quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Pecuária brasileira: na vertente da sustentabilidade

Pecuária brasileira: na vertente da sustentabilidade

Leandro Pineda 
Engenheiro Agrônomo - ESALQ - Posgraduando em Gestão Ambiental - ESALQ.
  • O termo da moda, o novo paradigma, a ordem do dia: sustentabilidade. A sociedade, as empresas, o mundo todo está voltado à procura do que simplesmente se pratica há décadas em muitas propriedades agrícolas no próprio Brasil. 
O paradigma em voga gera uma infinidade de discussões econômicas, políticas, ambientais e sociológicas. Mas afinal, o que é na verdade sustentabilidade? Uma das definições habituais é: o desenvolvimento capaz de suprir necessidades atuais da população, sem comprometer a capacidade de atender às necessidades das futuras gerações. Na verdade, esta definição não consegue caracterizar o conceito de sustentabilidade em todas as suas dimensões. 
  • Faz-se necessário uma visão holística em termos de gestão empresarial de valores econômicos, ambientais e sociais, que devem interagir para satisfazer o verdadeiro conceito de sustentabilidade. É inegável que a cultura deste conceito institucionalizou a preservação ambiental na agenda política internacional e mais ainda, fomentou estratégias reguladoras a nível mundial como o FMI e Banco Mundial (NOBRE & AMAZONAS, 2002). 
Porém, destrinchar este conceito implica uma perspectiva com uma clara visão econômica da teoria e do que deve ser a prática com consequências sobre o delineamento de políticas públicas futuras (VEIGA, 2006).
  • PEOPLE - PLANET- PROFIT. A humanidade passou as eras da caça, agricultura, indústria e informação, hoje vivemos a era do conceito. A sustentabilidade é o conceito do capital social, ambiental e econômico do empreendimento. 
Não se trata de atender às exigências da legislação trabalhista ou ambiental, mas incluir políticas de inclusão social e tomar posição na procura de uma sociedade mais justa. 
  • Não é simplesmente respeitar a lei, mas tomar atitudes proativas para ajudar a cumpri-la. Não se trata de atender às normas ambientais e sim programar medidas que mitiguem os impactos ambientais da atividade econômica. 
Não se trata de maximizar o lucro, trata-se do resultado econômico positivo de uma empresa levando em consideração o equilíbrio social e ambiental, mas há necessidade de entender que não existe como desenvolver uma comunidade sem o lucro. A sociedade e o meio ambiente devem interagir co m o meio econômico para maximizar a potencialidade da empresa: este sim é o conceito real da sustentabilidade.
  • Bourland (2007) estima que em 2025 a população mundial demandará 62% a mais de alimentos, que deverão vir de tecnologias que aumentem a produtividade por não existir terra suficiente para expandir a produção demandada. 
A FAO (divisão da Organização das Nações Unidas para questões relacionadas à Agricultura e Alimentação) estima que a oferta de carnes terá que ser elevada de 200 milhões de toneladas para 470 milhões de toneladas em 2050, e estima também que 72% da produção de carnes do mundo serão consumidos pelos países em desenvolvimento. 
  • O Brasil é a última fronteira agropecuária do mundo que reúne território, água e tecnologia com o imenso desafio de maximizar a produtividade com custos acessíveis a toda população mundial, sem esquecer de ter segurança alimentar, não comprometer o ecossistema, minimizando o impacto ambiental, gerando bem estar social, respeitando padrões de conforto animal e trazendo retorno econômico para a atividade. Nenhum outro segmento da sociedade brasileira tem um desafio comparável ao nosso.
A vantagem competitiva da pecuária brasileira dentro do conceito de desenvolvimento sustentável é única, pois o Brasil, entre os players mundiais, é também o único que consegue através de tecnologia o aumento de lotação (ua/ha) ter como consequência o incremento da taxa de desfrute. 
  • O grau de tecnificação da fazenda será uma das medidas da sustentabilidade, pois o aumento da taxa de desfrute decorrente do uso de tecnologias traz o incremento da eficiência do sistema de produção, significa que o animal fica menos tempo no pasto, utilizando menos recursos para sua criação, podendo até diminuir a área utilizada para a atividade. (PEREZ, 2009)
Este conceito se reflete sobre a definição de objetivos dos programas de melhoramento, que em última análise são responsáveis pelo fornecimento dos genótipos necessários para uma pecuária sustentável. Josahkian (2004) coloca na evolução conceitual dos programas de melhoramento a procura pela sustentabilidade. Até o final da década de 80 houve uma nítida tendência de procura por animais com alto desempenho em ganho de peso. 
  • Pouca preocupação podia ser verificada nos critérios de seleção para a composição de tecidos (ossos, músculos e gordura) no corpo dos animais visando produzir qualidade de carcaça, atendendo a um segmento da indústria, mas não ao consumidor final. Uma busca acentuada de peso final muito alto associada à elevação do porte dos animais, levou ao aumento do ciclo do abate do início dos anos 90, quando se reabriram as discussões quanto ao modelo de animal a ser selecionado. 
Uma visão também holística da seleção tornou-se compulsória frente à procura da pecuária de ciclo curto e do biótipo adaptado ao sistema de produção. Alinhou-se assim, o conceito de desenvolvimento sustentado com um animal em sintonia com o seu sistema de produção, quer dizer, menos exigente do ponto de vista energético. 
  • A compreensão de que animais são modelos biológicos muito mais complexos do que podem explicar somente altas taxas de crescimento e ganho em peso fizeram da seleção uma ciência mais difícil de ser entendida, mas seguramente menos frágil do ponto de vista de sustentabilidade da atividade ao longo do tempo. Selecionar ficou mais difícil, ou pelo menos mais complexo, do que no modelo de foco único e determinante que até então era o peso. 
A percepção inequívoca de que requeremos mais dos animais do que simplesmente crescer e ganhar peso modificou a forma e o conteúdo dos critérios de seleção, incentivando a utilização de mão de obra treinada, de introdução de conforto animal como fator de qualidade e produtividade, trazendo a integração do meio ambiente, caracterizando desta maneira um ciclo da pecuária seletiva voltada para o desenvolvimento sustentado. 
  • Nessa perspectiva, o grande desafio dos programas de melhoramento em bovinos de corte passa a ser a definição de qual o melhor genótipo para a conversão mais eficiente dos recursos naturais disponíveis em matéria prima para o frigorífico com segurança e qualidade perceptível para o consumidor final.
Uma importante barreira não tarifária para a pecuária brasileira será a emissão de gases de efeitos estufa (GEE) oriundos tanto da fermentação entérica dos bovinos, como da conversão de áreas de florestas em sistemas agropecuários. Informações banalizadas pela mídia contribuirão de mais em mais a acentuar falhas de comunicação existentes entre os diversos setores da cadeia produtiva colocando a carne bovina como a grande vilã do desenvolvimento sustentável. Inúmeras publicações falam sobre a quantidade de metano emitida pelos bovinos, colocando que a cadeia da carne é um perigo para o ambiente, protestando contra o consumo da carne alimento e utilizando os meios de comunicação como propaganda para grupos minoritários que protestam. Até algumas autoridades fazem coro, na maioria dos casos sem fundamentos técnicos, e passearam em Copenhague teorias construídas à luz de um obscurantismo medieval.
  • Dentre os vários GEE, a agricultura e a pecuária contribuem de forma significativa com a emissão de três deles: carbonônico (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O). A emissão desses gases é proveniente, principalmente, da fermentação entérica de ruminantes, do tratamento anaeróbico de resíduos de animais, do cultivo de arroz irrigado por inundação, de queimadas, do uso de fertilizantes nitrogenados (sintéticos ou orgânicos), da fixação biológica do nitrogênio e da adição ou depósito de dejetos animais no solo. O CH4 e N2O apresentam maior potencial de aquecimento global do que o CO2, em torno de 25 e 298 a mais, respectivamente. Por este motivo, para melhorar a compreensão dos impactos gerados pela emissão de GEE, estes gases são expressos em unidade de CO2 equivalente (CO2-eq).
A fermentação entérica em 2005 foi responsável por 12% de todas emissões de GEE do Brasil e 53% dos gases emitidos por sistemas agropecuários (Cerri et al, 2009). Já a produção de CH4 pela fermentação entérica representa 93% da produção total deste gás, sendo a pecuária de corte responsável por 82%. 

