quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

O Consumo e o Desperdício: A Desigualdade

Consumo e Desperdício: As duas Faces das Desigualdades

Ana Tereza Caceres Cortez
  • Em qualquer cultura, os bens funcionam como manifestação concreta dos valores e da posição social de seus usuários. Na atividade de consumo desenvolvem-se as identidades sociais e sentimos que pertencemos a um grupo e que fazemos parte de redes sociais. 
O consumo envolve também coesão social, produção e reprodução de valores e é uma atividade que envolve a tomada de decisões políticas e morais praticamente todos os dias. 
  • Quando consumimos, de certa forma manifestamos a forma como vemos o mundo. Há, portanto, uma conexão entre valores éticos, escolhas políticas, visões sobre a natureza e comportamentos relacionados às atividades de consumo.
Um dos símbolos do sucesso das economias capitalistas modernas é a abundância dos bens de consumo, continuamente produzidos pelo sistema industrial. Essa fartura passou a receber uma conotação negativa, sendo objeto de críticas que consideram o consumismo um dos principais problemas das sociedades industriais modernas.
  • Consumismo é o ato de consumir produtos ou serviços, muitas vezes, sem consciência. Há várias discussões a respeito do tema, entre elas o tipo de papel que a propaganda e a publicidade exercem nas pessoas, induzindo-as ao consumo, mesmo que não necessitem de um produto comprado. Muitas vezes, as pessoas compram produtos que não tem utilidade para elas, ou até mesmo coisas desnecessárias apenas por vontade de comprar, evidenciando até uma doença.
Segundo o Dicionário Houaiss, consumismo é “ato, efeito, fato ou prática de consumir (‘comprar em demasia’)” e “consumo ilimitado de bens duráveis, especialmente artigos supérfluos”.
  • O simples “consumo” é entendido como as aquisições racionais, controladas e seletivas baseadas em fatores sociais e ambientais e no respeito pelas gerações futuras. Já o consumismo pode ser definido como uma compulsão para consumir. Mas como fazer para não aderir ao perfil consumista? A fórmula clássica e aparentemente simples é distinguir o essencial do necessário e o necessário do supérfluo. 
No entanto é muito difícil estabelecer o limite entre consumo e consumismo, pois a definição de necessidades básicas e supérfluas está intimamente ligada às características culturais da sociedade e do grupo a que pertencemos. O que é básico para uns pode ser supérfluo para outros e vice-versa.

A sociedade de consumo:
  • O termo sociedade de consumo é uma das tentativas para entender as mudanças que vêm ocorrendo nas sociedades contemporâneas e refere-se à importância que o consumo tem recebido na construção das relações sociais e na formação e fortalecimento das nossas identidades.
Dessa maneira, o nível e o estilo de consumo tornam-se a principal fonte de identidade cultural, de participação na vida coletiva, de aceitação em um grupo e de distinção com os demais.
  • O consumo está presente nas diversas esferas da vida social, econômica, cultural e política. Nesse processo, os serviços públicos, as relações sociais, a natureza, o tempo e o próprio corpo humano transformam-se em mercadorias.
O consumismo emergiu na Europa Ocidental no século XVIII, e vem se espalhando rapidamente para distintas regiões do planeta, as sumindo formas diversas. O início do século XXI está sendo marcado por profundas inovações que afetam nossas experiências de consumo, como o desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação, a biotecnologia, o comércio por meio da internet, o debate ambientalista, a globalização etc. Ao mesmo tempo, novos tipos de protestos e reações ao consumismo emergem, exigindo uma nova postura do consumidor.
  • Com a expansão da sociedade de consumo, amplamente influenciada pelo estilo de vida norte-americano, o consumo transformou-se em uma compulsão e um vício, estimulados pelas forças do mercado, da moda e da propaganda. 
A sociedade de consumo produz carências e desejos, tanto materiais quanto simbólicos, e os indivíduos passam a ser reconhecidos, avaliados e julgados por aquilo que consomem, vestem ou calçam, pelo carro e pelo telefone celular que exibem em público.
  • A qualidade de vida e a felicidade têm sido cada vez mais associadas e reduzidas às conquistas materiais. Tal posicionamento acaba levando a um ciclo vicioso, em que o indivíduo trabalha para manter e ostentar um nível de consumo, reduzindo o tempo dedicado ao lazer e a outras atividades e relações sociais.
A politização do consumo: 
E as estratégias dos consumidores
  • Para a construção da cidadania um dos pressupostos básicos é que os cidadãos lutem pela conquista dos direitos definidos como legítimos.
Isso faz com que a noção de cidadania se torne mais ampla, incorporando novos elementos, como o direito à autonomia sobre o próprio corpo, o direito à qualidade ambiental, o direito do consumidor, o direito à igualdade, o direito à diferença e outros (Dagnino,1994).
  • A partir dessas noções, surgem novas questões relacionadas ao exercício da cidadania como, por exemplo, as atividades de consumo. Consumo e cidadania podem ser pensados de forma conjunta e inseparável, já que ambos são processos culturais e práticas sociais que criam o sentido de pertencimento e identidade, pois quando selecionamos e adquirimos bens de consumo, seguimos uma definição cultural do que consideramos importante para nossa integração e diferenciação sociais.
Como destaca Portilho (2004), num mundo globalizado, onde a própria atividade política foi submetida às regras do mercado, o exercício da cidadania não pode ser desvinculado do consumo, que é uma das atividades onde atualmente sentimos que pertencemos a um grupo e que fazemos parte de redes sociais.
  • O consumidor pode atuar de forma subordinada aos interesses do mercado, ou pode não ser submisso às regras impostas de fora, erguendo-se como cidadão e desafiando os mandamentos do mercado.
Além disso, o consumidor também pode ser crítico e optar por ser um cidadão ético, consciente e responsável, o que o leva também a novas formas de associação, de ação política, de lutas sociais e reivindicação de novos direitos.
  • Por um lado, é consenso que o consumo é realizado porque se espera que produza satisfação (biológica ou simbólica). Por outro, o consumo também pode gerar decepção e insatisfação. 
Dessa maneira, após experimentar decepções, o consumidor tem, basicamente, duas formas de reação. Se o consumidor recebeu um produto com defeito, terá uma reação individual a um problema individual, pois provavelmente ele o devolverá ou pedirá um desconto. 
  • Mas, se entender que o produto adquirido ou o serviço contratado não é seguro ou traz prejuízos sociais e ambientais, será o interesse público que está em pauta, tornando mais provável um engajamento numa manifestação pública. 
Um consumidor que viveu uma decepção desse tipo poderá estar mais bem preparado que antes para questionar a ordem social e política em geral, podendo se transformar numa importante experiência de mobilização e politização.
  • O movimento de consumidores utiliza algumas estratégias como formas de politização do consumo: cooperativas, boicotes, rotulagens etc. Trata-se de um tipo de pressão política que extrapola as ações nos locais de trabalho para atuar nas relações de consumo.
A organização de cooperativas ou redes de consumo fortalece uma percepção coletiva sobre a exploração e os abusos que acontecem nessa esfera. As cooperativas permitem aos consumidores esquivar-se, mesmo que parcialmente, das relações de exploração na esfera do consumo.
  • Um boicote pode ser definido como uma recusa planejada e organizada a comprar bens ou serviços de certas empresas, lojas e até mesmo países. 
Os boicotes servem para uma ampla variedade de propósitos: protesto contra aumentos injustificáveis de preços, pressão complementar fortalecendo ou mesmo substituindo uma greve, fortalecimento de organizações de trabalhadores, demonstração de descontentamento com a política salarial ou ambiental de uma empresa etc. 
  • As empresas são particularmente sensíveis aos boicotes, uma vez que podem ter sérios prejuízos financeiros. O sucesso de um boicote de consumidores depende de vários fatores, tais como o nível de organização da sociedade, o tamanho do mercado boicotado, a natureza e o número de mercadorias boicotadas, a interferência de governos e empresas etc.
A ecorrotulagem, ou rotulagem ambiental, consiste na atribuição de um rótulo ou selo a um produto ou a uma empresa, informando sobre seus aspectos ambientais. Dessa maneira, os consumidores podem obter mais informações que os auxiliarão nas suas escolhas de compra com maior responsabilidade e compromisso social e ambiental.
  • A rotulagem ambiental pode ser considerada também uma forma de fortalecer as redes de relacionamento entre produtores, comerciantes e consumidores.
A economia solidária é uma prática de colaboração e solidariedade baseada nos valores culturais que colocam o ser humano como sujeito e finalidade da atividade econômica, no lugar da acumulação da riqueza e de capital (Gomes, 2007). 
  • Apoia-se numa globalização mais humana e valoriza o trabalho, o saber e a criatividade, buscando satisfazer plenamente as necessidades de todos. 
Constitui-se num poderoso instrumento de combate à exclusão social e congrega diferentes práticas associativas, comunitárias, artesanais, individuais, familiares e cooperação entre campo e cidade (Arruda, 2001).
  • Segundo o MMA/MEC/Idec, ao traduzirem as insatisfações pessoais (como defeitos em um produto, propaganda abusiva, processos produtivos poluentes, exploração da mão de obra etc.) em questões públicas, os consumidores organizados reivindicam a substituição de certas regras, leis e políticas existentes por outras novas ou ainda o cumprimento das já existentes.
Neste caso, decepções e frustrações na esfera do consumo privado podem provocar maior interesse por questões públicas e maior participação em ações coletivas, pois formular, expressar, justificar e reivindicar uma insatisfação a torna coletiva e pública. (2005, p.23).
  • Portanto, as atividades de consumo operam na interseção entre vida pública e privada e por meio do debate sobre a relação entre consumo e meio ambiente a questão ambiental finalmente pode ser colocada num lugar em que as preocupações privadas e as questões públicas se encontram. 
Surge então a possibilidade de que um conjunto de pessoas busque criar espaços alternativos de atuação, enfrentamento e busca de soluções coletivas para os problemas que parecem ser individuais.

