domingo, 31 de maio de 2015

A Reciclagem como Empreendedorismo

Reciclagem e conserto de bens são tendências de negócio em 2015, diz Sebrae

  • Numa sociedade capitalista globalizada cujos princípios econômicos e valores básicos estão voltados para o consumismo, surgem diversos problemas, dentre eles: o crescimento da desigualdade entre ricos e pobres, o aumento da produção de resíduos sólidos urbanos e o consequente problema ecológico gerado pelo seu tratamento inadequado e/ou falta de depósitos apropriados para seu armazenamento.
Desde a década de 1980, a globalização, as novas tecnologias e a constante qualificação da mão-de-obra têm proporcionado uma evolução do processo produtivo. Por outro lado, os cidadãos que não têm acesso a essa evolução tornaram-se marginalizados e excluídos da sociedade, sem acesso aos bens de consumo e serviços básicos, sem oportunidade de emprego formal, ficando subordinados ao subemprego ou ao emprego informal. 
  • Para enfrentar os evidentes desníveis entre as classes sociais provocados por esse processo, uma das alternativas encontradas para tornar a sociedade mais equilibrada e justa está situada na mobilização do Estado e da sociedade civil organizada (ONGs, associações, cooperativas, Igrejas, etc.) juntamente com a economia privada visando o desenvolvimento do chamado ‘Empreendedorismo Social’.
Por sua vez, o aumento na produção de lixo, numa sociedade educada para consumir, vem causando danos irreparáveis ao meio ambiente e afetando diretamente a qualidade de vida dos habitantes das grandes, médias e pequenas cidades. Isto criou um problema de proporções mundiais, qual seja: o que fazer com a crescente produção de resíduos sólidos urbanos? A este fato acrescenta-se uma participação ainda insipiente de ações do Estado brasileiro na criação, desenvolvimento e gestão de políticas públicas para a solução desse problema, embora já sejam observadas iniciativas concretas no sentido de resolvê-lo.
  • Não obstante, a sociedade, de uma maneira geral, vem buscando alternativas para controlar e armazenar o excesso de produção dos resíduos sólidos urbanos. Segundo KUHNEN (1995), a reciclagem do lixo se apresenta como uma alternativa fundamental para controlar o problema, haja vista que ela reduz o volume final dos resíduos, que precisam ser incinerados ou aterrados, além de gerar renda às pessoas que manipulam o processo de reciclagem, geralmente indivíduos e famílias marginalizadas da sociedade. 
A recuperação dos resíduos e a sua reintegração, em determinados processos produtivos, asseguram relevante economia de matéria-prima e de energia. “E aí os valores parecem invertidos: o lixo, que sempre foi um problema, torna-se a solução” (KUHNEN, 1995, p.31). 
  • Na mesma perspectiva, O’LEARY et al. (1999) afirmam que a reciclagem dos resíduos sólidos é uma alternativa viável que propicia a preservação dos recursos naturais, economia de energia, redução de área que demanda o aterro sanitário, geração de emprego e renda, assim como a conscientização da população para questões ambientais.
Nesse contexto, a ‘reciclagem’ parece a ser o elo que une os três problemas centrais que fundamentam este artigo: geração de renda aos mais pobres, diminuindo a desigualdade social; controle e redução do volume de resíduos sólidos; e minimização dos impactos ambientais.
  • Porém, adverte O’LEARY et al (1999), para que haja a reciclagem, o resíduo sólido terá que passar por um processo que envolve uma triagem na sua coleta, onde a sociedade e o poder público (os municípios) terão que investir em duas frentes: 1) num sistema de coleta eficiente com locais apropriados para o descarte do material, entre outras medidas; 2) na conscientização da sociedade sobre a importância da reciclagem dos resíduos sólidos. Para o autor, sem essas atitudes, a sobrevivência e o bem-estar das gerações futuras estarão comprometidas.
Portanto, não resta dúvida que a reciclagem, promovida na sua maioria pelas associações de catadores de lixo e pela iniciativa privada, é considerada uma forma de empreendedorismo comprometido com o social. Em outras palavras, os catadores viram no lixo uma alternativa para sua sobrevivência e a sociedade encontrou na reciclagem uma maneira de reverter o crescente quadro de degradação ambiental.
  • Contudo, a reciclagem não deve ser vista unicamente como a principal solução para o lixo. Ela é tão-somente uma atividade econômica que deve ser encarada como um elemento dentro de um conjunto de soluções ambientais. Para GRIPPi (2001, p. 27), apenas “separar o lixo sem um mercado é enterrar em separado”. Ou seja, a separação de materiais do lixo aumenta a oferta de materiais recicláveis. Entretanto, se não houver demanda por parte da sociedade ou do mercado, o processo é interrompido e os materiais podem abarrotar os depósitos ou serem enterrados em outro lugar.
Considerando os argumentos apresentados, este artigo tem por objetivo apresentar e discutir os principais resultados alcançados por um projeto de pesquisa e extensão financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Edital 18/2005), que realizou uma intervenção junto a uma associação de catadores/recicladores da cidade de São José (SC), localizada na região metropolitana de Florianópolis.
  • A região da Grande Florianópolis abrange os municípios de Palhoça, São José e Biguaçu. Juntos, segundo o Censo Demográfico de 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esses municípios somam uma população de aproximadamente 700 mil habitantes. Dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) revelam que a quantidade diária coletada de lixo nessa região aproxima-se das 710 t/dia (BRASIL, 2000). A Grande Florianópolis conta com três associações de catadores formalmente reconhecidas, sendo que duas atendem ao município de Florianópolis e uma ao município de São José.
Um Panorama da Reciclagem de Lixo no Brasil:
  • Faz-se necessário definir formalmente a palavra ‘reciclagem’ e suas inter-relações, a fim de melhor compreender alguns aspectos deste trabalho. Para DIDONET (1992), o termo reciclagem vem sendo empregado desde os anos 1970 quando a preocupação com o meio ambiente ganhou relevância econômica e política, reforçada mutuamente pelo racionamento do petróleo. Segundo o autor, reciclar significa retornar ao ciclo de produção dos materiais que foram usados e descartados.
Um sistema de produção que se apóia no manejo equilibrado do solo e dos demais recursos naturais, partindo do pressuposto de que a fertilidade da terra deve ser buscada na matéria orgânica, rica em microorganismos capazes de fornecer os elementos necessários ao desenvolvimento das plantas ao mesmo tempo em que as torna resistentes a pragas e doenças.
  • Tecnicamente, a literatura pesquisada define ‘reciclagem’ como um conjunto de atividades e processos cuja finalidade seja a separação, recuperação e transformação dos materiais recicláveis, que têm como fonte de matéria-prima os resíduos sólidos urbanos. Esse processo visa o reaproveitamento dos resíduos sólidos urbanos, de forma que eles possam ser reintroduzidos no ciclo produtivo.
No Brasil, como parte das ações de Estado para a preservação ambiental, a Constituição de 1988 atribuiu novas responsabilidades aos municípios referentes à promoção de programas e políticas públicas, visando à melhoria da qualidade de vida nas cidades, até então centralizados no governo federal. Os municípios, juntamente com outras esferas governamentais, passaram a empreender ações visando “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” (BRASIL, 1988, art. 23, inciso VI) e a “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente” (BRASIL, 1988, art. 225, inciso V) (SILVA, 1992, p.103).
  • Diversas pesquisas têm sido desenvolvidas tendo como tema a viabilidade da reciclagem, através da utilização racional dos recursos disponíveis. De maneira geral, os resultados desses estudos apresentam uma abordagem no que diz respeito às exigências e limitações que envolvem o processo de reciclagem, indicando que, atualmente, existem diversas tecnologias inovadoras, a custos acessíveis, que podem ser facilmente incorporadas aos processos já estabelecidos no Brasil.
Quanto à separação de materiais domiciliares que podem ser reciclados, o estudo de MONTEIRO (2003) revela que esta pode ter uma eficiência significativa de 3 a 6% em peso, se realizado em usinas de reciclagem que disponham de uma boa estrutura física e tecnológica. Porém, segundo o autor, há o inconveniente de que este tipo de material é geralmente muito sujo, dificultando o processo de separação e, conseqüentemente, o trabalho das indústrias de reciclagem. O ideal seria que o processo de separação tivesse início em cada domicílio, pela própria população consumista dos produtos.
  • Mas, o aspecto mais significativo que as pesquisas têm demonstrado vai além dos benefícios da gestão integrada dos resíduos sólidos urbanos e dos aprimoramentos nos processos industriais. O fator de inserção social é um aspecto desse processo que tem se destacado constantemente, para que seja mais bem estudado, planejado e desenvolvido. PIMENTEIRA (2000) confirmou a percepção da sociedade ao constatar, em pesquisa realizada na cidade do Rio de Janeiro (RJ), que o trabalho de reciclagem é realizado por pessoas de condição social precária, que buscam na coleta e venda de resíduos uma forma de renda para suprir as necessidades de subsistência. 
A pesquisa conclui ainda que a organização e melhoria das condições de trabalho dessas pessoas são fatores que merecem atenção, pois é através disto que se desenvolve o processo de inserção social e a recuperação da dignidade desses trabalhadores anônimos, além de estabelecer uma forma mais efetiva da coleta e reciclagem dos resíduos.

