pois o homem também é parte da natureza; portanto, como pensar em o homem dominando a natureza?
Essa visão de natureza separada do homem é característica do pensamento dominante no mundo ocidental, cuja matriz filosófica advém da Grécia e da Roma antigas, que se firmou contrapondo-se a outras formas de pensar e de agir. Embora o pensamento pré-socrático considerasse a physis a essência única, a totalidade de tudo (algo mais amplo do que se entende atualmente como sendo natureza), foi com Platão e Aristóteles que se começou a valorizar mais o homem e a ideia, em detrimentos das coisas que o rodeavam. Iniciava-se, em um primeiro momento, aquilo que pouco a pouco se afirmaria como o que contemporaneamente apreende-se pela concepção de natureza desumanizada (GONÇALVES, 1996).
  • Com o avanço do Cristianismo no Ocidente, Deus passou a ser percebido e sentido como o ser supremo e o homem, sua imagem e semelhança. O Cristianismo assimilou a visão aristotélico-platônica, na qual somente a ideia continha a perfeição, opondo-se à realidade imperfeita do mundo. Durante a Idade Média, apregoou-se a separação entre espírito e matéria, ao difundir a perfeição de Deus em oposição à imperfeição do mundo material. 
É, portanto, decorrente dessa filosofia a separação entre corpo e alma, objeto e sujeito. Ou seja, o sujeito e sua alma são quem dão vida ao corpo, porém quando o corpo morre, sujeito e alma se desvanecem, e o corpo, logo passa a ser objeto inerte. Especula-se que esta relação sujeito-objeto é que favoreceu o desenvolvimento do método experimental. Um exemplo é a prática de dissecação de corpos, que já era uma atividade realizada em monastérios e universidades católicas desde a Idade Média, e que só foi possível dada a concepção de corpo e alma à parte (GONÇALVES, 1996).
  • Posteriormente, com René Descartes, filósofo, físico e matemático francês do século XVII, essa oposição homem-natureza, tal qual espírito-matéria e sujeito-objeto, completa-se passando a fazer parte do pensamento moderno e contemporâneo. A filosofia cartesiana atribuiu ao conhecimento um caráter pragmático e que vê a natureza como recurso. Em um trecho de Discurso sobre o Método, publicado em 1637, na França, Descartes afirma:
Pois elas [noções sobre a física] me mostraram que é possível chegar a conhecimentos que sejam muito úteis à vida, e que, em lugar dessa filosofia especulativa que se ensina nas escolas é possível encontrar-se outra prática mediante a qual, conhecendo a força e a ação do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos rodeiam tão distintamente quanto conhecemos os diferentes ofícios de nossos artífices, fosse-nos possível aplicá-los do mesmo modo a todos os usos a que se prestam, fazendo-os como que senhores e possuidores da natureza. (DESCARTES, 2000, p.113-114, grifo nosso).

Marcha Mundial contra a Monsanto denuncia perigos dos transgênicos

  • Segundo Gonçalves (1996), dois aspectos marcam o pensamento cartesiano. Primeiro, o caráter pragmático que o conhecimento adquire e, em segundo, o antropocentrismo, o homem passa a ser “o senhor e o possuidor da natureza”. O antropocentrismo e o pragmatismo do pensamento cartesiano vincularam-se ao mercantilismo do período feudal, tal qual a herança medieval da separação entre espírito e matéria (GONÇALVES, 1996).
Na visão iluminista do século XVIII, a natureza era concebida como algo palpável. O mundo passou a ser compreendido a partir do real, do concreto e não mais de dogmas religiosos medievais. Com o desenvolvimento do capitalismo, e mais precisamente com o advento das Revoluções Industriais, essas ideias acabaram se fortalecendo. 
  • As cidades industriais dos séculos XVIII, especialmente as da Inglaterra, eram cobertas por miséria, com uma qualidade de vida deplorável para a população e corroborando para os aparentes antagonismos que distanciavam homem e natureza. Este período também é marcado pelas “descobertas científicas”, pelo aumento do interesse científico pela natureza - em especial da história natural - e pelo estabelecimento dos fundamentos da botânica e da zoologia (MCCORMICK, 1992).
Ainda no século XIX, o desenvolvimento da ciência e da técnica possibilitou que o pragmatismo triunfasse. A ciência e a técnica assumiram como nunca um significado central na vida dos homens. A natureza passou a ser concebida cada vez mais como um objeto a ser possuído e dominado. Aos olhos da ciência, a natureza foi subdividida em física, química, biologia, e o homem em economia, antropologia, história. Nesse contexto, as tentativas de pensar o homem e a natureza integradamente falharam. E assim, a história do homem inscreve-se como a progressiva ruptura com o seu entorno (GONÇALVES, 1996; SANTOS, 1992).
  • A exceção ficou por conta da teoria da evolução das espécies de Darwin e Wallace que demoliu todas as supostas provas da singularidade humana. O homem deixou de ser filho de Adão e Eva para ser primo do macaco. Isso provocou uma revisão profunda do entendimento da relação entre homem e natureza e do antropocentrismo (MCCORMICK, 1992).
Porém, as divisões sociais e técnicas do trabalho se intensificavam e contribuíam para que houvesse o processo de fragmentação e dicotomização entre fazer e pensar na sociedade capitalista industrial.
  • No início do século XX, os avanços da ciência já indicavam que o mundo operava sistemicamente. O átomo, tomado inicialmente com uma unidade indivisível, passou a ser interpretado como um sistema constituído de partículas que se interagem mutuamente. Na medida em que foi se desenvolvendo o estudo dos hábitos dos animais, ficou mais difícil compreender a evolução da vida das espécies animais tendo como referência apenas o comportamento de um indivíduo estudado em laboratório, isoladamente. Daí o reconhecimento de que a abordagem sistêmica já se fazia presente no estudo da natureza.
Durante séculos, a humanidade conviveu com a ideia de que os recursos naturais eram infinitos e as ameaças de escassez não eram um problema real. Se houvesse a supressão de alguma benesse, bastava migrar para um novo local reiniciando o ciclo de exploração. Todavia, a percepção de um mundo de recursos naturais ilimitados se transformava paulatinamente, sobretudo pelos avanços da ciência, que comprovavam a interligação entre os elementos da natureza, o que necessariamente afetaria as condições humanas.
  • Como se pode observar, as novas técnicas da Revolução Neolítica, a filosofia do mundo das ideias perfeitas de Platão e Aristóteles, a ciência de opostos de Descartes (homem-natureza, espírito-matéria e sujeito-objeto), a expansão da religião cristã no ocidente com suas distinções entre o divino e o mundano, o corpo e a alma, e as divisões sociais e técnicas do trabalho em fazer e pensar na sociedade capitalista industrial, entre outras, ofereceram elementos que compactuaram na construção de uma visão antropocêntrica e fragmentada de mundo.
Entretanto, principalmente a partir do século XX, as novas formas de relacionar o homem com a natureza começaram a emergir e se inicia um lento processo de “verdejar” da sociedade.

Transgênicos são organismos vivos modificados em laboratório. O código genético de uma espécie é alterado, os organismos transgênicos contém fragmentos do genoma de bactérias ou vírus em seu DNA.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Programas de pesquisas em Biodiversidade

Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) aponta que temperatura global pode aumentar em até 4,5 graus Celsius nos próximos cem anos.