Consumo e Desperdício: As duas Faces das Desigualdades

Documentos, discussões: 
E normatização sobre o consumo:
  • O consumerismo é um movimento social organizado, próprio da sociedade de consumo, que surge como reação à situação de desigualdade entre produtores e consumidores. 
Esse movimento deu origem ao Direito do Consumidor, uma disciplina jurídica que visa estudar as relações de consumo, corrigindo as desigualdades existentes entre fornecedores e consumidores, tais como imperfeições do mercado e sua incapacidade de solucionar, de maneira adequada, uma série de situações como práticas abusivas, acidentes de consumo, injustiças nos contratos de adesão, publicidade e informação enganosa, degradação ambiental, exploração de mão de obra e outros (Idec, 2001).
  • Além de estabelecer os direitos do consumidor, o Código de defesa do consumidor estabelece as normas de conduta que devem ser seguidas pelos fornecedores de produtos e serviços de consumo.
O objetivo é preservar a vida, a saúde, a segurança e a dignidade do consumidor, responsabilizando o fornecedor pela qualidade do que coloca no mercado e exigindo deste a informação necessária sobre seus produtos, além da garantia de reparação de eventuais danos causados ao consumidor, ao meio ambiente ou à comunidade. A divulgação dos direitos do consumidor é essencial para que produção e consumo sejam vistos como áreas de interesse coletivo.
  • Entre os direitos do consumidor (artigo 6º) estão a educação para o consumo, proteção contra a publicidade enganosa e abusiva e métodos comerciais ilegais, proteção contra práticas e cláusulas abusivas nos contratos, prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, adequação e prestação eficaz dos serviços públicos em geral, acesso à justiça e aos órgãos administrativos, facilitação da defesa em favor do consumidor e informação adequada e clara sobre produtos e serviços.
O consumidor contribui para a melhoria dos produtos e serviços e para a transformação dos padrões e níveis de consumo e a consequente melhoria de vida da coletividade exigindo nota fiscal dos fornecedores de produtos e serviços, participando de ações e campanhas das organizações de defesa do consumidor e lutando por seus próprios direitos.
  • Ao emitir nota fiscal, o fornecedor é obrigado a pagar impostos que deverão ser usados pelo governo para construir escolas, hospitais, rodovias etc. Quando as pessoas participam de entidades de defesa do consumidor somam força com outros consumidores na luta pela garantia dos direitos de todos. Com essa luta crescente inibem os fornecedores que agem em desacordo com a lei.
Aos poucos, a “soberania do consumidor”, propagada pelo neoliberalismo, pode se mover em direção à “cidadania do consumidor”, em que o consumo se transforma numa prática social, política e ecológica.
  • A Agenda 21, documento assinado durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio-92), deixa clara a preocupação com o impacto ambiental de diferentes estilos de vida e padrões de consumo:
Enquanto a pobreza tem como resultado determinados tipos de pressão ambiental, as principais causas da deterioração ininterrupta do meio ambiente mundial são os padrões insustentáveis de consumo e produção, especialmente nos países industrializados. Motivo de séria preocupação, tais padrões de consumo e produção provocam o agravamento da pobreza e dos desequilíbrios. (capítulo 4 da Agenda 21)
  • A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável realizada em 2002 em Johanesburgo (África do Sul) instituiu o plano de ação Consumo Sustentável e Sociedade de Consumo, declarando que mudanças fundamentais na forma de as sociedades produzirem e consumirem são indispensáveis para a conquista de um desenvolvimento sustentável global.
Outro evento que trouxe uma contribuição importante para esse tema foi a 12ª reunião da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas em abril de 2004, que alavancou o programa decenal de produção e consumo sustentáveis exigido em Johanesburgo em 2002. 
  • Além disso, essa reunião deu um foco importante à água, ao saneamento e aos assentamentos humanos, todos elementos essenciais do consumo sustentável e também chave para a conquista de outra prioridade central das Nações Unidas – a eliminação da pobreza em todo o mundo.
Impactos ambientais e sociais do consumo:
  • Há evidências de que o padrão de consumo das sociedades ocidentais modernas, além de ser socialmente injusto e moralmente indefensável, é ambientalmente insustentável. 
A crise ambiental mostrou que não é possível a incorporação de todos no universo de consumo em função da finitude dos recursos naturais, não somente para serem explorados como matéria-prima, mas também por receberem resíduos após a utilização dos produtos.
  • O ambiente natural está sofrendo uma exploração excessiva que ameaça a estabilidade dos seus sistemas de sustentação: exaustão de recursos naturais renováveis e não-renováveis, degradação do solo, perda de florestas e da biodiversidade, poluição da água e do ar e mudanças climáticas, entre outros.
Quase metade da população mundial (47%) vive em áreas urbanas, e espera-se que esse número cresça 2% ao ano entre 2000 e 2015 (United Nations Population Division, 2001). 
  • Não há dúvida de que a aglomeração populacional, os padrões de consumo e de deslocamento e as atividades econômicas urbanas exercem intensos impactos sobre o meio ambiente em termos de consumo de recursos e eliminação de resíduos. E o resultado dessa exploração excessiva não é dividido igualmente para todos, e apenas uma minoria da população da Terra se beneficia dessa riqueza.
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Fundo Monetário Internacional (FMI) e a World Wildlife Foundation (WWF), há uma real e visível relação entre as atividades econômicas e a qualidade das características naturais do planeta, como a água, ar, solo e biodiversidade. 
  • O Índice Planeta Vivo é um indicador criado pela WWF que reflete a saúde dos ecossistemas do planeta: florestas, oceanos, rios e outros sistemas naturais. Entre 1970 e 2000, o índice perdeu cerca de 35%; uma tendência global que sugere que estamos deteriorando os ecossistemas naturais a um ritmo nunca visto na história da humanidade.
O crescimento econômico mediante a depleção do capital natural e comprometimento da manutenção da vida futura acarreta o chamado overshoot, que é o estágio em que o meio ambiente não mais consegue se regenerar e prover recursos futuros. Esse ponto foi atingido no início da década de 1980, quando as atividades humanas excederam a capacidade da biosfera (WWF, 2004).
  • Estudos comprovam que, atualmente, o homem ocupa 83% do planeta e a destruição do ecossistema já supera em 20% sua capacidade de regeneração. Em outras palavras, pode-se dizer que o mundo consome mais recursos naturais do que a própria capacidade de regeneração (Boff, 2003).

Consumo e Desperdício: As duas Faces das Desigualdades

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

A Cidadania e a Sustentabilidade Social

Cidadania e Sustentabilidade Social :A concepção das unidades 
Familiares em diferentes classes sociais

  • Em um contexto de globalização que promete a abertura de mercado, igualdade de oportunidades para todos os indivíduos e uma sociedade livre, com igualdade de direitos e deveres, a democracia pressupõe uma realidade sem grandes desigualdades entre os cidadãos.
Entretanto, com a mundialização da economia, o mercado tornou-se mais agressivo e abrangente, privilegiando determinados setores, com enxugamento e enfraquecimento dos trabalhadores, devido a precariedade do mercado de trabalho e o estado de desemprego (ATAÍDE, 2007).
  • Assim, o exercício da cidadania em sua plenitude não é uma realidade na sociedade brasileira, uma vez que existem personagens que ocupam posições tão diferentes na sociedade, sendo que alguns deles têm acesso à quase todos os bens e direitos enquanto que outros não, em virtude do baixo salário e do não direito à expressão, à saúde, e à educação. Desta forma, é possível delinear concepções diferentes de cidadania e, até mesmo, opostas (MAYER, 1967).
Segundo o referido autor, antes de definir o que é cidadania, torna-se necessário fazer uma primeira aproximação do que vem a ser um cidadão.  Para muita gente, ser cidadão confunde-se com o direito de votar, no entanto, sabemos que o ato de votar; não garante nenhuma cidadania, se não vier acompanhado de determinadas condições de nível econômico, político, sócio-ambiental e cultural.
  • Há algum tempo o tema cidadania passou a ser mais discutido no mundo contemporâneo; o fato é que, modernamente, uma vasta quantidade de direitos já está estabelecida pela legislação.
Direitos esses que devem alcançar todos os indivíduos, sem restrições. Mas o que ocorre, na realidade, é que, embora garantidos pela Constituição Federal e pelas leis, o que se verifica, na prática, é uma reiterada e ostensiva inobservância desses direitos de cidadania contra a maioria da população excluída dos bens e serviços desfrutados pelas elites. Com isso, o grande desafio é, portanto, além de incorporar novos direitos aos já existentes, integrar cada vez um número maior de indivíduos ao gozo dos direitos reconhecidos (MAYER, 1967).
  • Diante desta realidade a importância deste trabalho consiste em refletir sobre a relação cidadania e sustentabilidade social, baseando-se na concepção das unidades familiares, de diferentes classes sociais.
Assim tem-se como objetivo geral analisar os principais problemas enfrentados pela sociedade local e suas implicações para o alcance da cidadania social. 
De forma específica pretende-se:
  • Observar quais os problemas vivenciados pelas famílias viçosenses, que limitam o alcance da cidadania social e quais estratégias tem sido adotadas para atenuá-los;
  • Verificar a percepção da sociedade local com respeito a este cenário e com relação a seus efeitos sobre o ecossistema familiar;
  • Avaliar a percepção da população local, de diferentes classes sociais, sobre o termo cidadania e suas implicações na sustentabilidade social.
A globalização é um fenômeno moderno que surgiu com a evolução dos novos meios de comunicação, cada vez mais rápidos e mais eficazes. Há, no entanto, aspectos tanto positivos quanto negativos na globalização. No que concerne aos aspectos negativos, a globalização serve para os mais fracos verificarem suas fragilidades com a inter-relação com os mais fortes. 
  • Outro aspecto negativo é a grande instabilidade econômica que se cria no mundo, pois qualquer fenômeno que acontece num determinado país atinge rapidamente outros países. Como aspectos positivos, temos a facilidade com que as inovações se propagam entre países e continentes, por meio do acesso fácil e rápido à informação e aos bens. 
Com a ressalva de que para as classes menos favorecidas economicamente, especialmente, nos países em desenvolvimento, esse acesso não é "fácil", porque seu custo é elevado e não será rápido (GONÇALVES, 2007).
  • Em função da natureza assimétrica do processo de globalização, relacionada à dependência externa e ao desequilíbrio macroeconômico, as transformações ocorridas nos últimos vinte anos na política econômica do Brasil produziram profundas mudanças na vida econômica, social e cultural da população, gerando altos índices de desigualdade e situações de exclusão social. 
Como reflexo dessa estrutura de poder acentuaram-se as iniquidades sociais e de renda, afetando as condições de sobrevivência e minando as expectativas de superação desse estado de pobreza; além de reforçar sua submissão aos serviços públicos existentes. 
  • As desigualdades de renda impõem sacrifícios e renúncias para toda a família. A situação de vulnerabilidade social da família pobre se encontra diretamente ligada à miséria estrutural, agravada pela crise econômica; que lança o homem ou a mulher ao desemprego ou subemprego (GOMES e PEREIRA, 2005).
Assim, um pequeno segmento da população tem acesso a uma parcela substancial da crescente produção de bens e serviços, enquanto uma proporção muito grande é forçada a sobreviver com o restante. Como mostram os autores, de 1992 a 1999, os 25% mais pobres perderam 20% da renda e os 5% mais ricos perderam 10%. Estes dados levam a constatar que a defasagem salarial é maior para os pobres, o que amplia, ainda mais, a concentração de renda no Brasil.
  • Desta forma, a globalização tem demonstrado constituir-se em uma nova e surpreendente ameaça ao alcance da sustentabilidade social, exacerbar a desigualdade econômica e a exclusão social entre as nações e no interior delas mesmas. 
A mesma dinâmica uniformizadora que se supõe integrar os países, globaliza a miséria. Além disso, o aumento da modernização e do consumo exacerba os custos sociais e ambientais locais e globais (RAMALHO FILHO, 2003).
  • Neste contexto, Demo (1995) afirma que, aqueles que detêm o poder cuidam de encaminhar tudo na direção que atenda basicamente aos seus interesses e não ao interesse da maioria da população, apesar da aparência contrária. 
Essa situação promove o aparecimento de uma cidadania hierarquizada, uma vez que a cidadania está embutida na profissão, e os direitos dos cidadãos restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei (SANTOS apud MEDEIROS et al; 2002). 
  • Assim, aqueles trabalhadores cuja ocupação a lei “desconhece” são considerados pré-cidadãos pelo Estado, que passa a ter a função de discriminar os cidadãos em primeira, segunda e até terceira classe. Trata-se da construção de uma cidadania hierarquizada por segmentos sociais nos países de terceiro mundo (SPOSATI et al apud MEDEIROS et al; 2002).