Pecuária brasileira: na vertente da sustentabilidade

  • É necessário admitir que a pecuária brasileira é um forte gerador de metano, com um rebanho de 185 milhões de cabeças, emitindo aproximadamente 250 milhões de toneladas CO2-eq, ou seja, 2,5% de todo GEE produzido mundialmente. Mas o valor definitivo destes dados precisa ainda de confirmações e de estudos mais aprofundados levando em consideração sistemas de produção e sazonalidade da pecuária brasileira.
Em 2008, dados publicados pela NOAA (2007) e utilizados pela FAO (2008) mostram que a concentração de metano na atmosfera, expressado em partes por bilhão, apresentava uma estabilização entre os anos 1996 e 2006, enquanto no mesmo período a população de ruminantes aumentava no mundo. 
  • Não se trata mais de evitar a discussão e sim, de colocar na luz de dados com comprovação irrefutável a verdadeira contribuição dos bovinos brasileiros ao efeito estufa e de traçar estratégias de manejo nutricional, uso de aditivos e a própria seleção de animais menos poluentes. Atualmente, a pesquisa brasileira está gerando conhecimentos para enfrentar o desafio (CERRI, BERNDT, MAIA, MONTEIRO, 2009).
Conforme o relatório de referência sobre as emissões de metano pela pecuária, realizado pela EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em 2006, e baseado na metodologia proposta pelo IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) in em BRASIL (2006), a escassez e indisponibilidade de dados necessários à caracterização das populações de gado (distribuição por categoria, pesos vivos, consumo e digestibilidade de alimentos, entre outros parâmetros) favoreceram a incerteza significativa na estimativa de emissões desse relatório. 
  • Ainda ressalta a necessidade de efetuar estimativas em um nível de maior detalhe, estratificando-se as categorias e subpopulações de animais de acordo com os sistemas de produção praticados nas diferentes regiões do país, a fim de relacionar informações zootécnicas com componentes socioeconômicos.
Técnicas de mitigação precisam ser implantadas, porém para se ter uma melhor percepção do volume liberado por produto deve-se buscar unidades mais reais como kg CO2-eq/kg de carne produzida ou kg CO2-eq/kg de equivalente de carcaça produzida que caracterizem as medidas a serem adotadas em cada sistema de produção. 
  • Nesse sentido, Monteiro (2009) desenvolveu um modelo que permite estimar a emissão de GEE pela pecuária de corte em 3 diferentes sistemas de produção: sistema representando a média brasileira (MB); sistema denominado intensivo a pasto (IP); e sistema intensivo a pasto incorporando a terminação em confinamento (IPC). Os resultados da simulação demonstraram que, apesar do sistema MB emitir menos gases por unidade de área, os sistemas intensificados IP e IPC reduziram 29 e 12%, respectivamente, as emissões de CO2-eq por kg de carne produzida.
Apesar do grande impacto da pecuária na emissão de metano, a principal atividade emissora de GEE é a conversão de áreas de florestas em sistemas agropecuários, representando 52% das emissões brasileiras (CERRI et al., 2009), sendo, em grande parte, atribuídas à pecuária de corte devido aos desmatamentos para a implantação de pastagens. Vale ressaltar que o foco deste artigo não é o desmatamento e sim discorrer sobre a importância dos sistemas de produção já implantados na redução das emissões de GEE.
  • Diversos estudos têm demonstrado o potencial das pastagens em acumular carbono (C) no solo através da matéria orgânica (MO). Isso pode ser exemplificado através do trabalho realizado por Pineda (2008), em que o acúmulo de C no solo sob pastagem foi igual ou superior àquele da vegetação nativa. 
Entretanto, a maioria dos estudos relacionados às emissões de GEE não considera este potencial significativo, sendo que o Brasil possui aproximadamente 173 milhões de hectares de terra sob pastagem, mesmo considerando as degradações existentes, uma parte delas bem manejadas tem um efeito positivo que tem sido desconsiderado.
  • O estabelecimento incorreto e o manejo inadequado das pastagens já formadas têm sido apontados como os principais fatores, de influência antrópica direta, que contribuiriam para tornar a pastagem mais suscetível à degradação (DIAS FILHO, 2007). 
Em recente estudo Maia et al. (2009) verificaram o efeito do manejo da pastagem no sequestro de carbono (C) pelo solo nos estados de Rondônia e Mato Grosso e concluíram que em pastagens manejadas com moderada pressão de pastejo, rotação de piquetes, controle de plantas daninhas, entre outros, apresentaram, em média, o acúmulo de 0,72 Mg de C/ha/ano. Já em pastagens consideradas degradadas, que tiveram superpastejo, baixo emprego de tecnologia e alta infestação de daninhas, houve emissão de 0,27 Mg de C/ha/ano.
  • Desta forma, a sustentabilidade da nossa pecuária depende de nós mesmos. Os critérios de seleção, nutrição e manejo podem modificar, dentro de certos limites, os fatores ambientais, produzindo um genótipo altamente adaptado a um ambiente específico, com o objetivo final de produzir carne de qualidade a um preço razoável, em um esforço honesto e contribuindo com a melhoria social, ambiental e econômica do país.
Finalmente, voltamos ao desafio inicial em que o pecuarista brasileiro tem uma meta que nenhum outro segmento da sociedade tem: produzir carne com segurança alimentar, a baixo custo e compatível com a exigência mundial de sustentabilidade. 
  • Podemos afirmar que temos caminhos a serem trilhados com inovações tecnológicas e conhecimentos sendo gerados e que temos respostas consistentes para atender à exigência de colocar a pecuária brasileira na vertente da sustentabilidade.
Referências Bibliográficas: 
  1. FAO, 2008 Food and Agriculture Organization United Nations. http://www-naweb.iaea.org/nafa/aph/stories/2008-atmospheric-methane.html, 2010-02-21
  2. BERNDT, A. Produção de metano em bovinos e sua contribuição para o aquecimento global in: WORSHOP PECUÁRIA SUSTENTÁVEL, 16, 2009, São Paulo, http://www.beefpoint.com.br/default.asp?actA=7&areaID=15&secaoID=326, 2009 
  3. BOURLANG, N., Revista Agroanalysis, v. 27, n. 03, Março, 2007 
  4. BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Relatórios de referência: emissões de metano pela pecuária. In: Primeiro inventário brasileiro de emissões antrópicas de gases de efeito estufa, Brasília: MCT, 2006, 77 p. 
  5. CERRI, C.C.; MAIA, S. M. F.; GALDOS, M. V.; CERRI, C. E. P.; FEIGL, B. J.; BERNOUX, M. Brazilian greenhouse gas emissions: the importance of agriculture and livestock. Scientia Agicola, Piracicaba, v. 66, p. 831-843, nov/dez, 2009. 
  6. DIAS FILHO, M. B. Degradação de pastagens: processos, causas e estratégias de recuperação. 2a ed. Belém: Embrapa Amazônia Oriental, 2007. 173 p. 
  7. JOSAHKIAN, L. A. Uma estética funcional. Revista ABCZ, Ed N°19, 2004. 
  8. MAIA, S. M. F.; OGLE, S. M.; CERRI, C. E. P.; CERRI, C. C. Effect of grassland management on soil carbon sequestration in Rondônia and Mato Grosso states, Brazil. Geoderma, n. 149 p. 84-91, 2009. 
  9. MONTEIRO, R., B.,N., C.; Desenvolvimento dum modelo para estimativas de produção de gases de efeito estufa em diferentes sistemas de produção de bovinos de corte. 2009. Universidade de São Paulo. Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”. Departamento de Ciência Animal e Pastagens. 75 p (Dissertação de Mestrado), 2009. 
  10. NAOO, 2007. National Oceanic and Atmospheric Administration. Department of Commerce. USA. http://www.oar.noaa.gov/spotlite/2006/spot_methane.html, 2010-02-21 
  11. NOBRE, M. & AMAZONAS, M. (orgs) Desenvolvimento sustentável. A institucionalização dum conceito. Brasília. Ed. Ibama, 2002. 
  12. PEREZ, J. R., in: Redução do impacto ambiental da pecuária bovina pelo aumento de produtividade. WORSHOP PECUÁRIA SUSTETÁVEL, 16, 2009, São Paulo, http://www.beefpoint.com.br/default.asp?actA=7&areaID=15&secaoID=326 ,2009 
  13. PINEDA L. G. Matéria orgânica do solo sob diferentes usos da terra em uma propriedade na região Oeste da Bahia. Universidade de São Paulo. Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”. Departamento de Ciências do Solo