  • A crença de que a ciência transforma a sociedade se consolidou principalmente após a IIa. Guerra Mundial. A ciência já participava dos processos produtivos, principalmente na descoberta de novos produtos e no aumento de produtividade, sobretudo nas indústrias baseadas na ciência, como resultado da IIa. Revolução Industrial (1870-1920). Foi durante a IIa. Guerra Mundial que a ciência e a tecnologia se consolidaram como áreas estratégicas na criação de novos produtos e técnicas. A guerra, com suas demandas por alta tecnologia, fomentou o desenvolvimento de vários outros produtos que posteriormente foram absorvidos pela sociedade, num movimento de transbordamento do conhecimento em forma de produtos e processos para a sociedade. O Estado passa a dar mais atenção a este movimento, financiando a Ciência e a Tecnologia (C&T), entendendo-as como fundamental para aumentar seu poderio militar, mas também o bem-estar da população. Houve uma forte transformação da vida cotidiana com a produção de novos bens e o surgimento crescente de tecnologias de capital intensivo.
Uma manobra decisiva para a continuidade do financiamento público em ciência e tecnologia foi o relatório Science, the Endless Frontier (1945), elaborado por Vannevar Bush. O relatório credita à ciência um maior bem estar social, aliada à credibilidade de seus resultados.
  • Este relatório fundamentou a estruturação e consolidação de uma política de Estado para apoio às atividades de ciência e tecnologia. Dessa forma, esta área tornou-se um dos pilares de políticas públicas do Estado, independente de tempos de guerra ou de paz (VAN RAAN, 2004). Assim, vai-se consolidando o período conhecido como Big Science, no qual grandes projetos/programas de pesquisa científicas eram financiados, em grande parte, com dinheiro público. Este modelo de financiamento influenciou muitos países na época.
Com o passar do tempo, naturalmente, surgiram questões sobre o retorno social deste massivo investimento público em ciência e tecnologia, fomentando um crescente interesse pelas avaliações de C&T. Entretanto, neste período, o enfoque ainda era um tanto estreito, limitando-se a responder se o objetivo previsto foi atingido ou não. Assim, se o objetivo era levar o homem à Lua, então a questão era: o homem chegou à Lua?
  • Com o tempo foi-se percebendo que as questões de accountability (prestação de contas) eram bem mais complexas. Os primeiros estudos de mensuração dos “retornos” econômicos do investimento em pesquisa começaram a ser aplicados já no final dos anos 50. Mas, foi durante a década de 1970 que eles tiveram forte repercussão e começaram a ser largamente utilizados para demonstrar que os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) poderiam ter elevadas taxas de retorno (FURTADO; SILVEIRA, 2002). Tais anállises procuravam (e ainda procuram) identificar a criação de excedentes para o produtor e para o consumidor, resultantes da introdução de uma determinada tecnologia, o que dificulta sua aplicação a programas mais amplos e complexos.
No âmbito da pesquisa científica, os estudos de impacto se voltaram para captar os impactos bibliométricos, ou mais precisamente cienciométricos, dos artigos científicos tomados como proxy da intensidade e direção da comunicação científica. A base de dados do Institute for Scientific Information (ISI), fundado por Eugene Garfield, em 1960, e que reúne mais de nove mil revistas de pesquisa prestigiosos e de alto impacto do mundo, persiste como uma ferramenta importante e auxiliar na elaboração de políticas científicas, indicando o que está sendo produzido em ciência e por quem.
  • Entretanto, o impacto da pesquisa, como é entendido nesta tese, tem repercussões que extravasam o retorno econômico ou bibliométrico. Rastrear as trajetórias dos impactos da pesquisa requer imergir no contexto no qual esta se insere e projetar o olhar para seus prováveis desdobramentos. Assim, os impactos dilatam-se para dimensões sociais, ambientais, de capacitação, político-institucional, de inovação, de divulgação, no avanço do conhecimento entre uma infinidade de recortes que se pretenda, além, evidentemente, das clássicas dimensões econômicas e bibliométricas. Não se trata de desprezar estas duas últimas, até porque são as dimensões que têm suas abordagens metodológicas mais consolidadas, e sim, expandir o horizonte e apreender a multidimensionalidade dos impactos. Para isso, é preciso que se aprimorem metodologias voltadas para abordagens multidimensionais.
Esta preocupação se intensifica na sociedade do conhecimento, na qual a ciência e a tecnologia se estabelecem em rede (C&T em Rede), diversificando o número de atores e instituições arranjados de forma complexa, não hierárquica e sistêmica. Neste cenário, os limites entre o que é resultado ou impacto de um dado programa de pesquisa são incertos, ou seja, na C&T em Rede as demandas sociais justificam a criação de programas de pesquisa, o que reforça o caráter de accountability destas pesquisas. Por isso, é essencial entender estas nuances do contexto da C,T&I e das formas de avaliar seus impactos.
  • Diante deste contexto acima descrito, o objetivo central desta tese é o de contribuir conceitual e metodologicamente com métodos de avaliação de impacto que incorporem múltiplas dimensões de análise e que se baseiem conceitualmente na visão dinâmica do processo de geração e difusão da Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I). Trata-se de contribuir mais especificamente com a metodologia GEOPI de avaliação de impactos de programas de C,T&I, a qual foi aplicada em um importante programa de pesquisa em biodiversidade do país, o Programa Biota, da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo, a Fapesp.
Um programa de pesquisa em biodiversidade se configura como um interessante objeto de análise no caso de avaliação de impactos, dada a sua multiplicidade de atores e interesses que envolvem o assunto. Ademais, o tema permanece atual na agenda mundial de forma que o ano de 2010 foi considerado o ano internacional da biodiversidade pelas Nações Unidas. No Brasil, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) enquadra este tema como uma área estratégica para o país e, portanto, desenvolve linhas de ação prioritária para o fomento de pesquisa,desenvolvimento e inovação. Vários são os programas em âmbito federal nesta área do conhecimento, com inter-relações com o Biota e entre eles. Entender como a biodiversidade se tornou um tema em voga no mundo e no Brasil auxilia na compreensão dos elementos que compõem esta área de estudo.
  • A preocupação global com o tema biodiversidade não é desproposital. O Terceiro Global Biodiversity Outlook (2010) elaborado pela Secretaria da Convenção da Diversidade Biológica aponta evidências de que há um contínuo declínio da biodiversidade. Entre os fatos apurados observa-se: as populações de espécies de vertebrados caíram quase um terço, em média, entre 1970 e 2006, e continuam a cair no mundo, com declínios especialmente graves nas regiões tropicais e entre as espécies de água doce. As espécies que avaliadas com o status de risco de extinção estão cada vez mais se aproximando da extinção. Os organismos que estão sentido acentuadamente esta perda são os anfíbios e os corais. Habitats naturais em muitas partes do mundo continuam a diminuir em extensão e integridade, embora tenha havido progressos significativos na redução da taxa de perda de florestas tropicais e mangues em algumas regiões.
A fragmentação e degradação de extensas florestas, rios e outros ecossistemas também levou à perda de biodiversidade e serviços dos ecossistemas. As cinco principais pressões diretamente à condução da perda de biodiversidade (mudança no habitat, superexploração, poluição, espécies invasoras e mudanças climáticas) são uma constante ou estão aumentando em intensidade. A pegada ecológica da humanidade chegou a 1,3 vezes a capacidade biológica da Terra (SECRETARIAT OF THE CONVENTION ON BIOLOGICAL DIVERSITY, 2010).
  • Além disso, estudos orçam em mais de US$ 750 bilhões por ano a perda de serviços ambientais. Tais serviços incluem a regulação do clima, chuvas, proteção de bacias hidrográficas, polinização de culturas e de subsistência para as comunidades locais e indígenas, entre outros (PARKER; CRANFORD, 2010). Neste sentido, a ciência e a tecnologia desempenham um papel decisivo gerando informação qualificada para a tomada de decisão mais adequada e criando tecnologias que convirjam para a manutenção dos serviços ambientais. Resta conhecer de que forma isto está de fato acontecendo.

Duas importantes instituições de pesquisa estão recebendo propostas sustentáveis para programas ligados a biodiversidade, a Fapesp e a National Science Foundation (NSF), dos EUA.(2012)

Um conceito fundamental: Biodiversidade
  • O termo “diversidade biológica” foi criado por Thomas Lovejoy em 1980. Já a palavra “biodiversidade” foi usada pela primeira vez pelo entomologista Edward O. Wilson, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, em 1986, a partir de uma reunião realizada nos Estados Unidos, cujos trabalhos foram publicados em 1988, num livro organizado por E. Wilson (LEWINSOHN, 2001). A palavra "biodiversidade" foi sugerida como uma alternativa à expressão “diversidade biológica”, considerada menos eficaz em termos de comunicação.
Até a Convenção da Diversidade Biológica – CDB de 1992, da qual o Brasil comunga, não havia uma definição consensual de biodiversidade. De maneira geral, as definições englobavam o número de espécies (riqueza) de uma região. O enfoque mais amplo foi consagrado nesta Convenção, em que diversidade biológica foi definida como:
... a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas. (CDB, 1992, Artigo 2º, p.9)
Assim, o termo biodiversidade passou a se referir tanto ao número (riqueza) de diferentes categorias biológicas quanto à abundância relativa dessas categorias. Inclui variabilidade ao nível local, complementaridade biológica entre habitats e variabilidade entre paisagens, abrangendo assim, a totalidade dos recursos vivos.Esta definição chama atenção para os diversos níveis e a variedade de ambientes da vida, referindo-se também aos processos (complexos ecológicos) que os mantêm organizados. 
