quarta-feira, 1 de julho de 2015

Agricultura Orgânica

Consideramos como agriculturas orgânica todo o sistema de produção que não se utiliza de fertilizantes sintéticos, nem mesmo de agrotóxicos que sejam reguladores do crescimento ou mesmo determinados aditivos sintéticos existentes para a alimentação animal.

  • A produção e o mercado de produtos da agricultura orgânica crescem no mundo e no Brasil. Em 2006, havia 630 mil unidades certificadas no mundo, ocupando cerca de 30 mil hectares. O Brasil ocupava o 6º lugar em volume de área, com 842 mil hectares e 15 mil unidades. 
A demanda pelos produtos orgânicos está aumentando no mundo, com vendas no varejo estimadas em US$ 33 bilhões em 2005 (WILLER; YUSSEFI, 2007) e em US$ 46 bilhões em 2006 (MAPEAMENTO..., 2008), resultado dos esforços de diferentes agentes da cadeia, tanto pelo lado da oferta (diversidade de produtos, canais de comercialização, certificação) quanto da demanda (preocupação com a saúde, com a inocuidade dos alimentos e com a proteção à natureza), e das políticas públicas estabelecidas.
  • No Brasil, organizações públicas e privadas participam do desenvolvimento da agricultura orgânica desde os anos 80, por meio de projetos de C&T e de P&D e da elaboração de políticas públicas de âmbito local, nacional e internacional.
Informações sobre produção e comercialização da agricultura orgânica no Brasil são relativamente escassas. Não existe controle oficial sistemático dos dados enquanto a regulamentação da Lei 10.831 não for implantada, embora alguns estados (PR, MG, por exemplo) e o Distrito Federal realizem estatísticas rurais.
  • No Brasil, a agricultura orgânica controlada (AOC) pelas associações, cooperativas e ONGs, de acordo com levantamento feito pelo MAPA, teve sua área aumentada em 500% nos últimos 4 anos, alcançando 850 mil hectares e 19 mil projetos envolvidos (BRASIL, 2005). O mercado era estimado em cerca de US$ 1 milhão em 2003, com crescimento a taxas de 20% ao ano. Levantamento realizado pelo SEBRAE-RJ, em 2004, em 611 pontos de comercialização dos orgânicos no Brasil, mostrou que, em termos percentuais, o número de pontos de comercialização em supermercados era praticamente idêntico ao número de pontos de venda dos produtos orgânicos em feiras, associações, cooperativas e redes de consumo (FONSECA, 2005).
Em 1985, foi criada, no Rio de Janeiro, a ABIO - Associação de Agricultores Biológicos do Rio de Janeiro, por técnicos e produtores orgânicos que comercializavam seus produtos isoladamente e que buscaram, de forma associativa, facilitar a comercialização através de estrutura comum de pontos de varejo.
  • A ABIO sempre procurou apoiar ações que favoreçam a comercialização dos orgânicos: em 1988, foi realizada a primeira feira específica de produtos orgânicos em Nova Friburgo; em 1989, teve início a venda de orgânicos em box da Cobal do Humaitá e, em 1995, foi inaugurada a Feira Ecológica da Glória, na cidade do Rio de Janeiro, onde permanece até hoje.
No Rio de Janeiro, os produtos orgânicos chegaram aos supermercados a partir de 1996. Entretanto, ainda hoje persistem pontos de estrangulamento para os produtores comercializarem através desse canal: o baixo volume de produção; a descontinuidade na quantidade e na qualidade ofertada; a fraca infraestrutura de produção e comercialização; a baixa disponibilidade de recursos produtivos (capital e mão-de-obra); a fraca organização dos pequenos produtores e trabalhadores rurais; a baixa remuneração aos produtores pelo produto orgânico e a escassa promoção dos alimentos orgânicos (GUIVANT et al., 2003). Além disso, consumidores e gerentes de loja têm consciência limitada em relação aos rótulos orgânicos e aos princípios e benefícios da AOC (DAROLT, 2002; OLIVEIRA, 2005).
  • Em função dessa incerteza, os varejistas acreditam no potencial dos produtos orgânicos, mas se preocupam particularmente com a segurança e a continuidade da oferta, além das exigências de qualidade, preço e variedade, exigências comuns às frutas, legumes e verduras produzidos convencionalmente. Os atuais hábitos de compra dos consumidores - diversidade, frequência, rapidez, frescor, entrega em domicílio, compra pela internet, ambiente agradável de compra, estacionamento para veículos - os levam às compras em supermercados.
