terça-feira, 29 de novembro de 2016

Cenários de desmatamento para a Amazônia

Cenários de desmatamento para a Amazônia

Britaldo Silveira Soares-Filho 
Gustavo Coutinho Cerqueira
Eliane Voll
Centro de Sensoriamento Remoto 
Britaldo Silveira Soares-Filho 
Ricardo Alexandrino Garcia
Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Universidade Federal de Minas Gerais). @ – britaldo@csr.ufmg.br, cerca@csr.ufmg.br, voll@csr.ufmg.br e rica@cedeplar.ufmg.br 
Daniel Curtis Nepstad 
Paul Lefebvre
Peter Schlesinger 
David McGrath
The Woods Hole Research Center (EUA). @ – dnepstad@whrc.org,paul@whrc.org, pschles@whrc.org e dmcgrath@amazon.com.br 
Alice McDonald
Tropical Resources Institute. Yale School of Forestry &Environmental Studies (EUA); @ –lisa.curran@yale.edu e alice.mcdonald@yale.edu 
Claudia Azevedo Ramos
David McGrath
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Belém, Pará). www.ipam.org.br @ – c.azevedoramos@terra.com.br 
Daniel Curtis Nepstad 
David McGrath
Universidade Federal do Pará, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Campus do Guamá, Belém, Pará
Daniel Curtis Nepstad 
David McGrath
Causas do desmatamento na Amazônia
e suas implicações futuras:
  • Vastas mudanças estão em curso na Amazônia, como evidenciado pelo rápido avanço do desmatamento. Enquanto Achard et al. (2002) estimaram uma perda florestal de 150 mil km2 para toda América Latina entre 1990 e 1997, nesse mesmo período, somente para a Amazônia brasileira, o projeto 
Prodes (Inpe, 2004) mensurou cerca de 100 mil km2 de perda florestal. Dados desse projeto demonstram ainda que as taxas brutas de desmatamento, que atingiram 23 mil km2 ano-1 entre o biênio 2002-2003, vêm se acelerando através do último quinquênio em cerca de 13% ao ano.
  • As causas históricas e presentes do desmatamento na Amazônia são diversas e freqüentemente inter-relacionadas. Compreendem desde incentivos fiscais (Mahar, 1988; Schmink e Wood, 1992; Moran, 1993) e políticas de colonização no passado (Hecht, 1985; Hecht e Cockburn, 1990; Schmink e Wood, 1992; Andersen e Reis, 1997; Laurance, 1999), as quais desencadearam uma forte migração para Amazônia como válvula de escape para os problemas sociais de outras regiões (Skole et al., 1994); recorrentes conflitos fundiários motivados pela ausência de titularidade da terra e pela pressão da reforma agrária (Fearnside, 1985 e 2001; Soares-Filho et al., 2004); até o recente cenário macroeconômico (Margulis, 2002), envolvendo o avanço da exploração madeireira (Nepstad et al., 2001), da pecuária (Mertens et al., 2002; Kaimowitz et al., 2004) e o boom do agronegócio (Figura 1), notadamente a expansão das culturas de soja sobre áreas de pastagens (Alencar et al., 2004a). Investimentos em infra-estrutura, sobretudo a abertura de estradas e pavimentação (Nepstad et al., 2000; Carvalho et al., 2001; Laurance et al., 2001), completam esse quadro, posto que promovem a viabilidade econômica da agricultura e da exploração madeireira na Amazônia central, com conseqüente valorização de suas terras.