Entretanto, a redação que foi adotada é difícil de ser aplicada na tomada de decisão referente à conservação, ao uso sustentável e à divisão justa e equitativa dos benefícios derivados do conhecimento tradicional associado à diversidade biológica. Por exemplo, embora ecossistema seja uma entidade bem definida conceitualmente, a sua delimitação espacial é dificultosa, especialmente por enfocar aspectos funcionais (relações) do ambiente e as funções ecossistêmicas que perpassam unidades espaciais (LEWINSOHN e PRADO, 2002).Com isso, os estudos de biodiversidade passaram a abranger diferentes áreas do conhecimento. Paul Ehrlich e Edward Wilson (2001), consagrados autores na área de conservação da biodiversidade, definiram da seguinte forma:
[Estudos de biodiversidade são] o exame sistemático de todo o conjunto de organismos, a origem desta diversidade, juntamente com os métodos pelos quais a diversidade pode ser mantida e utilizada para o benefício da humanidade.Estudos de biodiversidade, portanto, combinam elementos de biologia evolutiva e ecologia com os da biologia aplicada e políticas públicas. São baseados em biologia molecular e evolutiva da mesma forma que os estudos biomédicos são baseados em biologia molecular e celular. Incluem a nova disciplina emergente da biologia da conservação, mas são ainda mais ecléticos, considerando a pesquisa sistemática pura e as aplicações práticas desse tipo de investigação que se obtêm com a medicina, a silvicultura e a agricultura, bem como a investigação sobre as políticas que maximizem a conservação e uso da biodiversidade. Em estudos de biodiversidade, o sistemata encontra-se com o economista e cientista político (EHRLICH; WILSON, 2001, p.758, tradução nossa).
Esta definição é adequada para esta pesquisa, pois engloba os diferentes aspectos que abarcam o termo biodiversidade, como as diferentes áreas do conhecimento, suas aplicações e seus impactos.
  • A avaliação de impactos do Programa Biota resulta de uma longa trajetória do Grupo de Estudos Sobre a Organização da Pesquisa e da Inovação – GEOPI, do Departamento de Política e Tecnológica (DPCT/IG) da Unicamp – em estudos sobre avaliações de resultados e impactos da C,T&I. Entre 1998 e 2003, o Grupo desenvolveu, no âmbito do Programa Políticas Públicas da Fapesp, um projeto cujo objetivo era o de desenvolver métodos para avaliação de impactos de pesquisa no âmbito das inovações tecnológicas na agricultura do Estado de São Paulo. 
Os principais parceiros deste projeto foram a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias), IAC (Instituto Agronômico de Campinas), APTA (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), IEA (Instituto de Economia Agrícola), Fundecitrus (Fundo de Defesa da Citrucultura), IBMEC (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais), BETA (Bureau d’Economie Theorique et Appliquueé da Universidade Louis Pasteur, Strasbourg, França) e Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Deste projeto, resultou a construção da metodologia ESAC (impactos Econômicos, Sociais, Ambientais e de Capacitação), posteriormente chamada de MDM (Método Multidimensional), termo cunhado por Mauro Zackiewciz (2005) em sua tese de doutorado. Esta capacitação foi utilizada em outros projetos de avaliação do grupo e em projetos com outras instituições que também têm trabalhos nesta temática.
  • Entre 2006 e 2008, o GEOPI desenvolveu um projeto para a avaliação de programas da Fapesp. O objetivo era de criar uma metodologia para avaliar resultados e impactos de programas da Fapesp, tendo em vista a criação sistemática de informação qualificada para o planejamento e a tomada de decisão no âmbito da instituição. Na ocasião, os programas avaliados foram Programa Jovem Pesquisador em Centros Emergentes (JP); Programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE); Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) e Programa de Pesquisa em Políticas Públicas (PPP).
Finalmente, no final de 2009, com vigência até novembro de 2011, mais um projeto de avaliação de programas da Fapesp foi solicitado pelo Grupo e aprovado pela financiadora. Trata-se o projeto “Avaliação de Programas da Fapesp: desenvolvimento e aplicação de métodos de avaliação de impactos e de requisitos para avaliações sistemáticas”. O objetivo do projeto é de desenvolver e implantar metodologias de avaliação de resultados e impactos de programas científicos, tecnológicos e de inovação. Para tanto, as atividades foram planejadas em dois eixos principais: a) desenvolver e aplicar metodologia de avaliação de resultados e impactos aos seguintes programas da FAPESP: Bolsas (Iniciação Científica, Mestrado, Doutorado e Doutorado Direto), 
  • Biota e Equipamentos Multiusuários; e b) especificar os critérios e definir as formas de avaliar continuamente os quatro programas avaliados em projeto anterior: PIPE, PITE, Jovem Pesquisador e Políticas Públicas. Além de identificar resultados e impactos dos Programas mencionados no eixo 1, o projeto testa viabilidade da aplicação de quase-experimento em projetos de avaliação desta natureza em conjunto com a metodologia GEOPI (longamente descrita nesta tese). Soma-se isso o desafio desenvolver um sistema de avaliação continuada para os programas já avaliados pelo Grupo a ser apropriado pela Fapesp. É neste contexto que se insere a avaliação do Programa Biota, que apoiou o desenvolvimento desta tese e na qual a presente autora é a responsável executiva no âmbito da equipe do projeto.
A presente tese, portanto, traz elementos que se aproximam aos objetivos do projeto institucional quando se utiliza do instrumento de coleta, dos dados levantados e análises estatísticas, confeccionados com o suporte de toda a equipe do projeto (aproximadamente 20 pessoas). Porém se distancia do projeto à medida que não tem como foco fazer uma comparação entre metodologias de avaliação, e sim, aprofundar no aperfeiçoamento da metodologia GEOPI, apontando avanços e as vulnerabilidades desta, tomando como objeto de análise a avaliação do Programa Biota. Assim, os objetivos secundários traçados para esta tese foram:
  1. Apresentar a evolução da discussão sobre escassez de recursos naturais, especificamente dos recursos biológicos, e como isto culminou na regulação de acesso à biodiversidade;
  2. Apresentar a evolução do quadro político-institucional e o panorama das pesquisas em biodiversidade no país e no mundo, tendo como base a CDB;
  3. Apresentar as especificidades da C,T&I na avaliação de impacto; 
  4. Apresentar a metodologia GEOPI de avaliação de impactos em C,T&I no Programa Biota;
  5. Contribuir para o avanço da metodologia GEOPI de avaliação de impactos em C,T&I tendo em vista sua adequação ao contexto da C&T em Rede e, especificamente, da pesquisa em biodiversidade;
  6. Contribuir para trabalhos de avaliação de impactos de outros programas de pesquisa em biodiversidade, nacionais ou internacionais. Para isso a tese foi estruturada em dois grandes eixos que convergem para um terceiro.
O primeiro eixo corresponde ao primeiro capítulo e se destina a apresentar o estudo da evolução do quadro político-institucional e do panorama das pesquisas em biodiversidade no país e no mundo, tendo como base a CDB. Para embasar esta discussão, a tese vai buscar elementos que remontam aos primórdios da relação entre o homem e natureza, inicialmente mediada pelo mito e pelo medo e cada vez mais substituída pela ciência e pela técnica. O avanço da ciência e da técnica trouxe inúmeros benefícios que favoreceram a propagação da espécie humana, mas também consolidou a dicotomia homem e natureza. Nesta dualidade nasceu a ideia do homem dominador da natureza. Recapitular a construção deste posicionamento do homem perante a natureza auxilia a compreender as causas que levaram à mobilização de grupos sociais pela proteção e conservação da natureza na civilização moderna. É neste ponto que se acentuam as discussões acerca das regulações de acesso aos recursos naturais. No caso da biodiversidade, o marco legal mais relevante em âmbito global é seguramente a Convenção da Diversidade Biológica. Estas regulações muitas vezes vêm acompanhadas de incentivos à pesquisa científica, tomada como uma atividade necessária para que se tomem as melhores decisões. Nesse sentido, as atividades de pesquisas se organizam, mormente, no formato de programas de pesquisa e/ou de redes de colaboração.
  • O segundo eixo, onde se busca apresentar as especificidades da C,T&I na avaliação de impacto. Para tanto, são tecidas algumas considerações acerca do ato de avaliar e na estruturação da avaliação com uma disciplina. Em seguida é introduzido o conceito de avaliação de programas, tema tradicionalmente desenvolvido pelas áreas de educação e saúde. Tendo isto em vista, é feita uma digressão acerca da evolução das avaliações de C,T&I, culminando com a avaliação de Ciência e Tecnologia em Rede (C&T em Rede). No momento seguinte, são tratadas as avaliações de impacto de C,T&I, nas quais se situa a metodologia GEOPI de avaliação de impacto. A metodologia GEOPI se destaca por conseguir abarcar a complexidade dos impactos decorrentes das complexas interações da C&T em Rede, e por envolver os protagonistas no processo avaliatório, valorizando o processo de aprendizado.
O terceiro eixo foca na apresentação e discussão da metodologia GEOPI para a avaliação de impacto de programa de pesquisa em biodiversidade. O Programa Biota, estatísticas descritivas, avaliações precedentes e relata passo a passo as etapas de aplicação da metodologia GEOPI, bem como uma síntese dos principais resultados da avaliação. Este capítulo conta com bastante material de suporte que pode ser consultado nos anexos desta tese. Espera-se com isso que este capítulo possa auxiliar todo aquele que pretenda desenvolver uma avaliação da mesma natureza, já que o Programa Biota pode ser considerado um bom modelo para tanto e, sobretudo, possa oferecer elementos para o aprimoramento da metodologia GEOPI.
  • Por fim, as Considerações Finais resgatam as principais percepções dos capítulos e soma algumas recomendações para aperfeiçoar a metodologia GEOPI, sem perder de vista a abordagem multidimensional inerente à C&T em Rede. Além disso, aponta futuros campos de estudo que se abrem a partir do presente estudo.
Em um contexto maior, espera-se que a presente tese contribua para definir os contornos das relações entre a geração do conhecimento e a adoção destes no seu entorno, de modo a auxiliar tanto gestores de programas de C,T&I quanto pesquisadores que pretendam se aprofundar no campo da avaliação de impactos.