Outras feiras, porém, foram implantadas em Niterói, Campo Grande, Itaipava, Teresópolis e Campos dos Goytacazes e, mais recentemente, iniciativas em Paty do Alferes, Petrópolis, Nova Iguaçu, Casimiro de Abreu, Silva Jardim e Nova Friburgo.
  • A história recente da AOC no Estado do Rio de Janeiro é marcada por ciclos de expansão e de retração do número de unidades controladas e da oferta de produtos orgânicos. Nos momentos em que, pelo fomento de políticas públicas ou pela abertura de canais de distribuição, os mercados sinalizam aumento da demanda, produtores convertem seus sistemas de produção e buscam mecanismo de avaliação da conformidade como garantia de que o produto segue os regulamentos técnicos da AOC. Essa busca está ligada à expectativa de garantia de escoamento dos produtos e de melhor remuneração pelo valor agregado ao produto orgânico, associada aos aspectos sociais e ambientais.
Sem considerar os problemas na esfera da produção, quando esgotadas/frustradas as possibilidades dos novos canais por vários fatores, parte desses produtores retorna à agropecuária convencional ou mesmo abandona a atividade. As consequências desses ciclos de expansão e de retração traduzem-se na aparente estagnação ou no lento crescimento do número de produtores orgânicos certificados/controlados e dos volumes de produtos orgânicos produzidos no Rio de Janeiro e comercializados no grande varejo. Apesar das iniciativas públicas e privadas voltadas para o estímulo à conversão dos sistemas produtivos para a AOC, e da diversidade de experiências implantadas nas áreas de produção, há poucas ações positivas de comercialização desenvolvidas.
  • No que tange à caracterização dos produtores orgânicos, seguindo tendência no meio rural já detectada no final dos anos 90 em pesquisa da Rede Agroecologia Rio (FONSECA, 1999), a renda não agrícola está cada vez mais presente na AOC. Entre 2005 e 2006, oito em cada dez produtores que buscaram a certificação da ABIO eram originários do meio urbano, dispondo de outra fonte de renda e mantendo expectativas na AOC mais como projeto de vida alternativa e menos como atividade econômica (FONSECA, 2007). Por diferentes fatores (logística e escala, entre outros), as distribuidoras estabelecidas no Estado do Rio de Janeiro encontram-se em situação econômica frágil ou dependem de capitais oriundos de outras atividades. 
A perspectiva de que a expansão da AOC, principalmente entre os agricultores familiares e pequenos empreendimentos, impulsionasse um rearranjo social que revertesse a tendência de esvaziamento do meio rural no estado tampouco vem se concretizando. Por tratar de princípios que consideram os aspectos ambientais, sociais e econômicos, a AOC é alternativa capaz de contribuir para a mitigação do aquecimento global e para a sobrevivência da agricultura familiar e dos pequenos empreendimentos, estancando a exclusão social e a degradação ambiental provocada pela revolução verde. Entretanto, considerando as condicionantes de mercado, a AOC vem frustrando essa expectativa de expansão sustentável.

Desenvolvimento da Agricultura Orgânica:
Algumas iniciativas no Estado do Rio de Janeiro
  • 1979 - Criação da COONATURA no Rio de Janeiro, cooperativa de consumidores.
  • 1984 - II EBAA - Encontro Brasileiro de Agricultura Alternativa, com apoio da Federação das Associações dos Engenheiros Agrônomos do Brasil, reunindo estudantes e profissionais.
  • 1985 - Criação da ABIO e da Feirinha da Saúde em Nova Friburgo.
  • 1988 - Box da ABIO na COBAL do Humaitá.
  • 1992 - Fazendinha Agroecológica - Parceria EMBRAPA, PESAGRO e UFRuralRJ no município de Seropédica. Sistema Integrado de Produção Agroecológica no qual pesquisadores, estudantes, técnicos e produtores interagem para a construção do conhecimento (capacitação de produtores e técnicos, elaboração de dissertações e teses).
  • 1994 - Criação da Feira Orgânica e Cultural da Glória, organizada pela ABIO e pela COONATURA; ABIO participa das reuniões para discussão das normas nacionais da agricultura orgânica.
  • 1998 - Rede Agroecologia Rio - Projeto com recursos FINEP/ FAPERJ (1998 e 1999) para o desenvolvimento da agricultura orgânica - parceria EMBRAPA, EMATER, PESAGRO, UFRuralRJ, ABIO, ASPTA e Agrinatura.