  • A previsão de asfaltamento de rodovias através da região (Nepstad et al., 2000) estimulará ainda mais a expansão da fronteira agrícola e da exploração madeireira, podendo acarretar uma colossal conversão de florestas em pastagens e áreas agrícolas, e, conseqüentemente, profunda perda do patrimônio genético de vários ecossistemas da Amazônia – ainda pouco conhecido –, e redução regional das chuvas (Silva Dias et al., 2002), com resultante aumento da flamabilidade de suas paisagens (Nepstad et al., 1999) e extensiva savanização (Nobre et al., 1996). 
Somam-se a isso as contribuições dessas mudanças para o aquecimento global, posto que o desmatamento representa hoje cerca de 75% das emissões de CO2 brasileiras (Houghton et al., 2000), e suas teleconexões climáticas – alterações no clima de outras regiões –, como a diminuição de chuvas no sudeste brasileiro (Fearnside, 2003) e o agravamento do período de estiagem no meio-oeste americano (Avissar & Werth, 2002).
  • Por conseguinte, essas grandes mudanças na cobertura florestal têm importantes implicações quanto à perda de biodiversidade e outros serviços ambientais, emissão de gases que contribuem para o efeito estufa e à prosperidade da sociedade da Amazônia a longo prazo. Nessa perspectiva, um importante desafio para a comunidade científica consiste em simular os efeitos da infra-estrutura de transporte nos padrões regionais de mudanças de uso e cobertura do solo. 
A avaliação dos impactos indiretos dessas mudanças é de particular interesse tanto para planejadores regionais como para cientistas que estudam as mudanças climáticas. O desenho de uma estratégia de conservação para a floresta amazônica dependerá do rápido avanço na nossa compreensão das conexões da floresta com seus ecossistemas nativos e vida silvestre, clima regional, em conjunto com a economia e bem-estar da sociedade local. 
  • O projeto "Cenários para a Amazônia" (www.amazonscenarios.org), de caráter inter-institucional, busca desenvolver um modelo integrado, baseado em um ambiente computacional, que simule a dinâmica de uso e cobertura do solo na Amazônia, seus impactos nos ecossistemas amazônicos e as complexas interações entre esses ecossistemas com os climas regional e global, e ciclos hidrológicos das principais baciais hidrográficas. 
Além de possibilitar o estudo das retro-alimentações entre esses sistemas, o modelo integrado é também concebido como um instrumento de avaliação do potencial de políticas públicas para a conservação da Amazônia.
  • Dentro do escopo do referido projeto, neste artigo é descrito um modelo de simulação espacial de desmatamento na bacia Amazônica, sensível a diferentes cenários de políticas públicas frente à expansão da infra-estrutura de transporte na região. À luz do modelo, são analisados os impactos de uma gama de cenários, variantes da tendência histórica, na fragmentação florestal das paisagens da Amazônia. 
Os mapas de mudanças da cobertura florestal produzidos pelo modelo em questão encontram-se disponíveis para estudos de avaliação de seus impactos ambientais indiretos, como emissão de carbono para atmosfera, redução de hábitats, perda de biodiversidade, alteração do ciclo hidrológico na bacia e mudanças nos climas regional e global (www.csr.ufmg.br/simamazonia).