Pecuária brasileira: na vertente da sustentabilidade

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Cenários de desmatamento para a Amazônia

Cenários de desmatamento para a Amazônia

Britaldo Silveira Soares-Filho 
Gustavo Coutinho Cerqueira
Eliane Voll
Centro de Sensoriamento Remoto 
Britaldo Silveira Soares-Filho 
Ricardo Alexandrino Garcia
Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Universidade Federal de Minas Gerais). @ – britaldo@csr.ufmg.br, cerca@csr.ufmg.br, voll@csr.ufmg.br e rica@cedeplar.ufmg.br 
Daniel Curtis Nepstad 
Paul Lefebvre
Peter Schlesinger 
David McGrath
The Woods Hole Research Center (EUA). @ – dnepstad@whrc.org,paul@whrc.org, pschles@whrc.org e dmcgrath@amazon.com.br 
Alice McDonald
Tropical Resources Institute. Yale School of Forestry &Environmental Studies (EUA); @ –lisa.curran@yale.edu e alice.mcdonald@yale.edu 
Claudia Azevedo Ramos
David McGrath
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Belém, Pará). www.ipam.org.br @ – c.azevedoramos@terra.com.br 
Daniel Curtis Nepstad 
David McGrath
Universidade Federal do Pará, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Campus do Guamá, Belém, Pará
Daniel Curtis Nepstad 
David McGrath
Causas do desmatamento na Amazônia
e suas implicações futuras:
  • Vastas mudanças estão em curso na Amazônia, como evidenciado pelo rápido avanço do desmatamento. Enquanto Achard et al. (2002) estimaram uma perda florestal de 150 mil km2 para toda América Latina entre 1990 e 1997, nesse mesmo período, somente para a Amazônia brasileira, o projeto 
Prodes (Inpe, 2004) mensurou cerca de 100 mil km2 de perda florestal. Dados desse projeto demonstram ainda que as taxas brutas de desmatamento, que atingiram 23 mil km2 ano-1 entre o biênio 2002-2003, vêm se acelerando através do último quinquênio em cerca de 13% ao ano.
  • As causas históricas e presentes do desmatamento na Amazônia são diversas e freqüentemente inter-relacionadas. Compreendem desde incentivos fiscais (Mahar, 1988; Schmink e Wood, 1992; Moran, 1993) e políticas de colonização no passado (Hecht, 1985; Hecht e Cockburn, 1990; Schmink e Wood, 1992; Andersen e Reis, 1997; Laurance, 1999), as quais desencadearam uma forte migração para Amazônia como válvula de escape para os problemas sociais de outras regiões (Skole et al., 1994); recorrentes conflitos fundiários motivados pela ausência de titularidade da terra e pela pressão da reforma agrária (Fearnside, 1985 e 2001; Soares-Filho et al., 2004); até o recente cenário macroeconômico (Margulis, 2002), envolvendo o avanço da exploração madeireira (Nepstad et al., 2001), da pecuária (Mertens et al., 2002; Kaimowitz et al., 2004) e o boom do agronegócio (Figura 1), notadamente a expansão das culturas de soja sobre áreas de pastagens (Alencar et al., 2004a). Investimentos em infra-estrutura, sobretudo a abertura de estradas e pavimentação (Nepstad et al., 2000; Carvalho et al., 2001; Laurance et al., 2001), completam esse quadro, posto que promovem a viabilidade econômica da agricultura e da exploração madeireira na Amazônia central, com conseqüente valorização de suas terras.