  • 2002 - I ENA - Encontro Nacional de Agroecologia, organizado com o apoio da Secretaria Estadual de Agricultura e da FAPERJ, que reuniu 1.200 pessoas (produtores, estudantes e profissionais) para discutir políticas públicas para o desenvolvimento da Agroecologia.
  • 2002 - Criação do GAO - Grupo de Agricultura Orgânica, grupo eletrônico moderado pela PESAGRO-RIO, que congrega pessoas e organizações (públicas e privadas) para fomentar as discussões e acordos sobre os regulamentos técnicos para a agricultura orgânica, em âmbito nacional e internacional.
  • 2003 - Participação na construção da Lei 10.831, que dispõe sobre a agricultura orgânica e sua regulamentação com apoio de projeto de P&D com recursos CNPq (2001) e ações apoiadas por outras fontes públicas (MAPA, MDA).
  • 2004 - Programa Moeda Verde - Cultivar Orgânico da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento (SEAPPA).
  • 2004... - Capacitação de produtores e técnicos para a agricultura orgânica - Iniciativa de produção orgânica usando compostagem, estimulada pela EMATER-RIO em parceria com a Secretaria Municipal de Agricultura, Associação de Produtores Orgânicos de São José Vale do Rio Preto e EMBRAPA Agrobiologia. Criação da Rede Ecológica, grupo organizado de consumidores de produtos agroecológicos, da agricultura familiar e da economia solidária. Criação da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ).
  • 2005 - 2006 - Participação na construção do Decreto 6.323 (2007) e das Instruções Normativas 54 e 64 (2008), 17, 18 e 19 (2009). Participação nas discussões para alteração da Lei de agrotóxicos, no intuito de permitir produtos fitossanitários com uso aprovado na agricultura orgânica, que resultaram no Decreto 6.913 (2009).
  • 2006 - 2007 - Projetos de produção de sementes orgânicas e apoio a processos de avaliação da conformidade dos produtos orgânicos. Essas duas ações de P&D foram executadas com recursos do Programa Rio Inovação, da FAPERJ: o de sementes, pela PESAGRO-RIO e o de avaliação da conformidade dos produtos orgânicos pela ABIO.
  • 2005... - Gerenciamento Integrado de Agroecossistemas em Microbacias Hidrográficas nas regiões Norte e Noroeste do Estado do Rio de Janeiro - Programa Rio Rural, executado pela SEAPPA, EMATER e PESAGRO em parceria com a COPPE/UFRJ, Embrapa Solos e UENF, com recursos do Banco Mundial.
  • 2007 - 2008 - Projeto FAPERJ coordenado pela PESAGRO-RIO em parceria com a EMATER-RIO, Embrapa Agrobiologia, Embrapa Tecnologia de Alimentos, UFRuralRJ, MAPA/SUREG-RJ e ABIO para pesquisa sobre o mercado de produtos orgânicos
  • 2008 - 2009 - Projeto ABIO com recursos SEBRAE-RJ para trabalhar os orgânicos na perspectiva do comércio justo e no desenvolvimento dos mercados institucionais. Projeto ABIO com recursos MDA para estimular a certificação e os sistemas participativos de garantia entre os seus membros. Acesso de 10 produtores orgânicos, membros da Associação dos Produtores Orgânicos de Petrópolis, certificados pela ABIO, ao Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar - PAA.
A agroecologia e a agricultura orgânica:
Um pouco de história e conceitos
  • A denominação agricultura alternativa foi adotada nos anos 70 e 80 por falta, à época, de denominação mais específica e precisa, já que não significava modelo ou conjunto de técnicas, mas sim o conjunto de movimentos alternativos em torno de formas não industriais de agricultura. Esses movimentos remontam ao aparecimento da agricultura industrial, no início do século XX, época em que se introduziam na Europa Ocidental e na América do Norte as práticas para a disseminação da Revolução Verde. Compreendem agroecossistemas denominados orgânico, biodinâmico, natural, regenerativo, ecológico, biológico, agroecológico e da permacultura.
Adotando enfoque regulamentar nos primeiros anos de popularização dos nomes e mercados de produtos da agricultura não industrial, houve intenso debate na Europa entre representantes das indústrias de insumos agrícolas e representantes e ativistas dos movimentos de agricultura alternativa. Os representantes da agricultura industrial argumentavam que essas denominações eram incorretas, pois, mesmo com o uso dos insumos industriais, os processos biológicos e os processos orgânicos não deixavam de acontecer. Essa polêmica chegou aos tribunais europeus (Alemanha).