Uma arma química natural

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

O Desmatamento e a Ocupação da Amazônia

"O governo age de forma esquizofrênica. Cinco dias depois de lançar um ambicioso fundo para captar recursos para a proteção da Amazônia, dá um passo atrás em direção à destruição", (Greenpeace 2008)

  • Primeiramente, se faz necessário entender alguns aspectos importantes relacionados à discussão de fronteira. Hennessy (1978) afirma que as sociedades latino-americanas estão ainda no estágio histórico de fronteira. 
Nesta etapa da história, as relações econômicas, sociais e políticas estão, de certo modo, marcadas pelo movimento da expansão demográfica e econômica sobre terras não-ocupadas ou ainda não completamente ocupadas.
  • Na América Latina, como já assinalou Foweraker (1982), a última grande fronteira é a Amazônia, em particular a Amazônia brasileira. As áreas de fronteiras no Brasil têm traços e processos de ocupação que as caracterizam e as diferenciam das outras áreas fora do território nacional.
A forma e a intensidade de manifestação desses processos e as feições predominantes no espaço, associadas ao tempo, dão individualidade a cada nova fronteira, de forma que elas sejam regiões homogêneas – dependendo da escala geográfica macrorregional, estadual, mesorregional, microrregional e municipal – mas também apresentem subespaços diferenciados que são reveladores da unidade da diversidade paisagística, social, econômica e cultural.1 (Brandão, 2007, p. 189-200).
  • Na fronteira, embora na prática a terra não esteja inteiramente disponível para o acesso a todos os imigrantes, a ideologia da “fronteira aberta” representa, no imaginário coletivo dos grupos sociais, daqueles indivíduos despossuídos de meios de produção, uma oportunidade para melhorar as suas condições de vida. (Velho, 1976, p. 100-106).
De qualquer modo, talvez por isso, a fronteira seja o “lócus” por excelência da terra aparentemente ilimitada. O propósito deste capítulo é discutir a teoria da fronteira e das instituições sociais como marco de referência para uma melhor compreensão do fenômeno do desmatamento florestal na Amazônia Paraense, decorrente do avanço da frente agropecuária capitalista ao lado da frente de agricultura itinerante de base familiar.
  • O desmatamento florestal à formação de pastagem plantada também tem sido gerador de conflitos sociais (entre fazendeiros e posseiros) e conflitos ambientais (entre empresas do setor agropecuário e de mineração contra os grupos de defesa do meio ambiente). Nos últimos anos, esses conflitos, em torno da questão do desmatamento florestal praticado por fazendeiros, atingiram um nível de tensão social muito elevado.
Como consequência disso, o problema do desmatamento florestal acabou entrando para a agenda do governo federal, que acaba por enfrentar os problemas econômicos, sociais e ambientais no país, por intermédio da criação de instituições regulatórias (leis e regulamentos), e pela ação normativa e mesmo coercitiva executada pelas instituições públicas para o estabelecimento da ordem social.
  • É a combinação das ações políticas e econômicas, operadas pelas instituições públicas, que permite a formulação de políticas públicas dirigidas com a perspectiva de solucionar os problemas sociais, econômicos e ambientais da agenda governamental. Essa interpenetração dos interesses políticos e econômicos é a chave para a compreensão das motivações e comportamentos dos atores no seio das instituições governamentais quanto à questão do desmatamento florestal numa zona de fronteira em pleno processo de avanço do capitalismo.
A identificação das causas do desmatamento florestal na Amazônia paraense perpassa necessariamente pelo entendimento do significado de fronteira, enquanto um processo de expansão de uma sociedade num território ainda não suficientemente ocupado do ponto de vista econômico. A palavra fronteira apresenta diversos significados. 
  • Por exemplo, no novo dicionário Aurélio, o termo fronteira é o feminino substanciado do adjetivo fronteira, logo fronteira é entendida como a extremidade de um país ou região do lado onde confina com outro; porém, o termo fronteira também significa os pontos limite de uma figura geométrica; ou, ainda, o conjunto de pontos extremos do contorno dos mapas representativos da escala dos territórios de um país e das suas unidades administrativas.
Clark (1967) lembra que dessas noções, a primeira tem forte conotação com o significado atribuído pelos geográficos que estudam a fronteira de uma determinada nação. Entretanto, um economista que procura investigar como agem na fronteira os grupos de interesses privados em suas reivindicações no interior do Estado, por certo se deparará com os limites estabelecidos pelas leis e regulamentos. 
  • A fronteira pode ser compreendida como sendo uma zona de ocupação de um território relativamente vazio em termos demográficos, onde as instituições públicas responsáveis pela manutenção da ordem jurídica, com vistas ao estabelecimento das “regras do jogo” para a funcionalidade das instituições privadas, têm uma atuação precária quanto ao exercício do cumprimento das leis no âmbito de uma sociedade democrática.
De acordo com Turner (1986, p. 30), a democracia norte-americana está fundamentada na experiência da fronteira ao Oeste. Para ela, o efeito mais importante da fronteira tem sido na promoção da democracia nos EUA e na Europa. Dessa forma, o individualismo da fronteira tem promovido desde o início a democracia norte-americana. 
  • Turner (1986, p. 18) chama atenção para a importância das “terras livres” no EUA, pois para ele, a existência de uma área de terra livre, sua recessão contínua, e o avanço do povoamento americano rumo ao Oeste explica o seu desenvolvimento.
No caso da Amazônia, percebe-se que o avanço da fronteira agropecuária vem se dando dentro da lógica da acumulação capitalista, porém, não se pode prescindir dos elementos institucionais que estão presentes em função dos interesses e conflitos que permeiam o processo de ocupação econômica numa região de fronteira

Na Amazônia Brasileira a principal atividade responsável 
pelo desmatamento é a pecuária.