Projetos de pavimentação de estradas na Amazônia:
  • A pavimentação e a construção de estradas consistem no principal determinante dos futuros padrões de desmatamento da bacia Amazônica. Atualmente, vários projetos de pavimentação estão sendo considerados pelo governo brasileiro: as obras de pavimentação de um trecho de cerca de 700 km da BR-163, da di-visa do Pará com o Mato Grosso ao porto de Itaituba, estão marcadas para serem iniciadas em breve. Grandes interesses econômicos estão por trás desse projeto que visa a conectar a região produtora de soja do Mato Grosso a portos de cala-do internacional do sistema fluvial do Amazonas. 
Outros projetos de pavimentação incluem a BR-230 (rodovia Transamazônica), BR-319 (rodovia Manaus-Porto Velho), BR-156 do Amapá a Guiana Francesa, BR-401 de Roraima a Guiana, assim como muitos outros trechos de importância secundária (Figura 2).
  • Além disso, projetos de integração continental contemplam a pavimentação de rodovias através dos Andes, ligando não só a Amazônia mas o restante do Brasil a portos no Pacífico, como Callao no Peru e Arica no Chile. Dentre esses projetos, prioridade foi dada ao asfaltamento do trecho da rodovia Transamericana entre Assis Brasil, no Acre, a Cuzco, no Peru, a qual já se encontra asfaltada daí para o Pacífico. 
Como alternativa, vislumbra-se também uma ligação entre Cruzeiro do Sul, no Acre, a Pucalpa, no Peru. Existe, igualmente, a possibilidade de se construir uma rodovia ligando Cárceres, no Mato Grosso, a Santa Cruz na Bolívia. Santa Cruz, localizada no interior da bacia Amazônica, é hoje um centro urbano em franca expansão, com importância econômica maior do que a sua capital La Paz, graças aos seus campos de gás natural. 
  • Essa rota, embora até então não priorizada, representa a conexão mais curta entre as regiões industriais e altamente povoadas do sudeste brasileiro aos portos do norte do Chile, atravessando ainda a região produtora de soja do Brasil central. Por fim, outros projetos de transporte fluvial, construção de barragens, hidrelétricas e gasodutos completam esse quadro de investimentos em infra-estrutura para a Amazônia (Nepstad et al., 2000; Carvalho et al., 2001; Laurance et al., 2001).
O modelo em questão focaliza o efeito da pavimentação de rodovias na futura trajetória do desmatamento, haja vista que a cadeia de efeitos de outros investimentos em infra-estrutura ainda é bastante indeterminada. Naturalmente, o impacto do asfaltamento de estradas nas mudanças de cobertura do solo, nos movimentos migratórios e no bem-estar das sociedades que vivem nessas regiões dependerá da efetividade de esforços em conservação e ordenamento territorial levados a cabo atualmente. 
  • À luz das tendências atuais, investimentos em integração regional, sobretudo através da pavimentação de rodovias, devem ocorrer sob o espectro de um entre dois cenários plausíveis: "o mesmo de sempre" (business-as-usual), no qual as forças de destruição continuam sem efetiva contraposição, e um cenário de "governança", no qual os vários segmentos da sociedade, em conjunto com o Estado, desempenham um importante papel em prol da utilização regulada dos recursos naturais e conseqüente conservação da integridade ambiental da bacia amazônica (Nepstad, et al., 2002; Soares-Filho et al., 2004). 
Portanto, a prevalência de um desses cenários determinará o alcance do desmatamento através da bacia, à medida que novas infra-estruturas são criadas e os mercados nacional e internacional crescem, trazendo consigo viabilidade econômica para a agricultura e a exploração madeireira nas terras centrais da Amazônia.
  • Com o intuito de incorporar a influência da pavimentação de rodovias na projeção de desmatamento, foi estabelecido um calendário especificando para as três próximas décadas as datas prováveis de término do asfaltamento de cada trecho viário previsto, tendo como base documentos oficiais e conversas com agentes públicos (Tabela 1). Essas novas estradas asfaltadas exercerão um efeito no desmatamento, não só aumentando as suas taxas regionais, mas também iniciando novas fronteiras de ocupação.


Desenho do modelo:
  • O ambiente de simulação desenvolvido incorpora dois modelos acoplados com distintas estruturas espaciais: 1) uma configuração em sub-regiões definida a partir de uma regionalização socioeconômica da Amazônia (Garciaet al., 2004) (Figura 3) e 2) um mapa raster (estrutura matricial) composto por 3144 x 4238 células a 1 km2 de resolução. 
Um modelo integrador de cenários projeta as taxas de desmatamento para as 47 sub-regiões da bacia, processando dados de desmatamento (taxa anual e derivada média anual calculada para o quinquênio 1997-2002), de estradas a serem asfaltadas (Tabela 1) e das extensões de remanescentes florestais e áreas protegidas atuais e planejadas em cada uma das sub-regiões.