  • Aparentemente, os “orgânicos” conseguiram garantir a denominação agricultura orgânica como exclusividade do modelo de agricultura não industrial, reconhecido e registrado em normas internacionais e regulamentos técnicos nacionais. Durante a polêmica, alguns dos defensores da agricultura não industrial propunham a adoção do nome agricultura ecológica para se escapar dos problemas levantados pela indústria de insumos.
Independentemente do conjunto de práticas adotado, em geral para efeito de regulamentação, a terminologia biológica está ligada aos países de língua francesa e a terminologia ecológica está mais ligada aos países de língua espanhola. A terminologia orgânica está ligada aos países de língua inglesa e/ou de origem anglo-saxônica e foi adotada pelas normas internacionais como referência para a agricultura orgânica.
  • De acordo com o art. 1 § 2° da Lei 10.831, a agricultura orgânica compreende todos os sistemas agrícolas que promovam a produção sustentável de alimentos, fibras e outros produtos não alimentos (cosméticos, óleos essenciais etc.) de modo ambiental, social e economicamente responsável. Tem por objetivo maior otimizar a qualidade em todos os aspectos da agricultura, do ambiente e da sua interação com a humanidade pelo respeito à capacidade natural das plantas, animais e ambientes.
No Brasil, os movimentos tomaram impulso decisivo nos anos setenta, a partir de diferentes manifestações, críticas e proposições (correntes), usando a denominação agricultura alternativa. Eram coordenados pela FAEAB (Federação das Associações de Engenheiros
  • Agrônomos do Brasil), que organizou quatro grandes encontros nacionais conhecidos como EBAAs (Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa), realizados, respectivamente, em Curitiba (1981), Rio de Janeiro (1984), Cuiabá (1987) e Porto Alegre (1989), reunindo estudantes e profissionais ligados à agricultura.
O termo institucionalizado nos regulamentos técnicos brasileiros foi o “orgânico”, que pode ser complementado pelos termos ecológico, biodinâmico, natural, biológico, agroecológico, da permacultura e do extrativismo sustentável orgânico.

O consumo de alimentos orgânicos é uma tendência crescente no Brasil e no exterior. Orgânicos são produtos obtidos sem a utilização de fertilizantes químicos, agrotóxicos ou hormônios artificiais para promover crescimento.

Agroecologia: princípios e dimensões:
  • Devido à confusão existente entre agroecologia e modelos de agricultura, adoção de determinadas práticas ou tecnologias agrícolas e oferta de alimentos “limpos”, ecológicos, convém qualificar a Agroecologia. Agroecologia é ciência emergente, orientada por uma nova base epistemológica e metodológica.
É um campo de conhecimento transdisciplinar, que recebe influência das ciências sociais, agrárias e naturais, em especial da Ecologia Aplicada. O paradigma da agroecologia tem evoluído muito rapidamente, congregando uma série de princípios com forte preocupação com a conservação dos recursos naturais e metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas.
Propõe um conjunto de princípios e de metodologias que apoiam o processo de transição da agricultura convencional/industrial para a agricultura de base ecológica e social. Considera as dimensões políticas, sociais, culturais, ambientais, éticas, estruturais, organizacionais, de segurança alimentar e econômicas no desenho e condução dos sistemas agrícolas e comerciais sustentáveis e no estímulo aos hábitos de consumo consciente.
  • A agroecologia constitui-se de movimentos de construção do conhecimento. É muito difundida na América Latina e Caribe e também na Europa, nos territórios ibero-americanos, destacando-se o trabalho do professor chileno Miguel Altieri, da Universidade de Berkeley, Califórnia-EUA, e liderada pelos espanhóis, entre eles Eduardo Sevilla Guzmán.
No Brasil, além das ONGs que trabalham com educação e preservação ambiental desde os anos 80, podem ser citados os trabalhos de pesquisa iniciados oficialmente na década de 90 pelo núcleo liderado pela Embrapa Agrobiologia, PESAGRO-RIO e UFRuralRJ, com pesquisadores como Dejair Lopes de Almeida e Raul de Lucena.

Dimensões da sustentabilidade:

Costabeber e Caporal (2003, citados por BARBOSA, 2007) apresentam elementos que podem ser considerados como multidimensões da sustentabilidade baseada na agroecologia:
  • Dimensão ecológica: manutenção e recuperação da base de recursos naturais. Constitui o aspecto central para se atingirem patamares crescentes de sustentabilidade em qualquer agroecosssistema.  Há necessidade de abordagem holística e de enfoque sistêmico, dando tratamento integral a todos os elementos do agroecossistema que venham a ser impactados pela ação humana. Enfim, uma noção de preservação e conservação da base dos recursos naturais como condição essencial para a continuidade dos processos de reprodução socioeconômica e cultural da sociedade em geral e da produção agropecuária em particular, numa perspectiva que considere tanto as atuais como as futuras gerações.