A arte de reciclar para decorar é a marca de empreendedora em Ilhéus

Entendendo o Processo de Inserção Social:
  • Para VALENTIM (2007) e VASCONCELOS (2007), não se pode pensar em inserção social de uma maneira individualizada, isolada. Deve-se pensar como um todo, na qual a sociedade esteja engajada em procurar soluções para promover a igualdade social e melhorar índices socioeconômicos, inserindo na vida das pessoas marginalizadas o acesso à informação, saúde, educação, alimentação, moradia, etc. A preocupação com a inserção social vem crescendo tanto na sociedade civil organizada como também no setor empresarial, através de apoio a programas e parcerias com o setor público. Estes desenvolvem formas e modelos variados nas esferas da sociedade para minimizar a desigualdade social. Além desse apoio, a inserção social pode encontrar na economia solidária uma forma alternativa para driblar a conjuntura formada pelo modelo capitalista.
Na sociedade atual, o sistema de produção vigente revela-se incapaz de promover a inclusão social, por meio do desenvolvimento econômico e do progresso social, para a maioria dos seus cidadãos. Da mesma forma que os avanços da sociedade trazem melhorias para a vida de alguns, por outro lado, crescem os índices de pessoas que vivem em situação de miséria (VALENTIM, 2007)
  • Nesse contexto, a inserção social torna-se necessária e fundamental. Segundo VASCONCELOS (2007), a idéia básica de inserção social considera que as atividades econômicas são moldadas e limitadas por ligações existentes entre todos os atores que delas participam, não ocorrendo de forma independente do contexto social. Sendo assim, a inserção social aborda a influência do desempenho de novas empresas, gerando novas oportunidades (informações, recursos, contatos, etc.) e barreiras (organização da atividade econômica e institucionalização de comportamentos).
Diante disso, a ênfase da inserção social está justamente no papel concreto das relações pessoais com as estruturas sociais (redes), gerando confiança entre esses atores que influenciam as relações econômicas. Nesse sentido, GRANOVETTER (1985) afirma que a ação econômica sofre influências por meio das relações com outras pessoas, como também pela rede de relações que o indivíduo faz parte. A relação que se dá por meio das relações com outra pessoa é denominada de ‘inserção relacional’, e a relação que se dá pela rede de relações em que o indivíduo está inserido é a ‘inserção estrutural’.
  • No que se refere à inserção relacional, há um efeito direto desse tipo de inserção sobre a atividade econômica do indivíduo. O fato de um indivíduo estar se relacionando com outros indivíduos já causa influências na ação econômica. Este relacionamento não é caracterizado apenas pela formação e atividades desses indivíduos; o tipo de relacionamentos que os mesmos têm, e que são influenciados por um histórico de interações, também faz parte da fundamentação desta relação (VASCONCELOS, 2007).
Já a inserção estrutural tem um efeito menos direto sobre a atividade econômica, pois a influência dependerá da denominada densidade de rede, que é a extensão em que os indivíduos estão ligados uns aos outros. Neste caso, o indivíduo pode sofrer influências comportamentais que acabariam refletindo na ação econômica, além de que pode ser afetado por informações que transitam pelo grupo do qual ele faz parte. Sendo assim, uma alta densidade de rede ocasionaria um efeito de maiores dimensões no comportamento econômico (VASCONCELOS, 2007).
  • Portanto, a inserção social se apresenta como um dos principais fatores a serem considerados pelas diversas instituições (governamentais e privadas), que possuem uma verdadeira visão global a respeito da sociedade e da economia. A inserção social é uma das alternativas mais eficazes para que a estrutura social se desenvolva numa perspectiva justa, onde os valores humanos sejam evidenciados, sobressaindo ao capitalismo radical que visa apenas o lucro. E é neste contexto que vem se destacando a denominada “Economia Solidária”.
O que é Economia Solidária:
  • A economia solidária é considerada um desmembramento do capitalismo. Para ser assim definida precisa ter como objetivo uma finalidade social; e também ver o homem como um ser social e não capital. A sua criação tem por fim beneficiar as classes menos favorecidas da sociedade por meio da união e da formação de cooperativas e associações que têm como característica a autogestão, em que a distribuição do que foi investido no negócio é proporcional ao investimento do cooperado ou do associado. No Brasil, o crescente movimento da economia solidária fez surgir várias entidades, como as cooperativas e as associações, que viram na união uma força para entrar ou se manter no mercado. Isto favoreceu o surgimento de várias formas de mercado ainda ou quase inexplorado, como o caso das associações de resíduos sólidos urbanos (SINGER, 1999).
Segundo GAIGER (1996), a economia solidária é uma forma de produção que une o princípio da unidade entre a posse e o uso dos meios de produção e distribuição com o princípio da socialização destes meios, e é constantemente renovado, especialmente por indivíduos que se encontram às margens do mercado de trabalho. A forma de organização coletiva de trabalho no ambiente da economia solidária é baseada nas experiências da Economia Social, que recebeu influências do pensamento socialista, e é caracterizada pela associação de indivíduos em gestões democráticas com o intuito de organizar meios de vida através de relações de auxílio mútuo. Além de incorporar a Economia Social, a economia solidária desenvolve o conceito de projeto, de desenvolvimento local e de diversidade das formas de atividade econômica, contribuindo com a sociedade sob a forma de serviços diversos, destinados, principalmente, à parcela da população que vive às margens da sociedade.
  • Nesse sentido, complementam COELHO e GODOY (2007), a economia solidária procura compreender determinadas questões específicas de certas localidades, agregando elementos que podem servir como subsídios relevantes para responder a estes desafios e, desta forma, ela pode ser considerada como um conjunto de iniciativas econômicas que funcionam como meios pelos quais se busca a realização de fins de ordem social. Segundo os autores, a economia solidária vai além da perspectiva de simples organização coletiva do trabalho, abarcando os diversos setores políticos e sociais.
Para WAUTIER (2004), a economia solidária é uma forma específica de organização e sua atuação transcende a perspectiva unicamente econômica. Ela trabalha a recuperação de valores e práticas sociais que foram sufocados pelo lado insensível do capitalismo radical. Sua atuação na inclusão social de pessoas excluídas do âmbito econômico faz com que surjam iniciativas locais por parte de diversos indivíduos que têm o intuito de promover a extensão da inclusão econômica positiva, porém com pretensões de cunho social.

A Criação das Associações de Catadores: 
Resíduos Sólidos Urbanos:
  • A partir dos princípios instituídos pela Constituição de 1988, em diversas regiões do Brasil, principalmente nas metropolitanas, foram criadas, através da responsabilidade social da iniciativa privada e das Organizações do Terceiro Setor, diversas entidades, dentre elas as associações de catadores de lixo. Estas têm por objetivos sociais, econômicos e ambientais a contenção do avanço dos resíduos sólidos e líquidos, resolvendo, segundo GRIPPI (2001, p. 27), vários problemas: para os associados, o ganho de renda e inserção socioeconômica; para o meio ambiente, a diminuição de resíduos sólidos aterrados ou incinerados; para a indústria, o retorno do material como fonte de energia e redução dos custos operacionais, beneficiando diretamente o meio ambiente.
A criação das associações de catadores de lixo, enquanto atividade econômica viável, foi repercutida no mundo a partir das discussões apresentadas na ECO 92 , em que a sociedade viu na reciclagem uma maneira de amenizar os problemas ecológicos, e as associações de catadores de lixo, uma solução para a falta de renda às pessoas menos favorecidas. Em resumo, de forma bastante simplificada, o lixo, que precisa ser recolhido e reciclado para a sobrevivência do planeta, encontra no catador uma saída, e o catador, que precisa de trabalho, encontra no lixo uma alternativa de sobrevivência.
  • Depois da ECO 92, foram criadas diretrizes para modelar formas de gestão dessas associações. Segundo ANDRIOLI (2005), na atual conjuntura da economia mundial, os índices de desemprego têm crescido exponencialmente. Esse fator associado ao desequilíbrio entre as classes sociais contribui para que um grande número de pessoas passe a viver em condições de trabalho precárias, carentes do acesso aos direitos sociais, com pouca perspectiva de participar do mercado de trabalho formal. As associações de catadores de resíduos sólidos urbanos são compostas exatamente por essas pessoas que não tiveram oportunidades de acesso ao mercado de trabalho. Formadas na sua maioria por indivíduos excluídos de cidadania, as associações têm nos catadores seu principal ator que faz do seu dia a dia uma batalha para sua sobrevivência.
Nesse sentido, as associações de catadores de resíduos sólidos urbanos se destacam como uma das alternativas que ajudam positivamente para que uma parte da parcela excluída do mercado de trabalho formal venha a ter o acesso ao trabalho e a uma renda, de modo que possam sobreviver dentro da sociedade com o mínimo de dignidade.
  • Além da questão monetária, pesquisas têm constatado que as relações de convivência entre os indivíduos que participam dessas associações têm contribuído significativamente para a sociabilidade positiva dessas pessoas e para o seu desenvolvimento profissional e educacional. É válido destacar também que essas pessoas passam a compreender e a se conscientizarem sobre a importância das questões ambientais, desenvolvendo nelas uma perspectiva global a respeito das questões ecológicas que fazem parte da vida em sociedade (MONTEIRO et al, 2001).
O trabalho das associações de catadores de resíduos sólidos é vinculado à atividade de reciclagem. Ás vezes, esta atividade é realizada pela própria associação. Em outras, é realizada em parceria com empresas privadas ligadas às associações. A reciclagem tem se mostrado como uma opção importante e viável nesta época onde a preocupação com o meio ambiente é fundamental.

Metodologia:
  • Para a compreensão das ações de melhoria da gestão de resíduos sólidos numa associação de catadores da Grande Florianópolis, optou-se por realizar uma pesquisa de natureza qualitativa (GODOY, 1995; RICHARDSON, 1999). Este estudo caracteriza-se pelo método de pesquisa descritiva que permite a construção de um processo analítico que considera diferentes interpretações dos diversos atores sociais envolvidos com o fenômeno objeto da investigação (VERGARA; BRANCO, 1998). Acredita-se que essa escolha metodológica produza explicações acerca das práticas de gestão de resíduos em questão, bem como sirva de referência para apreensão do contexto de inclusão social em que as referidas práticas estão inseridas, ou seja, o universo da pesquisa.
Este estudo teve como fonte de dados a Associação Aparecida de Reciclagem de Lixo (ACARELI), localizada no município de São José (SC), região metropolitana de Florianópolis. Foi realizado um diagnóstico da associação estudada. Para tal, os instrumentos utilizados foram questionários e roteiros de entrevistas junto aos associados. Também foram realizadas observações diretas a respeito do cotidiano dos trabalhadores da associação, no intuito de verificar na prática como se desenvolviam as suas atividades.
  • O levantamento das informações sobre o perfil socioeconômico dos associados foi feito por meio da aplicação de um questionário baseado em uma ficha cadastral elaborada pelo Movimento Nacional de Catadores (MNC). Este cadastro detalha as seguintes especificações dos associados: identificação, escolaridade, família, moradia, trabalho e renda, saúde e previdência, e movimentos dos catadores. O preenchimento do cadastro foi efetuado por cerca de 90% dos associados.
Esta pesquisa e os resultados aqui relatados fazem parte dos resultados globais de um projeto financiado pelo CNPq (Edital 18/2005), que teve como objetivo principal contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos catadores que fazem parte da associação estudada.