  • O desmatamento na Amazônia brasileira tem como principais causas diretas a pecuária, a agricultura de larga escala e a agricultura de corte e queima. Dessas causas, a expansão da pecuária bovina é a mais importante. 
A remoção temporária ou parcial da floresta para a sua conversão em áreas de pastos e agrícolas associadas com a extração seletiva de madeira emite uma entre 0,6 e 0,9 (+/- 0,5) PgC.ano-1. Isso representa, segundo algumas recentes estimativas, de 15% a 35% da emissão global média de combustíveis fósseis na década de 1990 (Defries et al., 2002). De acordo com a FAO, a maior taxa de desmatamento ocorreu no Brasil, seguido da Índia, da Indonésia, do Sudão e da Zâmbia (Houghton, 2005). 
  • No Brasil, a maioria dos estudos já tem demonstrado que o desmatamento tem sido causado pela conversão de floresta, principalmente para pecuária, agricultura de corte e queima ou associada à exploração madeireira (Arima et al., 2005; Veríssimo et al., 1996; Ferreira et al., 2005).
O principal objetivo deste trabalho é analisar, com base nos dados dos municípios da Amazônia Legal brasileira, como evoluíram, nos anos recentes, as principais causas diretas do desmatamento. Isso foi feito utilizando-se uma série de regressões lineares múltiplas com dados em painel coletados valendo-se de fontes secundárias (IBGE, Ipeadata, INPE) para 782 municípios selecionados dos Estados da Amazônia Legal. 
  • Esse modelo econométrico simples permite avaliar a contribuição dos acordos principais dos usos do solo para o desmatamento de 2000 a 2006 e, consequentemente, estimar o impacto desses usos nas dinâmicas atuais e futuras da expansão do desmatamento. O trabalho também analisa o potencial de expansão da atividade pecuária associado às novas dinâmicas de demanda nacional e global e da organização da indústria de carne na Amazônia.
Nesse contexto, o presente capítulo tem como propósito discutir os significados de fronteira, instituições, mudanças institucionais e dos mecanismos de governança no processo de desenvolvimento de uma economia de mercado – ou, mais precisamente, do processo de desenvolvimento de uma economia de capitalismo tardio – tendo como pano de fundo a apropriação dos fundamentos teóricos (na forma de conceitos e construtos) que servirão de ajuda na interpretação dos “fatos”, representados pelos dados e informações disponíveis quando do tratamento dos capítulos empíricos.
  • O avanço da fronteira agropecuária na Amazônia vem se dando dentro da lógica da acumulação capitalista. Porém, apesar disso, não se pode prescindir dos elementos institucionais que estão presentes em função dos interesses e conflitos que permeiam o processo de ocupação econômica numa região de fronteira, principalmente para a região estudada: o Estado do Pará.
A discussão teórico-histórica deste capítulo tem como objetivo a busca de respostas para as seguintes questões: 
  • Qual o significado de fronteira? 
  • Qual a relação entre fronteira e a evolução das instituições nos processos de integração regional e de desenvolvimento econômico? E, 
  • Que modelos de ocupação, presentes no desenvolvimento da Amazônia, respondem mais pelo processo de desmatamento florestal no Estado do Pará?
Para dar conta dessa tarefa, o presente capítulo foi estruturado do seguinte modo. Primeiro, discutem-se os significados de fronteira numa perspectiva da teórico-histórica; segundo, discutem-se os fundamentos teóricos sobre as instituições a partir do enfoque da escola neo-institucionalistas; e, por fim, discute-se o papel das instituições governamentais e não governamentais responsáveis pelo avanço da fronteira econômica, numa região da periferia rica em recursos naturais através da expansão da frente pioneira agropecuária.

O desmatamento e seus modelos:
  • Kaimowitz e Angelsen (1998), em sua análise de 150 modelos do desmatamento de florestas tropicais, definem desmatamento como a "remoção completa e no longo prazo da cobertura de árvores". Essa é a definição de desmatamento que se usará neste artigo. 
O estudo das causas do desmatamento feito por Geist e Lambin (2001 e 2002) aponta que o que eles chamam de causas próximas do desmatamento está associado com os usos do solo e afeta diretamente o ambiente e a cobertura vegetal. Esses autores associam as causas próximas(chamadas aqui de causas diretas) do desmatamento em três categorias, a saber: expansão das pastagens e áreas agrícolas, extração de madeira e expansão da infraestrutura. 
  • Tais mudanças do uso do solo são dirigidas por processos econômicos que as sustentam. Essas causas mais profundas do processo de desmatamento são chamadas pelos autores de causas subjacentes e estão associadas com o crescimento dos mercados para os produtos que produzem a mudança de uso do solo, com a urbanização e com o crescimento populacional, com fatores estruturais, culturais e, finalmente, com políticas governamentais.
As causas subjacentes dos processos de desmatamento são pouco suscetíveis a uma análise quantitativa, visto que, em geral, modelos econométricos que mapeiam os usos do solo ou seus condicionantes mais imediatos (como crescimento populacional ou urbanização) tendem a ter pouca eficácia de análise, quando do mapeamento de processos mais complexos como o comportamento dos agentes e de suas decisões individuais; os impactos de expectativas e de políticas públicas, bem como aspectos mais difusos como aprendizado e cultura nas dinâmicas de expansão das atividades econômicas que são causas diretas do desmatamento.
  • Modelos que mapeiem consistentemente os atores, os processos decisórios e o ambiente institucional que produz as dinâmicas de expansão do desmatamento na Amazônia implicam uma ampliação do escopo de análise que comumente tem sido utilizado na maioria dos estudos sobre essa temática. Estudos econométricos, em geral, tentam associar os resultados dos processos de desmatamento com 
causas objetivas diretas mensuráveis (uma consequência óbvia da metodologia, claro), mas tendem a avançar pouco sobre as determinações das decisões dos atores (Kaimowitz e Angelsen, 1998, p. 5-6). Modelos que observem o comportamento dos atores num nível individual e também os dados numa abordagem regionalizada podem ser mais úteis para esclarecer consistentemente as dinâmicas associadas às causas subjacentes dos processos de desmatamento.
  • O reconhecimento dos problemas associados aos modelos comumente utilizados para a análise das causas do desmatamento não impede, porém, de lhes avaliar a validade. Um aspecto fundamental associado a esses modelos, quando se fala em causas diretas do desmatamento, é o de mapear estatisticamente o peso de cada tipo de uso do solo no processo. Nesse sentido, uma análise de vários estudos econométricos sobre as causas do desmatamento parece ser um bom ponto de partida para mapear os achados e os espaços ainda não analisados do problema.
Por meio da modelagem do processo de desmatamento, em um trabalho pioneiro, Reis e Margulis (1991) projetaram as emissões futuras de carbono da Amazônia Legal. O modelo desenvolvido pelos autores descreve a relação entre a densidade espacial das principais atividades econômicas e a fração da área desmatada, utilizando o efetivo bovino, a área de cultura agrícola (lavoura permanente e temporária), a densidade de população, as rodovias e a extração de madeira como variáveis. 
  • A variável área agrícola apresentou o maior valor para a elasticidade do desmatamento, seguida da população e da densidade de rodovias. Os autores trabalharam com modelos cross-section, relacionando o crescimento entre 1980 e 1985 à densidade da população; área agrícola, número de bovinos e extração madeireira em 1980 foram estimadas a fim de fazer as previsões dos padrões de crescimento de cada atividade no futuro.
A análise das interações entre os processos de desmatamento, ocupação agropecuária, urbanização e industrialização constitui a base do modelo de Reis (1996). Segundo esse modelo, as causas principais da ocupação econômica da Amazônia Legal são a expansão da malha rodoviária e o crescimento populacional, sendo a atividade agropecuária a principal causa imediata do processo de desmatamento, tendo o setor madeireiro papel secundário.
  • Já Andersen e Reis (1997) fizeram uma comparação entre crédito e abertura de estradas. No estudo, os autores afirmam que o impacto da abertura de estradas é muito pior que o do crédito, uma vez que causa grande desmatamento e pequeno aumento da produção. Contudo, o crédito agrícola, apesar de ser mais eficiente, é também muito menos equitativo, já que as estradas permitem o acesso dos pobres às terras da União. 
Os investimentos em infraestrutura e serviços atraem empreendedores, que, por sua vez, atraem migrantes, tendo como consequência o aumento da população e a demanda por serviços básicos e de infraestrutura, onde exige a presença do governo.
  • Young (1998), analisando os mecanismos que causaram o desmatamento na Amazônia Legal, nas décadas de 1970 e 1980, verificou uma relação positiva entre a variação da área agrícola e a variação no tempo dos preços agrícolas, da construção de rodovias, do preço da terra e dos créditos. Registrou, porém, uma relação negativa com o salário rural. Para Margulis (2001), os maiores preços agrícolas estimulam a busca por terras e, em consequência, o desmatamento.
Ferraz (2000) buscou analisar as causas da expansão agrícola e da pecuária entre 1980 e 1995 através de modelo de regressão múltipla, relacionando as variáveis dependentes (conversão de floresta em área agrícola e conversão de floresta em pecuária) com as variáveis explicativas de extensão de rodovias pavimentadas e não pavimentadas, crédito agrícola, preço de insumos, preço da produção. O autor argumenta que a expansão agrícola é determinada pelos aumentos de preço da terra, redução do salário rural, crédito rural e rodovias. 
  • Quanto à expansão da pecuária, os resultados do autor apontam para o crescimento da malha rodoviária como a causa principal. Segundo Margulis (2001), o preço da terra pode ter efeito dual, dependendo do seu uso, se para fins produtivos ou lucrativos. Portanto, menores preços da terra estimulam o desmatamento, quando usado para fins produtivos. Para o mesmo autor, o preço dos insumos pode também ter efeito dual no desmatamento, ou seja, um aumento deles causa uma diminuição da lucratividade da agricultura e, portanto, no desmatamento; por outro lado, força a substituição da produção intensiva pela extensiva, portanto mais desmatamento.
Para Margulis (2003), não seriam rodovias (ou estradas) por si mesmas que levariam ao desmatamento, mas sim a viabilidade financeira da pecuária. Os madeireiros e depois os pecuaristas as constroem se houver viabilidade. Segundo o autor, não há dúvida de que a redução dos custos de transportes propiciada pelos investimentos nos grandes eixos rodoviários tornou lucrativa a implantação de atividade agropecuária, que, anteriormente, era considerada inviável. Essa consideração sobre a importância da pecuária como motor do processo de desmatamento feita por Margulis é consistente com os números encontrados para a expansão e a participação dessa atividade no uso do solo na Amazônia.
  • É preciso também compreender o desmatamento como um processo que tem causas diretas associadas ao uso do solo, mas que também tem causas subjacentes ligadas ao ambiente institucional e às expectativas de rentabilidade dos investimentos dos agentes. Esse conjunto complexo de causas acaba por resultar em dinâmicas agregadas de larga escala que têm, muitas vezes, características comuns para toda a Amazônia Legal.

Estudo comprova que desmatamento da Amazônia afeta chuvas até na Argentina

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O desmatamento na Amazônia Legal

O desmatamento na Amazônia Legal chegou a 402 km² em setembro de 2014 – um aumento de 290% em relação ao mesmo mês do ano anterior, 
quando foram desmatados 103 km².