  • Dimensão social: representa, precisamente, um dos pilares básicos da sustentabilidade. A busca por melhores níveis de qualidade de vida mediante a produção e o consumo de alimentos com qualidade biológica superior, eliminando o uso de insumos tóxicos no processo produtivo agrícola, através de novas combinações tecnológicas, sociais e éticas.Dessa forma, originando novas formas de relacionamento da sociedade com o meio ambiente, estabelecendo conexão entre a dimensão social e a ecológica, sem prejuízo da dimensão econômica.
  • Dimensão econômica: a sustentabilidade de um agroecosssistema também supõe a necessidade de se obterem balanços agroenergéticos positivos, compatibilizando a relação entre produção agropecuária e consumo de energias não renováveis. De acordo com a Economia
  • Ecológica, a sustentabilidade pode ser expressada pela preservação da base de recursos naturais que são fundamentais para as gerações futuras. Assim, coloca em evidência a estreita relação entre a dimensão econômica e a dimensão ecológica.
  • Dimensão cultural: deve-se considerar a necessidade de que as intervenções respeitem a cultura local. Os saberes, os conhecimentos e os valores locais das populações rurais precisam ser analisados, compreendidos e utilizados como ponto de partida dos processos de desenvolvimento rural que, por sua vez, devem espelhar a “identidade cultural” das pessoas que vivem e trabalham em dado agroecossistema.
  • Nesse sentido, a agricultura precisa ser entendida como atividade econômica e sociocultural, como prática social realizada por sujeitos que se caracterizam pela forma particular de relacionamento com o meio ambiente.
  • Dimensão política: o desenvolvimento rural sustentável deve ser concebido a partir das concepções culturais e políticas próprias dos grupos sociais. Deve considerar o diálogo e a integração com a sociedade maior, através de representação em espaços comunitários ou em conselhos políticos e profissionais, numa lógica que considere aquelas dimensões de primeiro nível como integradoras das formas de exploração e manejo sustentável dos agroecossistemas. 
  • Assim, deve-se privilegiar o estabelecimento de plataformas de negociação nas quais os atores locais possam expressar seus interesses e necessidades em igualdade com outros atores envolvidos, assegurando o resgate da autoestima e o pleno exercício da cidadania.
  • Dimensão ética: relaciona-se diretamente com a solidariedade intra e intergeracional e com novas responsabilidades dos indivíduos em relação à preservação do meio ambiente. 
Dessa forma, exige pensar e tornar viável a adoção de novos valores, não necessariamente homogêneos. A dimensão ética da sustentabilidade requer o fortalecimento de princípios e valores que expressem a solidariedade sincrônica (entre as gerações atuais) e a solidariedade diacrônica (entre as atuais e futuras gerações).
  • Costabeber e Caporal (2003) concluem que essas dimensões básicas da sustentabilidade são elementos importantes para a identificação dos passos que venham a auxiliar o processo de construção de estilos de agricultura sustentável sob o enfoque agroecológico. Esse enfoque se torna mais abrangente pelo fato de a agroecologia nutrir-se de outros campos de conhecimento, assim como de saberes e experiências dos próprios agricultores, o que proporciona o estabelecimento de marcos conceituais, metodológicos e estratégicos com maior capacidade para orientar não apenas o desenho e manejo de agroecossistemas sustentáveis, mas também processos de desenvolvimento rural sustentável. (COSTABEBER; CAPORAL, 2003, p. 08, citados por BARBOSA, 2007).
Observa-se que o desenvolvimento rural sustentável, nessa concepção, é o pressuposto para a construção de uma sociedade mais equilibrada, que busca utilizar pré-requisitos básicos para alcançar a sustentabilidade, apoiando-se, principalmente, na participação política dos atores envolvidos, permitindo a obtenção de ganhos econômicos, levando em consideração a qualidade de vida da geração presente e das gerações futuras. 
  • Nessa perspectiva, a participação da sociedade civil nos Conselhos de Desenvolvimento contribui para a busca de uma sociedade mais equilibrada, já que, se efetivamente constituídos, poderão imprimir novo formato às políticas sociais, estabelecendo nova relação entre Estado e sociedade civil. Segundo Guivant (1997, citado por BARBOSA, 2007), cada ação que a agroecologia propõe só faz sentido dentro de uma totalidade. Portanto, incentivar o desenvolvimento de práticas isoladas pode tornar a perspectiva agroecológica prejudicial num contexto espacial e temporal, transformando o desenvolvimento rural em proposta insustentável.