Os resultas da Pesquisas:
  • Para a apresentação dos resultados das ações de melhoria da gestão de resíduos sólidos numa associação de catadores da Grande Florianópolis, esta pesquisa considerou quatro itens: a) A cadeia produtiva de reciclagem na região; b) Os processos da associação (externos e internos); c) As condições em que os catadores trabalham; d) O perfil socioeconômico dos trabalhadores.
A Cadeia Produtiva de Reciclagem:
  • CAMPOS, VIEIRA e SANTOS (2007) definem cadeia produtiva como um conjunto de atividades que se articulam progressivamente desde os insumos básicos até o produto final, incluindo a distribuição e comercialização deste produto. Segundo a Fundação Nacional de Saúde (FNC), a reciclagem dos resíduos sólidos se divide em: a) separação e classificação dos diversos tipos de materiais; b) processamento; c) comercialização; e d) reaproveitamento dos materiais reciclados em processos industriais (BRASIL; 2004).
Quanto à atividade de reciclagem, segundo LEITE (2003), esta pode ocorrer sob duas formas: a) pós-venda, que se refere aos produtos sem uso que carecem ser reparados ou trocados por defeito de fabricação, ou por acidente no transporte; b) pós-consumo, que se refere às embalagens e sobras de produtos já consumidos pela sociedade.
  • O entendimento das etapas/estágios da cadeia de reciclagem na região da Grande Florianópolis foi possibilitado graças ao apoio de pesquisadores de projetos correlatos, entidades e profissionais ligados à reciclagem, empresas e indústrias da região. Essas etapas não seguem uma ordem cronológica e sequencial entre o ponto de consumo e a indústria. 
Para cada tipo de material há uma combinação diferente dessas etapas. Foram identificadas seis etapas distintas:
  • Coleta nas ruas, que é realizada por catadores autônomos;
  • Separação, que pode ocorrer nas ruas ou em galpões de associações de catadores ou pequenos sucateiros;
  • Pesagem, que é realizada em diferentes estágios, mas ligada à comercialização dos materiais (para vender, tem que pesar);
  • Prensagem e enfardamento, que são realizados por algumas associações, grandes depósitos e por indústrias recicladoras;
  • Beneficiamento, que é realizado por empresas especializadas que fornecem materiais específicos para indústrias recicladoras; e
  • Comercialização, que é uma etapa realizada por todos os agentes da cadeia, desde os catadores até a indústria que vende o produto da reciclagem.
Entende-se que o conhecimento desta Cadeia de Reciclagem da região estudada tem significativa importância para que a associação possa compreender melhor o processo dessas atividades e, conseqüentemente, venha a assumir uma postura mais adequada em meio aos diversos fluxos e canais reversos existentes.
  • O entendimento dos funcionamentos desses canais oferece subsídios para que a associação tenha melhores condições de interação e negociação com o mercado, dinamizando seu trabalho e garantindo uma melhor autonomia. Por meio desse conhecimento, fica viável o planejamento de ações de conscientização da população e das indústrias da região, de forma que o trabalho da associação possa contar com uma maior homogeneização dos materiais, padronizando os processos de separação e enfardamento (PERIN, 2003).
As Atividades da Associação Pesquisada:

Através do acompanhamento dos processos da associação, foram mapeadas as atividades desenvolvidas pela Associação, identificadas em oito fatores básicos, apresentados a seguir:
  • Número de processos;
  • A tecnologia empregada em cada um dos processos;
  • Interface de entrada (onde se inicia cada processo);
  • Quantas e quais são as atividades dos processos;
  • Registros utilizados (documentos e sistemas informatizados);
  • Pontos de tomada de decisão (possíveis gargalos);
  • Interface de ligação (troca de informações entre os processos);
  • Interface de saída (resultados e produtos)
O resultado parcial do mapeamento das atividades revela que não há processos distintos, isto é: a coleta, separação, enfardamento e a venda são considerados como um único processo nesta associação. No que se refere à tecnologia empregada, a associação dispõe de apenas de uma prensa; os materiais não recebem nenhum tipo de tratamento que agreguem valor ao produto final.
Foram identificadas as seguintes etapas do processo:
  • Coleta/compra/armazenagem de materiais;
  • Separação/seleção de materiais;
  • Armazenagem de materiais;
  • Prensagem/enfardamento de materiais;
  • Pesagem de materiais;
  • Venda de materiais recicláveis selecionados.
Outro fator observado refere-se ao processo administrativo de gerenciamento da associação. A associação apresenta uma dinâmica administrativa que envolve valores de compra e venda, beneficiamentos, despesas diretas e indiretas, forma de remuneração dos associados, entre outros. Verificou-se que a associação não tem nenhuma forma de gerenciamento financeiro, assim como das atividades administrativas e comerciais. Diante disso, foi desenvolvido um software de gerenciamento de fluxo de caixa capaz de auxiliar a organização no pagamento dos associados, receitas, gastos, horas trabalhadas, e cadastro dos associados.
  • Observou-se que, por meio da implementação de novas tecnologias, a dinâmica das atividades da associação pode ser melhorada e atualizada, assim como a introdução de técnicas de melhoramento dos materiais coletados que agregam valor ao produto final, garantindo um melhor retorno financeiro.
As Atividades da Associação Pesquisada:
  • Considerou-se fundamental compreender as condições de trabalho dos catadores, a fim de contribuir para seu o melhoramento. Foi realizado um roteiro de entrevistas abordando questões relacionadas a aspectos humanos e organizacionais de trabalho, aspectos ambientais e ergonômicos, aspectos de segurança e de saúde dos trabalhadores, com o objetivo de identificar as condições de trabalho.
Quanto aos aspectos organizacionais e humanos, os trabalhadores não têm problemas de relacionamentos com outros colegas de trabalho e também não apresentam problemas referentes a pressões do trabalho, tais como estresse. No aspecto ambiental, para 83% dos trabalhadores, o ambiente é bem arejado; 93% afirmam que a iluminação é boa; 52% dizem que não sentem calor e frio excessivo; e 72% não consideram o odor do lixo desagradável.
  • No que se refere aos aspectos ergonômicos, 90% afirmam que a maior parte das atividades são realizadas em pé, por isso, é necessário que façam o movimento de curvatura da coluna. Além disso, 86% carregam os materiais nos ombros, sem o auxílio de um carrinho.
Quanto ao aspecto da segurança, 93% dos trabalhadores afirmam que os produtos químicos encontrados no lixo não entram em contato com a pele, enquanto 69% afirmam que ficam excessivamente expostos ao sol. 52% dizem que os acidentes no trabalho são frequentes (sendo que 59% afirmam que os acidentes são causados pela desatenção; 41% dizem que a causa é devido à falta de equipamento de segurança). A atividade de prensagem é relatada como a função que oferece maior risco, e a separação de mesas, como a de menor risco, segundo 90% dos entrevistados. Para 79% dos entrevistados, os acidentes mais comuns são perfurações e cortes, seguidos de quedas no chão, conforme 21% das respostas. 49% trabalham usando tênis. 66% afirmam que os equipamentos de segurança não são adequados.
  • No que se refere aos aspectos de saúde, 55% dos trabalhadores afirmam estar em boas condições de saúde; 38% a consideram regular; e 7% a consideram ruim, sendo que os principais problemas são relacionados à pressão alta (15%) e a problemas cardíacos (7%). A maior reclamação é com relação a dores no corpo (27%), sendo que 18% afirmam ter dores
Perfil Socioeconômico:
  • O levantamento do perfil dos associados foi obtido através de um questionário que continha 31 questões que abarcavam aspectos como: identificação, escolaridade, família, moradia, trabalho e renda, saúde e previdência, e movimentos de catadores. Cerca de 90% dos associados preencheram o cadastro. Destes, 31% nunca trabalharam com carteira assinada; 58% nunca estudaram ou estudaram apenas até a quarta série; 28% não possuem nenhum tipo de documento de identificação. Mais da metade possui renda superior ao salário mínimo; 67% possuem renda entre 300 e 500 reais mensais (aproximadamente US$150,00 e US$350,00); 72% moram em casa própria; em 100% das casas há água encanada.
É importante conhecer o perfil socioeconômico das pessoas que trabalham como catadores, pois através deste levantamento é possível obter informações que possam ser utilizadas para o estímulo de mais pessoas, a fim de que estas ingressem nesta atividade, ampliando o processo de reciclagem, trazendo mais benefícios à sociedade e ao meio ambiente.

Outras Considerações:
  • Procuramos, neste artigo, por meio do processo do modelo operacional executado por uma associação de catadores de lixo localizada na região da grande Florianópolis, apresentar um novo padrão no artifício da gestão – o empreendedorismo social – como forma de mudança socioambiental sustentado na valorização da economia solidária, a qual prioriza a democratização da economia, tendo o homem e o ambiente como atores principais no processo do seu gerenciamento.
Nesse novo formato de gestão, os empreendedores buscam fortalecer novos padrões na maneira de administrar; há, portanto, o surgimento de um paradigma emergente no gerenciamento de temas relacionados com o social e o ambiental centrados na valorização do ser humano. Por meio deles, busca-se trazer valores e benefícios com atitudes fomentadas por inúmeros subsídios sociais e ambientais, que visam produzir um mundo menos desigual.
  • Essa pesquisa, que buscou soluções práticas através do modelo de gestão pelo qual o empreendedorismo social se evidencia, teve como um dos pontos mais importantes o estudo sobre a cadeia produtiva da reciclagem, que pode auxiliar na definição de ações e estratégias para a melhoria das condições dos materiais recicláveis coletados pela associação e das maneiras mais adequadas para a negociação desses materiais reciclados, que permitam obter um maior valor agregado na sua venda.
Outro aspecto que ficou evidente na pesquisa foi a necessidade de implantar uma estratégia de gestão na associação estudada. Essa ação poderá auxiliar no desempenho organizacional como um todo, além de melhorar a qualidade dos serviços prestados e a autonomia comercial dos materiais. Considera-se que esse aspecto estratégico poderá aportar uma nova perspectiva administrativa da associação e aperfeiçoar sua gestão.
  • As informações obtidas sobre as condições de trabalho da associação forneceram contribuições ideais para investir naqueles setores que demonstraram mais necessidades e atenção, tais como a segurança e a saúde. Investindo nessas áreas, a qualidade do trabalho desenvolvido pela associação tenderá a melhorar, podendo gerar mais renda e melhor qualidade de vida para os associados. Benfeitorias e atitudes aplicadas como essas finalidades sintetizam e justificam a maneira como deve ser o procedimento administrativo do empreendedorismo social.
Na formulação de uma estratégia de gestão de resíduos sólidos urbanos, segundo a experiência desta pesquisa, os aspectos a serem mais considerados são os seguintes: o entendimento da cadeia produtiva de reciclagem, dos processos da associação, das condições de trabalho dos associados e do perfil dessas pessoas.
  • Em suma, aprofundar os conhecimentos sobre os fatores que constituem a associação pesquisada foi uma experiência singular, e trabalhar conceitos e fundamentações sobre essa nova forma de gerir soluções socioambientais só foi possível porque se pôde observar o quanto esse tipo de atitude é importante. Sua influência se reflete em diversos setores, desde a inserção de pessoas excluídas do mercado de trabalho e a reaquisição da sua dignidade humana até os inúmeros benefícios que traz ao meio ambiente.