Cidadania e Sustentabilidade Social :A concepção das unidades 
Familiares em diferentes classes sociais

  • Para Santos, apud Medeiros et al (2002), nesse contexto a cidadania é gerada no Brasil como cidadania regulada, por discriminar, estratificar e controlar quem trabalha e em que trabalha. 
Nesse sentido, o conceito de cidadania encontra-se, não em um código de valores, mas num sistema de estratificação ocupacional, no qual, tal sistema é definido como norma legal (SANTOS apud MEDEIROS et al; 2002). 
  • Conforme essa lógica, são considerados cidadãos os trabalhadores que se encontram engajados na produção e cujas ocupações sejam reconhecidas e definidas por lei.
Tal situação mostra que a constituição é uma arma na mão de todos os cidadãos, que devem saber usá-la para encaminhar e conquistar propostas mais igualitárias. Por esse motivo, mesmo que apresenta quais direitos e deveres são possíveis, sua aplicabilidade depende do enfrentamento político adotado por aqueles que detêm pouco poder. Só existe cidadania se houver a reivindicação, a apropriação de espaços, a luta para fazer valer os direitos dos cidadãos.
  • Neste sentido, a cidadania pode ser a estratégia, por excelência, para a construção de uma sociedade melhor. Mas, o primeiro pressuposto é que esteja assegurada a prática de reivindicar os direitos, e que o conhecimento deste se estenda cada vez mais a toda população (DEMO, 1995).
O desafio do fortalecimento da cidadania para a população como um todo e não para um grupo restrito, concretiza-se pela possibilidade de cada pessoa ser portadora de direitos e deveres, e de se converter, portanto, em ator co-responsável na defesa da qualidade de vida. 
  • Assim, a educação para a cidadania representa a possibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para transformar as diversas formas de participação em potenciais caminhos de dinamização da sociedade e de concretização de uma proposta de sociabilidade baseada na educação para a participação.
Segundo Jacob (2003), a educação para a cidadania assume um papel cada vez mais desafiador, pois, a produção de conhecimento deve necessariamente contemplar as inter-relações do meio natural com o social, incluindo a análise dos determinantes do processo, o papel dos diversos atores envolvidos e as formas de organização social; que aumentam o poder das ações alternativas de um novo desenvolvimento, numa perspectiva que enfatiza a sustentabilidade sócio-ambiental.
  • Continuando, o autor afirma que a educação ambiental como formação e exercício de cidadania refere-se a uma nova forma de analisar a relação entre o homem com a natureza, baseada numa nova ética, que pressupõe outros valores morais e uma forma diferente de ver o mundo e os homens. 
A educação para a cidadania é vista como um processo de permanente aprendizagem que valoriza as diversas formas de conhecimento e forma cidadãos, com consciência local e planetária.Neste contexto, a educação ambiental deve destacar os problemas ambientais, que decorrem da desordem e degradação da qualidade de vida nas cidades e regiões. 
  • À medida que se observa cada vez mais dificuldade de manter-se a qualidade de vida, é preciso fortalecer a importância de garantir padrões ambientais adequados e estimular uma crescente consciência ambiental, centrada no exercício da cidadania e na reformulação de valores éticos e morais, individuais e coletivos, numa perspectiva voltada para o desenvolvimento sustentável (JACOBI, 2003).
A preocupação com o desenvolvimento sustentável representa a possibilidade de garantir mudanças sociopolíticas que não comprometam os sistemas econômico, ecológico e social, que sustentam as comunidades. 
  • Estas dimensões se referem tanto à viabilidade econômica como à ecológica, pois, expressam a necessidade de tornar compatível a melhoria da qualidade de vida com a preservação ambiental. Uma resposta à necessidade de harmonizar os processos ambientais com os socioeconômicos, surge para maximizar a produção dos ecossistemas, a fim de favorecer as demandas e aspirações das gerações humanas presentes e futuras. 
A maior virtude dessa abordagem é que, além de privilegiar os aspectos ecológicos no plano teórico, ela enfatiza a necessidade de inverter a tendência auto-destrutiva dos processos de desenvolvimento no seu abuso contra a natureza (JACOBI, 2003).
  • Desta forma, de acordo com o mesmo autor, a sustentabilidade é um critério básico e integrador que precisa estimular permanentemente as responsabilidades éticas, a inter-relação baseada na justiça social, a qualidade de vida, o equilíbrio ambiental e a ruptura com o atual padrão de desenvolvimento.
Nesse contexto, exige-se que a sociedade esteja mais motivada e mobilizada para assumir um caráter propositivo, explicitando a escolha de temas e questões a serem enfrentadas em busca de objetivos comuns. 
  • Assim, como comenta Jacobi (2003), a sociedade deve poder questionar, de forma concreta, a falta de iniciativa dos governos para implementar políticas, pautadas pelo binômio sustentabilidade e desenvolvimento, num contexto de crescentes dificuldades para promover a inclusão social, principalmente, daqueles socialmente marginalizados; já que uma grande parcela da população brasileira é composta por desempregados, subempregados instáveis, ambulantes, biscateiros que, dentro dessa lógica discriminatória, não é considerada integrada ao sistema produtivo e, portanto, privada dos direitos de cidadania (MEDEIROS et al., 2002).
O presente trabalho foi realizado na cidade de Viçosa – MG, junto às unidades familiares, subdividido-as em diferentes classes sociais, a fim de comparar o exercício e alcance da cidadania social nas diferentes classes. Sendo assim, foram escolhidos três grupos compostos por oito pessoas, que foram estratificados por classes sociais. 
  • Desta forma, a classe baixa foi caracterizada por pessoas que recebem de 1 a 4 salários mínimos; a classe média foi representada por pessoas que recebem de 5 a 10 salários mínimos e, a classe alta composta por pessoas que recebem mais de 10 salários mínimos.
Os indivíduos amostrados foram tipificados, em função das atividades profissionais exercidas. A classe baixa era constituída por autônomos, porteiro, pintor, pedreiro, empregada doméstica e profissionais desempregados; a classe média era constituída por servidores públicos, contador e professores; enquanto que a classe alta era composta por funcionários públicos e professores universitários.
  • As informações foram coletadas por meio de entrevistas semi-estruturadas, usando o método qualitativo. E, para melhor fundamentação da temática pesquisada, além das entrevistas foi utilizada a pesquisa bibliográfica pertinente ao assunto em pauta.
Baseada nas entrevistas aplicadas, ao questionar-se a percepção nas diferentes classes sociais com relação ao significado do que vem a ser cidadania, a classe baixa demonstrou dificuldades em responder ou não soube; ao contrário, as classes média e alta se mostraram bastantes informadas e conscientes do que vem a ser cidadania, entendendo que o cidadão deve atuar em prol da sociedade e esta deve garantir-lhe os direitos básicos à vida.
  • Com relação aos principais problemas vivenciados pelas famílias viçosenses, que limitam o alcance da cidadania social, foi relatado a falta de uma educação de qualidade, segurança, saúde pública, desemprego, violência e má distribuição da renda. Especialmente, na classe baixa, foram delimitados como problemas, o desemprego e a educação, já nas classes média e alta foram apontadas a violência e a educação.
No que se refere às estratégias adotadas pelas famílias para atenuar os problemas, as principais respostas estão relacionadas à importância do diálogo e da cooperação entre os membros, para a mitigação dos problemas familiares. 
  • Ressalta-se que o envolvimento e a interação entre os membros estão associados à especialização dos papéis, em termos de participação, consensos, conflitos e formas de poder. 
Também foi relatado, principalmente pela classe baixa, que o trabalho infantil é um dos agravantes que dificultam o alcance da cidadania, uma vez que impede as crianças de estudar e de conhecer o sentido do termo cidadania e sua prática.

Outras Considerações:
  • Pode-se concluir, considerando as diferentes classes sociais, que a cidadania se refere aos direitos e deveres de todos os cidadãos visando à igualdade social independente da classe. 
No entanto, na prática, estes direitos são reservados àqueles que detêm o poder, ou seja, a minoria da população, enquanto, que a maioria é excluída dos processos de decisão política e alienada de seus direitos. Ou seja, existe uma defasagem entre o que é previsto por lei e o exercício da prática, uma vez que uma expressiva parcela da população, principalmente de classe mais baixa, é privada de uma cidadania plena, com liberdade, igualdade e garantia dos direitos humanos. 
  • A cidadania aparece, assim, dividida nas diferentes classes, mostrando um desenvolvimento humano desigual nas distintas categorias ou grupos, com reflexos sobre a sustentabilidade social ou melhoria da qualidade de vida.

Cidadania e Sustentabilidade Social :A concepção das unidades 
Familiares em diferentes classes sociais

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O Bom Negócio e a Política de Meio Ambiente