Essa perspectiva agroecológica induz à redescoberta do local como espaço decisório e de mobilização da sociedade. Para melhor compreensão do conceito de local, deve estar clara a concepção de território como fração de espaço, como subespaço, regulado política e administrativamente por normas próprias e acordadas.
  • Nesse sentido, o local é o espaço socialmente construído, com base territorial definida (segundo critérios geoeconômicos, geopolíticos e geoambientais). O local é o espaço social onde se conformam comunidades e se constroem identidades territoriais (COELHO; FONTES, 1998, citados por BARBOSA, 2007). Assim, a mudança do papel do governo local, de autoridade administrativa para promotor do desenvolvimento econômico, é um dos maiores desafios. Enfim, o governo local torna-se promotor do desenvolvimento e da participação organizada da comunidade.
Alguns princípios da agroecologia:
  • Procura reunir e organizar contribuições de diversas ciências naturais e sociais, sem descartar os conhecimentos anteriormente gerados, procurando incorporar a eles lógica integradora e mais abrangente do que a das disciplinas isoladas.
  • Reconhece e valoriza o conhecimento popular e tradicional como fonte de informação para modelos que possam ter validade nas condições atuais.
  • Reconhece a importância da agricultura familiar, tradicional, indígena, quilombola ou da reforma agrária como espaço destacado para o desenvolvimento da racionalidade ecológica.
  • Reconhece na agrobiodiversidade - processo de relações e interações entre plantas cultivadas, animais criados e seus manejos e os conhecimentos tradicionais a eles associados - papel importante no enfoque agroecológico.
  • Reconhece que as unidades de estudo são os agroecossistemas, sendo resultado da coevolução da natureza e dos grupos sociais que nela intervêm, com suas distintas formas de conhecimento, organização, tecnologias e valores.
  • Serve à sociedade como um todo, às gerações futuras e atuais, aos atores do mundo rural e urbano. Produzir, comercializar e consumir alimentos são atividades com conteúdo ético e político que dizem respeito a todos, não só aos agricultores.
  • Está baseada no local como espaço social; é no local que se conformam as comunidades e se constroem identidades territoriais e de projetos. Fontes de conhecimento e passos da transição agroecológica, Fontes de conhecimento que amparam os processos de transição agroecológica
  • Pesquisa científica, realizada isoladamente e de forma participativa.
  • Conhecimentos relacionados à agroecologia, formulados por diversos autores, incluindo os fundadores das correntes clássicas e contemporâneas na área agrícola.
  • Conhecimentos tradicionais de agricultores familiares, povos indígenas, comunidades tradicionais, ribeirinhos, quilombolas e da reforma agrária.
  • Aprendizado acumulado na prática recente de construção de uma grande variedade de sistemas sustentáveis em diversas condições locais do mundo.
  • Conhecimentos relacionados às ciências humanas e sociais, englobando várias correntes do pensamento da teoria econômica e da sociologia econômica , para explicar as diferentes formas de governança e formas de coordenação construídas na rede de produção, comercialização e consumo dos produtos da agricultura orgânica. 
A proposta é de uma análise fundamentalmente interdisciplinar da ação econômica (WILKINSON, 1997).
A transição agroecológica passa por diversas etapas, dentro e fora do sistema de produção, dependendo da distância a que o sistema do produtor estiver da sustentabilidade, e da organização ou não dos produtores para permitir um sistema de comercialização conjunta.

Passos da transição agroecológica:
Internos ao sistema de produção produtivo
  • Redução e racionalização do uso de insumos químicos e de práticas nocivas ao ambiente e ao homem.
  • Substituição de insumos químicos pelos biológicos.
  • Manejo da biodiversidade e redesenho dos sistemas produtivos, quando os agroecossistemas ganham complexidade.
  • Planejamento da produção de acordo com o canal de comercialização a ser acessado, priorizando os circuitos curtos de comercialização. Externos ao sistema de produção produtivo
  • Expansão da consciência pública.
  • Construção social - Organização dos mercados (novos canais de comercialização e novas relações comerciais), buscando a organização dos atores em grupos, redes, a parceria entre núcleos.
  • Mudanças institucionais na pesquisa, ensino e extensão.
  • Formulação de políticas públicas que favoreçam a elaboração de marco legal que considere as dimensões da sustentabilidade.