Assim, os pequenos vão aprender a reciclar materais, além de transformar 
garrafas pets em cestinhos e colorir ovos de papel reciclado.

sábado, 30 de maio de 2015

A Sustentabilidade nas Micro e Pequenas Empresas

A Sustentabilidade nas Micro e Pequenas Empresas

  • Duas principais tendências destacam-se no cenário econômico mundial. De um lado verifica-se a fusão de empresas que se transformam em grandes conglomerados produtivos com atuação em muitos países do mundo. De outro, a criação de organizações menores, mais enxutas, flexíveis, criativas e inovadoras é crescente e aparece como alternativa para o desenvolvimento principalmente da economia interna dos países (CAMILOTTI, 2001). De fato, micros, pequenas e médias empresas representam a maior parte da atividade industrial da maioria das economias.
No Brasil, os números confirmam essa tendência, pois segundo o SEBRAE-SP (2006), existem 5,1 milhões de empresas e 98% destas são micro e pequenas empresas (MPEs). A competitividade crescente no plano econômico mundial, consequência do processo de globalização, a necessidade de regionalização dos sistemas produtivos e a descentralização política alcançada com a criação de MPEs foram alguns dos fatores essenciais para alavancar os expressivos dados deste setor (GOMES, 2005).
  • Junta-se a este quadro a questão sócio-ambiental, que tem guiado as atividades empresariais e exigido constante adaptação dos processos produtivos. A administração dos negócios aliando princípios sustentáveis, mediante a aplicação de práticas gerenciais alicerçadas nos conceitos e fundamentos de estratégia, organização, inovação tecnológica e marketing, é considerada como oportunidade por muitos empresários (ALMEIDA; KRUGLIANSKAS; GUIMARÃES, 2008). Em especial, neste sentido as MPEs apresentam benefícios incrementais quando comparadas a grandes companhias (BETTLEY; BURNLEY, 2008).
De acordo com os autores supracitados, as MPEs têm vantagens quando o foco é o desenvolvimento sustentável de uma região, pois são mais flexíveis e de fácil adaptação às condições locais, têm maior especificidade e produzem com maior qualidade, além de integrarem estratégias ambientais com objetivos sociais de maneira mais eficiente.
  • Desta forma, estratégias empresariais aliadas à sustentabilidade tornam-se elementos importantes nas definições dos rumos dos negócios em grandes ou pequenas empresas. A incorporação de modelos sustentáveis de ação passa a ser visto como um diferencial capaz de gerar vantagens competitivas (FERRO; BONACELLI; ASSAD, 2006).
Considerando o papel fundamental que as MPEs desempenham na economia nacional, sua dificuldade de acesso a informações e a importância no desenvolvimento sustentável de sua respectiva comunidade, este trabalho pretende construir um plano de ação com práticas sustentáveis destinado a MPEs, mais especificamente ao setor varejista de alimentos orgânicos. Assim, este trabalho busca uma ferramenta prática de aplicação da sustentabilidade como diferencial competitivo da empresa. Buscou-se integrar os princípios e práticas do desenvolvimento sustentável aos negócios, e desta forma conciliar as dimensões econômica, social e ambiental da sustentabilidade às características gerais de MPEs.

Suporte Teórico:
Desenvolvimento Sustentável - a sustentabilidade como principal característica
  • No final do século XX, a preocupação com questões ambientais conduziu a um novo conceito - o de desenvolvimento sustentável. O aprofundamento da crise ambiental, juntamente com a reflexão sistemática sobre a influência da sociedade no processo de crescimento econômico, são alguns dos fatores essenciais que provocaram esta mudança. O desenvolvimento sustentável alcançou destaque a partir da década de 1990, tornando-se um dos termos mais utilizados para definir o novo modelo de desenvolvimento.
Definido pela ONU (Organizações das Nações Unidas), em 1987, desenvolvimento sustentável é aquele que “atende as necessidades das gerações presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades” (BRUNDTLAND, 1987). Além disso, Brundtland conceitua o desenvolvimento sustentável em termos de quatro estratégias inter-relacionadas: gestão dos impactos das populações sobre os ecossistemas, garantia da segurança alimentar mundial, gestão dos recursos naturais e criação de economias sustentáveis. Apesar de estar mundialmente conhecido, este conceito pouco elucida a realidade do desenvolvimento apresentado atualmente na maioria dos territórios.
  • A confusão em torno dos conceitos de „desenvolvimento sustentável‟ e „sustentabilidade‟ conduz autores a classificá-los como conceitos “ambíguos e carregados de significado político”, especialmente quando inseridos em discursos empresariais (FUNK, 2003), ou ainda como “conceitos altamente elásticos”. Banerjee (2008) afirma que a sustentabilidade assume diferentes significados para diferentes pessoas. Esta falta de entendimento entre os discursos é uma das razões que impede o avanço das discussões e o desenvolvimento de metodologias eficazes (GARGIONI, 2009) que garantam o desenvolvimento de maneira verdadeiramente sustentável.
Segundo Sachs (1995), ao planejar o desenvolvimento sustentável, deve-se considerar simultaneamente cinco dimensões de sustentabilidade: Sustentabilidade Social, baseada na equidade social; Sustentabilidade Econômica, sustentada através da alocação e gestão mais eficientes dos recursos e de um fluxo regular do investimento público e privado; Sustentabilidade Ecológica, evidenciada pela redução de danos aos sistemas de sustentação da vida, norteadores das ações; Sustentabilidade Espacial: voltada a uma configuração rural-urbana mais equilibrada, bem como uma melhor distribuição territorial; e Sustentabilidade Cultural, que, por sua vez, se baseia na busca por raízes endógenas de processos de modernização e de sistemas agrícolas integrados.
  • Já Elkington (1999) apresenta um conceito mais conciso se comparado ao anterior, em que o desenvolvimento sustentável está assentado no chamado tripple bottom line, isto é, os três pilares básicos da sustentabilidade: crescimento econômico, equidade social e equilíbrio ecológico.
De acordo com Gladwin, Kennelly e Krause (1995), o debate sobre o significado de desenvolvimento sustentável vai continuar, e ainda deve se prolongar por um longo período de tempo, e qualquer que seja o conceito adotado, ele será apenas um entre tantos outros oferecidos no momento em questão.
  • A operacionalização do conceito de desenvolvimento sustentável não será dada somente por meio de uma ciência econômica ou tecnologias mais adequadas, nem pela inclusão de preocupações ambientais nos projetos de investimento. “Seu verdadeiro significado será derivado apenas por meio de esforços sistemáticos para a consolidação de uma sociedade mais estável, racional e harmoniosa, baseada em princípios de equidade e de justiça nas relações entre as pessoas, tanto dentro de cada sociedade, como a um nível global” (RATTNER, 1992, p.20).
Portanto, desenvolvimento sustentável constitui um conceito já incorporado ao discurso comum, com muitos defensores e críticos e, certamente, um tema sobre o qual não há completo entendimento e acordo. Neste artigo, como conceito de desenvolvimento sustentável, será adotado o descrito por Elkington (1999), em que se busca um desenvolvimento economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto.

A sustentabilidade como diferencial competitivo:
  • Segundo Porter (1990), a vantagem competitiva surge, fundamentalmente, da capacidade de criação de um valor superior de uma empresa perante seus consumidores. O valor é aquilo que os compradores estão dispostos a pagar. Já o valor superior provém, seja da oferta de preços mais baixos do que os da concorrência por benefícios equivalentes, seja do fornecimento de benefícios singulares que compensariam assim um preço mais elevado. Portanto, Porter (1990) apresenta dois tipos básicos de fontes de vantagem competitiva: a liderança em custos e a diferenciação.
As vantagens competitivas advindas da liderança em custos provêm, basicamente, de economias em escala, de um melhor gerenciamento da capacidade de produção, assim como de uma maior eficiência no design do produto, no processo de compras de matérias-primas e no processo tecnológico. Já a vantagem competitiva gerada pela diferenciação está relacionada a aspectos tangíveis e intangíveis. Aspectos tangíveis referem-se a características facilmente observáveis de produtos e serviços, seu desempenho e, eventualmente, produtos e serviços complementares associados. Aspectos intangíveis incluem considerações sociais, emocionais, psicológicas e estéticas presentes no momento de escolha do produto ou serviço pelo consumidor (MEDINA-MUÑOZ; GARCÍA-FALCÓN, 1998).
  • Uma vantagem competitiva sustentável é o resultado de uma capacidade de diferenciação devida em grande parte à influência de recursos intangíveis e à reputação da empresa, sendo estes consideravelmente mais difíceis de serem substituídos ou imitados pelos concorrentes se comparados aos aspectos tangíveis (PETIICK et al., 1999).
Nos últimos anos, tem havido muitos debates entre os pesquisadores e profissionais de gestão sobre a relação entre o desenvolvimento sustentável e competitividade. A opinião predominante é que metas de negócios e sustentabilidade parecem irremediavelmente inconciliáveis, já que a sustentabilidade pode implicar em custos adicionais para as empresas (por exemplo, os investimentos para a prevenção de impactos ecológicos negativos) e perda de competitividade (MEDINA-MUÑOZ; GARCÍA-FALCÓN, 1998).
  • No entanto, pode-se fazer uma analogia entre a sustentabilidade como diferencial competitivo nos dias de hoje e a qualidade a partir da década de 70. Como afirma Pauli (1996, pg. 113), a qualidade também foi considerada no começo como um custo e a indústria não aceitava mudar repentinamente, passando a fabricar produtos de qualidade inquestionável e defeitos nulos. No entanto, não custou muito e a qualidade perfeita tornou-se uma inquestionável ferramenta competitiva, sendo considerada, nos dias de hoje, como pré-requisito para que uma empresa entre no mercado.
Assim, entende-se que a incorporação do desenvolvimento sustentável empresarial às estratégias da empresa constitui um fator crucial para que possa efetivamente manter sua posição no mercado, desenvolver novas vantagens competitivas e criar uma boa reputação perante seus stakeholders. Ainda segundo Pauli (1996, p. 68), as empresas que entenderem tal mudança serão as triunfadoras do futuro, aquelas que negligenciarem essa postura, serão os “dinossauros de amanhã”.