A Política de Meio Ambiente

  • A formulação de uma política de meio ambiente para o Brasil foi uma decisão de governo, tomada no começo da década de 1970, como uma resposta a pressões vindas do exterior. 
A sociedade brasileira pouco foi ouvida. Além disso, bem ao estilo da época – e não apenas no Brasil, a política ambiental instalada no país seguiu os padrões do comando-e-controle, sem qualquer possibilidade de espaço para a auto-regulação. 
  • Por comando-e-controle, entendam-se as regulações governamentais, que definem normas de desempenho para as tecnologias e produtos, estabelecem padrões de emissão de efluentes e de utilização dos recursos naturais. 
Ou seja, o governo, em suas diferentes instâncias, estabelece as normas; empresas e cidadãos tratam de cumpri-las – ou são punidos com multas e interdições pelo não-cumprimento. Durante muito tempo, o comando-e-controle seria o único instrumento de gestão ambiental utilizado na maioria dos países.
  • Até meados da década de 1970, não existia no Brasil gestão ambiental, no sentido de um conjunto de ações e políticas integradas para moldar a relação do homem com o ambiente. As normas de proteção à natureza estavam dispersas em diferentes instrumentos legais, como os códigos florestal, de obras, de águas, de caça e pesca; a lei de proteção aos animais e outras posturas municipais. 
Esse panorama só começou a mudar depois que a Organização das Nações Unidas (ONU) convocou uma Conferência Internacional sobre Meio Ambiente Humano, marcando-a para junho de 1972.
  • Nos últimos anos da década de 1960, ganhava corpo na comunidade internacional a idéia de que haveria uma incompatibilidade inelutável entre desenvolvimento e meio ambiente. Uma vasta produção científica e intelectual apontava um futuro sombrio para a espécie humana. Livros e conferências difundiam a tese de que o planeta rumaria para a catástrofe se os países subdesenvolvidos quisessem seguir os passos dos ricos em seu consumo desenfreado dos recursos do planeta.
Os futurologistas mais moderados previam o fim de recursos naturais não-renováveis, como petróleo e cobre, em poucas décadas. Os mais radicais, como os cientistas americanos Dennis e Donella Meadows, autores de um relatório que ficaria célebre - Limites do Crescimento, de 1972 3-, diziam que o crescimento econômico exponencial abalaria os fundamentos naturais da vida. 
  • O estudo dos Meadows patrocinado pelo Clube de Roma, um “think tank” formado por cientistas, intelectuais e empresários para discutir o futuro do mundo - previa que, se fossem mantidos os níveis de industrialização, poluição, produção de alimentos e exploração dos recursos naturais, os limites do crescimento seriam atingidos em menos de cem anos, e para a humanidade seria o começo do fim. Boa parte das idéias defendidas em Limites do Crescimento já haviam sido expostas numa conferência internacional do Clube de Roma, realizada no Rio de Janeiro em julho de 1971.
Algumas poucas vozes reagiam ao “catastrofismo”, mas, no geral, tudo se encaminhava para a consolidação da idéia de que as nações ricas eram as únicas áreas viáveis do mundo e os países que não haviam enriquecido até aquele momento deveriam desistir de fazê-lo – em prol da sobrevivência da vida na Terra.
  • Foi aí que a ONU decidiu convocar a conferência de Estocolmo. Quando o tema, até então tratado na esfera acadêmica, foi levado para o nível dos governos, o vento começou a mudar. E o Brasil teve papel destacado nessa história.
No auge da ditadura militar, o país vivia também o auge do chamado “milagre econômico”: a economia crescia a taxas médias de espantosos 10% ao ano, graças a uma vigorosa política de implantação de infra-estrutura industrial e substituição de importações. Os militares e tecnocratas que moldavam o projeto do “Brasil Grande”, do “Brasil Potência”, não estavam dispostos a ver sua obra – largamente baseada em empréstimos externos – comprometida pelo projeto dos ricos de limitar o desenvolvimento dos pobres.
  • Foi assim que, nas duas reuniões preparatórias à conferência de Estocolmo, realizadas na Cidade do México, em setembro de 1971, e em Nova York, em março de 1972, os diplomatas brasileiros tomaram a si a tarefa de arregimentar os países subdesenvolvidos para enfrentar os “limitadores do crescimento”. 
No encontro da Cidade do México, o chefe da missão brasileira, embaixador Miguel Osório de Almeida, argumentava: “Se toda poluição gerada pelos países desenvolvidos pudesse ser banida do mundo, não se verificaria poluição de importância significativa no globo; vice-versa, se toda poluição atribuível à atividade de países subdesenvolvidos desaparecesse, manter-se-iam praticamente todos os atuais perigos e riscos de poluição” .
  • Dispostos a “fazer a cabeça” de pessoas-chave nas discussões que iriam ocorrer em Estocolmo, entre 04 e 16 de junho de 1972, trouxeram ao Brasil o próprio secretário-geral da Conferência indicado pela ONU, Maurice Strong. Acompanhado pelo embaixador Amoroso Castro, então representante do Brasil na Inglaterra, Strong percorreu o país, ouvindo de seus anfitriões veementes discursos sobre a impropriedade de se aplicar ao Hemisfério Sul, com suas peculiaridades geográficas e climáticas, os mesmos critérios antipoluição do Hemisfério Norte.
Quando os 1.200 delegados de 112 nações finalmente se encontraram em Estocolmo, já tinha havido, “graças à conduta firme do Brasil, uma evidente mudança da concepção geral sobre a questão”, nas palavras de Strong ao enviado especial do jornal O Globo, Jànos Lengyel. O chefe da delegação brasileira, o ministro do Interior, general José Costa Cavalcanti, resumia: “A pior poluição é a da pobreza”. 
  • Esta espécie de poluição, dizia ele, “abrange, nas zonas rurais, a erosão do solo e a deterioração causada por práticas incorretas na agricultura e na exploração florestal. Abrange também condições sanitárias inadequadas e contaminação da água e dos alimentos. Nas zonas urbanas, os problemas são ainda mais complexos, como conseqüência de densidades urbanas excessivas, com baixos níveis de renda”.
Em resumo, os brasileiros defenderam os seguintes princípios:
  1. Para os países em desenvolvimento, o melhor instrumento para melhorar o ambiente e combater a poluição é o desenvolvimento econômico e social;
  2.  O desenvolvimento e o meio ambiente, longe de serem conceitos antagônicos, se completam;
  3. O Brasil defende intransigentemente a política da soberania nacional, no que se relaciona com o aproveitamento dos recursos naturais e acha que os problemas de meio ambiente são, na maioria, de âmbito nacional;
  4. Como a poluição industrial é provocada principalmente pelos países desenvolvidos, compete a esses países o maior ônus na luta contra ela.
O governo brasileiro saiu vitorioso da Conferência de Estocolmo. A Declaração de Princípios finalmente assinada incorporava as posições do Brasil. Mas foi uma vitória com sabor amargo. Logo a opinião pública nacional e internacional interpretaria a posição brasileira como um elogio da poluição:
“Brasil prega o desenvolvimento econômico a qualquer custo”, “Brasileiros querem poluição” – berravam manchetes de jornais na Europa e nos Estados Unidos. A distorção do que se defendera em Estocolmo não era de todo injusta. Mais de um ministro da área econômica deu entrevistas sugerindo que “se os países ricos não queriam poluição, suas indústrias seriam bem-vindas no Brasil”.
A imagem do governo brasileiro no exterior já era péssima. Órgãos internacionais de defesa dos direitos humanos denunciavam as torturas e assassinatos de presos políticos, o amordaçamento da imprensa e a submissão do Congresso aos militares. 
  • Agora, além de torturadores, poluidores. Melhor não acrescentar mais essa conta a tal passivo, pensaram os generais. E decidiram dar uma satisfação à opinião pública: criar uma autarquia, subordinada ao Ministério do Interior, para cuidar da “conservação do meio ambiente e do uso racional dos recursos naturais”.
Em 30 de outubro de 1973, o presidente da República, general Emílio Garrastazu Médici, assinava o decreto 73.030/73 que criava a Sema - Secretaria Especial do Meio Ambiente. Para chefiá-la, mandou buscar em São Paulo o biólogo Paulo Nogueira Neto.

A Política de Meio Ambiente 

  • Nascido numa família de ricos usineiros paulistas, era irmão de José Bonifácio Coutinho Nogueira, um político ligado ao regime. 
Se essas ligações familiares o tornavam palatável para os militares, apresentava outros atributos que – como o tempo se encarregaria de mostrar – lhe confeririam legitimidade para permanecer nada menos que 12 anos no posto e entrar no panteão do ambientalismo nacional e internacional. 
  • Nesse período, ajudou a ampliar a noção de meio ambiente no Brasil, até então restrita aos conceitos de fauna e flora. Levou para a esfera governamental a discussão sobre poluição e desmatamento, num período em que programas de governo estimulavam a colonização da Amazônia à custa da derrubada de vastas extensões de matas e em que, nas principais cidades do país, a especulação imobiliária corria solta, também financiada por programas oficiais de incentivo à construção civil.
Liderou a formulação da política nacional de meio ambiente, ainda hoje uma das mais avançadas do mundo; introduziu as Áreas de Proteção Ambiental e as estações ecológicas; e participou da formulação do conceito de desenvolvimento sustentável, ao integrar, em 1984, a comissão da ONU que produziu o famoso relatório Brundtland.
  • Doutor em comportamento das abelhas, professor da Universidade de São Paulo, presidente da Associação Brasileira de Defesa da Flora e da Fauna e do Conselho Florestal de São Paulo, Paulo Nogueira Neto é também bacharel em Direito. 
Essa formação ampla provavelmente contribuiu para que ele aproveitasse ao máximo e levasse adiante as possibilidades abertas pelo instrumento de criação da Sema. Ao definir as competências da entidade, o Decreto 73.030/73 introduziu o conceito da natureza como um universo integrado – uma abordagem que hoje se chamaria de “holística”. Era uma mudança radical, num país cuja tradição sempre foi a de tratar os recursos naturais em compartimentos estanques.
  • Basta lembrar que a legislação sobre o assunto, formulada a partir da década de 30, dividia-se em um código para as águas, outro para as florestas, outro para a fauna, e assim por diante. Ao mesmo tempo em que percebia a importância da abordagem integrada do meio ambiente,
Nogueira Neto sabia que, se comandasse a política de meio ambiente a partir de ações e decisões centralizadas em Brasília, fracassaria. Não poderia esperar apoio unânime dentro do governo. Pelo contrário. Órgãos ambientais fazem um corte transversal no governo, pois suas atribuições têm pontos de contato com todas áreas. Tendem, por isso, a fazer adversários também em todas as áreas.
  • Não faltavam zonas de conflito ambiental no governo federal. O Ministério da Agricultura, por exemplo, queria regulamentar a aplicação de adubos e agrotóxicos. O Ministério da Fazenda era contra: temia que caísse a arrecadação. Em vez de entrar em brigas federais, Nogueira Neto sabiamente saiu em busca de aliados fora de Brasília. Aproveitou a proximidade das eleições de novembro de 1974, que iriam renovar o Congresso Nacional, e começou a percorrer os estados, avisando que haveria dinheiro federal para que investissem na criação de órgãos ambientais.
A máquina burocrática dos estados reproduzia a federal: órgãos estanques cuidando de diferentes aspectos do meio ambiente. Os técnicos desses órgãos eram vistos com desconfiança pelos de outros órgãos do governo, sua interferência entendida como invasão de espaço. Não foi difícil para Nogueira Neto estabelecer as alianças que buscava e conseguir uma massa crítica de técnicos ambientalistas espalhados pelo Brasil.
  • No Rio de Janeiro, o titular da Sema encontrou uma situação particularmente propícia. A antiga capital federal, transformada em estado da Guanabara desde a inauguração de Brasília, em 1960, iria fundir-se com o antigo Estado do Rio de Janeiro. Naquele ano de 1974, grupos de trabalho formados por autoridades e funcionários dos dois estados ocupavam-se de preparar a fusão, marcada para o ano seguinte. Um desses grupos era o de saneamento e meio ambiente. 
O almirante Floriano Peixoto Faria Lima, escolhido pelos militares para ser o governador do novo Estado do Rio que resultaria da fusão, nomeou o engenheiro Hugo de Mattos para presidir o grupo. Seu núcleo principal era formado por engenheiros da Cedag, a Companhia Estadual de Águas do Estado da Guanabara. Esse grupo organizou a Cedae – Companhia Estadual de Água e Esgoto e a Feema – Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente.
  • Enquanto nos outros estados os órgãos ambientais resultaram de adaptações na estrutura existente, no Rio de Janeiro a coincidência com a fusão permitiu montar uma estrutura inteiramente nova, exclusivamente dedicada ao meio ambiente e – o mais importante – multidisciplinar, capaz de integrar diversas áreas de conhecimento, algo radicalmente novo para a época. 
A Feema recebeu como herança o Instituto de Engenharia Sanitária da Guanabara; a divisão de combate a insetos da Esag, a empresa de saneamento da Guanabara; o serviço de controle da poluição da Sanerj, a empresa de saneamento do antigo Estado do Rio; e o Instituto de Conservação da Natureza, órgão dedicado à conservação de fauna e flora e onde atuavam cientistas respeitados como o agrônomo Alceo Magnanini e o primatologista Adelmar Coimbra Filho. 
  • A Feema nasceu, por isso, mais abrangente, como convém a um órgão ambiental, do que, por exemplo, sua contraparte paulista, a Cetesb – Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico, focada, como o nome indica, em saneamento básico.
Muitos dos instrumentos de gestão ambiental concebidos para o Rio de Janeiro se tornaram modelos para o resto do país. Foi a Feema que introduziu no Brasil os relatórios de impacto ambiental e as audiências públicas para análise de empreendimentos com impacto potencial sobre o meio ambiente.
  • Hoje são exigidos por legislação federal. Seu Sistema de Licenciamento de Atividades Poluidoras – Slap foi adotado por outros estados, como Minas Gerais e Santa Catarina e, depois, também pela União. 
Mas a principal contribuição do Rio de Janeiro foi provavelmente o arcabouço jurídico/institucional criado para lidar com as agressões ao meio ambiente. Ao separar a instância técnica da instância política, deu transparência às decisões e ações de controle ambiental no estado. A Feema é o órgão técnico, enquanto a Ceca – Comissão Estadual de Controle Ambiental detém o poder de polícia ambiental e, por conseguinte, a competência política. 
  • Órgão colegiado, formado por representantes das diversas áreas do governo estadual, cabe à Ceca a decisão final sobre a aplicação de punições – que podem ir de multas à ordem para relocalização do empreendimento e, em casos extremos, à interdição temporária ou permanente.
A entrada em cena dos órgãos estaduais de controle ambiental ajudou a chamar atenção para a poluição industrial. As lutas ambientais, até então mais voltadas para o preservacionismo de fauna e flora, passam a se desenrolar também no cenário urbano. 
  • Organizados em associações de moradores, os habitantes das cidades começam a se queixar da água suja, do solo contaminado, do ar irrespirável. A mídia lhes abre espaço. Na esfera pública, os técnicos festejam. Usam as pressões da sociedade civil para, por sua vez, pressionar as instâncias de decisão política do governo – estadual e federal. 
Criava-se assim um interessante sistema de apoio mútuo entre setores de governo e da sociedade civil. De fora, ficaram as empresas. Mantinham-se conservadoramente refratárias à maré ecologista que crescia. Houve quem quebrasse por causa disso. (Ver “O caso Ingá ”). 
  • Mesmo respaldada nas nascentes organizações da sociedade civil, a ação dos órgãos estaduais de controle ambiental não se fez sem percalços e sobressaltos. A ditadura contribuía para a arrogância das empresas. Era um tempo em que bastava o governo federal declarar uma área ou atividade como “de segurança nacional” para que se tornasse imune à ação da fiscalização ambiental. O fiscal que insistisse teria que enfrentar o temível aparato de informações do governo, encarregado de zelar pela “segurança nacional”. 
Mais de uma vez, fiscais da Feema foram impedidos de entrar nas instalações da então estatal Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda. A Petrobrás ignorava sistematicamente as intimações do órgão de controle, enquanto de seus oleodutos escapavam com freqüência derramamentos de óleo.
  • Episódio emblemático do período ocorreu em Contagem, Minas Gerais. Os moradores dos bairros vizinhos à fábrica da Companhia de Cimento Portland Itaú sofriam com o material particulado lançado ao ar pela empresa. Bronquites e crises alérgicas eram atribuídas ao pó branco que cobria todas as superfícies nas imediações da indústria. 
No dia 6 de agosto de 1975, a prefeitura municipal de Contagem, baseando-se na legislação de saúde pública, cassou a licença de funcionamento da empresa e condicionou a liberação à instalação de equipamentos antipoluição. Uma semana depois, o Decreto-lei 1413, assinado pelo presidente da República, general Ernesto Geisel, determinava que só o governo federal podia suspender o funcionamento de estabelecimentos industriais cujas atividades fossem consideradas de interesse do desenvolvimento e da segurança nacional. 
  • Para que não restassem dúvidas, enquadrava nesses casos as indústrias situadas em todas as capitais e nas cidades integrantes de regiões metropolitanas. O decreto não era retroativo, mas o prefeito de Contagem, Newton Cardoso, entendeu o recado e revogou a interdição da fábrica.
Quando a prefeitura de Contagem jogou o peso de seu poder sobre a empresa poluidora e quando o governo federal fez o mesmo com a prefeitura mineira ambos estavam seguindo um só modelo – o do comando-e-controle. As fragilidades desse modelo começariam a ficar evidentes à medida que se ampliava a abrangência do conceito de meio ambiente. 
  • A modernização tecnológica desafiava os técnicos dos órgãos ambientais. Tantos e tão variados eram os conhecimentos exigidos que, por mais bem aparelhado e multidisciplinar que fosse o corpo técnico do órgão de controle, era-lhe impossível dar conta de todas as variáveis.
Não raro atrasavam-se investimentos de empresas ou acrescentavam-se custos desnecessários aos projetos pela dificuldade técnica do órgão público para tomar uma decisão. Ainda hoje acontece isso. Temendo decidir errado, os técnicos por vezes hesitam em conceder uma licença ambiental.
  • Uma solução para esse problema está na formação de parcerias e na contratação de consultorias em universidades, instituições de pesquisa e empresas privadas. É um meio de aportar conhecimento ao sistema. Introduzem-se novos atores, democratiza-se a decisão. Uma primeira iniciativa dessa natureza foi feita na Feema já em 1976. O então diretor técnico-científico, Ricardo Silveira, trouxe para o Brasil a idéia, então nova na Europa, do Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (o Rima).
O Rima destina-se justamente a cobrir as lacunas de conhecimento técnico. Assim, todo empreendimento novo que possa causar impacto ao meio ambiente tem que ser precedido de uma análise com esse objetivo. Seus custos são pagos não pelo Estado, mas pelo principal beneficiado da licença pleiteada ao poder público – o dono do empreendimento.
  • Ainda se passaria uma década antes que o Rima fosse aplicado pelo governo federal. Embora previsto na lei que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, em 1981, só foi de fato regulamentado – sob a forma de Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Rima (o chamado EIA/Rima) – em 1986. É um importante mecanismo de gestão ambiental que põe em colaboração o poder público e a empresa privada. Vai além do comando-e-controle.
Outros instrumentos de abertura e democratização da decisão na área ambiental são as audiências públicas, que permitem à sociedade em geral conhecer e discutir o Rima de cada empreendimento, e a ação pública – pela qual o Ministério Público tem o poder de promover ação civil e penal de reparação de danos ambientais. Esse mecanismos começaram a ser utilizados no Brasil também na década de 1980.
  • A Lei 6938/81, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, introduziu uma nova figura jurídica, a dos recursos ambientais, que definiu como: “a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo e os elementos da biosfera”. Com isso, os chamados recursos naturais foram abrangidos por um conceito bem mais amplo. Até então, apenas alguns recursos naturais, isoladamente, mereciam atenção legal. 
As florestas, a fauna, a água e os outros minerais eram tratados em legislação específica, com enfoque apenas econômico.10 Com o novo e mais abrangente enfoque, a lei oficializou uma mudança conceitual que iria gerar seus maiores frutos ao longo dos anos 1980 e 1990. Logo, um novo conceito iria surgir – o do desenvolvimento sustentável.