  • A questão do desmatamento florestal na Amazônia Legal e, em particular, o desmatamento florestal que vem ocorrendo na Amazônia paraense, isto é, no território do Estado do Pará, não pode ser compreendida sem uma discussão sobre essa região como uma nova fronteira importante para o desenvolvimento do capitalismo brasileiro. 
O desmatamento da floresta na fronteira econômica do Estado do Pará está intimamente ligado com o processo de ocupação e de expansão das atividades agropecuária, madeireira e de mineração, mas também com o avanço da agricultura de subsistência itinerante. Nesse contexto, a expansão da fronteira no Brasil é uma consequência da divisão regional do trabalho como decorrência do desenvolvimento capitalista brasileiro.
  • A incorporação de áreas antes inacessíveis ou relativamente despovoadas, como no caso da Amazônia, por atividades agropecuárias é o resultado do avanço da fronteira econômica. No caso da fronteira econômica do Pará, a expansão da atividade agropecuária contou, inicialmente, com o suporte das instituições e organizações regionais criadas pelo governo militar, com destaque para o aparato legislativo contido na chamada Operação Amazônia que deu origem a Amazônia Legal, a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e ao Banco da Amazônia S.A (BASA) como banco público federal responsável pela gestão financeira dos incentivos fiscais. Os incentivos fiscal-financeiros constituíram-se no instrumento mais importante da nova política de ocupação econômica usado pela SUDAM, sendo que a pecuária foi eleita como a principal atividade econômica responsável por ocupar as terras da fronteira do Estado do Pará. Como consequência disso, a política de incentivos fiscais tornou-se a maior fonte de financiamento estimuladora do desmatamento florestal para a formação de pastagens plantadas e criação de gado de corte em regime extensivo. Posteriormente, as críticas contra esse modelo de ocupação, com base na “pata do boi”, tiveram alguma repercussão tanto a nível nacional quanto internacional devido os seus efeitos nefastos provocados pelas queimadas das florestas. 
A política de incentivos fiscal-financeiros, que dava suporte ao financiamento dos projetos agropecuários aprovados pela SUDAM, passou a ser questionada pelos movimentos de defesa do meio ambiente preocupados com os impactos destrutivos dos recursos naturais e meio ambiente natural e social na Amazônia. O agravamento da crise fiscal do Estado brasileiro, durante a década de 1990, acabou levando as mudanças institucionais operadas na lei dos incentivos fiscais que redundou no fim dos incentivos fiscais setoriais e no redirecionamento da política de incentivos fiscais regionais, que daí em diante passou a ser chamada de renúncia fiscal.
  • Mesmo assim, o ritmo do desmatamento florestal na Amazônia paraense na década de 1990 e nos anos que se seguiram não declinou com era esperado pelo governo federal. De fato, o crescente aumento do desmatamento na Amazônia Legal, particularmente na Amazônia paraense, passou a preocupar as instituições governamentais e não governamentais como resultado da conscientização dos impactos negativos provocados pelas queimadas dos recursos naturais e da rica biodiversidade das florestas amazônicas. Por conta disso, o governo do ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso, extinguiu a SUDAM e sua política de incentivos fiscais, porém, ao contrário do esperado, o desmatamento florestal continuou aumentando na fronteira agropecuária do Pará.
A investigação do desmatamento florestal na fronteira paraense requer um tratamento sobre o papel das Instituições em uma fronteira onde a penetração do grande capital ocorre num espaço de conflitos sociais como conseqüência da luta pela terra entre posseiros, grileiros e fazendeiros. Numa economia de fronteira, como no caso da Amazônia paraense, os processos econômicos determinam a forma como os interesses privados se manifestam na busca da riqueza e do lucro. Os interesses privados, às vezes, podem ir de encontro aos interesses da sociedade quando os custos sociais para esta última são demasiadamente elevados. Os desmatamentos florestais à formação de pastagem chegaram ao ponto de chamar a atenção das instituições internacionais, em particular do Banco Mundial, pelas externalidades negativas decorrentes da destruição da biodiversidade. 
  • A escolha do tema por si só se justifica pela possibilidade desta tese contribuir na discussão sobre a dinâmica do desmatamento florestal na Amazônia. Como é reconhecido, o aumento do desmatamento da floresta amazônico nos últimos anos passou a ser um assunto recorrente da mídia nacional e internacional. A pressão não somente dos ambientalistas, mas também da sociedade organizada brasileira contra a destruição da floresta amazônica levou o governo federal a incorporar em sua agenda a questão do desmatamento florestal na Amazônia.
Em resposta a pressão internacional, o governo federal teve que instituir leis, regulamentos e órgãos para dar conta da questão do desmatamento florestal na Amazônia Legal. O governo federal procura enfrentar os problemas de ordem econômica, social ou ambiental por intermédio da criação de instituições regulatórias, pela ação normativa e até mesmo coercitiva executadas pelas instituições públicas que operam as políticas públicas. É exatamente a combinação das ações políticas e econômicas, operadas pelas instituições públicas, que permite a formulação e a execução de políticas públicas dirigidas com o propósito de equacionar os problemas ambientais da agenda governamental.
  • O objeto de estudo desta tese é a Amazônia paraense, ou seja, o correspondente territórial da unidade federada do Pará da República do Brasil. O Estado do Pará possui uma área de 1.247.565 km², ou seja, o equivalente a 14,6% do território brasileiro; e uma população de 7.065.573 habitantes (hab.). Esses dados revelam a importância dessa imensa fronteira agropecuária, que deve ser entendida como sendo um novo território econômico, palco de conflitos sociais que forçam o Estado à criação de instituições com vistas ao estabelecimento das “regras do jogo” necessárias à funcionalidade das instituições privadas. A fronteira é o lócus do descumprimento das leis no âmbito de uma sociedade democrática, isto é, é o lugar onde o aparato normativo e coercitivo do Estado encontra-se ausente ou quando existe estar a serviço do poder da oligarquia agrária.
A tese que se pretende defender aqui é a de que é a expansão da fronteira agropecuária, em particular do avanço da fronteira da pecuária bovina de corte, nas últimas quatro décadas tem sido a principal responsável pelo longo processo histórico de desmatamento e queimada das florestas na Amazônia paraense. Neste sentido, o avanço da fronteira agropecuária trás consigo os reais fatores determinantes do desmatamento, tais como: incentivos fiscais, construção de estradas, deformação da ordem agrária, desempenho da economia, alta dos preços das terras, crédito rural, valorização do rebanho bovino, Instituições, além do aumento da pressão da população de migrantes por terra. 
  • Por isso, o objetivo do tema da presente tese é investigar as causas do desmatamento florestal, como sendo o resultado da expansão da fronteira agropecuária na Amazônia paraense. É evidente que a busca pela identificação e análise das causas primárias do desmatamento florestal no Pará passa necessariamente pelo entendimento do significado teórico de fronteira, enquanto um processo de expansão do mercado doméstico de uma sociedade possuidora de um imenso território ainda não suficientemente ocupado do ponto de vista econômico.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgo a taxa de desmatamento na Amazônia Legal no período de agosto de 2012 a julho de 2013. (2015)

  • A política de ocupação, levada a cabo pelo governo militar, transformou a Amazônia Legal na maior fronteira de ocupação territorial do Brasil. A ocupação econômica reproduziu conflitos em decorrência do encontro conflituoso entre duas frentes de ocupação: a frente de expansão e a frente pioneira. No atual momento, essas duas frentes continuam avançando pelo interior (hinterland) da Amazônia, num cenário de destruição da floresta e de conflitos violentos que tem ocasionado diversos assassinatos de trabalhadores rurais em seu enfrentamento diário na luta pela terra contra o poder das grandes empresas latifundiárias.
Após o golpe de Estado, em 31 de março de 1964, levado a cabo pelos militares, com o apoio da grande burguesia, da oligarquia, da igreja, de parcela da classe média e do imperialismo norte-americano liderado pelas multinacionais e pelos órgãos de segurança do governo dos EUA, instala-se uma ditadura militar a serviço do capital monopolista. A partir daí, não só o aparelho de Estado, mas toda a vida econômica, social, política e cultural do Brasil passam ser amplamente dirigida pela política governamental de suporte a acumulação de capital. 
  • Tratava-se de aumentar o grau de exploração dos trabalhadores com a política do arrocho salarial e de ampla abertura ao capital monopolista estrangeiro. (Ianni, 1979, p. 15-20). A instauração do modelo econômico de capitalismo tardio, dependente e associado ao capital monopolista, exigiu mudanças de natureza institucional que logo vieram com as reformas institucionais, de meados dos anos de 1960, conduzidas pela imaginação reformista da burocracia civil que servia a ditadura militar.
A periodização adotada compreende dois grandes períodos: o primeiro que cobre o todo regime militar de 1967-1985; e o segundo que compreende o novo regime republicano que vai de 1986-2010. O critério adotado à periodização foi o de averiguar as ações do Estado na Amazônia em dois períodos: o primeiro que corresponde à criação da Amazônia Legal e das instituições governamentais promotoras do processo de ocupação e desenvolvimento da fronteira amazônica; e o segundo momento que envolve a criação das instituições ambientais governamentais de combate ao desmatamento e promoção do desenvolvimento sustentável.
  • As ações práticas do governo federal, tendo em vista o papel das instituições no caso do desmatamento florestal da Amazônia, são fatos que necessitam ser apresentados nesta tese buscando realizar uma “ponte” entre o referencial teórico, construído para explicar a expansão da fronteira agropecuária e a dinâmica do desmatamento florestal, a partir de uma perspectiva institucionalista, e os capítulos históricos, além da parte empírica, referente ao Capítulo IV. Neste último capítulo, buscou-se tomar os principais fatores causadores do desmatamento na fronteira amazônica do Pará. O esforço para estabelecer a ligação pretendida é feito na medida em que conceitos analíticos, desenvolvidos no capítulo teórico, são utilizados como suporte na explicação dos fatos históricos e na identificação dos fatores causais responsáveis pelo desmatamento florestal na região. 
Na construção desta tese, repassam-se os fatos históricos mais importantes, resultantes das ações dos governos da ditadura militar, associados direta ou indiretamente a fase pioneira da expansão da fronteira amazônica e, portanto, ao desmatamento da floresta na Amazônia paraense. No período da Nova República, procura-se investigar as ações práticas do governo federal com vistas à criação de novas instituições ordenadoras do processo de ocupação na Amazônia Legal, bem como as políticas públicas adotadas pelos governos que se sucederam, desde o governo Sarney até o governo Lula.
  • Os governos da Nova República acabaram criando um conjunto de instituições ambientais com a responsabilidade de definir um novo regime de governança capaz de proteger a floresta amazônica dos atos humanos que induziam o desmatamento e a destruição dos recursos naturais. Os impactos causados pelo modelo de desenvolvimento na Amazônia, desde a ditadura militar, sobre o meio social (populações locais) e ambiental (biodiversidade), são responsáveis diretos pelo aumento dos conflitos sociais e ambientais.
Para dar conta do processo que envolve a pesquisa sobre a ocupação econômica e demográfica na Amazônia paraense, bem como seus efeitos destruidores sobre a floresta, procurou-se organizar a estrutura da tese em quatro capítulos. O primeiro capítulo discute o significado de fronteira e das frentes pioneiras e de expansão agropecuária na Amazônia, além dos conceitos básicos da teoria institucionalista de forma a demarcar os regimes de propriedade e ambientais que estão associados ao desmatamento florestal. O problema do desmatamento na região amazônica é aqui analisado como uma questão social e ambiental, e não apenas como o resultado da derrubada e queimada das florestas. O segundo capítulo envolve a investigação do papel das instituições criadas no período de ditadura militar que serviram de suporte ao processo de ocupação da fronteira amazônica pelo avanço do setor agropecuário, demonstrando as consequências dessa política ocupação de terras na fronteira do Estado do Pará em termos de desmatamento florestal e de violência social no campo. 
  • No terceiro capítulo, procura-se investigar as mudanças institucionais ocorridas no processo de redemocratização e as ações do governo Sarney para minimizar os conflitos da luta pela terra e as consequências da aplicação de uma política pública de gestão ambiental com o propósito de redução da taxa de desmatamento como consequência dos incentivos fiscais. Também são discutidos os efeitos da suspensão da política de incentivos fiscais sobre o desmatamento da floresta amazônica durante os governos de Collor-Itamar. Na sequência, discutem-se os efeitos da extinção da SUDAM durante o governo FHC sobre o desmatamento florestal, bem como os mecanismos de governança usados pelo governo para conter o desmatamento florestal amazônico. Por fim, são debatidas as ações de política ambiental do governo Lula e as práticas de combate ao desmatamento florestal num contexto da globalização com a Amazônia se tornando uma nova fronteira de commodities.
O quarto capítulo trata das evidências empíricas centradas na econometria espacial, ou seja, procura identificar e analisar os impactos quantitativos dos fatores causais determinantes da taxa de desmatamento florestal paraense, com o propósito de discutir teoricamente e testar empiricamente os principais fatores determinantes do desmatamento florestal, inclusive das instituições, fazendo uso dos métodos de análise espacial e auxílio direto do instrumental estatístico-matemático da econometria espacial.
Desmatamento e queimadas em áreas protegidas no norte do 
Mato Grosso e sul do Pará