Reconhece-se que a transição agroecológica não se dará de forma linear, havendo uma dialética entre avanços e recuos, que é inerente aos processos de mudança social. Nem todos os passos aqui indicados devem ser obrigatoriamente cumpridos, em qualquer situação. Outros podem existir, dependendo das condições locais ou regionais específicas. Não há nível de sustentabilidade desejável, aceitável, estabelecido a priori, que defina o sustentável e o não sustentável. Para cada local, região ou território, as condições socioeconômicas e culturais mudam os parâmetros, embora o foco seja sempre a construção de agriculturas sustentáveis e de relações comerciais transparentes, justas e que favoreçam o consumo consciente.
  • Em 2001, os movimentos de agricultura alternativa no Brasil se reuniram no Rio de Janeiro para o 1° Encontro Nacional de Agroecologia (I ENA). Como desdobramento, em 2002, surgiu a ANA - Articulação Nacional de Agroecologia, que congrega, principalmente, organizações de agricultores familiares, consumidores, ONGs e acadêmicos com o objetivo de formular políticas públicas. Em 2004, foi criada a ABA - Associação Brasileira de Agroecologia, sociedade científica que integra os atores que trabalham na construção do conhecimento agroecológico.
Em 2006, aconteceu o II ENA, em Recife-PE, organizado pela ANA e pela ABA, reunindo 1.731 profissionais (agricultores, técnicos, consumidores).
  • Em 2007, foi criada a SOCLA - Sociedade Científica Latino-Americana de Agroecologia, com sede na Colômbia, liderada pelo cientista chileno Miguel Altieri. Todos os membros da ABA são, automaticamente, membros da SOCLA (BOLETIN..., 2008). Em novembro de 2009, será realizado o VI CBA - Congresso Brasileiro de Agroecologia e também o II Congresso Latino-Americano de Agroecologia, em Curitiba-PR.
Envolvendo, principalmente, profissionais das ciências naturais e sociais, os movimentos de agricultura alternativa no Brasil e na América Latina e Caribe pretendem fortalecer os laços entre as diversas redes sociotécnicas que trabalham a agroecologia. Os esforços vão desde a elaboração de políticas públicas (crédito, acesso a mercados, regulamentação, segurança alimentar, acesso a terra, educação) até ações, em parceria ou não, com as iniciativas da sociedade civil, no âmbito nacional e continental.

A institucionalização da agricultura orgânica
No mundo:
  • A institucionalização da agricultura orgânica no mundo teve início em 1972, com a criação da IFOAM - Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica e a publicação de suas primeiras normas, em 1978. As normas privadas da IFOAM serviram de referência para a comercialização dos produtos orgânicos no mundo até a década de 90 e para o estabelecimento de outras normas locais e regulamentos técnicos em diferentes países.
A França foi o primeiro país a regulamentar, nos anos 80. No início da década de 90, foram criados os regulamentos técnicos para a produção orgânica de origem vegetal da Comunidade Econômica
  • Europeia (EC 2092/91), à época o maior mercado de orgânicos. No final da década, o Codex Alimentarius estabeleceu diretrizes para a produção orgânica de origem vegetal e, em 2001, editou diretrizes para a produção animal (CODEX ALIMENTARIUS COMMISSION, 2001). O Codex é a norma internacional que serve de referência para as negociações comerciais de alimentos nos acordos de barreiras técnicas ao comércio (TBT) e medidas sanitárias e fitossanitárias (SPS) da Organização Mundial do Comércio (OMC). Para os não alimentos (têxteis e cosméticos) devem ser usadas as normas da IFOAM.
Essas normas internacionais de referência são baseadas nas realidades, práticas e contextos específicos dos países de clima temperado e dos países de alta renda. Hoje existem mais de 80 países com alguma regulamentação da agricultura orgânica em algum estágio (implantadas ou em discussão). A pouca flexibilização das normas internacionais está refletida nos regulamentos técnicos nacionais, praticamente cópia das normas internacionais e regionais, que dificultam o comércio internacional de produtos da agricultura orgânica e também o desenvolvimento dos mercados locais em países de baixa renda da América Latina e Caribe e da Ásia.
  • O estabelecimento, em 2003, da Força Tarefa Internacional - FTI FAO/UNCTAD/ IFOAM para harmonização e equivalência das normas na agricultura orgânica mostra a necessidade de flexibilizar e buscar acordos de reconhecimento mútuo, embora respeitando as diversidades dos diferentes países. Essa flexibilização deve começar pela busca da equivalência de objetivos regulamentares comuns na condução dos sistemas de garantia das qualidades orgânicas dos países cujos resultados são iguais, para satisfazer às necessidades de inocuidade e qualidade, bem como o imaginário dos consumidores e das autoridades competentes. A harmonização virá como consequência das negociações de diretrizes internacionais menos específicas e mais evolutivas.