  • A previsão de asfaltamento de rodovias através da região (Nepstad et al., 2000) estimulará ainda mais a expansão da fronteira agrícola e da exploração madeireira, podendo acarretar uma colossal conversão de florestas em pastagens e áreas agrícolas, e, conseqüentemente, profunda perda do patrimônio genético de vários ecossistemas da Amazônia – ainda pouco conhecido –, e redução regional das chuvas (Silva Dias et al., 2002), com resultante aumento da flamabilidade de suas paisagens (Nepstad et al., 1999) e extensiva savanização (Nobre et al., 1996). 
Somam-se a isso as contribuições dessas mudanças para o aquecimento global, posto que o desmatamento representa hoje cerca de 75% das emissões de CO2 brasileiras (Houghton et al., 2000), e suas teleconexões climáticas – alterações no clima de outras regiões –, como a diminuição de chuvas no sudeste brasileiro (Fearnside, 2003) e o agravamento do período de estiagem no meio-oeste americano (Avissar & Werth, 2002).
  • Por conseguinte, essas grandes mudanças na cobertura florestal têm importantes implicações quanto à perda de biodiversidade e outros serviços ambientais, emissão de gases que contribuem para o efeito estufa e à prosperidade da sociedade da Amazônia a longo prazo. Nessa perspectiva, um importante desafio para a comunidade científica consiste em simular os efeitos da infra-estrutura de transporte nos padrões regionais de mudanças de uso e cobertura do solo. 
A avaliação dos impactos indiretos dessas mudanças é de particular interesse tanto para planejadores regionais como para cientistas que estudam as mudanças climáticas. O desenho de uma estratégia de conservação para a floresta amazônica dependerá do rápido avanço na nossa compreensão das conexões da floresta com seus ecossistemas nativos e vida silvestre, clima regional, em conjunto com a economia e bem-estar da sociedade local. 
  • O projeto "Cenários para a Amazônia" (www.amazonscenarios.org), de caráter inter-institucional, busca desenvolver um modelo integrado, baseado em um ambiente computacional, que simule a dinâmica de uso e cobertura do solo na Amazônia, seus impactos nos ecossistemas amazônicos e as complexas interações entre esses ecossistemas com os climas regional e global, e ciclos hidrológicos das principais baciais hidrográficas. 
Além de possibilitar o estudo das retro-alimentações entre esses sistemas, o modelo integrado é também concebido como um instrumento de avaliação do potencial de políticas públicas para a conservação da Amazônia.
  • Dentro do escopo do referido projeto, neste artigo é descrito um modelo de simulação espacial de desmatamento na bacia Amazônica, sensível a diferentes cenários de políticas públicas frente à expansão da infra-estrutura de transporte na região. À luz do modelo, são analisados os impactos de uma gama de cenários, variantes da tendência histórica, na fragmentação florestal das paisagens da Amazônia. 
Os mapas de mudanças da cobertura florestal produzidos pelo modelo em questão encontram-se disponíveis para estudos de avaliação de seus impactos ambientais indiretos, como emissão de carbono para atmosfera, redução de hábitats, perda de biodiversidade, alteração do ciclo hidrológico na bacia e mudanças nos climas regional e global (www.csr.ufmg.br/simamazonia).

Projetos de pavimentação de estradas na Amazônia:
  • A pavimentação e a construção de estradas consistem no principal determinante dos futuros padrões de desmatamento da bacia Amazônica. Atualmente, vários projetos de pavimentação estão sendo considerados pelo governo brasileiro: as obras de pavimentação de um trecho de cerca de 700 km da BR-163, da di-visa do Pará com o Mato Grosso ao porto de Itaituba, estão marcadas para serem iniciadas em breve. Grandes interesses econômicos estão por trás desse projeto que visa a conectar a região produtora de soja do Mato Grosso a portos de cala-do internacional do sistema fluvial do Amazonas. 
Outros projetos de pavimentação incluem a BR-230 (rodovia Transamazônica), BR-319 (rodovia Manaus-Porto Velho), BR-156 do Amapá a Guiana Francesa, BR-401 de Roraima a Guiana, assim como muitos outros trechos de importância secundária (Figura 2).
  • Além disso, projetos de integração continental contemplam a pavimentação de rodovias através dos Andes, ligando não só a Amazônia mas o restante do Brasil a portos no Pacífico, como Callao no Peru e Arica no Chile. Dentre esses projetos, prioridade foi dada ao asfaltamento do trecho da rodovia Transamericana entre Assis Brasil, no Acre, a Cuzco, no Peru, a qual já se encontra asfaltada daí para o Pacífico. 
Como alternativa, vislumbra-se também uma ligação entre Cruzeiro do Sul, no Acre, a Pucalpa, no Peru. Existe, igualmente, a possibilidade de se construir uma rodovia ligando Cárceres, no Mato Grosso, a Santa Cruz na Bolívia. Santa Cruz, localizada no interior da bacia Amazônica, é hoje um centro urbano em franca expansão, com importância econômica maior do que a sua capital La Paz, graças aos seus campos de gás natural. 
  • Essa rota, embora até então não priorizada, representa a conexão mais curta entre as regiões industriais e altamente povoadas do sudeste brasileiro aos portos do norte do Chile, atravessando ainda a região produtora de soja do Brasil central. Por fim, outros projetos de transporte fluvial, construção de barragens, hidrelétricas e gasodutos completam esse quadro de investimentos em infra-estrutura para a Amazônia (Nepstad et al., 2000; Carvalho et al., 2001; Laurance et al., 2001).
O modelo em questão focaliza o efeito da pavimentação de rodovias na futura trajetória do desmatamento, haja vista que a cadeia de efeitos de outros investimentos em infra-estrutura ainda é bastante indeterminada. Naturalmente, o impacto do asfaltamento de estradas nas mudanças de cobertura do solo, nos movimentos migratórios e no bem-estar das sociedades que vivem nessas regiões dependerá da efetividade de esforços em conservação e ordenamento territorial levados a cabo atualmente. 
  • À luz das tendências atuais, investimentos em integração regional, sobretudo através da pavimentação de rodovias, devem ocorrer sob o espectro de um entre dois cenários plausíveis: "o mesmo de sempre" (business-as-usual), no qual as forças de destruição continuam sem efetiva contraposição, e um cenário de "governança", no qual os vários segmentos da sociedade, em conjunto com o Estado, desempenham um importante papel em prol da utilização regulada dos recursos naturais e conseqüente conservação da integridade ambiental da bacia amazônica (Nepstad, et al., 2002; Soares-Filho et al., 2004). 
Portanto, a prevalência de um desses cenários determinará o alcance do desmatamento através da bacia, à medida que novas infra-estruturas são criadas e os mercados nacional e internacional crescem, trazendo consigo viabilidade econômica para a agricultura e a exploração madeireira nas terras centrais da Amazônia.
  • Com o intuito de incorporar a influência da pavimentação de rodovias na projeção de desmatamento, foi estabelecido um calendário especificando para as três próximas décadas as datas prováveis de término do asfaltamento de cada trecho viário previsto, tendo como base documentos oficiais e conversas com agentes públicos (Tabela 1). Essas novas estradas asfaltadas exercerão um efeito no desmatamento, não só aumentando as suas taxas regionais, mas também iniciando novas fronteiras de ocupação.


Desenho do modelo:
  • O ambiente de simulação desenvolvido incorpora dois modelos acoplados com distintas estruturas espaciais: 1) uma configuração em sub-regiões definida a partir de uma regionalização socioeconômica da Amazônia (Garciaet al., 2004) (Figura 3) e 2) um mapa raster (estrutura matricial) composto por 3144 x 4238 células a 1 km2 de resolução. 
Um modelo integrador de cenários projeta as taxas de desmatamento para as 47 sub-regiões da bacia, processando dados de desmatamento (taxa anual e derivada média anual calculada para o quinquênio 1997-2002), de estradas a serem asfaltadas (Tabela 1) e das extensões de remanescentes florestais e áreas protegidas atuais e planejadas em cada uma das sub-regiões.