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

A Real Fábrica de Ferro

Operário trabalha em uma fábrica de ferro e aço na província de Anhui, na China

  • A multiplicidade de trabalhos sobre a Fábrica de Ipanema trouxe variadas interpretações à discussão. Em geral os trabalhos tratam aspectos econômicos, institucionais e técnico-científicos. Estes últimos enfatizam aspectos geológicos e mineralógicos. 
Nos trabalhos do século XIX preponderam tópicos que remetem aos primeiros momentos do fabrico do ferro no século XVI e aqueles considerados “fundadores” da história da Real Fábrica de Ferro e os mais recentes, dos séculos XX e XXI, enveredam por perspectivas da História Social, Econômica e da Arqueologia Histórica.
  • Pedro Taques de Almeida Paes Leme (1714 - 1777), escreveu vários compêndios sobre a história paulista e paulistana – Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica; História da Capitania de São Vicente – e especificamente sobre a exploração e a legislação mineira: Notícia das Minas de São Paulo e dos Sertões da mesma Capitania. Nesta obra, segundo Zequini (2006, p.20), Taques afirma que os descobridores do ferro em Araçoiaba teriam sido Afonso Sardinha e seu filho de mesmo nome.
Transcrevendo trechos das Notícias Genealógicas, Vergueiro (1979; p. 6) cita passagem em que Pedro Taques informa terem os Sardinha iniciado uma Fábrica de ferro de dois engenhos em Biraçoiaba, sendo um deles doado ao Governador da Capitania de São Paulo, D. Francisco de Sousa em 1600.Para Zequini (2006, p.20) a obra de Taques buscava positivar a 
“[…] participação dos bandeirantes na história de São Paulo e, ao mesmo tempo, contrapor todas as narrativas que haviam sido escritas nos séculos anteriores […]”. Assim a afirmação de Taques sobre os Sardinha os introduziu e consolidou como descobridores e fabricantes de ferro no Araçoiaba.
A opção de Taques tornou-se quase que inquestionável com a perda ou extravio dos documentos por ele pesquisados. Arquivos e documentos, como testamentos e inventários desapareceram; assim como os documentos do Cartório da Provedoria da Real Fazenda, levados em enchente de 1929 do Tamanduateí. Soma-se a isso a incompletude dos livros de Atas de Registro Geral da Câmara Municipal de São Paulo (RODRIGUES, 1966, p. 171).
  • A criação da Real Fábrica em 1810 gerou estudos históricos que trataram do empreendimento durante o século XIX, relatos de atividades gerais até trabalhos científicos sobre os tipos de rochas e minerais.
Em 1820, José Bonifácio, com olhar de cientista e burocrata do Reino, descreveu sua estadia em Ipanema na Memória Econômica e Metalúrgica sobre a Fabrica de Ferro de Ypanema – Sorocaba – 1820. 
  • O trabalho é rico em detalhes: descreveu suas opiniões sobre as gestões de Hedberg e Varnhagen, enveredou pela parte técnica, descreveu erros de concepção, construção e manejo dos fornos de ambos os diretores. Sugeriu mudanças nos componentes usados na fundição. Discorreu, ainda, sobre o combustível dos fornos (carvão vegetal) pormenorizando as madeiras usadas no fabrico de ferro. Por fim, teceu críticas ao modo como as demarcações da área da Fábrica foram feitas e os prejuízos causados aos agricultores expulsos da região.
Português de nascimento, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, Senador Vergueiro, publicou em Portugal em 1822 sua Memória Histórica sobre a Fundação da Fábrica de Ferro de S. João do Ipanema. Na introdução, asseverou a importância do ferro para o futuro dos estabelecimentos fabris no Brasil e em especial, da Fábrica de Ipanema e de sua história, por ser:
 “[...] a fundação do que deve fornecer instrumentos a todos [...].” Na sequência, descreveu a geografia da “Província” de São Paulo e a geologia local, valendo-se de dados fornecidos por Varnhagen. (VERGUEIRO, 1979, p.1-5)
A Memória de Vergueiro (1979, p.8) é, grosso modo, um “panfleto” contra a administração de Hedberg, que é chamada de “desgraçado período”. Hábil, Vergueiro tece críticas a Hedberg e à equipe sueca, poupando D. Rodrigo de Sousa Coutinho, então ministro português responsável pela contratação dos artífices suecos. Hedberg é mostrado como teimoso, incapaz e contrário a qualquer sugestão em seus trabalhos. A administração de Varnhagen por sua vez é o momento em que “[...] a ordem principia a aparecer.” (VERGUEIRO, 1979, p.32)
  • Em 1885 foi publicada em segunda edição nos Annaes da Escola de Minas de Ouro Preto a Memória sobre a Fábrica e Ferro de São João de Ipanema. Escrita pelo engenheiro Leandro Dupré, o trabalho apresentou um curto histórico das tentativas de produção de ferro no Araçoiaba desde Afonso Sardinha no século XVI e tentativas subsequentes, para deter-se na Real Fábrica de Ferro de 1810, resumindo cada fase vivida pela Fábrica e seu respectivo diretor até 1878 quando passa a pertencer ao Ministério da Agricultura. 
Descreveu a geologia do Morro de Araçoiaba e análises do minério de ferro feitas na Europa, bem como o modo de preparo do minério. Mostrou detalhadamente a feitura do carvão usado como combustível e de como as reservas mais próximas foram desbastadas. Tratou da força hidráulica fornecida pelo açude e enumerou as modificações feitas nos altos fornos de Varnhagen (1818), comentando os defeitos que motivaram tais alterações. 
Daquilo que viu na Fábrica descreve o processo de fundição, a maneira como é “montada” a carga do forno o uso e qualidade do fundente assim como, a oficina de fundição e o novo alto forno que ainda não estava em operação. No século XX publicam-se trabalhos inseridos na História Econômica, Política e Técnica amparados em amplas pesquisas documentais. Em 1904, João Pandiá Calógeras escreveu e publicou em 1905 na Revista do Instituto Histórico e Geográfico (RIHGSP) de São Paulo,
  • Ensaio de História Industrial intitulado O Ferro. O trabalho faz um levantamento histórico sobre a produção do ferro em terras paulistas, valendo-se de escritos dos jesuítas que estiveram em São Paulo nos anos 1500. Procura entender onde e como Afonso Sardinha adquiriu conhecimentos técnicos, citando Pedro Taques e posteriormente o Senador Vergueiro. Traça um paralelo entre as instalações de Biraçoyaba, as primeiras a produzir ferro (sic) e as dos engenho de Santo Amaro cuja “[...] nova instalação devia ser uma cópia da de Biraçoyaba [...]”. (CALÓGERAS, 1905, p. 34)
Comenta as tentativas feitas durante o governo do Morgado de Mateus, Luiz Antonio de Souza e a cessão em 1765 de uma Carta Régia a Domingos Pereira Ferreira de minerar “[...] ferro, chumbo e estanho (…) ficando isento dos direitos senhoriaes (sic) dos quintos por cinco anos [...]”. (CALÓGERAS, 1905, p. 42).
  • Sobre Ipanema descreve as supostas manipulações ocorridas na Suécia para a vinda da equipe comandada por Hedberg que é descrito como incompetente e perdulário e que o arranjo para sua vinda à colônia era apenas para sanar dívidas contraídas na Suécia. A equipe sueca é segundo o autor composta de pseudo mineiros. Descreveu a formação da Companhia composta de cabedais públicos e de ações compradas por particulares. Relatou os atritos de Hedberg com a Junta administrativa e os problemas que levaram à dispensa dos suecos por Carta Régia em 1814.
A administração Varnhagen é tida como a retomada da ordem que resultou na construção de dois altos-fornos e na primeira corrida de ferro de modo industrial, fundindo três cruzes. O autor contesta o bairrismo de alguns que alegam ter sido em Minas Gerais a primeira corrida de ferro, questionando os resultados obtidos pelo Intendente Câmara.
  • Mário Neme, em 1956, publicou em O Estado de São Paulo o artigo Notas aos Apontamentos de Azevedo Marques; Dados Para a História das Minas de Ipanema. O artigo conta sobre a tentativa do Capitão-Mór de Itanhaém Luis Lopes de Carvalho de estabelecer, em 1684 engenho de ferro em Biraçoiaba (sic) e sua luta para conseguir escravos índios para o trabalho. Relata experimentos e ensaios realizados até cerca de 1690. Sem cabedais, vai até o Rio de Janeiro onde pretende convencer a Coroa a investir nas minas de ferro nomeando-o superientende do estabelecimento, o que não ocorreu.
Fraga (1968) situa sua pesquisa no período que vai de 1790 a 1822, analisando as tentativas anteriores de fazer ferro em Ipanema assim como as medidas tomadas pelo poder metropolitano no período de 1790 a 1800. Descreve as peculiaridades da Capitania paulista no século XIX no período que antecede a criação da Fábrica de Ipanema. Finalmente, levanta considerações sobre as administrações de Hedberg e Varnhagen à frente da Fábrica e suas opiniões técnicas divergentes sobre a melhor maneira de forjar ferro de Ipanema.
  • Principal historiador memorialista de Sorocaba, Aluísio de Almeida é pseudônimo do frei Luís Castanho. Seus livros e artigos publicados na imprensa sorocabana e órgãos de circulação mais ampla são as principais referências para uma história “oficial” de Sorocaba e região. Na história de Sorocaba, de 1969, e Sorocaba: 3 séculos de História de 2002, 
Aluísio traça uma história linear na qual enfatiza os nomes e sobrenomes de famílias ricas e importantes, além das atividades eclesiais católicas de inúmeras paróquias. Importantes, porém, são seus escritos sobre o bandeirismo sorocabano. O Tropeirismo que tinha como seu principal evento, as feiras de animais que ocorriam em Sorocaba, onde gado muar e vacum era negociado. As feiras se estenderam de fins do século XVIII até as primeiras décadas do século XIX e alimentaram certa idéia de sorocabano destemido e avesso à monotonia agrícola.
  • Os trabalhos do memorialista são de longe a principal fonte da história de Sorocaba. Infelizmente, não são citados os originais que utilizou. Por essa razão seus trabalhos podem ser vistos como documentos históricos, frutos de um determinado contexto de construção, primeiro do paulista, e este por sua vez particularizado no sorocabano.
O historiador carrega nas tintas para idealizar o sorocabano como um antigo bandeirante cheio de espírito empreendedor e aventureiro, ligado às novidades, o que explicaria o surto industrial de fins do século XIX e início do XX. Baddinni (2002) mostra o objetivo de Aluísio de Almeida em construir a imagem do sorocabano como indivíduo predestinado ao progresso: “A industrialização (para Aluísio) é entendida, não só como conseqüência do enriquecimento urbano permitido pela feira (de muares), mas principalmente pelo caráter empreendedor do sorocabano.” (BADDINI, 2002, p.19)·.
  • A história sobre a Fábrica de Ipanema também acha-se carregada com a mesma imagem progressista do sorocabano. Em 1949, publicou em O Estado de São Paulo o artigo Real Fabrica de Ferro de S. João de Ipanema, 1800-1811. Neste reconheceu Martim Francisco e Frederico Varnhagen como fundadores de Ipanema. A Memória de 1803 de Martim Francisco foi decisiva para definir o local da Fábrica. Almeida mostrou Varnhagen como fundador “de fato” da Fábrica, condicionando: “[...] se considerarmos a instituição antes da realização técnica [...]”.(ALMEIDA,1949, p.06) 
O artigo explicou, ainda, a formação acionária da Fábrica e citou trechos da Carta Régia de 14 de dezembro de 1810 que fundou o estabelecimento. Finalmente, descreveu as tentativas da Corôa em atrair, sem sucesso, acionistas paulistas para investir na Real Fábrica.
  • Em A Primeira Fundição de Ferro em Ipanema, publicado no Suplemento Agrícola de O Estado de São Paulo de 19 de agosto de 1964, Almeida considerou que a maior realização do período de Hedberg foi o engenho de serrar. Assinalou o trabalho em conjunto de Varnhagen e Hultegren. Remanescente da companhia sueca, especialista em rodas d'água e eixos de madeira, foi importante na construção dos altos-fornos, bem como nas corridas de ferro. 
Examinou, ainda, as necessidades técnicas da Fábrica e citou as equipes de prussianos e franceses que vieram para Ipanema entre 1820 e 22 sob direção de Varnhagen. Expôs os feitos pós Varnhagen, em que as instalações de Ipanema ficaram sob a direção de Jose Rufino Felizardo (1822-1824), e a partir de 1824, do escrivão da Fábrica, Capitão Ferreira. Em sua parte final o artigo tratou das atividades do técnico sueco Lourenço Hultgren na Província de São Paulo.
  • Além dos trabalhos publicados em jornais, Aluísio publicou na Revista do Instituto histórico e Geográfico de São Paulo e na Revista de História. Na RIHGSP, Aluísio publicou em 1939 Achegas à História de Sorocaba em que descreveu os primeiros povoadores de Sorocaba, nomeando as principais famílias e a evolução demográfica. Incluiu o ponto de vista sorocabano sobre a Dom João VI, a Independência, a escravidão africana e as feiras de muares. Almeida deu um salto histórico e passou a tratar da Guerra do Paraguai, do papel da Fábrica para produzir “[...] canhões, munições e arma branca […]” sob a direção do Coronel Mursa (1865-1890). (ALMEIDA, 1939, p.152) Há uma descrição dos aspectos administrativos e funcionais da Fábrica, como os estoques de lenha para combustível; os transportes e funcionamento dos fornos e de oficinas. (ALMEIDA, 1939, p.152-164)
O trabalho de Felicíssimo Jr, História da Siderurgia de São Paulo, seus personagens, seus feitos, 1969, publicado no Boletim nº 49 do Instituto Geográfico e Geológico de São Paulo, fez observações técnicas fundamentais. As opções de Hedberg e Varnhagem foram apresentadas e criticadas com o auxílio de plantas dos respectivos engenhos, além de informações sobre a geologia do local. Na sua avaliação técnica, os fornos de Hedberg eram viáveis para a Fábrica.
  • Em 1983, Francisco Gomes publicou a História da Siderurgia Brasileira. Percorrendo amplo período, o livro investiga a história do uso do ferro desde a colônia, passando pelo Império adentrando a República e discorrendo sobre aspectos econômicos e técnicos do uso do carvão vegetal. Sobre períodos mais próximos de nossa época enfatiza a siderurgia do Estado Novo até a época da publicação.
No livro há um capítulo dedicado à Fábrica de Ipanema e à Fábrica do Morro do Pilar, intitulado, As Tentativas Do Tempo de D. João VI em que narra eventos que se passaram no período de Hedberg e Varnhagen em Ipanema; trabalhos do Intendente Câmara na Fábrica do Morro do Pilar e a Fábrica de Ferro de Monlevade. Dedica um capítulo ao que ocorreu em Ipanema na segunda metade do século XIX quando era a “[...] única Fábrica de ferro que subsistiu de modo contínuo fora da Província de Minas Gerais [...]” (GOMES, 1983, p.106). De maneira geral, Gomes narra a história de Ipanema do ponto de vista já consagrado em textos do Senador Vergueiro, Eschwege e sua correspondência com Varnhagem, do Visconde de Porto Seguro, o historiador Francisco Adolfo de Varnhagem e Felicíssimo Jr.
  • Menon (1992) investiga a estrutura sócio-econômica que se constituiu com a instalação dos fornos de Ipanema. A presença de técnicos especializados europeus trabalhando junto com escravos e brancos livres no Brasil colonial. Enfatiza que era um ambiente distante da ideia de trabalho livre e assalariado. O autor critica a história “oficial” de Ipanema, que infla grandes nomes sem referir-se aos escravos africanos e índios. Seu trabalho proporciona um amplo e vivaz panorama do singular universo social surgido com a Fábrica.
A Institucionalização da Metalurgia no Brasil: da escola à Práxis, 1992, de Ana Maria Alfonso-Goldfarb e Márcia Helena Mendes Ferraz procura compreender os problemas da institucionalização da ciência e o ensino das ciências mineralógicas e metalúrgicas no Brasil. O trabalho inclui a criação da Escola de Minas de Ouro Preto na década de 1870.
  • Araçoiaba e Ipanema, a história daquela maravilhosa região, desde as forjas de Sardinha até a Real Fábrica de Ferro, é o trabalho de José Monteiro Salazar, 1998. O trabalho traça uma história linear de Ipanema desde os Sardinhas até tempos mais recentes, quando da utilização da área pelo Ministério da Agricultura. Liga fatos de modo anacrônico em uma perspectiva que tenta mostrar a vocação natural do Morro para inovações tecnológicas. Ao autor pode-se creditar a descoberta das ruínas dos fornos de Afonso Sardinha.
Neto (2006) examina relações da escravidão e indústria no Brasil do século XIX, Escravidão e Indústria: Um Estudo Sobre a Fábrica de Ferro São João de Ipanema – Sorocaba (SP) – 1765 – 1895. A tese procura interpretar relações de trabalho escravo e indústria, vistas como incompatíveis por acreditar-se que os escravos não teriam competência técnica e não se acostumariam ao ritmo industrial. Há crítica ao olhar mecanicista que correlaciona linearmente indústria e rejeição da escravidão, tais polos seriam incompatíveis e a indústria seria barreira institucional à escravidão. O debate faz, ainda, comparações entre Estados Unidos e Brasil com relação à escravidão e indústria.
  • Aspecto interessante do trabalho é o que considera a Real Fabrica de Ferro de Ipanema como exemplo de organização pré-industrial. Uma “Fábrica” na qual inexistem fronteiras nítidas entre atividades industriais e rurais; às práticas agrícolas e extrativas. No caso de Ipanema, essas práticas seriam o fornecimento de alimentos aos trabalhadores, a derrubada das matas e a feitura do carvão combustível.
As características dos trabalhadores da Fábrica de Ferro merecem ser examinadas com maior cautela. Para trabalhar nos fornos de Ipanema a Coroa portuguesa valeu-se da mão de obra que poderia obter da maneira mais fácil. Ou seja: escravos negros africanos e índios pacificados. A estes vieram juntar-se brancos europeus com conhecimentos técnicos, especialistas nas artes siderúrgicas e brasileiros que exerceram funções administrativas.
  • Desde o momento no qual a Fábrica era meramente uma possibilidade para o governo português, os braços para o trabalho já faziam parte das preocupações. Em janeiro de 1803, Martim Francisco, na condição de Diretor Geral das Minas de Ouro, Prata e Ferro da Capitania de São Paulo, visitou Ipanema para avaliar o potencial das minas e as condições para a existência da futura Fábrica. Dessa viagem resultou uma Memória em que narra o que vira e propunha algumas ideias.
Com relação aos braços que tocariam a Fábrica, Martim, primeiramente, incentivava o uso de presos por vadiação ou condenados a morte existentes na povoação de Sorocaba que à época contava com população de 9.712 moradores e por “[...] haver quantidade de homens dados a vadiação e ociozidade;[...]”. 