O caso Ingá: O ônus ficou para a sociedade:
  • Em Coroa Grande, às margens da baía de Sepetiba, uma das três baías do Estado do Rio, ergue-se uma “montanha” feita de resíduos de minério de zinco e cádmio. São dois milhões de toneladas. 
Quando chove, a água “lava” o minério e escorre para a baía, levando junto o zinco e o cádmio, metais pesados que contaminam peixes, moluscos e crustáceos e entram na cadeia alimentar até o homem. O cádmio, sobretudo, é um elemento que, acumulando-se nos organismos vivos, substitui o cálcio nos tecidos ósseos. Em outras palavras, destrói o esqueleto de quem o ingere.
  • A “montanha” de zinco e cádmio que destrói a vida na baía de Sepetiba, ameaça a saúde de quem consome o pescado e desestimula a pesca e o turismo naquela área é um dos mais tristes exemplos de passivo ambiental gerado por práticas insustentáveis econômica e ecologicamente. A empresa que produziu a poluição faliu. O ônus de limpar a área - ou conviver com o material tóxico, como na verdade está acontecendo - ficou para a sociedade.
Durante mais de 30 anos, a Companhia Mercantil e Industrial Ingá, empresa pertencente a um poderoso grupo familiar, produziu zinco e cádmio em Coroa Grande e despejou os resíduos da produção numa área de 350 mil metros quadrados junto à fábrica. O minério era transportado de Goiás para o Estado do Rio em caminhões, numa viagem de milhares de quilômetros. 
  • A indústria usava uma tecnologia antiga, do início dos anos 60, que só recuperava pequena fração do zinco. A prática só se justificou economicamente enquanto a empresa pôde despejar os resíduos no meio ambiente sem a obrigação de tratá-los.
Em 1976, a então recém-criada Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema) considerou a Ingá o mais grave caso de poluição industrial do Estado do Rio e passou a cobrar a monitoração ambiental e a instalação de sistemas de disposição e tratamento de resíduos. 
  • A partir daí, e ao longo de quase duas décadas, foram muitas as escaramuças entre o órgão de controle e a empresa. Os dirigentes da Ingá levavam meses, às vezes anos, para atender a cada exigência da Feema. Só para apresentar um relatório de impacto de seus despejos no meio ambiente, a empresa demorou quatro anos.
Foram dezenas de intimações ignoradas, multas aplicadas e até uma visita da polícia para obrigar os diretores a permitir a entrada de técnicos da Feema. A indústria chegou a construir um dique em torno da bacia de acumulação de resíduos e uma estação de tratamento de efluentes líquidos. Mas as obras nunca foram suficientes para evitar a percolação (infiltração no solo da água da chuva contaminada com os metais pesados), nem para conter os vazamentos acidentais após chuvas fortes. 
  • Entre 1985 e 1996, o dique transbordou cinco vezes, deixando os efluentes chegarem à baía. Em 1991, estudos da Feema e de universidades calculavam que a baía de Sepetiba recebia 1,3 tonelada de cádmio por ano, quase tudo proveniente da Ingá.
Em 1989, a empresa decidiu mudar sua imagem. Criou um projeto batizado de “Ingá Mata Atlântica”, prometendo plantar árvores em seus terrenos e anunciou investimentos na construção de um aterro em outro local mais apropriado. O projeto foi licenciado pela Feema, mas nunca saiu do papel. 
  • A essa altura, os bancos já olhavam o empreendimento com desconfiança. Preocupados com o tamanho do passivo ambiental da empresa e a repercussão na mídia, acabaram por retirar a sustentação financeira que lhe davam. Em 1998, a Ingá faliu. Deixou na massa falida sua herança de rejeitos, que continuam a contaminar as águas de Sepetiba. 
Para cobrir a lixeira de 350 mil metros quadrados, reduzindo – mas não eliminando - a poluição, serão necessários no mínimo 8 milhões de dólares. Ou quatro vezes mais, se a opção for pela transferência dos rejeitos para outro local. A escolha é da sociedade – a quem caberá pagar a conta.

A Política de Meio Ambiente 

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Nasce o termo Desenvolvimento Sustentável