  • As taxas regionais produzidas por esse modelo são então passadas para um simulador de mudanças espaciais – Dinamica (Soares-Filho et al., 2005). Esse modelo corresponde a um sistema de informação geográfica (SIG) de caráter dinâmico, o qual utiliza mapas de infra-estrutura (rodovias, estradas vicinais, estradas de ferro, gasodutos, canais fluviais e portos), unidades administrativas (estados, países e macrorregiões), áreas protegidas (unidades de conservação federal e estadual e terras indígenas), e aspectos biofísicos (vegetação, solo e topografia) para localizar as áreas mais prováveis a serem desmatadas (Soares-Filho et al., 2004) e assim reproduzir os padrões de progressão do desmatamento através do território amazônico. Cada sub-região possui um modelo singular com parâmetros personalizados. 
Não obstante, a integridade espacial entre as sub-regiões é assegurada pelo cômputo anual de um subconjunto de variáveis espaciais (e.g. distâncias ao desmatamento prévio e às estradas vicinais) de modo contínuo por toda a bacia. Isso faz com que a dinâmica de uma região afete as de suas vizinhas. Também, conectado ao simulador de mudanças encontra-se um modelo para simular a expansão da rede de estradas vicinais e assim incorporar o efeito da abertura de estradas espontâneas (Souza et al., 2004) na difusão do desmatamento.

Cenários de desmatamento para a Amazônia

Modelagem de cenários:
  • O modelo de simulação foi rodado para oito cenários, em passos anuais, por um intervalo de tempo de cinqüenta anos a partir de 2001. O cenário mais pessimista, denominado "o mesmo de sempre", considera as tendências históricas de desmatamento através da bacia, realizando as projeções pela multiplicação da taxa do ano anterior por sua derivada média anual entre 1997 e 2002 e adicionando a esse termo um fator de aceleração advindo da pavimentação de um conjunto de estradas. 
Em todos os cenários, a pavimentação de estradas segue o calendário predefinido (Tabela 1), sendo seu efeito na aceleração do desmatamento estimado empiricamente, comparando-se a relação histórica entre a proporção de área desmatada com a densidade média de estradas asfaltadas em municípios da Amazônia brasileira. 
  • O cenário otimista de governança também considera as tendências históricas de desmatamento através da bacia, mas, nesse caso particular, a projeção do desmatamento assume uma curva na forma de U invertido, reflexo do aumento gradual do estado de governança através da Amazônia. 
Nesse cenário, o desmatamento não ultrapassa 50% da cobertura florestal original em propriedades privadas, enquanto para o cenário "o mesmo de sempre" esse limite é estendido a 85%. Observe-se que esses patamares são superiores ao estabelecido pelo código florestal brasileiro – único país amazônico a possuir lei com essa especificidade –, porém mais realistas. 
  • O cenário de governança assume que a rede de áreas protegidas será expandida, como proposto pelo Programa Arpa (Áreas Protegidas da Amazônia) (Montiel, 2004), sendo que nesse cenário é assegurada a proteção integral das áreas protegidas, enquanto que em "o mesmo de sempre", essas áreas podem perder, a longo prazo, até 40% de sua cobertura florestal original por carência de fiscalização ambiental. 
Como resultado, a taxa de desmatamento inicialmente aumenta, devido à pressão advinda das novas estradas pavimentadas, até um certo limiar, dependendo dos limites preestabelecidos, quando passa a declinar em virtude da escassez de florestas remanescentes.
  • Seis cenários intermediários foram também analisados, alternando-se alguns pressupostos: 1) cenário de governança, mas sem novos asfaltamentos, 2) cenário de governança sem a inclusão das áreas do Arpa, 3) "o mesmo de sempre" com a inclusão das áreas do Arpa e ostensiva fiscalização ambiental a fim de se garantir a preservação integral dessas áreas 4) "o mesmo de sempre" sem áreas do Arpa, mas com ostensiva fiscalização ambiental das áreas protegidas atuais, 5) "o mesmo de sempre" com a inclusão de novas áreas do Arpa, mas sem ostensiva fiscalização ambiental, o que pode permitir até 40% de desmate dessas áreas, e 6) cenário histórico, compreendendo apenas a tendência recente de aceleração do desmatamento.
Mudanças esperadas:
  • As projeções de desmatamento para os cenários extremos mostram trajetórias distintas. Sob o cenário "o mesmo de sempre", as taxas anuais ascendem dos patamares atuais de 23 mil e 28 mil km2 ano-1, respectivamente para o Brasil e para a bacia como um todo, para cerca de 40 mil a 48 mil km2 ano-1, perto de 2030, declinando-se levemente daí em diante. Em contraste, no cenário de governança, as taxas assumem uma trajetória descendente graças ao aumento gradual do estado de governança através da bacia (Figura 4).


  • Como resultado, a tendência prevista de desmatamento dentro do cenário "o mesmo de sempre" levará, em meados deste século, a uma redução de cerca de 40% nos atuais 5,4 milhões de km2 de florestas da bacia Amazônia. 
Para a Amazônia brasileira, esses números são ainda mais assustadores, já que as perdas podem ultrapassar 50% de seus atuais 3,3 milhões km2 de florestas. Ao efeito da pavimentação de estradas, podem-se creditar, ao longo do tempo, aproximadamente 250 mil km2 de desmatamento sobre a já vertiginosa tendência histórica da bacia como um todo, ou seja, mais do que uma década de desmatamento brasileiro, considerando a sua taxa atual. Todavia, se consideramos uma projeção à taxa atual imutável, esse adicional avulta-se para 680 mil km2 até 2050, o que equivale ao total atual da área desmatada na Amazônia brasileira.
  • Contextualizando esses números, demonstra-se que o leste e o sudeste amazônico serão as áreas mais atingidas. Em regiões como o leste do Pará e por todo o estado do Mato Grosso, grandes extensões de florestas fora das áreas protegidas praticamente desaparecerão; mesmo unidades de conservação próximas às principais rodovias serão afetadas em grande extensão (Figura 5). 
Também as reservas indígenas, hoje consideradas mais bem protegidas (Nepstad et al., no prelo), terão seus ecossistemas nativos profundamente afetados, visto que estarão mais sujeitos ao fogo e secas prolongadas, resultantes do avanço do clima de savana sobre a bacia – especialmente as florestas de transição no parque do Xingu.