  • As taxas regionais produzidas por esse modelo são então passadas para um simulador de mudanças espaciais – Dinamica (Soares-Filho et al., 2005). Esse modelo corresponde a um sistema de informação geográfica (SIG) de caráter dinâmico, o qual utiliza mapas de infra-estrutura (rodovias, estradas vicinais, estradas de ferro, gasodutos, canais fluviais e portos), unidades administrativas (estados, países e macrorregiões), áreas protegidas (unidades de conservação federal e estadual e terras indígenas), e aspectos biofísicos (vegetação, solo e topografia) para localizar as áreas mais prováveis a serem desmatadas (Soares-Filho et al., 2004) e assim reproduzir os padrões de progressão do desmatamento através do território amazônico. Cada sub-região possui um modelo singular com parâmetros personalizados. 
Não obstante, a integridade espacial entre as sub-regiões é assegurada pelo cômputo anual de um subconjunto de variáveis espaciais (e.g. distâncias ao desmatamento prévio e às estradas vicinais) de modo contínuo por toda a bacia. Isso faz com que a dinâmica de uma região afete as de suas vizinhas. Também, conectado ao simulador de mudanças encontra-se um modelo para simular a expansão da rede de estradas vicinais e assim incorporar o efeito da abertura de estradas espontâneas (Souza et al., 2004) na difusão do desmatamento.

Cenários de desmatamento para a Amazônia

Modelagem de cenários:
  • O modelo de simulação foi rodado para oito cenários, em passos anuais, por um intervalo de tempo de cinqüenta anos a partir de 2001. O cenário mais pessimista, denominado "o mesmo de sempre", considera as tendências históricas de desmatamento através da bacia, realizando as projeções pela multiplicação da taxa do ano anterior por sua derivada média anual entre 1997 e 2002 e adicionando a esse termo um fator de aceleração advindo da pavimentação de um conjunto de estradas. 
Em todos os cenários, a pavimentação de estradas segue o calendário predefinido (Tabela 1), sendo seu efeito na aceleração do desmatamento estimado empiricamente, comparando-se a relação histórica entre a proporção de área desmatada com a densidade média de estradas asfaltadas em municípios da Amazônia brasileira. 
  • O cenário otimista de governança também considera as tendências históricas de desmatamento através da bacia, mas, nesse caso particular, a projeção do desmatamento assume uma curva na forma de U invertido, reflexo do aumento gradual do estado de governança através da Amazônia. 
Nesse cenário, o desmatamento não ultrapassa 50% da cobertura florestal original em propriedades privadas, enquanto para o cenário "o mesmo de sempre" esse limite é estendido a 85%. Observe-se que esses patamares são superiores ao estabelecido pelo código florestal brasileiro – único país amazônico a possuir lei com essa especificidade –, porém mais realistas. 
  • O cenário de governança assume que a rede de áreas protegidas será expandida, como proposto pelo Programa Arpa (Áreas Protegidas da Amazônia) (Montiel, 2004), sendo que nesse cenário é assegurada a proteção integral das áreas protegidas, enquanto que em "o mesmo de sempre", essas áreas podem perder, a longo prazo, até 40% de sua cobertura florestal original por carência de fiscalização ambiental. 
Como resultado, a taxa de desmatamento inicialmente aumenta, devido à pressão advinda das novas estradas pavimentadas, até um certo limiar, dependendo dos limites preestabelecidos, quando passa a declinar em virtude da escassez de florestas remanescentes.
  • Seis cenários intermediários foram também analisados, alternando-se alguns pressupostos: 1) cenário de governança, mas sem novos asfaltamentos, 2) cenário de governança sem a inclusão das áreas do Arpa, 3) "o mesmo de sempre" com a inclusão das áreas do Arpa e ostensiva fiscalização ambiental a fim de se garantir a preservação integral dessas áreas 4) "o mesmo de sempre" sem áreas do Arpa, mas com ostensiva fiscalização ambiental das áreas protegidas atuais, 5) "o mesmo de sempre" com a inclusão de novas áreas do Arpa, mas sem ostensiva fiscalização ambiental, o que pode permitir até 40% de desmate dessas áreas, e 6) cenário histórico, compreendendo apenas a tendência recente de aceleração do desmatamento.
Mudanças esperadas:
  • As projeções de desmatamento para os cenários extremos mostram trajetórias distintas. Sob o cenário "o mesmo de sempre", as taxas anuais ascendem dos patamares atuais de 23 mil e 28 mil km2 ano-1, respectivamente para o Brasil e para a bacia como um todo, para cerca de 40 mil a 48 mil km2 ano-1, perto de 2030, declinando-se levemente daí em diante. Em contraste, no cenário de governança, as taxas assumem uma trajetória descendente graças ao aumento gradual do estado de governança através da bacia (Figura 4).