Micro e Pequenas Empresas:
  • No Brasil, MPEs empresas constituem o setor de atividade que absorve a maior parte do empresariado nacional. A formação dessas empresas proporciona oportunidades para que as iniciativas individuais e a capacidade empreendedora se desenvolvam, além de contribuir para a geração de novos empregos e para a absorção da mão-de-obra qualificada ou não-qualificada que está se tornando desnecessária às grandes indústrias (CAMILOTTI, 2001).
Segundo o SEBRAE-SP, no país existem 5,1 milhões de empresas e, deste total, 98% são micro e pequenas empresas (MPEs).
  • Durante a pesquisa bibliográfica, buscou-se avaliar o atual panorama em que micro e pequenas empresas encontram-se inseridas. A melhor caracterização encontrada foi a descrita pelo IBGE (2001). 
Características Gerais de Micro e Pequenas Empresas - Baixa intensidade de capital;
  • Forte presença de proprietários, sócios e membros da família como mão-de-obra ocupada na empresa; - Poder decisório centralizado;
  • Estreito vínculo entre proprietário e empresa, principalmente em termos contábeis e financeiros; - Registros contábeis pouco adequados;
  • Contratação direta de mão-de-obra; - Utilização de mão-de-obra não qualificada ou semi qualificada;
  • Baixo investimento em inovação tecnológica; - Maior dificuldade de acesso a financiamentos;
  • Relação de complementaridade e subordinação com empresas de grande porte.
Se a sociedade está caminhando para se tornar sustentável, mais atenção deve ser dirigida às pequenas empresas, eis que o seu impacto, numa base coletiva, à sociedade e ao ambiente é semelhante ao de grandes corporações (MAKOWER, 2006).
  • Enquanto grandes empresas tendem a criar estruturas mais hierárquicas e formais, a falta de organização formal presente nas MPEs permite ao gestor minimizar a delegação de tarefas e exercer maior influência no comportamento estratégico da empresa, permitindo-lhes reagir mais rapidamente às mudanças no ambiente empresarial. Este contexto contrasta substancialmente com os procedimentos formalizados em organizações de grande porte. Gonçalves e Koprowski (1996) afirmam que, além de resposta rápida às oportunidades, ameaças e demandas surgidas no ambiente, elas possuem flexibilidade de adequação à tecnologia, qualidade e redução de custos.
Assim, as MPEs têm notória vantagem sobre as grandes organizações no que diz respeito à sustentabilidade - a sua pequena dimensão as tornam capazes de reagir mais rapidamente às mudanças no ambiente empresarial. Além disso, elas são vitais às comunidades em que se encontram inseridas, uma vez que o sucesso do negócio está intrinsecamente ligado ao desenvolvimento da comunidade.
  • Todavia, MPEs correspondem normalmente a um setor subutilizado para a divulgação da sustentabilidade dentro das comunidades. De fato, é notória a falta de informação e, mais especificamente, de ferramentas orientadas às MPEs de modo a ajudá-las a agir estrategicamente rumo à sustentabilidade (OROZCO, McELROY, SIMARD, 2008).
Essa falta de informação sobre os benefícios é constatada em Condon (2004) que ressalta que, embora a problemática da sustentabilidade deva ser uma das mais importantes considerações nos negócios das MPEs, infelizmente, muitos de seus gestores ainda desconhecem conceitos ambientais fundamentais. Além disso, muitos deles acreditam que a implementação de uma legislação ambiental mais efetiva aumentaria os custos e encargos, e que, dificilmente novas oportunidades de negócios poderiam ser criadas.
  • No Brasil, o cenário não é diferente para as MPEs, a adequação ambiental tem sido vista como determinante no aumento dos custos de produção, além de ocasionar uma série de dificuldades na produção, na assimilação e difusão de informação, bem como no desenvolvimento de conceitos e instrumentos que auxiliem no controle e no monitoramento ambiental (SEBRAE, 2005; COSTA, 2006).
Além disso, não se pode descartar que a incorporação de práticas sustentáveis requer uma conscientização e um comprometimento acerca desta problemática de forma coletiva, isto é, necessita-se do engajamento de todos os stakeholders para que a sustentabilidade vigore de fato na cultura da empresa. E esse processo muitas vezes exige uma criação e educação direcionadas a uma cultura sustentável coletiva.
  • Ainda que todos esses desafios perdurem, entende-se que as MPEs que se lançarem em direção ao desenvolvimento sustentável terão uma nova perspectiva dos negócios e da sociedade como um todo. Não obstante, as MPEs que compreenderem os benefícios da incorporação de práticas sustentáveis aos seus negócios, passarão a serem vistas por seus consumidores, investidores e empresários, respectivamente, como entidades mais éticas, que apresentam um menor risco de investimento e que oferecem novas oportunidades. 
Portanto, a adoção de práticas mais sustentáveis pode contribuir para: desenvolvimento de novos mercados, fidelização de clientes, consolidação da marca, abertura a novos capitais, pró-atividade e inovação.

Micro e pequenas empresas não acreditam em lucros gerados por práticas sustentáveis, diz estudo

Suporte Prático:
  • As MPEs têm dificuldades em se adequarem aos modelos de gestão ambiental propostos na literatura principalmente por dois motivos: a falta de informações sobre sustentabilidade dentro do universo organizacional onde atuam e, quando existem, as vantagens comerciais não são expostas de maneira clara (FRESNER, 2004).
Este artigo procurou primeiramente identificar quais eram os aspectos mais importantes no processo produtivo das MPEs, para em seguida elaborar um plano de ação direcionado a estes fatores. Os dados foram levantados por meio de pesquisa bibliográfica, entrevistas semi-estruturadas diretamente com proprietários de MPEs e coleta de informações em instituições de apoio a MPEs na cidade de Florianópolis.
  • As entrevistas foram realizadas no mês de maio de 2008. Dez MPEs do setor varejista especializadas em produtos naturais foram selecionadas, mas apenas cinco concordaram em participar do projeto. As entrevistas seguiram um roteiro pré-estabelecido que procurava compreender melhor questões relativas aos clientes, fornecedores, colaboradores e concorrentes.
A atividade de varejo, dentro do contexto de serviços, tem crescido em importância e poder de negociação. Avanços neste setor têm auxiliado de forma significativa profissionais durante sua atuação no mercado. A rápida disseminação e reprodução das informações, principalmente com relação aos processos e inovações, tornam o cenário cada vez mais competitivo, exigindo atenção permanente dos executivos (ZEN, 2005).
  • Como forma de homogeneizar os itens que dariam suporte a criação do plano de ações, foram utilizadas para este trabalho apenas lojas de varejo especializadas em produtos naturais. Esta linha de produto foi selecionada por apresentar expressivo crescimento no mercado e forte tendência de aumento no número de consumidores que buscam melhor qualidade de vida e se preocupam com sua saúde (ICEPA, 2003).
Desta forma, incorporar itens que diferenciem as atividades da empresa é essencial para a sobrevivência da mesma no cenário atual. Para tanto, diversos modelos de gestão ambiental já estão disponibilizados na literatura, porém poucos têm focado a atuação das MPEs.
  • Portanto, este trabalho é de caráter exploratório e de natureza qualitativa, sendo utilizadas as ferramentas de pesquisa bibliográfica e entrevistas semi-estruturadas com proprietários de MPEs como forma de coletar os dados de interesse (PACHECO JR, PEREIRA, PEREIRA FILHO, 2007). A partir dos dados pesquisados, um plano de ações de práticas voltadas para a sustentabilidade para MPEs foi elaborado, sendo que alguns pontos foram discutidos de maneira mais específica para MPEs de varejo.
Assim como fizeram Borges e Rutkowski (2007), o presente artigo apresenta primeiro um modelo geral organizado em etapas e com atividades específicas para cada período. Posteriormente, a partir dos dados coletados e observados nas MPEs visitadas, é proposto um plano como ferramenta para implementar as práticas sustentáveis em MPEs de varejo. Conforme citam Borges e Rutkowski (2008), a ferramenta de checklist irá implementar o plano proposto de maneira interativa na empresa de modo a valorizar o capital humano, o conhecimento e a consolidação de habilidades, considerados por Robins e Trisoglio (1992) como procedimentos essenciais à mudança do gerenciamento e da atitude dos funcionários rumo ao desenvolvimento sustentável.

Resultados e Discussão:

A partir da pesquisa bibliográfica e das entrevistas realizadas, algumas características das MPEs foram consideradas importantes no desenvolvimento de um plano de atuação voltado para a sustentabilidade, conforme apresenta a Tabela 2. Características Gerais MPEs - Baixa capacidade de investimento;
  • Presença do proprietário como mão-de-obra da empresa; - Poder decisório centralizado no proprietário;
  • Contratação direta de mão-de-obra; - Utilização de mão-de-obra pouco qualificada;
  • Restrição de mão-de-obra: muitas atividades para poucos funcionários; - Espaço físico restrito;
  • Preocupação com qualidade: produtos e atendimento.
Assim, um plano de ação direcionado a MPEs deve ser de baixo custo e simples aplicação. Desta forma, propõe-se um modelo geral para a construção de qualquer plano de ação. Este processo possui quatro etapas: levantamento, planejamento, aplicação e avaliação. A Figura 1 apresenta a estrutura proposta assim como as atividades que devem ser desenvolvidas em cada uma das etapas.