A expressão “desenvolvimento sustentável” entra em circulação

  • Quando a década de 1980 começou, o mundo ainda se debatia com a pergunta: como conciliar atividade econômica e conservação do meio ambiente? 
Por mais que o discurso predominante fosse o de que desenvolvimento e meio ambiente não são incompatíveis - tese vencedora na conferência da ONU em Estocolmo, em 1972 - , na verdade ninguém estava muito certo de como essa compatibilidade se traduziria na prática. Falar em “uso racional dos recursos naturais” tornou-se chavão – e como todo chavão, quase desprovido de sentido real.
  • O crescente conhecimento científico do funcionamento dos ecossistemas e de toda a sua magnífica complexidade desafiava – ainda desafia – nosso modelo conceitual do mundo, algo que se convencionou chamar de paradigma. Acostumado a dividir o universo em compartimentos estanques para poder entendê-lo – fruto de uma visão cartesiana, mecanicista, reducionista, forjada em 300 anos de
Revolução Científica e Industrial – nos últimos anos do século XX o homem viu-se às voltas com a constatação de que a natureza não se deixa apreender completamente pelas ferramentas tradicionais de análise. É sistêmica, complexa, não-linear. 
  • Não funciona como a soma das partes que a compõem, mas como o produto da inter-relação das partes. Para ser compreendida, pede um novo paradigma: orgânico, holístico, integrador. Pede uma estrutura de pensamento que não mais divida o universo em disciplinas, esperando que cada uma lhe explique um pedaço, e sim um modelo transdisciplinar, mais sintético do que analítico, capaz de desvendar e explicar as relações entre as partes.
A própria pergunta - como conciliar a atividade econômica com a conservação dos sistemas ambientais? – embute uma compartimentação das coisas do mundo (economia versus ecologia) que trai a presença do velho modelo conceitual e parece conduzir ao impasse. Por isso, quando a década de 80 começou, uma vanguarda de cientistas, religiosos, economistas, filósofos e políticos já percebia que era preciso formular uma nova síntese.
  • A ciência chamava atenção para problemas como o aquecimento global, a destruição da camada de ozônio, a chuva ácida e a desertificação. É nesse momento que entra em cena a Comissão Brundtland, presidida pela ex-primeira-ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland e da qual também fazia parte o brasileiro Paulo Nogueira Neto, então titular da Sema - Secretaria Especial de Meio Ambiente.
Formalmente batizada de Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, foi criada pela ONU em dezembro de 1983 para estudar e propor uma agenda global para a humanidade enfrentar os principais problemas ambientais do planeta e assegurar o progresso humano sem comprometer os recursos para as futuras gerações.
  • Os 21 membros da comissão trabalharam durante novecentos dias. Nesse período, a crise desencadeada pela seca na África atingiu o auge, afetando as vidas de 35 milhões de africanos e matando 1 milhão; o vazamento de gases tóxicos em Bhopal, na Índia, matou duas mil pessoas e feriu duzentas mil; a explosão de tanques de gás matou mil pessoas e desabrigou milhares na Cidade do México; um reator nuclear explodiu em Chernobil, na antiga União Soviética, espalhando radiação por toda a Europa; e sessenta milhões de seres humanos morreram de doenças intestinais causadas pela desnutrição ou pela ingestão de água contaminada com microorganismos ou com resíduos tóxicos.11, 12 Ficava cada vez mais claro que os problemas ambientais estão inextricavelmente ligados aos problemas econômicos e sociais.
Foi o relatório da Comissão Brundtland que pôs em circulação a expressão “desenvolvimento sustentável”. Segundo Paulo Nogueira Neto, “ninguém lembra quem a usou primeiro”. 13 Mas certamente foi aí que a gestão ambiental começou a evoluir para a gestão da sustentabilidade.
  • Para começar a construir o conceito de desenvolvimento sustentável, a Comissão recorreu à noção de capital ambiental. Denunciou a dilapidação dos recursos ambientais do planeta por seus habitantes atuais às custas dos interesses de seus descendentes: Muitos dos atuais esforços para manter o progresso humano, para atender às necessidades humanas e para realizar as ambições humanas são simplesmente insustentáveis – tanto nas nações ricas quanto nas pobres. 
Elas retiram demais, e a um ritmo acelerado demais, de uma conta de recursos ambientais já a descoberto, e no futuro não poderão esperar outra coisa que não a insolvência dessa conta. Podem apresentar lucro nos balancetes da geração atual, mas nossos filhos herdarão os prejuízos. Tomamos um capital ambiental emprestado às gerações futuras, sem qualquer intenção ou perspectiva de devolvê-lo”. 14 (ver “O drama da Ilha de Páscoa, ”). Desenvolvimento sustentável seria, assim, aquele que “satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem suas próprias necessidades.”
  • O trabalho da Comissão Brundtland terminou com a recomendação para que a Assembléia-Geral da ONU convocasse a II Conferência Internacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento, marcando-a para 1992, exatamente 20 anos depois da Conferência de Estocolmo. Seria a Rio-92 - realizada de 3 a 14 de junho, no Rio de Janeiro, com a missão de estabelecer uma agenda de cooperação internacional, a Agenda 21, para pôr em prática ao longo do século 21 o desenvolvimento sustentável no planeta.
A emergência do novo paradigma, com sua crítica à abordagem fragmentada da realidade; e a constatação das fragilidades do modelo de comando-e-controle favoreceram a entrada e o fortalecimento de novos atores no cenário ambiental: as ONGs, ou organizações não-governamentais. Entidades como o WWF – Fundo Mundial da Vida Selvagem, o Greenpeace e a UICN – União Internacional para a Conservação da Natureza acumulam qualificação técnica e reconhecimento popular. No Brasil, nos anos imediatamente antes e depois da conferência da ONU, há uma explosão na criação de ONGs. Durante a Rio-92, organizam um encontro paralelo que concorre em influência com a reunião dos governantes do mundo.
  • Mais tímida foi a participação das empresas. No universo empresarial, a dimensão ambiental era vista, na melhor das hipóteses, como um mal necessário. No máximo, submetiam-se aos controles estabelecidos pelo poder público. Com freqüência comandados por pessoas sem poder real na estrutura da organização, sistemas de controle da poluição raramente desfrutavam das mesmas atenções dispensadas aos sistemas de produção e de comercialização. 
Estações de tratamento de despejos industriais eram desligadas nos fins de semana, para economizar energia. Insumos indispensáveis a seu funcionamento deixavam de ser comprados, “por esquecimento”. As empresas mais pressionadas pela opinião pública buscavam tomar “banhos de verde”, recorrendo às pressas à ajuda de especialistas em marketing, na tentativa de mudar a imagem comprometida por décadas, às vezes séculos, de descaso ambiental. Faltava às empresas formular seu papel no mundo da sustentabilidade.
  • No final dos anos 1970, pelo menos um setor industrial já sentia no bolso – ou melhor, nos balanços financeiros – o custo do descaso ambiental. A indústria química mundial exibia o pior desempenho ambiental e de segurança de todos os setores industriais. 
Uma sucessão de desastres ecológicos tinha acabado com sua credibilidade.16 Em 1976, a explosão do reator da fábrica de desfolhantes Icmesa em Seveso, Itália, liberou para a atmosfera uma nuvem de dioxina, componente do temível “agente-laranja” usado na guerra do Vietnã. Animais domésticos morreram, crianças e adultos contaminados lotaram os hospitais e mais de 700 famílias fugiram ou foram retiradas da região. Em 1978, uma tragédia até então silenciosa explodiu nos Estados Unidos: o governo do Estado de Nova Iorque teve que decretar emergência sanitária no subúrbio de Love Canal, em Niagara Falls. 
  • Escolas e residências tinham sido construídas sobre um depósito de lixo químico escondido num velho canal aterrado décadas antes. A contaminação da água, do ar e do solo causava anomalias congênitas, abortos e hemorragias nos habitantes da região. (Vinte anos depois, a Occidental Chemical, sucessora da Hooker Chemical and Plastics Corporation, responsável pelos rejeitos, ainda pagava indenizações na Justiça.). 
Em 1984, nova tragédia, desta vez na Índia: uma falha no equipamento da fábrica de pesticidas da Union Carbide, na populosa cidade de Bhopal, contaminou a atmosfera com isocianato de metila, gás venenoso que, logo nas primeiras horas, matou 3.300 pessoas. 
  • Na contabilidade final, calcula-se que 525 mil dos 680 mil habitantes da região foram afetados e que o número de mortos pode ter chegado a 15 mil.
Acusados de arrogantes, insensíveis e irresponsáveis; ameaçados por centenas de ações judiciais reclamando indenizações; acuados pelo crescente endurecimento das legislações locais, os dirigentes do setor químico mundial perceberam que era hora de mudar.
  • A mudança começou em 1985, com um programa criado pela Canadian Chemical Producers Association, a associação canadense da indústria química. Batizado de Responsible Care, é um programa desenhado para melhorar a performance da indústria em relação ao meio ambiente, à segurança e à saúde do trabalhador. 
Hoje é adotado pelas associações da indústria química de quarenta países, inclusive o Brasil, onde foi introduzido em 1992 e rebatizado de Atuação Responsável pela Abiquim – Associação Brasileira da Indústria Química. Desde 1998, os associados da Abiquim – cerca de duas centenas – têm obrigatoriamente que aderir ao programa para permanecer na entidade.

A expressão “desenvolvimento sustentável” entra em circulação

No site da Abiquim: 
Encontra-se um bom resumo da mudança de postura no setor:
  • A indústria química, a exemplo da grande maioria das instituições, vinha sempre atuando com o conceito de que a proteção de seus interesses deveria ser resguardada atrás de seus muros, evitando-se discutir eventuais problemas com terceiros, incluindo-se aí as comunidades vizinhas às fábricas. As justificativas mais freqüentes para tal comportamento eram de que os temas ligados à indústria são muito técnicos e complexos para que possam ser debatidos com leigos, ou então, que envolvem segredos industriais de propriedade das empresas. 
Hoje, entretanto, podemos afirmar, categoricamente, que o setor químico, tanto no Brasil como no exterior, está consciente do fato de que a postura fechada e isolada, predominante até bem pouco tempo, deve ser substituída pelo diálogo franco e ético com os seus parceiros e públicos. A indústria sabe que esse diálogo deve estar suportado em ações concretas, que demonstrem que suas operações e produtos são seguros e não agridem o meio ambiente.
  • A Atuação Responsável ajudou a melhorar o desempenho das indústrias químicas. Entre 1990 e 1996, as emissões de substâncias tóxicas pelas indústrias do setor no Estados Unidos caíram 60%, enquanto a produção crescia 20%.
Como explica: 
O especialista em qualidade ambiental Ciro Eyer do Valle.
  • As grandes contribuições que a Atuação Responsável traz para a solução dos problemas ambientais são seu enfoque pró-ativo, sua busca de melhoria contínua, antecipando-se à própria legislação, e sua visão sistêmica que abarca, em um mesmo programa, as preocupações com segurança, saúde ocupacional e meio ambiente.
Mas a iniciativa da indústria química ainda engatinhava em meados de 1990, quando Maurice Strong, o secretário-geral da Conferência da ONU marcada para 1992 (numa repetição do papel que desempenhara vinte anos antes em Estocolmo), pediu a seu principal conselheiro em indústria e comércio que formulasse uma perspectiva global sobre desenvolvimento sustentável do ponto de vista dos empresários. 
  • Queria estimular o interesse e o envolvimento da comunidade empresarial internacional. O conselheiro era o rico industrial suíço Stephan Schmidheiny. Como ex-controlador do grupo Eternit na Suíça, um dos maiores fabricantes mundiais de produtos de amianto, Schmidheiny considerava ter tido sua quota de responsabilidade na produção de danos ambientais em nome da produção de riquezas.
Passara suas ações adiante e, agora, convertido à causa ambiental, buscava maneiras de atrair os empresários para a discussão de questões tradicionalmente vistas por eles como assunto exclusivo de governos e grupos ambientalistas.
  • O conselheiro convocou 48 empresários e executivos de grandes empresas de 28 países e com eles fundou o Business Council for Sustainable Development, o BCSD. Do grupo faziam parte dois empresários do Brasil, Erling Lorentzen, presidente da Aracruz Celulose, e Eliezer Batista da Silva, então presidente da Companhia Vale do Rio Doce. Durante o ano de 1991, os membros do BCSD dedicaram-se a produzir o documento pedido por Strong. O resultado de seu trabalho, publicado no princípio de 1992, foi o livro-relatório Mudando o Rumo – Uma Perspectiva Empresarial Global sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente.
Enquanto o relatório da comissão Brundtland enfatiza a dilapidação do capital ambiental tomado emprestado às gerações futuras, o livro capitaneado por Schmidheiny traz o compromisso mais para perto no tempo. Propõe pensar não apenas nos que nos sucederão como habitantes desta esfera azul, mas nos contemporâneos.

O relatório Brundtland: 
Tratando das trocas econômicas, enfatiza as relações entre países:
  • Para que os intercâmbios econômicos internacionais beneficiem todas as partes envolvidas, é preciso que antes sejam atendidas duas condições: a manutenção dos ecossistemas dos quais a economia global depende deve ser garantida; e os parceiros econômicos têm de estar convencidos de que o intercâmbio se processa numa base justa.
Mudando o Rumo traz a idéia de justiça econômica mais para perto no espaço: para as relações entre as empresas e os que estão ao seu redor - acionistas, empregados, consumidores, fornecedores, vizinhos de bairro, de cidade, de país. São os stakeholders, ou partes interessadas – indivíduos, instituições, comunidades e outras empresas, que interagem com a empresa, numa relação de influência mútua.
  • Para promover a mudança de rumo, propõe uma combinação de comando-e-controle (as regulações governamentais); auto-regulação, definida como “as iniciativas tomadas pelas companhias ou setores da indústria para regularem a si próprios através, por exemplo, de padrões, monitoramento e metas de redução da poluição”; e instrumentos econômicos, pelos quais os governos podem intervir no mercado utilizando-se de mecanismos como impostos sobre poluição, licenças de poluição negociáveis e outros.
Introduz conceitos radicalmente novos, como a ecoeficiência: a poluição representa recursos que se “evadiram” de um sistema de produção. É, portanto, uma anomalia econômica. Evitá-la é do interesse do sistema produtivo. Longe de ser um “mal necessário”, o controle ambiental é estratégico – deve ser visto como uma vantagem competitiva.
  • À medida que as idéias apresentadas em Mudando o Rumo se ampliam e difundem, os empresários passam de reativos a pró-ativos. Nesse novo papel, tornam-se cada vez mais aptos a compreender e participar das mudanças estruturais na relação de forças na área ambiental, econômica e social.
O mundo agora é tripolar: governo, sociedade, empresas. E a gestão ambiental, tarefa de todos, evolui para algo mais profundo e mais amplo, que é a gestão da sustentabilidade. Amplia-se a perspectiva.