Há tendência de inclusão e aceitação dos sistemas participativos de garantia (SPG) em oito legislações dos países de baixa renda na América Latina e Caribe, na Índia e no Estado de Andaluzia/Espanha. O reconhecimento dos SPG pela FAO, em sua 30ª Reunião Regional, que ocorreu em abril de 2008, em Brasília-DF, demonstra que esses mecanismos de avaliação da conformidade são adequados aos mercados internos e externos.

No Brasil:
  • No Brasil, desde a década de 70, organizações de produtores e consumidores, além de técnicos, desenvolvem práticas seguindo os princípios da agricultura orgânica. Em 1994, iniciou-se a discussão para a regulamentação da agricultura orgânica no país, que foi oficialmente reconhecida em maio de 1999 (fruto da discussão entre a sociedade civil organizada e o poder executivo), com a publicação da Instrução Normativa nº 007/99, do MAPA (BRASIL, 1999).
Em dezembro de 2003, foi publicada a Lei 10.831 (BRASIL. Presidência da República, 2003), definindo e estabelecendo condições obrigatórias para a produção e a comercialização de produtos da agricultura orgânica. A lei foi aprovada após tramitar no Congresso Nacional desde 1996, contando, a partir de 2002, na fase final do processo, com a participação democrática de representantes do setor, organizações públicas e privadas e a sociedade civil.
  • Em julho de 2004, foi editada a Portaria 158, do MAPA (BRASIL, 2004a), que trata da Comissão Nacional para a Produção Orgânica (CPOrg-RJ) e das Comissões da Produção Orgânica nas Unidades da Federação (CPOrg -UF), criadas com a função de executar o programa PRÓ-ORGÂNICO (BRASIL, 2004b), do qual a regulamentação era uma das tarefas.
Em março de 2004, foi criada a Câmara Setorial de Agricultura Orgânica (CSAO) como órgão consultivo de apoio às políticas públicas do MAPA. É composta por membros do governo e da sociedade civil. Foi na CSAO que aconteceram as discussões, elaboração, aprovação e regulamentação da Lei 10.831. Os textos do Decreto e das Instruções Normativas foram construídos, durante os anos de 2004, 2005 e 2006, por técnicos de diferentes ministérios em parceria com diversos segmentos da sociedade civil ligados à agricultura orgânica, sob a coordenação do MAPA.
  • Após a tramitação pela Casa Civil e demais ministérios envolvidos (MAPA, MDA, MMA, MS e MDIC), e após a aprovação das alterações pela CSAO, em agosto de 2007 , o Decreto 6.323 foi publicado no Diário Oficial da União, em 28 de dezembro de 2007. Os regulamentos técnicos específicos (portarias e instruções normativas) para cada atividade e setor foram objeto de consulta pública em maio de 2008. No mesmo ano, a CSAO passou a ser chamada de Câmara Técnica da Agricultura Orgânica (CTAO) e mudou suas representações (novos mandatos, inclusão e exclusão de membros).
As cinco Instruções Normativas específicas, que regulamentam a atividade da agricultura orgânica de acordo com a Lei 10.831 e com o Decreto 6.323, foram publicadas em 2008 e 2009. Em outubro de 2008, a Instrução Normativa nº 54, que trata das Comissões da Produção Orgânica (BRASIL, 2008a) e, em dezembro de 2008, a Instrução
  • Normativa nº 64, dos Sistemas Orgânicos de Produção Primária - animal e vegetal (BRASIL, 2008b). Em maio de 2009, as Instruções Normativas nº 17, do Extrativismo Sustentável Orgânico; nº 18, do Processamento e nº 19, dos Mecanismos de Controle e Informação da Qualidade Orgânica (BRASIL, 2009a, 2009b, 2009c), sendo a IN 17/09 e a IN 18/09 conjuntas com o MMA e o MS, respectivamente. Em julho de 2009, foi publicado o Decreto nº 6.913/09, que trata dos produtos fitossanitários com uso aprovado para a agricultura orgânica (BRASIL,2009b).

Os alimentos orgânicos, cultivados em casa, são mais saudáveis por possuírem menos agrotóxicos e passarem por menos processos químicos antes de chegarem à mesa, o que os torna ideais para a alimentação das crianças.