Plano de Ação:
Práticas Sustentáveis em MPEs de varejo
  • O setor de varejo, dentro do contexto de serviços, apresenta processos de produção com algumas singularidades, principalmente em decorrência do fato que os clientes participam diretamente do processo, neste caso, da venda. Em serviços, os clientes participam do processo produtivo. De maneira geral, o processo deve sempre satisfazer as expectativas dos seus consumidores. Como tais expectativas se alteram de maneira muito dinâmica, o processo deve estar preparado para sofrer as alterações necessárias, para atender ou até mesmo superar as expectativas do consumidor, que é o principal objetivo de uma empresa de serviços que pretende se destacar no mercado (PALADINI, 1995).
Assim, os itens listados pelos proprietários das MPEs pesquisadas que têm maior impacto nos clientes. Os itens estão divididos nas três etapas: antes do processo, durante e depois. “Antes do processo” corresponde ao período em que a empresa está se organizando para atender o cliente. A etapa seguinte é o atendimento propriamente dito, e no “depois” estão os itens que restam após o processo, ou seja, o pós-venda. ANTES DURANTE DEPOIS Cultura organizacional Fornecedores Colaboradores Qualidade Aspectos legais Colaboradores Materiais utilizados Adequação do espaço físico Satisfação do cliente Resíduos recicláveis Resíduos orgânicos Imagem da empresa
  • Dentro de cada etapa procurou-se identificar ações que tornassem as atividades mais adequadas de acordo com os princípios de empresas sustentáveis. Com o objetivo de facilitar o uso de práticas sustentáveis, o presente artigo propõe ações na forma de checklist por entender que esta metodologia é mais simples, adequada à realidade das micro e pequenas empresas pesquisadas.
Nas MPEs participantes pode-se perceber que os problemas estavam relacionados principalmente com o acúmulo de embalagens que chegavam dos fornecedores, desperdício de energia elétrica, eleição de fornecedores distantes e má acomodação dos produtos resultando em desperdícios. Assim, as ações propostas procuraram focar estas atividades. 
  • Além disso, a proposta procurou apresentar ações nas três dimensões do desenvolvimento sustentável, como citado no suporte teórico deste trabalho: economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto. ETAPA ATIVIDADE ITEM OK Antes Levantamento e reconhecimento da situação atual da empresa Listar todas as atividades desenvolvidas pela empresa. Verificar a conformidade com as leis ambientais, trabalhistas e financeiras. Revisar as metas da empresa e incorporar o fator sustentável. Listar os fornecedores e a localização dos mesmos. Verificar no quadro de funcionários aqueles que residem na região.
A empresa tem algum selo ou segue algum modelo de qualidade? Identificar fontes de desperdício Listar os gastos com energia, água e matéria prima. Verificar a possibilidade de redução destes gastos. Planejamento das ações Elaborar uma planilha com os problemas, as ações propostas e o resultado esperado. Definir os responsáveis por cada ação e as metas a alcançar. Apresentar para os colaboradores e verificar a aceitação. Buscar propostas junto aos funcionários. Durante Aplicação Recolhimento dos impostos conforme sua atuação e ramo de atividade desenvolvida. Oferecer bom ambiente de trabalho. Enfatizar o uso de materiais, energia elétrica e água de maneira consciente, evitando o desperdício. 
  • Avaliar o consumo de energia dos equipamentos utilizados pela empresa. Dar preferência por aqueles de menor consumo de energia. Manter o espaço físico limpo e adequado para o armazenamento dos produtos. Organizar o espaço físico de maneira que sejam otimizadas a iluminação e a circulação natural do ar. Gerenciar os desperdícios de forma eficaz, buscando sempre a reciclagem ou o reuso. Sempre que possível fazer a reutilização de materiais (papel, sacolas plásticas, copos descartáveis, etc.). 
Depois Avaliação Definir indicadores para a avaliação do modelo aplicado. Verificar se os colaboradores realizam corretamente as atividades de sua responsabilidade. Resíduos Garantir o destino correto para os resíduos acumulados durante um dia de funcionamento da empresa. Implementar a separação dos resíduos recicláveis e orgânicos. Verificar qual é o destino dos resíduos recicláveis (embalagens, papelão, papel, plásticos, etc.). Proporcionar destino adequado aos resíduos orgânicos (restos de alimentos, frutas e verduras não comercializadas, etc.). Imagem da Empresa Proporcionar ao cliente canais de comunicação com a empresa para comentários e sugestões (caixa coletora de sugestões, por exemplo). Existe alguma vantagem para clientes fiéis? Realizar projetos em conjunto com vizinhança (revitalização de áreas de lazer, dias comemorativos, palestras explicativas, entre outras). Divulgar os casos de sucesso ou economias geradas pela implementação da política ambiental.
  • As práticas listadas têm como objetivo favorecer a adequação das MPEs aos princípios sustentáveis. Conforme enfatiza Hillary (2000), as MPEs são peça fundamental para alcançar o desenvolvimento equilibrado dentro de uma sociedade. Por esse motivo, sugere-se a associação com fornecedores da mesma região, a contratação de colaboradores que residem próximos ao local e a promoção de projetos e atividades em conjunto com a vizinhança. Ao adotar tais ações, as MPEs podem se tornar os maiores contribuidores para a redução da poluição global, assim como das desigualdades sociais entre regiões (HILLARY, 2000).
Além disso, as MPEs desempenham um papel fundamental junto às comunidades locais, pois utilizam mão-de-obra local, e mais especificamente, seus empreendedores se tornam agentes ideais de mudança em direção à sustentabilidade. Portanto, acredita-se que a divulgação das práticas adotadas pela MPE para a comunidade venha a funcionar como incentivo, de maneira que a comunidade local também adote práticas mais sustentáveis no seu cotidiano. Cabe ressaltar ainda que, como afirmam Orozco, McElroy e Simard (2008), estes pequenos empresários desempenham dois papéis: um como proprietário do negócio, e outro como membro da comunidade. Esta relação simbiótica garante que o sucesso do negócio esteja intrinsecamente ligado ao desenvolvimento da comunidade.
  • É importante ressaltar, que para atuar de maneira adequada no contexto do desenvolvimento sustentável, a empresa precisa acima de tudo agir de maneira consciente, encarando o meio ambiente não apenas como uma fonte indispensável de matéria prima, mas também como o mais importante dos clientes (KINLAW, 1997). Apesar de as ações estarem separadas por etapas do processo produtivo, elas devem ser implementadas em conjunto para consolidar a prática de maneira sistêmica, ou seja, abrangendo todos os setores da empresa.
Outras Considerações:
  • Conforme ressalta Kinlaw (1997), atualmente não basta mais que as empresas demonstrem uma contínua melhoria de seus serviços e produtos, agora elas estão pressionadas a demonstrar sua capacidade de atuação de forma “amistosa” com o meio ambiente. Assim, foi objetivo desse trabalho oferecer um plano de ações para a aplicação de práticas de sustentabilidade em MPEs.
O plano proposto, bem como as ações práticas listadas, pode auxiliar MPEs a adequarem sua atuação ao contexto do desenvolvimento sustentável. Uma preocupação deste trabalho foi propor ações de baixo custo e de simples aplicação em virtude das características específicas das empresas de pequeno porte.
  • Portanto, este trabalho construiu um plano de ação com práticas sustentáveis destinado às MPEs, mais especificamente ao setor varejista de alimentos orgânicos, mas aplicável em MPEs de outros setores. A construção desta ferramenta de aplicação da sustentabilidade focou propor ações que gerassem impacto nos itens listados pelos proprietários como diferenciais competitivos da empresa.
Como descrito anteriormente, as MPEs são protagonistas de transformação nos negócios, e também devem atuar dessa forma com relação a iniciativas sustentáveis, pois têm uma vantagem sobre as grandes organizações no que diz respeito à sustentabilidade: sua pequena dimensão significa que elas são capazes de reagir mais rapidamente às mudanças no ambiente empresarial.
  • O plano de ações proposto será colocado em prática, sendo que até o momento foram realizadas apenas as etapas de levantamento e planejamento das ações. É pretensão dos autores continuar com a investigação e realizar as etapas de aplicação e avaliação do plano nas MPEs interessadas. Desta forma, busca-se a melhoria contínua da interação dos princípios e práticas do desenvolvimento sustentável aos negócios das micro e pequenas empresas.

Sustentabilidade e inovação são temas-chave para garantir um diferencial 
competitivo para as micro e pequenas empresas

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Seabórgio - (Sg)

Os radiofármacos são emissores de radiação e altamente utilizados em exames
de diagnóstico por imagem.

  • O seabórgio ( em homenagem a Glenn T. Seaborg ) ou Eka-Tungstênio (comportamento químico provavelmente semelhante ao tungstênio ) é um elemento químico sintético , símbolo Sg , número atômico 106 ( 106 prótons e 106 elétrons ) com massa atômica 266 u. É um metal de transição pertencente ao grupo 6 da classificação periódica dos elementos.
É um elemento radioativo, transurânico, provavelmente metálico , sólido de aspecto prateado. O elemento foi sintetizado, em 1974, por uma equipe soviética em Dubna, e por uma equipe norte-americana em Berkeley. 
  • O isótopo mais estável é o 266 Sg com uma meia-vida de 21 segundos. Nenhum uso é conhecido fora do âmbito da pesquisa.


História:
  • O elemento 106 foi descoberto simultaneamente em dois laboratórios. Em junho de 1974, uma equipe soviética liderada por G. N. Flerov no "Joint Institute for Nuclear Research" em Dubna relatou a produção do isótopo de seabórgio com massa 259 (meia-vida de 0.48 segundos) bombardeando isótopos de chumbo com íons Cr-54. 
Em setembro de 1974 , uma equipe norte-americana liderada por Albert Ghiorso no "Lawrence Radiation Laboratory" da Universidade da Califórnia, Berkeley, relatou a criação de um isótopo de massa 263 ( meia-vida de 1 segundo ) bombardeando isótopos de Cf-249 com íons de O-18.
  • Os americanos sugeriram para o elemento o nome "seabórgio", em homenagem ao químico e físico norte-americano Glenn T. Seaborg. Criou-se uma controvérsia porque o homenageado ainda era vivo. A IUPAC resolveu adotar o nome temporário "unnilhexium" (símbolo Unh).
Um comitê internacional decidiu, em 1992 , que os laboratórios de Berkely e Dubna levariam o crédito da descoberta.
  • Em 1994 a IUPAC recomendou para o elemento 106 o nome Ruterfórdio adotando a regra que nenhum elemento pode ser nomeado em homenagem a uma pessoa viva. 
Esta regra foi ferozmente criticada pela "American Chemical Society", alegando que um precedente já tinha ocorrido quando foi nomeado um elemento de einstênio em homenagem a Albert Einstein enquanto vivo. Em 1997, como parte de um acordo que envolveu os elementos 104 e 108, o nome "seabórgio", símbolo "Sg" foi reconhecido internacionalmente.

Isótopos:
  • 11 isótopos de seabórgio são conhecidos, sendo o de mais longa vida o isótopo 269Sg , cujo modo de decaimento ocorre através de emissão alfa e fissão espontânea. Apresenta uma meia-vida de 22 segundos. 
O de vida mais curta é o isótopo 258Sg com decaimento alfa e fissão espontânea. A meia vida deste isótopo é de apenas 2.9 milissegundos.

Compostos:
  • Pouco se sabe sobre a química do Seabórguio, mas sabe-se que ele apresenta nox +6.