A Fábrica de Ferro de Sorocaba, mais tarde denominada São João de Ipanema, foi criada pela carta régia de 4 de dezembro de 1810,

“[...] Será mesmo proveitozo condenar ao trabalho das minas os homens e grandes Crimes, Sentenciados pela Ley á penna ultima, os quaes morrendo nas Cadêas, como he ordinário, tornaõ-se pezados ao publico, e nullos a Sociedade[...]”. (DI 95, 1990, p.79). 
Mas eram as fontes mais tradicionais de trabalho que o Intendente preconiza para garantir o fornecimento de braços para a futura Fábrica de ferro:
“Os homens empregados no Serviço desta Ferraria podem Ser, ou escravos de S.A.R; bem q. estes tenhaõ diminuído com as muitas vendas; ou Indios, q. podem tirar se das aldeias de Embaú, Baruiri, Tapissirica, Pinheiros, Carapocuuba, S. Miguel,; N. Sra da Escada [...]”. (DI 95, 1990, p.79)2
O uso de escravos índios resultaria em outros benefícios. Retirar esses índios de suas tribos e reuni-los em Ipanema seria uma estratégia para dissuadi-los de revoltar-se contra os portugueses, controlando aquilo que Martim chama de “[...] antigo Ódio [...]”. Esta transferência e ajuntamento de tribos distintas em um mesmo local traria, ainda, a vantagem de que “[...] por esta mistura, confundem-se Suas Opinioens com as nossas, tornaõ-se nossos amigos, e irmãos (sic) [...]”3 (DI 95, 1990, p.79). O problema era que os índios tinham práticas culturais diferentes daquelas que orientavam a produção em uma Fábrica, não se encaixando em ordenamentos fabris, vivendo de acordo com suas necessidades.
“O ritmo de trabalho (dos índios) e de produção era ditado pelas suas necessidades de subsistência. Desta forma obtinham um tempo maior para se dedicarem a outras atividades tais como o lazer, celebrações e outras atividades de cunho não econômico.” (MENON, 1992, p.86)
Apesar disso, em 1815 a Fábrica de Ipanema contava com dezesseis índios entre seus trabalhadores. A saída para trazer mais índios remete à sugestão de Martim Francisco ainda no início do século: buscar índios nas aldeias próximas a São Paulo; Itapecerica, M´Boy, Carapicuíba e Barueri, obrigando os chefes a escolherem índios capazes de trabalhar em qualquer serviço. (MENON, 1992, p.86-87)
  • A relação dos dirigentes da Fábrica com a população escrava indígena era complicada. Quando acossados, os índios fugiam aproveitando-se do fato da Fábrica localizar-se em meio à mata. Fugiam indivíduos e às vezes grupos familiares inteiros. De modo geral, a escravidão do índio em Ipanema não obteve os resultados esperados pela direção. (MENON, 1992, p.89)
Mas a grande força de trabalho que vai impulsionar a Fábrica são os escravos africanos. Desde seus primeiros anos, Ipanema conta com negros. Na Carta Régia de 04 de dezembro de 1810, que cria o “Estabellecimento Montanístico”, fica estabelecido que a cota de participação da Coroa seria de “[...] cem Escravos e dos Bois necessários [...]”4. Almeida (1969, p.179) diz serem estes negros “[...] escravos da nação em número de oitenta (a criação deles era na fazenda Santa Cruz junto ao Rio de Janeiro) e avaliados a 100$000 cada um.” 
  • José Bonifácio, em visita a Ipanema em 1820, afirmou em sua Memória Econômica e Metalúrgica sobre a Fábrica de Ferro de Ipanema -Sorocaba 1820: “Aos membros influentes desta Fábrica se deve a introdução da escravatura que montava a mais de 80 cabeças tiradas das diversas fazendas da Corôa [...]”. Os escravos, chegados do Rio de Janeiro, foram substituídos por outros, o mesmo autor considera “[...] a vergonhosa troca em São Paulo dos bons escravos pelos máos de alguns particulares, abusos esses que redundarão em grave prejuízo ao Estado [...]”. (SILVA, 1820, p.206)
Na época da administração de Hedberg (1811-1815), os trabalhadores negros não realizavam trabalhos técnicos nos fornos. Suas atividades limitavam-se “[...] as carvoarias, a serraria, a olaria, a manutenção, o transporte de matérias primas, nas quais eram empregados de 80 a 90 trabalhadores sob a supervisão de 3 feitores.” (MENON, 1992, p.69)
  • O Aviso Régio de 17 de Julho de 1810, contradiz Menon (1992) ao informar que além dos cem escravos da nação, a Corôa ainda entrava na sociedade com “[...] doze Escravos pedreiros, dez Escravos carpinteiros, seis ferreiros [...]”. (VERGUEIRO; 1979; p.57). Durante todo o período de produção, o trabalho escravo africano foi de vital importância para a Fábrica.
A existência de um estabelecimento industrial em uma sociedade colonial resultava em contrastes. Se por um lado visava-se lucrar e agradar os acionistas, por outro, relações e costumes coloniais prevaleciam. A força das práticas culturais podia ser medida pela presença da Igreja no Estado e na vida cotidiana. As obrigações religiosas chocavam-se com a realidade dos negócios. Neto (2006) mostra a indignação e perplexidade dos diretores da Fábrica quanto a obrigatoriedade dos escravos participarem de cerimônias religiosas:
“Na realidade, em alguns momentos, a estrita observância por parte do serviço religioso parecia causar mal-estar aos administradores, especialmente em relação aos escravos, pois muitas vezes, o trabalho não poderia ser interrompido para que os operários cumprissem suas obrigações com a fé católica.” (NETO; 2006; p.123)
As críticas às obrigações religiosas relevam o valor de certos escravos negros para o funcionamento da Fábrica, devendo estes estarem diretamente ligados ao processo de obtenção do ferro. Aqueles que trabalhavam nos fornos não podiam parar para os cultos durante uma corrida pois prejudicariam a produção. Uma vez iniciada a corrida, um forno produzia durante muito tempo sem parar. Neto (2006) levanta alguns indícios de que na década de 1820 os escravos africanos que exerciam “[...] funções que requeriam conhecimentos técnicos era algo comum em Ipanema [...]”. (NETO, 2006, p.123)
  • Os escravos negros de Ipanema tiveram papel importante nas técnicas de fundição e trabalho nos fornos. No período posterior ao de Varnhagen (1822) havia “[...] 4 escravos operando no refino, 8 na ferraria, 2 conduzindo carvão, 2 na carpintaria, 6 quebrando toras, 2 no engenho de serra [...]”. (MENON, 1992, p.69)
A Fábrica tinha outras categorias de funcionários como o Cirurgião (médico) e o Capelão para rezar as missas, assim como um boticário para a farmácia. Eram pagos anualmente segundo contrato. Na administração direta atuavam em 1811, segundo Menon (1992, p.98) um tesoureiro, um guarda livros um secretário e um comprador. 
  • Outro grupo de trabalhadores que atuará em Ipanema virá da Europa, mais especificamente da Suécia “[…] uma Colônia de bons mineiros com um habil Director [...]”. Estes trabalhadores terão tratamento todo especial chegando a Coroa, na tentativa de seduzi-los a ficar no Brasil, a oferecer “[...] se elles assim o desejarem alguma data de terras, se isso puder servir de attractivo para os fixar no Paiz.” Os suecos exerceram atividades de mestres e oficiais ferreiros, eram refinadores, moldadores e laminadores. Estes eram pagos diariamente. 
Por constituírem-se em mão de obra especializada eram difíceis de serem substituídos. Seus conhecimentos técnicos eram estratégicos pois garantiam a produção final do ferro. (MENON, 1992, p.99) Com o fim da administração Hedberg, a maioria voltou para a Suécia, porém o Mestre Lourenço Hultren (Hultegren) permaneceu na Fábrica. Na opinião de Saint Hilaire (1976, p.261) o sueco: “[...] possuía grande inteligência e preparo [...]”.
  • Os carvoeiros formaram uma importante categoria de trabalhadores da Fábrica. Combustível dos fornos, o carvão sempre foi um problema em Ipanema. Se no início a produção do carvão era essencialmente feita por escravos, estes foram gradativamente sendo substituídos por homens livres da região. Essa mudança pode ser creditada à queima das matas do entorno da Fábrica e a consequente necessidade de se buscar o combustível dos fornos em locais mais distantes, adentrando propriedades particulares. Em 1829, os carvoeiros trabalhavam sob contrato e estavam sujeitos à multas e prisão caso não entregassem a quantidade acordada. (MENON, 1992, p.99)
Reunindo esses elementos bibliográficos, podemos afirmar que em Ipanema formou-se um amálgama de trabalhadores inédito até então na colônia brasileira. Em um mesmo espaço, conviveram e interagiram pessoas de diferentes condições sociais e econômicas. Uns livres e assalariados, outros meros escravos, 'peças' a serem usadas até á exaustão e depois substituídas. Abordagem interdisciplinar de Anicleide Zequini (2006), 
  • Arqueologia de uma Fábrica de ferro: Morro de Araçoiaba, séculos XVI -XVIII, objetiva analisar do ponto de vista histórico os dados levantados por pesquisa arqueológica realizada no Morro de Araçoiaba de 1983 a 1989 pela arqueóloga Margarida Andreatta. Focado na descoberta dos fornos de Sardinha, discorre sobre as técnicas de metalurgia utilizadas no Araçoiaba desde fins do século XVI até o XVIII. 
A pesquisa traz informações importantes sobre a evolução técnica dos processos de obtenção de ferro, além de dialogar com variadas ciências como Botânica e Geologia. Historiador da ciência, Helton de Bernardi Pizzol, defendeu no Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência da PUC-SP a dissertação: A fabricação do ferro no começo do século XIX em Ipanema no período de Hedberg e Varnhagen, de 2009. O texto faz um apanhado dos primeiros momentos da Fábrica. O trabalho volta-se para a institucionalização da siderurgia no país e das técnicas utilizadas nas administrações Hedberg e Varnhagen.
  • Os trabalhos aqui analisados formam um apanhado das principais discussões sobre a Real Fábrica de Ferro. Embebidos do tempo em que foram escritos refazem, no conjunto, uma dada história dos eventos ocorridos em Ipanema. É com um outro olhar sobre esta história 'cristalizada' que a História Ambiental vem contribuir.
Assim, esta dissertação procura ao descrever a natureza da região do Morro de Aroçoiaba, compreender os conflitos entre os moradores e o projeto do Estado português de implantar uma siderúrgica. Os embates envolviam a disputa pelas terras férteis, nas quais existiam fauna diversificada, arvoredos ricos em espécies e o minério de ferro.
  • A presença do Estado afetou inúmeras famílias que sobreviviam de seus roçados e sítios nas fraldas do Araçoiaba. A pesquisa revela como estas pessoas foram retiradas para terras, estéreis; como trabalharam na produção do carvão e forneceram mão de obra para a fábrica. As proibições do corte das matas para agricultura e do uso da lenha para tarefas domésticas, práticas costumeiras, irão se chocar com os interesses industriais do Estado luso no início do século XIX.
Também pertinente à História Ambiental da Real Fábrica de Ferro de Ipanema foi o problema das técnicas siderúrgicas utilizadas em seus primeiros anos. Procuramos dimensionar os impactos que as tecnologias exerceram sobre os recursos naturais da região principalmente sobre os estoques de madeira. Tanto os fornos suecos como os altos fornos alemães consumiram enormes quantias de carvão vegetal impactando as reservas do morro.
  • Para entender a instalação da siderúrgica em Ipanema é preciso conhecer seu passado natural. O solo, as matas e o minério do Araçoiaba não são obras do acaso. Resultam de eventos muito antigos que na trajetória dos tempos acabaram fornecendo as condições para atividades humanas e sua história.

A produção nacional de aço bruto registrou queda de 4,3% em maio na comparação com o mesmo intervalo do ano passado, conforme balanço divulgado pelo Instituto Aço Brasil (IABr). No mês passado