  • Com efeito, por toda a bacia, novos corredores de desmatamento tenderão a se entrecruzar, gerando vastas conversões da cobertura florestal em regiões como o entorno de Manaus e eixos que se radiam daí em direção a Rondônia – pela rodovia Manaus – Porto Velho, para norte por Roraima e a leste, ao largo do rio Amazonas. Em adição, serão afetadas largas faixas laterais às rodovias Transamericana e BR-364 Acre adentro, assim como amplas extensões de terra ao redor de Santa Cruz, na Bolívia, Florência, na Colômbia, e Puerto Ayacucho na Venezuela. 
Nesse cenário de fragmentação, somente regiões remotas, como o extremo noroeste da Amazônia brasileira e interior das Guianas ainda manterão grandes blocos coesos de floresta. Contudo, esta análise é ainda conservadora, pois não considera perturbações adicionais na floresta por fogo e exploração madeireira, nem outros projetos de estradas ainda não vislumbrados.
  • Em contraste, um cenário de governança poderia reduzir o desmatamento previsto em até 62% e 55%, respectivamente, para a Amazônia brasileira e a bacia como um todo, mesmo que se completassem todos os projetos planejados de asfaltamento (Figura 2). Seu resultado se expressa, portanto, pela expansão e preservação completa das áreas protegidas, aliadas à manutenção de um arranjo de paisagens rurais ecologicamente sustentáveis. 
Nesse aspecto, os cenários intermediários servem para analisar o papel das áreas protegidas na conservação da Amazônia. Tomando como base de comparação o desmatamento dentro do cenário "o mesmo de sempre", demonstra-se que somente a expansão da rede de áreas protegidas, de 29% (atualmente, 34%) para 41% da Amazônia brasileira, mas sem sua implementação de fato, é capaz de reduzir o desmatamento previsto para o final da metade desta década em somente cerca de 7% (Figura 6). 
  • Por outro lado, uma ostensiva fiscalização ambiental nessas áreas elevaria esse percentual para cerca de 30%. Todas as medidas de conservação combinadas, mas sem a expansão das áreas protegidas, garantiriam 86% do desmatamento evitado pelo cenário de governança. 
Por fim, uma ampliada rede de áreas protegidas, efetivamente implementada via ostensiva fiscalização, seria responsável pela metade da redução no des- matamento atribuído ao cenário de governança, ou seja, pelo abatimento de um terço nas perdas florestais projetadas dentro do cenário "o mesmo de sempre".


Estratégias de conservação:
  • Desenvolvimento na Amazônia sempre dividiu opiniões. Os resultados do modelo demostram que, de fato, a pavimentação de rodovias através do coração da Amazônia desencadeará uma vasta remoção de suas florestas, sobretudo se a tendência atual não for revertida a tempo. 
Observe-se que somente a expectativa de se asfaltar a BR-163 Pará adentro tem instigado a grilagem de glebas públicas, espalhado violência e, conseqüentemente, acelerado o desmatamento nessa região.
  • As conseqüências ambientais dessas mudanças são dramáticas. Dentro do cenário de "o mesmo de sempre", é esperado que mais de 2/3 da cobertura vegetal de quinze principais ecorregiões amazônicas, de um total de trinta e duas, sejam eliminados, liberando aproximadamente 32 Pg (109 toneladas) de carbono para a atmosfera, o equivalente a mais de quatro anos das atuais emissões por todo o planeta. 
Grande extinção de espécies, muitas ainda não conhecidas, pode ocorrer na Amazônia oriental, onde as taxas de desmatamento são vertiginosas. A título de ilustração, 22% de um total de 164 mamíferos analisados perderiam mais do que 40% de seu hábitat dentro da bacia (Soares-Filho et al., submetido).
  • Um cenário de ampla governança poderia reverter essa tendência, porém conciliar desenvolvimento com conservação não é trivial. Nos últimos anos, investimentos governamentais no controle do desmatamento têm aumentado, incluindo o crescimento do contingente do Ibama e o desenvolvimento de sistemas de detecção de desmatamento em tempo real – Deter (Inpe, 2005). 
Mas nem sempre essas medidas se traduzem em controle imediato, haja vista que o desmatamento segue em passo acelerado, estimulado pelo suposto progresso econômico da região.
  • Unidades de conservação que garantam a preservação integral dos recursos naturais (parques nacionais e estaduais, estações ecológicas, reservas biológicas, entre outras) e áreas protegidas que permitam o uso desses recursos (terras indígenas, reservas extrativistas, reservas de desenvolvimento sustentável e florestas nacionais) são também componentes importantes da estratégia de controle do desmatamento. 
No entanto, os dados do modelo demonstram que mesmo um maciço investimento na implementação e manutenção de uma ampla rede de áreas protegidas, dentro de um cenário como "o mesmo de sempre", não seria suficiente para impedir o empobrecimento em larga escala das principais bacias hidrográficas, ecorregiões e hábitats amazônicos. 
  • Portanto, uma estratégia de conservação extensiva deve também envolver a proteção de um arranjo funcional de remanescentes florestais fora das áreas protegidas a fim de se evitar o co-lapso ambiental dos ecossistemas de florestas úmidas, já em curso em outras partes dos trópicos (Curran et al., 2004).
Experiências recentes em planejamento regional (Alencar et al., 2004b), zoneamento agro-ecológico (Sectma, 2000) e fiscalização ambiental (Fema, 2002) devem ser refinadas e multiplicadas para que consigamos sobrepujar as crescentes forças de explotação da floresta. 
  • Mas somente a presença da lei não basta, pois há, igualmente, necessidade de se valorizar a floresta em pé, buscando-se economias florestais, calcadas em uma sólida base macroeconômica, que sejam competitivas em face dos usos atuais em áreas convertidas, como a criação de gado e a plantação de grãos. Adiciona-se a essa estratégia a certificação ambiental para produtos de agricultores e fazendeiros que preservam a floresta em suas propriedades. 
Parte dos recursos necessários a esse esforço de conservação poderia vir na forma de créditos trocados por emissões de carbono evitadas, dentro de uma convenção do clima modificada, como discutido em recentes negociações (Santilli et al., no prelo). 
  • Observe-se que os 17 Pg de emissão de carbono (16 Pg para o Brasil), evitados pelo cenário de governança em relação ao "mesmo de sempre", representam mais que oito vezes a redução nas emissões de gases causadores de efeito estufa a ser alcançada dentro do primeiro período de compensação do Protocolo de Kyoto. 
Além disso, vislumbram-se investimentos em cadeias de biotecnologia que explorem as enormes possibilidades do celeiro de biodiversidade amazônico. Enfim, essas medidas não somente trarão o bem-estar para toda a sociedade amazônica, mas também a garantia de conservação desse primordial patrimônio natural da humanidade.

Notas:
  1. O mapa de cobertura do solo para toda a bacia é formado por uma composição das cartas do Prodes de 2001 (Inpe, 2004), do mapa de vegetação da América do Sul (Eva et al., 2004) e da carta de desmatamento da Bolívia produzida por Steininger et al., 2001.
  2. Os dados das séries do Prodes entre 1997 e 2002 (Inpe, 2004) foram empregados no cálculo das taxas de desmatamento das sub-regiões brasileiras. Para outras sub-regiões, com ausência de dados multitemporais, foram assinaladas taxas tomando como comparação sub-regiões brasileiras com tipologia e idade de fronteira similares.
  3. Em vez de números absolutos, os resultados do modelo devem ser vistos como patamares a serem alcançados ao longo do curso de um dos cenários modelados.
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Cenários de desmatamento para a Amazônia

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Bioindicadores ecotoxicológicos de agrotóxicos