O paradigma da sustentabilidade:
  • A noção de sustentabilidade pode ser melhor entendida quando atribuímos um sentido amplo à palavra “sobrevivência”. 
O desafio da sobrevivência - luta pela vida - sempre dominou o ser humano. Inicialmente, no enfrentamento dos elementos naturais; e, mais tarde, sobretudo agora no século XXI, no enfrentamento das conseqüências trazidas pelo imenso poder de transformação desses elementos acumulado pelo homem.
  • No mundo atual, a percepção de que tudo afeta a todos, cada vez com maior intensidade e menor tempo para absorção, gerou o processo de redefinição, conceitual e pragmático – porque não há mais tempo a perder -, do desenvolvimento clássico consumidor de recursos naturais, no qual o homem é incluído como mero animal de produção; e levou à formulação do conceito de desenvolvimento sustentável. Trata-se agora não mais apenas da elite privilegiada se locupletando da energia total do planeta, mas da sociedade administrando em conjunto e de forma sábia suas diferenças e recursos naturais.
Não cabe aqui nenhuma divagação de natureza ideológica desta ou daquela corrente, mas sim a constatação científica de que o aquecimento do clima, o aumento da desertificação, o desaparecimento de cursos d´água e a miséria/violência atingem patamares inviáveis para a manutenção da própria sociedade local ou mundial e exigem mudanças imediatas.
  • A base conceitual é tão fácil de explicar quanto difícil de implementar. Trata-se da gestão do desenvolvimento - pontual ou abrangente, nos governos ou nas empresas -, que leve em consideração as dimensões ambiental, econômica e social e tenha como objetivo assegurar a perenidade da base natural, da infra-estrutura econômica e da sociedade.
Para a colocação desses conceitos em prática há pré-requisitos indispensáveis:
  • Democracia e estabilidade política;
  • Paz;
  • Respeito à lei e à propriedade;
  • Respeito aos instrumentos de mercado;
  • Ausência de corrupção;
  • Transparência e previsibilidade de governos;
  • Reversão do atual quadro de concentração de renda esferas local e global.
O processo de mudança do antigo paradigma para o novo – o da sustentabilidade - está em andamento e envolve literalmente todas as áreas do pensamento e da ação do homem. No meio ambiente encontra campo especialmente fértil, justamente porque a dimensão ambiental perpassa todas as atividades humanas. 
  • Os desequilíbrios sócio-ambientais são o resultado do velho paradigma cartesiano e mecanicista, com sua visão fragmentada do mundo – o universo visto como um conjunto de partes isoladas, funcionando como um mecanismo de relógio, exato e previsível. As transformações cada vez mais rápidas causadas pela tecnologia induzem à instabilidade econômica, ambiental e social, por um lado, e à perda da diversidade natural e cultural por outro. 
O velho paradigma não dá conta de entender e lidar com as complexidades e sutilezas dessas transformações. Já o novo, cujo eixo é a idéia de integração e interação, propõe uma nova maneira de olhar e transformar o mundo, baseada no diálogo entre saberes e conhecimentos diversos: do científico, com toda a sua rica variedade de disciplinas, ao religioso - passando pelo saber cotidiano do homem comum.
  • No mundo sustentável, uma atividade – a econômica, por exemplo - não pode ser pensada ou praticada em separado, porque tudo está inter-relacionado, em permanente diálogo.
Os empresários Brasileiros se Organizam:

O convite do empresário suíço Stephan Schmidheiny aos empresários brasileiros Erling Lorentzen e Eliezer Batista da Silva para se juntarem ao Business Council for Sustainable Development (BCSD) no esforço de conceituar o desenvolvimento sustentável foi o primeiro passo para o ingresso do empresariado brasileiro no ramo da sustentabilidade.
  • Três anos após a Rio-92 e a apresentação do relatório Mudando o Rumo, foi criado na Suíça o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD). Nascido de uma fusão do BCSD com outra organização empresarial voltada para as questões do meio ambiente, World Industry Council for the Environment (WICE), o WBCSD cresceu rapidamente em número de membros, abrangência geográfica e poder de fogo. Seis anos depois, já reunia 150 gigantescas corporações espalhadas por 30 países e donas de um faturamento de US$ 4,5 trilhões, ou 20% do PIB mundial.
Um dos primeiros resultados gerados pelo WBCSD foi o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), fundado em 5 de março de 1997 e para cuja presidência foi convidado o então presidente da S/A White Martins, Felix de Bulhões.
  • Como os empresários brasileiros podem se adaptar e contribuir para o novo paradigma da sustentabilidade? Achar as respostas a essa pergunta é a missão do CEBDS. O Conselho reúne sessenta grandes grupos privados e estatais, responsáveis por 450 unidades produtivas espalhadas por todo o país e que geram mais de quinhentos mil empregos diretos. Mas sua atuação não se limita às grandes corporações. Pelo contrário, fomenta programas e projetos destinados a repassar aos pequenos e médios empresários conhecimentos e práticas sustentáveis já adotados pelas grandes empresas.
Seus objetivos e formas de atuação podem ser assim resumidos:
  • Implantar a ecoeficiência e a responsabilidade social corporativa (RSC) como um princípio fundamental das empresas de qualquer porte;
  • Fomentar a comunicação e o diálogo entre os empresários, o Estado, as ONGs, a comunidade acadêmica e a sociedade em geral;
  • Participar da definição de políticas que conduzam ao desenvolvimento sustentável.
  • Manter junto às grandes organizações nacionais e internacionais um estreito intercâmbio de informações sobre as melhores práticas em desenvolvimento sustentável.
Como representante do setor produtivo, o CEBDS faz parte da Comissão de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável e Agenda 21, que se reúne periodicamente para avaliar a elaboração da Agenda 21 Brasileira..
  • Na prática, suas ações se realizam de dois modos. De forma permanente, através de câmaras técnicas, especializadas nos temas centrais eleitos pelo CEBDS para focalizar sua atuação: Legislação Ambiental e Recursos Hídricos; Ecoeficiência; Biodiversidade e Biotecnologia; Energia; Mudanças Climáticas; e Comunicação Social. 
E de forma periódica, nos Fóruns Itinerantes de Responsabilidade Social Corporativa, organizados para implementar a troca de experiências e levar a discussão sobre desenvolvimento sustentável a diferentes regiões do país.

A expressão “desenvolvimento sustentável” entra em circulação

domingo, 27 de dezembro de 2015

O Bom Negócio da Sustentabilidade

O Bom Negócio da Sustentabilidade

  • A história que aqui se vai contar começa na década de 1930 e vai até o início do novo milênio. Parte dos primeiros e ainda tímidos passos dos brasileiros em direção à formação de uma consciência ambiental e chega aos dias de hoje, em que a sociedade inteira começa a se engajar na busca da sustentabilidade.
Embora ainda com uma longa jornada pela frente, o conceito de desenvolvimento sustentável já se firmou o bastante para incorporar, com clareza e de forma indissolúvel, as dimensões econômica, ambiental e social das ações humanas e suas consequências sobre o planeta e os seres que o povoam.
  • Ficaram para trás os tempos de, primeiro, predomínio do econômico e indiferença em relação ao ambiental; depois, preocupação apenas com a proteção da natureza, da qual o homem, com suas dores e necessidades, parecia alijado. 
No novo mundo tripolar, o paradigma é o da integração de economia, ambiente e sociedade, conduzida e praticada em conjunto por três grupos básicos: empresários, governo e sociedade civil organizada.
  • A ferramenta que se oferece na segunda e na terceira parte do livro é um guia de gestão da sustentabilidade. Seu objetivo é facilitar a caminhada dos indivíduos e instituições desses três grupos no mundo novo que se descortina.
Começa a caminhada para o verde:
A noção de desenvolvimento sustentável ainda não tinha surgido para fazer a grande síntese.
  • Nem mesmo a expressão “meio ambiente” era corrente naquele ano de 1933, quando um grupo de cientistas, jornalistas e políticos organizou no Rio de Janeiro, então capital da República, a primeira reunião nacional para discutir políticas de proteção ao “patrimônio natural”. 
Convocada pela Sociedade dos Amigos das Árvores, uma entidade fundada dois anos antes pelo botânico Alberto Sampaio, a “Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza” tinha agenda ampla o bastante para incluir “a defesa da flora, fauna, sítios de monumentos naturais, em suma, a proteção e o melhoramento das fontes de vida no Brasil”. 
  • Mas, na prática, o foco do espírito ambientalista da época estava mesmo na preservação do patrimônio vegetal. Compreensível, num país que tinha a maior parte de sua população no campo, vivendo de atividades extrativistas e agrícolas.
Naquelas primeiras décadas do século XX, a acelerada colonização do norte do Paraná e a extração florestal desenfreada riscavam rapidamente da paisagem os pinheirais nativos que caracterizavam a região. Reacendia-se, assim, nas cabeças de cientistas e intelectuais, uma preocupação que começara no século 19, quando os cursos d´água que abasteciam a cidade do Rio de Janeiro minguaram por causa do desmatamento das encostas do Maciço da Tijuca nos duzentos anos anteriores.
  • Não por acaso, o símbolo da Sociedade dos Amigos das Árvores era a Araucaria angustifolia, o pinheiro do paraná.
Embora sem nunca terem chegado a galvanizar a opinião pública, os conservacionistas contabilizaram avanços naquele período. Da reunião de 1933 resultaram subsídios para a elaboração do Código Florestal, no ano seguinte. Em 1937, um decreto federal criava o primeiro parque nacional brasileiro, o de Itatiaia, na divisa do Estado do Rio e Minas Gerais. A luta por sua criação tinha começado em 1913, por iniciativa do botânico Alberto Loefgren. Dois anos depois, a Serra dos Órgãos, também no Estado do Rio, e a região das Cataratas do Iguaçu, no Paraná, ganhavam o mesmo status.
  • Enquanto os cientistas – botânicos, sobretudo - clamavam pela proteção das florestas, pensadores nacionalistas como Alberto Torres - político poderoso no Império, morto em 1917, mas cuja influência se estendeu pelas décadas seguintes - pregavam a necessidade de preservar “os órgãos vitais da nacionalidade, entre eles seus principais recursos”, como forma de manter a independência da nação.
Dessa mistura de bandeiras conservacionistas e nacionalistas nasceria o movimento ambientalista brasileiro. Seu marco decisivo foi o ano de 1958, quando foi criada no Rio de Janeiro a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN) – a primeira organização ambientalista a conseguir criar e manter uma presença nacional.
  • As décadas de 1940 e 1950 assistiram aos primeiros esforços consistentes de industrialização do país, primeiro com Getúlio Vargas e seus investimentos em siderurgia e energia e, depois, com Juscelino Kubitscheck e sua política de desenvolvimento acelerado, resumida no lema que o levou à presidência da República: “Cinqüenta anos em cinco”. Com os olhos vidrados nas chaminés das fábricas que surgiam, o país mandava para segundo plano o incipiente conservacionismo dos anos 1930. Entre 1940 e 1959 nenhum parque nacional foi criado.
A FBCN nasceu como uma reação ao desenvolvimentismo exacerbado da era JK. Vários de seus associados eram homens capazes de influir diretamente em medidas governamentais de proteção da natureza. E isso logo se fez sentir: em 1959 o governo federal voltava a utilizar a criação de parques como instrumento de conservação. Três foram criados em 1959 e nada menos que oito em 1961, no curto governo de Jânio Quadros. Nesse período, o presidente do Conselho Federal Florestal era Victor Farah Abdennur, um dos fundadores da FBCN.
  • Mas a industrialização do país, com o conseqüente aumento da urbanização, associada à influência de eventos ocorridos no exterior, logo iria fazer os conservacionistas ampliarem seu foco. Para começar, a publicação de um livro nos Estados Unidos, em 1962, tinha detonado uma verdadeira bomba nos meios industriais e ambientalistas internacionais. “Primavera silenciosa”, obra da bióloga Rachel Louise Carson, pela primeira vez denunciava ao mundo leigo a insidiosa contaminação do meio ambiente por resíduos tóxicos decorrentes do uso de pesticidas químicos. 
Entre eles, o DDT (diclorodifeniltricloroetano), inseticida responsabilizado por disfunções reprodutivas em animais superiores; e outros defensivos utilizados na agricultura - desde então, e para sempre, batizados de agrotóxicos. Daí para que se difundisse a noção de que a intensa atividade industrial do século XX estava contaminando ar, água e solos do planeta com os mais variados resíduos químicos, seria um passo.
  • Ainda era o império do conservacionismo de flora e fauna, mas a idéia da defesa do meio ambiente, muito mais abrangente, já se instalava naqueles efervescentes anos 1960 – a década de ouro do feminismo; do nascimento da noção de defesa do consumidor; das revoltas de estudantes, com sua recusa dos valores burgueses; e do movimento hippie, que acrescentava a essa recusa a pregação de um estilo de vida fora da sociedade de consumo e em comunhão com a natureza.
Num tempo em que a palavra de ordem era contestar, a defesa da natureza logo se revelaria uma das poucas bandeiras capazes de juntar seguidores que, de outra forma, seriam totalmente inconciliáveis.