O sensato é adequar a produção de radiofármacos às normas de fabricação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa/MS)

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Reciclagem para a produção de argamassas

Argamassa utilizada para colagem de tijolos

  • O grande desenvolvimento tecnológico dos últimos anos aumentou significativamente a produção de bens industrializados e volume de recursos minerais explorados. Associado a essa grande expansão produtiva houve um enorme aumento na quantidade de resíduos produzidos, fazendo com que milhões de toneladas de resíduos inorgânicos sejam produzidas a cada dia em todo mundo. Tradicionalmente esses resíduos são descartados indiscriminadamente no meio ambiente ou depositados em aterros. 
No entanto, alternativas de reciclagem e reutilização devem ser sempre pensadas como as primeiras alternativas para o seu gerenciamento, a fim de buscar re-introduzir-los no ciclo produtivo. Já é um consenso que o gerenciamento dos resíduos é uma das questões mais importantes tanto para a saúde pública como para o desenvolvimento industrial no século 21. O que faz com que o desenvolvimento de novas tecnologias de reciclagem de resíduos sólidos tenha grande importância não apenas ambiental, mas também econômica nos dias atuais.
  • O setor da construção civil é um segmento que se destaca pelo elevado desperdício de material e geração de resíduos. Tais resíduos são descartados em aterros, no entanto, na estrutura das grandes cidades não há mais espaços para essas disposições, em virtude da aglomeração de pessoas e alta valorização do espaço físico. 
O resíduo da construção e demolição é composto por fragmentos ou restos de tijolos, argamassas, concretos, aço, madeiras, gesso, etc. Estudos evidenciaram que esse resíduo é uma fonte de materiais alternativos de grande utilidade e que sua reciclagem pode reduzir custos, consumo de matérias-primas e os gastos com energia do setor da construção civil. O segmento de beneficiamento mineral também gera elevadas quantidades de resíduos em todo mundo. 
  • O beneficiamento do granito para produção de chapas, produz um significativo volume de rejeito na forma de “lama” proveniente da serragem dos blocos. Essa lama é constituída pelo pó oriundo da serragem e por partículas de granalha e cal que são utilizados durante o processo, apresentando elevados teores de SiO2, Al2O3, Fe2O3 e CaO. A lama do beneficiamento do granito é, em geral, descartada em córregos, ravinas e lagos, havendo a formação de grandes depósitos a céu aberto. A lama da serragem enquanto fluída afoga plantas e animais e deprecia o solo, quando seca, sua poeira inspirada é danosa à saúde. 
A inserção dos resíduos em um ciclo produtivo representa não apenas uma alternativa de barateamento da produção, mas também, uma opção de reciclagem e reutilização desses materiais, sendo interessante tanto no aspecto ambiental como no econômico. A reciclagem e a reutilização estão entre as principais alternativas na busca pelo desenvolvimento sustentável, possibilitando a economia de matérias-primas não renováveis e de energia, e a redução dos impactos ambientais dos resíduos na sociedade moderna. 
  • Aliado às necessidades de reciclagem e reutilização dos resíduos inorgânicos, há o grande crescimento populacional e o elevado déficit habitacional em todo o mundo, que acentuam a necessidade de se obter materiais de construção com baixo custo e capazes de satisfazer aos anseios de infra-estrutura da população, sobretudo nos países em desenvolvimento. A incorporação dos resíduos da construção civil e do beneficiamento mineral em produtos para construção civil vem se mostrado uma ótima alternativa para diversificar a oferta de matérias-primas e para a economia de recursos naturais. 
Nesse sentido, vários pesquisadores têm se dedicado à busca de alternativas para baratear os materiais de construção, dentre essas, tem-se o uso de resíduos minerais e da construção. Seguindo essa abordagem, observou-se  que dependendo da composição química e distribuição do tamanho de partículas, vários resíduos industriais podem ser usados em argamassas para a construção civil, seja em substituição parcial ao cimento ou ao agregado miúdo. Diversos estudos vêm apresentando sucessos na utilização de resíduos inorgânicos para a produção de argamassas, evidenciando sua adequabilidade como matérias-primas alternativas para a construção civil. Assim, este trabalho tem por objetivo analisar a viabilidade de utilização do resíduo da serragem do granito e de resíduos da construção civil como materiais alternativos para a produção de argamassas.
  • Foram utilizados os seguintes materiais: resíduo da serragem do granito, identificado por RG (cedido pela empresa Fuji S.A., Campina Grande, PB); três resíduos da construção civil, coletados em obras de edificações em Campina Grande, PB e identificados por RC-01, RC-02 e RC-03; cal hidratada cálcica, CH-I [25] (Carbomil, Fortaleza, CE) e areia (do Rio Paraíba, município de Barra de Santana, PB), com diâmetro máximo de 1,2 mm (determinado segundo normalização) e módulo de finura de 0,36%. A composição química da cal, determinada por via úmida, está apresentada abaixo.
Os resíduos foram coletados segundo normalização. Após coleta os resíduos da construção passaram por um processo de separação de materiais para retirada de materiais não cerâmicos, como madeira, ferro, plásticos, etc. Em seguida o resíduo da serragem do granito e os resíduos da construção foram moídos, passados em peneira malha ABNT 200 (0,074 mm) e caracterizados através de análise granulométrica por espalhamento laser (Cilas 1064), determinação da massa específica real, área específica pelo método do permeâmetro de Blaine, análise química via úmida, difração de raios X (Shimadzu XRD 6000) e análise térmica diferencial (BP Engenharia 3020).
  • Após caracterização, foi determinado o índice de atividade pozolânica com cal dos resíduos da construção civil, conforme normalização. O ensaio para determinar o índice de atividade pozolânica com cal (Ca(OH)2) é uma medida direta do grau de pozolanicidade através da determinação da resistência à compressão simples (segundo a normalização de corpos-de-prova de argamassa padrão preparada com o material em estudo, cal, areia e água, após 7 dias de cura.
Em seguida, foram preparadas argamassas utilizando a proporção 1:3 (uma parte de cal e três de areia), usando fator água/aglomerante de 0,48. As argamassas contendo resíduo foram obtidas incorporando teores de 25, 35 e 50% em massa de resíduo em substituição ao aglomerante (cal) no traço da argamassa convencional. Em seguida, foram moldados corpos-de-prova cilíndricos com 5 cm x 10 cm conforme normatização. Os corpos-de-prova e foram curados em imersão em água por 7, 14, 28 e 60 dias. Após cura, foram determinadas suas resistências a compressão simples (RCS).

Composição química dos materiais: (% massa).
  • Materiais PF SiO2 Al2O3 Fe2O3 CaO MgO Na2O K2O PbO SO4 Total
  • Cal 24,15 0,02 - 0,04 74,9 0,79 - - 0,02 0,08 100,00
  • RG 4,44 63,30 15,46 5,98 4,48 - 2,70 3,63 - - 99,99
  • RC-01 4,06 67,90 14,87 4,79 2,80 4,00 0,65 1,18 - - 100,25
  • RC-02 3,77 68,66 15,52 5,40 2,52 1,80 0,68 1,46 - - 99,81
  • RC-03 5,32 68,36 11,65 4,10 3,36 4,63 0,82 1,26 - - 99,50
Os resíduos apresentam, após moagem, largas distribuições granulométricas. Os resíduos da construção possuem distribuições semelhantes, aparentemente mono-modal, com concentração de partículas em torno de 70 μm. O resíduo de granito é o mais fino, apresentando uma distribuição multimodal com concentração de partículas em torno de 2, 8, 20 e 40 μm. Os resíduos RC-01, RC-02, RC-03 e RG apresentaram D10, D50 e D90 de 3, 30 e 80 μm, de 2,3, 15 e 65 μm, de 2, 23 e 60 μm e de 1, 6 e 30 μm, respectivamente.
  • Os resíduos apresentam fração de partículas com dimensão acima de 74 μm semelhante à indicada pelo fabricante para a cal utilizada (% superior a 74 μm de 1,8%). Verifica-se também, que a fração abaixo dos 45 μm de todos os resíduos também é muito elevada, variando de 63 a 95% em volume, o que pode favorecer a reatividade dos resíduos estudados, particularmente os da construção, com relação ao desenvolvimento de suas características pozolânicas. De acordo com a normalização um material para ser considerado pozolânico deve apresentar um máximo de 34% em massa retida na peneira ABNT 325 (45 μm). 
Os resultados, (fração acumulada) são em porcentagem volumétrica, no entanto, considerando-se que a densidade dos constituintes do resíduo são semelhantes, acredita-se que a porcentagem de partículas com dimensões acima de 45 μm de todos os resíduos estão de acordo com a normalização para materiais pozolânicos, a exceção do resíduo RC-01 que apresenta uma valor próximo dos 34%, mas superior.
  • Os valores de massa e área específica dos resíduos estudados. Os resíduos apresentam massas específicas levemente superiores aos valores observados  para cais usadas na produção de argamassas (2,3 a 2,4 g/cm3). Em relação à área específica, tem-se que os resíduos apresentam variação de 0,34 a 1,18 m2/g, sendo o resíduo de granito o que apresentou a maior área específica, tal como esperado com base nas curvas de distribuição granulométrica. O resíduo de granito apresentou valor de área especifica semelhante ao das cais utilizadas na construção civil (1,2 a 1,7 m2/g), entretanto, os resíduos da construção apresentaram valores significativamente inferiores. O que pode vir a comprometer o desenvolvimento das características pozolânicas nesses materiais.

Argamassas de Concreto

Massa específica real e área específica dos resíduos:

Resíduo
Massa Específica Real (g/cm3)
Área Específica (m2/g)
  • RG - 2,79 - 1,18
  • RC-01 - 2,43 - 0,48
  • RC-02 - 2,52 - 0,34
  • RC-03 - 2,69 - 0,37
Acima mostra-se as composições químicas dos resíduos analisados. Os resíduos contêm SiO2 e Al2O3 como principais constituintes e Fe2O3, óxidos alcalinos e alcalinos terrosos em menores proporções. O elevado teor de Fe2O3 e CaO no resíduo de granito é devido à utilização de granalha e cal como agentes abrasivos e lubrificantes, respectivamente, durante o processo de serragem. Nota-se que os resíduos apresentam teores de SiO2, Al2O3 e Fe2O3, superando o valor mínimo de 70% requerido na normalização para materiais pozolânicos [34, 35]. Observa-se, também, que a perda ao fogo, inferior a 10%,também atende às exigências da normalização. 
  • No que se refere aos teores de MgO e os teores de álcalis em Na2O, que a normalização estabelece tendo como máximos 3 e 1,5%, respectivamente, observa-se que o resíduo de granito e os resíduos RC-01 e RC-03 apresentam valores superiores aos exigidos. Pelo conhecimento da origem geológica de onde é extraído o granito, acredita-se que seus álcalis devem está associados a micas e feldspatos presentes no material e, assim, não tendo interferência na aplicação em argamassa do granito, porque os álcalis estariam “imobilizados” na estrutura desses materiais. Com referência a elevada porcentagem de MgO nos resíduos, acredita-se que ela pode está associada a presença de silicatos de magnésio ou dolomita na argila, o que é comum nas argilas usadas na região para produção de blocos cerâmicos e telhas.
O resíduo de granito é constituído por quartzo, feldspato, mica, carbonato de cálcio e óxido de ferro. Os resíduos da construção possuem constituição semelhante, à exceção dos resíduos RC-02 e RC-03, que não apresentam óxido de ferro. Não se observam picos residuais de caulinita, o que indica que a estrutura cristalina da caulinita, (ou de outros argilominerais presentes na argila original), foi totalmente destruída com a queima. Nos difratogramas não há picos relacionados a fases cristalinas formadas com o aquecimento de argilominerais, como mulita ou cristobalita, o que evidencia que a temperatura de queima foi suficiente apenas para provocar a dexidroxilação dos argilominerais e a formação de material amorfo e vítreo. 
  • A presença de mica nos resíduos da construção vem ao encontro dessa análise, sendo mais um indicador da baixa temperatura de queima dos resíduos analisados, já que a total destruição da estrutura cristalina da mica ocorre em temperaturas entre 800 e 1000 oC. Assim, os resíduos apresentam, provavelmente, elevado teor de argilominerais dexidroxilados, que são muito reativos e propícios ao desenvolvimento de atividade pozolânica quando em contato com cal ou cimento. Com base nos resultados obtidos com a difração de raios X, tem-se que o elevado teor de álcalis nos resíduos é oriundo dos feldspatos e mica presentes nesses materiais. Há picos de calcita nos difratogramas dos resíduos de construção o que justificaria o elevado teor de CaO nesses resíduos. O teor de MgO pode estar associado a calcita, em virtude da presença de uma calcita magnesiana e/ou também a presença de silicatos magnesianos nas matérias-primas, que após queima não apresentam estrutura cristalina, não podendo ser identificados por difração de raios X.
Caso o magnésio esteja imerso em uma matriz vítrea no resíduo ele não interferirá na aplicação dos resíduos para a produção de argamassa, no entanto, caso ele possa se hidratar e formar fases expansíveis, ele poderá comprometer o uso dos resíduos para esse fim. Isto poderá ser avaliado por difração de raios X após a produção das argamassas.
  • Os resíduos apresentam picos endotérmicos entre 110 e 120 oC, relacionados à perda de água livre e adsorvida. Há picos endotérmicos em ~570 oC em todos os resíduos, que é indicativo da transformação do quartzo α em β. Os resíduos da construção apresentam picos endotérmicos em 800 e 840 oC, relacionados, provavelmente, à decomposição do carbonato de cálcio. Os resíduos da construção analisados apresentam resultados similares aos reportados, o que indica o elevado grau de reprodutibilidade mineralógica desses resíduos independentemente da obra da qual fora coletados. É interessante salientar que não se observam picos associados à nucleação de mulita, (picos exotérmicos em ~ 975 oC ), apesar de acreditar-se que o resíduo apresenta em sua constituição elevada fração de metacaulnita (formada durante a queima dos blocos e telhas cerâmicos), que poderia ser transformada em mulita durante o aquecimento da análise térmica. 
No resíduo de granito observa-se um pequeno pico endotérmico por volta de 820 oC possivelmente relacionado à decomposição do carbonato de cálcio, uma banda endotérmica por volta de 740 oC, possivelmente relacionada a dexidroxilação da mica e um pico exotérmico por volta de 850 oC provavelmente associado à destruição total da estrutura da mica. Esse pico exotérmico em algumas micas/ilita pode não ser bem pronunciado ou ocorrer em temperaturas acima de 1000 oC, o que pode justificar a não observação desse pico nos resíduos da construção, apesar desses materiais apresentarem mica em sua constituição. Vale salientar que nos resíduos da construção não se observa picos ou bandas relacionados a dexidroxilação da mica porque, provavelmente, esse fenômeno já se processou durante a queima dos seus materiais argilosos.
  • Os índices de atividade pozolânica dos resíduos da construção são apresentados na Tabela III. A atividade do resíduo do granito não foi determinada porque em estudos  observou-se que esse resíduo não apresenta atividade pozolânica, em virtude de ser composto basicamente por materiais cristalinos (que possuem baixa reatividade com hidróxido de cálcio). Pode-se observar que o resíduo RC-01 é o que apresenta o maior índice de atividade, superior a 16 MPa. Segundo a normalização  são considerados pozolânicos os materiais que apresentam índice de atividade pozolânica com cal, aos 7 dias de cura, igual ou superior a 6,0 MPa. De acordo com esta especificação, os resíduos RC-01 e RC-02 podem ser considerados materiais pozolânicos, pois apresentam valores superiores àquele limite, fato relacionado, provavelmente, à desidroxilação dos argilominerais presentes nos blocos e telhas cerâmicos após queima, que provocou modificação nas suas estruturas cristalinas transformando-as em amorfas ou com alto grau de desordem estrutural, o que, em ambos os casos, aumenta a sua reatividade e lhes fornece um caráter pozolânico.
O RC-03 apresenta um índice de atividade pozolânica inferior a 2 MPa, o que pode está associado à presença de apenas uma pequena quantidade de material oriundo de restos de blocos e telhas cerâmicos. Estudos  também observaram resíduos da construção com baixos índices de atividade pozolânica com cal, inferiores ao indicado pela normalização para se considerar o material pozolânico. Assim, apesar da similaridade das características mineralógicas dos resíduos estudados, bem como dos analisados em outras pesquisas, como mencionado anteriormente, verifica-se que o teor de material reativo aparentemente pode variar significativamente de acordo com o resíduo analisado. Esse material amorfo ou com alto grau de desordem cristalina é difícil de ser identificado e quantificado através das técnicas de análises mineralógicas tradicionais, evidenciando-se a necessidade do desenvolvimento de estudo tecnológico paralelamente a análise mineralógica a fim de se avaliar com exatidão o caráter pozolânico dos resíduos oriundos de construção.
  • A argamassa produzida utilizando-se o resíduo RC-01 apresenta um desempenho mecânico superior ao das demais argamassas contendo resíduos, bem como, da argamassa convencional, em todos os dias de cura. No entanto, esse melhor desempenho acentua-se a partir do vigésimo oitavo dia de cura e conforme se aumenta o teor de resíduo incorporado, o que está possivelmente associado à elevada pozolanicidade desse resíduo. 
O comportamento mecânico da argamassa contendo o resíduo RC-02 é similar ao da argamassa convencional quando da adição de 25% de resíduo, entretanto, com o aumento da quantidade de resíduo, verifica-se um aumento significativo da resistência das argamassas com resíduo após 28 dias de cura com relação a resistência da argamassa convencional. O que indica que quando o resíduo não apresenta elevado índice de atividade pozolânica (tal como o RC-01) é necessária uma adequada dosagem no teor de resíduo a fim de se ter uma melhora na resistência da argamassa e que, essa melhora na resistência só se pronunciará após um tempo necessário ao desenvolvimento das reações pozolânicas, que nesse caso, aparente ser da ordem de 28 dias.
  • Nos últimos anos vem se observando em todo o mundo um interesse crescente no uso de pozolanas como substituto parcial do cimento Portland para produção de concretos e argamassas. A presença desses materiais produz, em geral, redução na segregação e exudação das misturas no estado plástico e aumento na resistência e durabilidade no estado endurecido. Estudos observaram melhoras na resistência a compressão simples de argamassas quando da utilização de pozolanas em substituição parcial do cimento, sendo possível substituir o cimento em teores de até 40%. Nesse sentido, verifica-se que a substituição parcial da cal por materiais com características pozolânicas vem ao encontro dos resultados da literatura para argamassas contendo cimento como material aglomerante, possibilitando a melhora nas características mecânicas das argamassas produzidas. A utilização do RC-03 não propicia melhora significativa no comportamento mecânico das argamassas produzidas. No entanto, e, aparentemente, tão importante, é que não ocorre redução na resistência apesar da redução de até 50% do material aglomerante da argamassa, a cal. 
Nesse sentido, é interessante mencionar que materiais com baixa atividade pozolânica podem, quando finamente pulverizados, desempenhar ação física, atuando como material de preenchimento e melhorando o empacotamento do sistema. Tal fato é importante na densificação do sistema e no conseqüente aumento da resistência do produto final. Assim, acredita-se que o resíduo RC-03 apesar de não possuir atividade pozolânica com a cal  agiu como um “filler”, o que fez com que não houvesse uma redução na resistência das argamassas, apesar da redução no teor de aglomerante. 
  • A incorporação do resíduo de granito em substituição a cal não conduz a melhoras no desempenho mecânico da argamassa produzida. Entretanto, tal como observado com o resíduo RC-03, praticamente não ocorreu alteração no desempenho mecânico das argamassas quando da adição do resíduo RG. Estudos  já haviam indicado que o resíduo RG não possui atividade pozolânica, tal como mencionado anteriormente, no entanto, trabalhos evidenciaram que resíduos de granito quando utilizados em concretos e argamassas produzem refino na estrutura dos poros, com o preenchimento dos poros e diminuição dos espaços disponíveis para a água, aloja-se entre grãos dos agregado, contribuindo para uma densificação da zona de transição (matriz-agregado) e da matriz aglomerante. Assim, acredita-se que o resíduo RG agiu de forma semelhante ao do resíduo RC-03 nas argamassas produzidas, como um “filler”.
As fases cristalinas observadas nas argamassas são semelhantes às presentes nas matérias-primas iniciais, com a adição do hidróxido de cálcio (portlandita, Ca(OH)2). Observa-se uma grande quantidade de carbonato de cálcio na argamassa convencional, que é oriundo da carbonatação do hidróxido de cálcio. Nesse sentido, verifica-se que o teor de carbonato de cálcio nas argamassas produzidas com resíduos é menor que na convencional, o que retrata o efeito da reação pozolânica de consumo do hidróxido de cálcio e o efeito “filler” de melhora do empacotamento do sistema diminuindo a permeabilidade e carbonatação da argamassa. 
  • Não há picos relacionados ao silicato de cálcio hidratado (CSH), produto da reação pozolânica entre os resíduos e a cal, o que está provavelmente relacionado a baixa cristalinidade do silicato formado. Não há também fases cristalinas associadas ao MgO, detectado na análise química, o que indica que o magnésio possivelmente não participou da formação de fases cristalinas e assim, provavelmente, não comprometerá o uso dos resíduos da construção analisados como materiais alternativos para a produção de argamassas.
Outras Considerações:
  • Os resíduos possuem elevados teores de SiO2, Al2O3 e Fe2O3, mas também pequenos teores de óxidos alcalinos e alcalinos terrosos e que apresentam como fases cristalinas, quartzo, mica, feldspato e carbonato de cálcio, com o resíduo de granito apresentando também um pequeno teor de óxido de ferro; os resíduos apresentam elevada fração de partículas com dimensões inferiores a 45 μm; nem todos os resíduos da construção possuem atividade pozolânica com a cal; a substituição do aglomerante por resíduo na produção de argamassas pode ser efetuada com sucesso em teores de até 50% e os resíduos com atividade pozolânica propiciam aumentos significativos na resistência à compressão simples das argamassas.

Usina de reciclagem de resíduos de construção civil