Bioindicadores ecotoxicológicos de agrotóxicos

Mara Mercedes de Andréa
Mara Mercedes de Andréa possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo (1973), mestrado em Ciências (Energia Nuclear na Agricultura) pela Universidade de São Paulo (1986) e doutorado em Tecnologia Nuclear pela Universidade de São Paulo (1992). Atualmente é Pesquisador Científico VI, membro do comitê de pós-graduação do Instituto Biológico em Sanidade, Segurança Alimentar e Ambiental no Agronegócio do Instituto Biológico e docente responsável pela disciplina Ecossistema Edáfico e a Saúde do Ambiente. Recebeu 3 prêmios e/ou homenagem. Atua na área de Ecologia, com ênfase em Ecologia de Solo Aplicada a Estudos de Dinâmica de Pesticidas. Em suas atividades profissionais interagiu com 75 colaboradores em co-autorias de trabalhos científicos. Em seu currículo Lattes os termos mais freqüentes na contextualização da produção científica, tecnológica e artístico-cultural são: COMPORTAMENTO, BIODEGRADAÇÃO, BIOACUMULAÇÃO, DINÂMICA AMBIENTAL, CONDIÇÕES AMBIENTAIS, AÇÃO DE PESTICIDAS, DEGRADAÇÃO, RESÍDUOS e APLICAÇÕES REPETIDAS .CVLATTES http://lattes.cnpq.br/8062400574519278
Contato: andrea@biologico.sp.gov.br
  • A contaminação ambiental causada pelo uso crescente e, algumas vezes, indiscriminado de agrotóxicos ou pesticidas tem gerado preocupações quanto ao lançamento inadequado desses compostos no ambiente. 
Sendo os agrotóxicos nocivos aos organismos vivos, deve-ser tomar precauções quanto à sua aplicação, formação de resíduos provenientes das mais diversas fontes e descarte final adequado, de forma que não haja comprometimento do meio ambiente como um todo. Além disso, em alguns casos, os produtos de degradação desses compostos podem ser até mais tóxicos que os produtos originais. 
  • O comportamento de agrotóxicos no ambiente pode ser influenciado por diversos fatores como: volatilidade, método de aplicação, tipo de formulação e solubilidade do composto em água; características do solo e plantas; adsorção das moléculas às partículas de solo; persistência e mobilidade dos compostos e condições climáticas do ambiente. Mas, uma vez no ambiente, seus resíduos podem se tornar um risco para todo o agroecossistema.
O estudo dos efeitos de substâncias químicas tóxicas nas comunidades naturais é um dos objetivos fundamentais da ecotoxicologia. Segundo a Agência Americana de Proteção Ambiental, os efeitos de alteração ou de saúde do ambiente são chamados de indicadores ecológicos. 
  • Entretanto, há pelo menos uma década tem-se notado que alguns organismos - peixes, insetos, algas, plantas, etc - são resistentes a alguns níveis de contaminação, não morrem quando expostos a agentes tóxicos e fornecem informações precisas sobre a saúde dos ambientes respectivos de cada um desses organismos. Esses tipos de plantas e animais são chamados de indicadores biológicos ou bioindicadores da presença de contaminantes no ambiente.
Os organismos bioindicadores, apesar de não morrerem por alterações do ambiente, respondem a elas por meio de reações comportamentais ou metabólicas mensuráveis, que indicam e refletem alguma mudança no ambiente onde eles vivem. Um indicador é definido como um índice ou uma medida final para avaliar a saúde de um sistema, seja ele econômico, físico ou biológico, e bioindicador é como a biota ou o componente biótico de um ecossistema que é utilizado como indicador da qualidade do ambiente.
  • Tem-se verificado que a determinação da contaminação de tecidos de organismos coletados de ambientes naturais é útil. Mas, para fornecer informações de contaminação antes da ocorrência da mortalidade ou do dano, também é necessária a determinação dos efeitos de doses subletais sobre biomarcadores - componentes celulares ou bioquímicos, estruturas e funções que são mensuráveis num sistema ou amostra biológica como bioindicador. De qualquer forma, os parâmetros estudados devem ser sensíveis como bioindicadores de bioconcentração.
Não se deve confundir o uso de bioindicadores com o uso de biomonitores, já que biomonitoramento é a observação contínua de organismos usados como biomonitores de uma determinada área. É o monitoramento que pode fornecer avisos precoces de mudanças no ambiente e que podem resultar em risco para espécies individuais, populações, comunidades ou ecossistemas. 
  • Como não se podem monitorar todas as espécies de um ecossistema, têm-se desenvolvido um conjunto de bioindicadores que podem ser usados para se avaliar o status e as tendências de efeitos ecotoxicológicos num ecossistema.
Assim, o termo bioindicador tem sido usado para identificar respostas biológicas que indicam a exposição ou os efeitos de poluentes em organismos, populações, comunidades e ecossistema. Essas respostas biológicas referem-se, portanto, a respostas expressas desde os níveis biomoleculares-bioquímicos até o nível de comunidade. 
  • Os bioindicadores ainda são identificados com medidas de efeitos e biomarcadores com medidas de exposição ou da dose dos agentes de estresse. Pode-se apontar como bioindicadores, por exemplo, mudanças na riqueza e abundância de espécies de populações de diferentes comunidades, no tamanho dos espécimes, na integridade reprodutiva, etc. Como biomarcadores pode-se citar como exemplos: atividade enzimática, integridade do DNA, presença de determinadas enzimas, conteúdo de lipídios, etc.
As medidas de bioindicadores têm sido usadas para apontar a probabilidade de um agente estressor (contaminante, alterações das condições físicas, etc.) causar efeito adverso no ambiente e nas populações. São também feitas para caracterizar a saúde do ambiente; indicar o grau de perigo e dar suporte às determinações dos possíveis riscos ecológicos de mudanças na saúde do ambiente. 
  • Na agricultura, o uso de agrotóxicos ou pesticidas pode representar um desses riscos porque pode provocar alterações indesejáveis nos ecossistemas por alterações nas funções, atividades, número e abundância de indivíduos de diferentes populações, assim como em características do próprio ambiente. 
Assim, além dos efeitos desejáveis de controle dos organismos fitófagos, organismos fitopatogênicos e competidores, o uso de agrotóxicos pode representar perigo potencial para o ambiente e para as redes ou teias alimentares.
  • Entre os efeitos ecológicos de bioindicação, a bioacumulação e a bioconcentração traduzem o acúmulo do poluente nos organismos em relação à quantidade do poluente presente, respectivamente, no solo e na água. Portanto, os bioindicadores devem ter uma relevância biológica para informar sobre a possível contaminação do respectivo ecossistema. 
Entre os fatores que caracterizam esta relevância, um dos mais importantes é a sua posição trófica, isto é, quanto mais baixo for seu nível trófico e quanto mais ele servir de alimento para os níveis superiores da cadeia trófica, maior é a relevância biológica do organismo como bioindicador porque através de sua contaminação toda a cadeia trófica pode se contaminar. Na Figura 1 pode-se notar que há necessidade de muita biomassa de produtores para alimentar o topo da cadeia trófica e verifica-se que, se muitos organismos produtores estiverem contaminados, toda a cadeia alimentar da qual eles fazem parte pode se contaminar. 
  • Além disso, quanto mais baixa for a posição trófica de um organismo, maior é a probabilidade que ele faça parte de várias teias ou redes alimentares e, por isso, medidas de contaminação em organismos bioindicadores da base de teias alimentares podem indicar o perigo potencial de contaminação de várias teias alimentares.