O Bom Negócio da Sustentabilidade

  • Afinal, o que poderia haver em comum entre personagens tão díspares quanto – digamos – um jovem hippie americano embalado pelo rock e as “viagens” de ácido e um austero e grisalho oficial da Marinha brasileira? Nada, a não ser o discurso em defesa da natureza.
A referência a oficiais da Marinha brasileira não é gratuita. Em 1966, foi eleito presidente da FBCN o zoólogo José Cândido de Mello Carvalho, que tinha sido diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém. Carvalho deu grande impulso à FBCN ao trazer para dentro da entidade o então incipiente debate sobre a floresta amazônica e ao criar um Boletim Informativo que divulgava a produção científica e intelectual de seus associados. 
  • Com isso, a FBCN começou a atrair militares da Marinha responsáveis pelo patrulhamento – e, por conseqüência, a fiscalização ambiental - da região. Entre esses militares estavam os almirantes José Luiz Belart e Ibsen de Gusmão Câmara, que se tornaram aguerridos militantes conservacionistas numa longa e frutífera cooperação com a FBCN.
Enquanto, no Rio de Janeiro, os ambientalistas capitaneados pela FBCN buscavam usar seu prestígio pessoal para influir nas decisões de governo, no Rio Grande do Sul os defensores da natureza optavam pela mobilização popular.
  • Era o final da década de 1960. Em Porto Alegre, Augusto Carneiro, um vendedor de livros, exmilitante do Partido Comunista Brasileiro, aproximou-se de um agrônomo recém-chegado de uma longa permanência no exterior: José Lutzenberger. A princípio o que os uniu foi o naturismo, que ambos praticavam. Mas logo as animadas conversas entre os dois começaram a derivar para as ciências da natureza. Como muitos gaúchos de sua geração, Carneiro tinha sido leitor atento das apaixonadas crônicas semanais em defesa da natureza publicadas no jornal Correio do Povo por Henrique Roessler – um pioneiro do ambientalismo, ainda hoje reverenciado pelos ambientalistas do Rio Grande do Sul.
Contabilista de profissão, Roessler era um naturalista amador que até morrer, em 1963, fiscalizava por conta própria a caça e a pesca nos banhados gaúchos. Lutzenberger, por sua vez, acabava de deixar um bem-remunerado cargo executivo numa indústria química na Alemanha, incomodado por ganhar a vida com agrotóxicos (ele também tinha lido “Primavera silenciosa”...). Interessava-se pelos aspectos científicos da questão ambiental e lia atentamente as publicações da FBCN, que lhe eram enviadas por outro agrônomo, Antônio Quintas, representante da entidade em Porto Alegre.
  • O país já havia entrado então nos anos negros da ditadura. Eram tempos de censura à imprensa, de prisões e “desaparecimentos” de opositores do regime militar. Carneiro havia deixado o Partido Comunista por insatisfação com seus rumos, mas não perdera a vocação para a militância de esquerda. Com os comunistas, tinha aprendido a organizar associações, promover reuniões, distribuir materiais de leitura. 
O estudioso Lutzenberger fazia o perfil do ideólogo, o homem capaz de organizar o discurso, de reunir idéias dispersas e vagas num conjunto coerente e claro. Gaúchos de variada extração – jornalistas, cientistas, estudantes, donas de casa, senhoras da alta sociedade - acorriam a suas palestras, organizadas por Carneiro.
  • Da combinação de habilidades da dupla resultou a criação, em 1971, da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, a Agapan. A sigla logo ultrapassou os limites do Rio Grande do Sul e se tornou conhecida, respeitada e copiada em todo o Brasil. 
A entidade deslanchava barulhentas campanhas contra agressões ambientais no Rio Grande – o despejo de lixo no rio Guaíba, a poluição do ar de Porto Alegre - e encontrava eco na imprensa de todo o país. Sufocados pela censura, jornais e revistas encontravam nas lutas da Agapan as manchetes que não podiam dar sobre assuntos mais estritamente políticos. (Ver “O Caso Borregaard/Riocell”). 
  • Impedidos de se manifestar politicamente em passeatas, estudantes subiam em árvores ameaçadas de derrubada e lá ficavam durante dias, sob as luzes de fotógrafos e cinegrafistas. Atordoadas com aquele novo discurso, que falava de árvores e baleias, as forças da repressão não agiam. A militância pela natureza era a válvula de escape de que todos precisavam.
Enquanto isso, na maior cidade do país, as lutas ambientais tinham menos visibilidade nas ruas e na mídia. Mas deixaram influências que perduram até hoje. 
  • Em 1973, Emílio Miguel Abellá, um artista plástico cinquentão, espanhol de nascimento, cobriu o rosto com uma máscara contra gases e postou-se no movimentado centro de São Paulo. Era um solitário e inédito protesto contra a poluição do ar da mais industrializada cidade brasileira. Ali começou a ação do Mape – Movimento Arte e Pensamento Ecológico, que reunia artistas plásticos em “cruzadas ecológicas” pelo Brasil. Eram alegres e irreverentes caravanas que montavam nas cidades visitadas exposições de arte seguidas de palestras e debates. Na época, poucos se deram conta disso, mas o movimento liderado por Abellá apontava pioneiramente para tendências que viriam a crescer e se firmar nas décadas seguintes. 
Ao trazer artistas para um debate, até então dominado por cientistas e políticos, antecipava a abordagem transdisciplinar, que iria caracterizar o novo paradigma holístico a partir dos anos 1980/90. E quando a maior parte das organizações ambientalistas ainda estava concentrada em temas pontuais como a preservação do mico-leão e a caça às baleias, a revista do Mape, Pensamento Ecológico, já defendia a revisão do modelo de desenvolvimento baseado no uso intensivo dos recursos naturais.
  • Outra presença no movimento ambientalista de São Paulo na virada da década de 1970 era um homem afável, de gestos tranquilos, nascido numa das mais ricas famílias do estado. Paulo Nogueira- Neto interessava-se pela questão ambiental desde a década de 1950, quando trocou uma recém-começada carreira de advogado por um curso de História Natural. Levava uma vida discreta, dando aulas e ocupando cargos de assessoria em órgãos florestais do governo de São Paulo. Mas a partir dos meados dos anos 1970 passa a desempenhar papel vital na continuação da história do ambientalismo no Brasil e, depois, no mundo
O caso Borregaard/Riocell: 
A antiga vilã rende-se à força da comunidade:
  • O caso da indústria de celulose Borregaard, em Guaíba (RS), é a história exemplar de como as pressões da comunidade ganharam poder sobre o destino dos empreendimentos. Inaugurada em 1972, no auge da ditadura militar, quando as organizações comunitárias no Brasil eram vistas com desconfiança pelo regime, mesmo assim logo se tornou ícone nacional de poluição industrial, por causa do cheiro de ovo podre que espalhava no ar de Porto Alegre. Nos 30 anos seguintes, foi obrigada a mudar de nome, de dono e de comportamento.
A fábrica de celulose foi construída no município de Guaíba, próximo a Porto Alegre, pela Borregaard, empresa norueguesa que tinha entre seus sócios no empreendimento o próprio governo brasileiro, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Despejava diariamente no ar da região mais de oito toneladas de poluentes, entre os quais o gás sulfídrico, responsável pelo cheiro insuportável. 
  • Com os olhos irritados, dificuldades para respirar e náuseas, os combativos gaúchos foram à luta. Juntaram-se na então recém-criada Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e transformaram o combate à poluição da empresa norueguesa na sua principal bandeira.
Enquanto a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) acusava a luta ambientalista de ser uma “psicose” que transformava as indústrias em vilãs, a Agapan e seu fundador, Jos Lutzenberger, ganhavam projeção nacional. O parlamento gaúcho abriu uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o caso.
  • O relatório da CPI, que havia começado para investigar as questões ambientais, detectou danos aos interesses nacionais no acordo de acionistas para a instalação da fábrica norueguesa no Brasil. Embora os recursos financeiros fossem de bancos estatais brasileiros, o poder de decisão sobre a venda da celulose na Europa era dos noruegueses. 
O documento recomendou a suspensão imediata das atividades da fábrica para aperfeiçoamentos técnicos do controle da poluição, a reformulação da política de florestamento e reflorestamento do Rio Grande do Sul, para atender as demandas ambientais e não apenas as econômicas, e a nacionalização do capital da empresa. 
  • O resultado foi a transferência, em dezembro de 1975, de 51% do controle acionário para o Montepio da Família Militar (MFM), nacionalizando em 95% a empresa, que nessa ocasião trocou o nome Borregaard – irremediavelmente associado a sujeira, mau-cheiro e doença – para Riocell (Rio Grande Companhia de Celulose do Sul Ltda).
Desde então, a empresa trocou de controladores mais quatro vezes. Investiu em equipamentos de controle ambiental e na década de 1980 já não emitia mais mau cheiro. Contratou consultorias como a do antigo algoz, José Lutzemberger, que passou a cuidar da sua área florestal e de seu parque ecológico.
  • Na década seguinte, o foco dos ambientalistas mudou do ar para a água - a poluição dos efluentes líquidos carregados de compostos orgânicos e clorados foi reconhecida como muito tóxica. A Riocell estava justamente formulando um projeto de ampliação da produção, em 1992, quando o Ministério Público interveio, barrando a licença. O processo ficou nove anos na Justiça. Nesse meio tempo a empresa continuou investindo em sistemas antipoluição.
"O fim de um dos capítulos mais polêmicos e problemáticos da história ambiental do Rio Grande do Sul", como define o diretor-presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), Nilvo Luiz Alves da Silva, começou a se esboçar em 1999. Numa articulação que envolveu o Ministério Público, a Fepam e diversas organizações da sociedade civil, a Riocell remodelou aspectos do seu processo produtivo, submetendo-se a critérios mais atuais e rígidos de licenciamento. 
  • E ainda comprometeu-se a substituir o cloro elementar empregado no processo de branqueamento da celulose – principal gerador das temidas dioxinas, substâncias nocivas à saúde humana que se espalham pelo meio ambiente – por uma mistura de oxigênio, dióxido de cloro, ácido sulfúrico e peróxido de hidrogênio.
Hoje a empresa, rebatizada de Klabin Riocell S.A, é uma das primeiras empresas a participar do inventário de Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), projeto pioneiro que pretende medir e identificar fontes de poluição para a elaboração de políticas de controle e mitigação de danos ambientais.

O Bom Negócio da Sustentabilidade