Fig. 1 - Exemplo de cadeia alimentar
(Adaptado de: http://www.arcytech.org/java/population/facts_foodchain.html) 

  • Outro parâmetro de relevância é o nicho ecológico dos organismos utilizados como bioindicadores. Organismos sedentários ou de atuação em ambientes muito específicos refletem as condições específicas do lugar. 
Organismos que se alimentam de solo (Figura 2) ou filtram grandes volumes de água (Figura 3), como por exemplo minhocas e bivalves aquáticos, têm sido utilizados como bioindicadores de contaminação de solo, de água e de sedimentos não só por agrotóxicos, como por outros poluentes como, por exemplo, metais pesados.

Fig. 2 - Teia alimentar de ambiente terrestre (Adaptado de: Bottomley, 1999) 

Fig. 3 - Teia alimentar de ambiente aquático (M.M. Andréa) 

Bioindicadores ecotoxicológicos de agrotóxicos

  • As minhocas têm sido usadas como bioindicadores de poluição do ambiente edáfico porque elas têm papel destacado na formação do solo; na decomposição de resíduos de plantas e ciclagem de nutrientes da matéria orgânica; na formação do húmus e de agregados de solo, onde a atividade biológica é mais intensa; no melhoramento da estrutura, fertilidade, porosidade e capacidade de infiltração, drenagem e retenção de água, ar e também no transporte de microrganismos e nutrientes do solo por meio dos canais formados por sua escavação e seus deslocamentos no solo. 
Por meio de seus deslocamentos e de ingestão de solo ou serapilheira contaminados, as minhocas entram em contato com poluentes que atingem ou são aplicados no solo e nele podem permanecer adsorvidos nas partículas minerais, na matéria orgânica e na solução do solo. 
  • Elas podem ainda se expor e absorver os contaminantes da solução do solo por meio de contato direto e passagem pela cutícula. A partir desse contato, as minhocas podem se intoxicar, morrer, ou sobreviver, incorporar e até bio-acumular esses poluentes em seus tecidos.
Portanto, o nicho ecológico e a importante posição trófica das minhocas, que se situam nos níveis mais baixos das teias alimentares terrestres, servindo de alimento para vários animais e como rota de transferência e biomagnificação de contaminantes ao longo dessas teias, além do conhecimento já acumulado sobre seus hábitos alimentares e habitats, fazem delas excelentes bioindicadores de ecotoxicidade de substâncias químicas no solo, pois elas indicam a bioacumulação potencial ao longo dessas teias.
  • No ambiente aquático marinho, muitos estudos apontam a utilidade de bivalves para estudos de biomonitoramento porque eles são sedentários, refletem condições específicas do lugar e são filtradores, além de serem naturalmente adaptados a ambientes dinâmicos como os costões e os estuários. 
Mariscos e mexilhões, como bivalves filtradores, são particularmente vulneráveis aos efeitos de sólidos em suspensão e têm sido usados como bioindicadores para bioconcentração de compostos organoclorados. Além disso, esses organismos filtradores e que se alimentam de depósitos sobre o substrato também refletem a contaminação, respectivamente das colunas d’água e do sedimento.
  • Assim como há fluxo de energia nas cadeias alimentares, os poluentes podem passar de um nível para outro das cadeias. Desta forma, os organismos dos níveis tróficos mais baixos são os que melhor indicam o potencial de contaminação das teias alimentares. Entre esses, as minhocas e os moluscos bivalves têm sido muito pesquisados, mas muitos outros organismos também têm os atributos necessários para serem utilizados como bioindicadores. 
Mas, na literatura recente, nota-se uma quantidade crescente de estudos com bioindicadores tanto animais como vegetais, entre os quais, cita-se uma grande faixa de espécies, tais como, algas e liquens, invertebrados como caramujos e caracóis, peixes e pequenos mamíferos predadores, anfíbios, outros oligoquetas, etc. Também insetos têm sido cada vez mais pesquisados sob diferentes aspectos.
  • Nesses organismos bioindicadores muitas vezes pesquisam-se biomarcadores específicos que devem estar relacionados com as respostas de interesse. Entre os biomarcadores citam-se os efeitos de poluentes em: mortalidade; reprodução representada pelo número de ovos; variação de médias de pesos e tamanhos; respiração; alterações nos conteúdos de lipídios e alterações histológicas; efeito na hemoglobina de insetos; toxicidade para esporos de algas; alterações no comportamento sexual; alterações nas atividades enzimáticas que fornecem informações sobre o metabolismo de substâncias e de elementos dos ciclos biogeoquímicos (arilsulfatase; desidrogenase; celulase, etc), assim como, técnicas moleculares modernas de reação em cadeia de polimerase - PCR.
No Instituto Biológico, pesquisas utilizando organismos e processos como bioindicadores dos efeitos de agrotóxicos no ambiente têm sido feitas no Laboratório de Ecologia de Agroquímicos já há algum tempo. Entre outros resultados, verificou-se, por exemplo, que a biomassa e a atividade de algumas enzimas de origem microbiana em diferentes solos são inibidas ou estimuladas por efeito de agrotóxicos. 
  • Porém, de modo geral, esses efeitos são de curto prazo. Também se verificou que repetidas aplicações de alguns agrotóxicos, como o glifosato por exemplo, afetaram a microbiota do solo de tal forma que a mineralização do próprio composto foi diminuída quanto maior o número de aplicações. 
Este herbicida também foi bio-acumulado por minhocas, numa relação diretamente proporcional ao tempo de contato com a terra tratada com ele. As minhocas também bio-acumularam os herbicidas simazina e paraquat. Entretanto, somente a bioacumulação de paraquat aumentou com o aumento da dose de tratamento do solo. 
  • Por outro lado, alguns atributos do solo, como seu conteúdo de matéria orgânica, afetam a bioacumulação de agrotóxicos nas minhocas, isto é, quanto maior o conteúdo orgânico, menos composto fica disponível para bioacumulação nos organismos. Por atender aos requisitos, bivalves de mar e de estuário também foram estudados como organismos bioindicadores de sedimentos desses ambientes contaminados com um composto organoclorado, o hexaclorobenzeno, que é classificado pelo Programa Ambiental das Nações Unidas como um dos poluentes orgânicos persistentes (POP). 
Esses estudos demonstraram que o nicho ecológico do organismo influencia no processo de absorção do poluente e determina maiores ou menores valores de bioacumulação. Também demonstraram grande correlação deste poluente persistente achado em vários compartimentos ambientais do mundo todo, com o conteúdo de lipídios dos organismos.
  • Verifica-se então que organismos bioindicadores podem servir como modelos de avisos prévios de contaminação e servir como espécies-sentinelas de alterações no ambiente. No entanto, há necessidade de definição do que se espera como bioindicação e pré-requisitos para escolha do organismo bioindicador. 
As bases científicas e os usos de bioindicadores e biomarcadores de estressores ambientais e suas relações com medidas específicas de efeitos mensuráveis em populações da flora e fauna, assim como a humana, são objetivos específicos da “International Society of Environmental Bioindicators - ISEBI” e do periódico Environmental Bioindicators.


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Bioindicadores ecotoxicológicos de agrotóxicos