  • Como resultado, a tendência prevista de desmatamento dentro do cenário "o mesmo de sempre" levará, em meados deste século, a uma redução de cerca de 40% nos atuais 5,4 milhões de km2 de florestas da bacia Amazônia. 
Para a Amazônia brasileira, esses números são ainda mais assustadores, já que as perdas podem ultrapassar 50% de seus atuais 3,3 milhões km2 de florestas. Ao efeito da pavimentação de estradas, podem-se creditar, ao longo do tempo, aproximadamente 250 mil km2 de desmatamento sobre a já vertiginosa tendência histórica da bacia como um todo, ou seja, mais do que uma década de desmatamento brasileiro, considerando a sua taxa atual. Todavia, se consideramos uma projeção à taxa atual imutável, esse adicional avulta-se para 680 mil km2 até 2050, o que equivale ao total atual da área desmatada na Amazônia brasileira.
  • Contextualizando esses números, demonstra-se que o leste e o sudeste amazônico serão as áreas mais atingidas. Em regiões como o leste do Pará e por todo o estado do Mato Grosso, grandes extensões de florestas fora das áreas protegidas praticamente desaparecerão; mesmo unidades de conservação próximas às principais rodovias serão afetadas em grande extensão (Figura 5). 
Também as reservas indígenas, hoje consideradas mais bem protegidas (Nepstad et al., no prelo), terão seus ecossistemas nativos profundamente afetados, visto que estarão mais sujeitos ao fogo e secas prolongadas, resultantes do avanço do clima de savana sobre a bacia – especialmente as florestas de transição no parque do Xingu.



  • Com efeito, por toda a bacia, novos corredores de desmatamento tenderão a se entrecruzar, gerando vastas conversões da cobertura florestal em regiões como o entorno de Manaus e eixos que se radiam daí em direção a Rondônia – pela rodovia Manaus – Porto Velho, para norte por Roraima e a leste, ao largo do rio Amazonas. Em adição, serão afetadas largas faixas laterais às rodovias Transamericana e BR-364 Acre adentro, assim como amplas extensões de terra ao redor de Santa Cruz, na Bolívia, Florência, na Colômbia, e Puerto Ayacucho na Venezuela. 
Nesse cenário de fragmentação, somente regiões remotas, como o extremo noroeste da Amazônia brasileira e interior das Guianas ainda manterão grandes blocos coesos de floresta. Contudo, esta análise é ainda conservadora, pois não considera perturbações adicionais na floresta por fogo e exploração madeireira, nem outros projetos de estradas ainda não vislumbrados.
  • Em contraste, um cenário de governança poderia reduzir o desmatamento previsto em até 62% e 55%, respectivamente, para a Amazônia brasileira e a bacia como um todo, mesmo que se completassem todos os projetos planejados de asfaltamento (Figura 2). Seu resultado se expressa, portanto, pela expansão e preservação completa das áreas protegidas, aliadas à manutenção de um arranjo de paisagens rurais ecologicamente sustentáveis. 
Nesse aspecto, os cenários intermediários servem para analisar o papel das áreas protegidas na conservação da Amazônia. Tomando como base de comparação o desmatamento dentro do cenário "o mesmo de sempre", demonstra-se que somente a expansão da rede de áreas protegidas, de 29% (atualmente, 34%) para 41% da Amazônia brasileira, mas sem sua implementação de fato, é capaz de reduzir o desmatamento previsto para o final da metade desta década em somente cerca de 7% (Figura 6). 
  • Por outro lado, uma ostensiva fiscalização ambiental nessas áreas elevaria esse percentual para cerca de 30%. Todas as medidas de conservação combinadas, mas sem a expansão das áreas protegidas, garantiriam 86% do desmatamento evitado pelo cenário de governança. 
Por fim, uma ampliada rede de áreas protegidas, efetivamente implementada via ostensiva fiscalização, seria responsável pela metade da redução no des- matamento atribuído ao cenário de governança, ou seja, pelo abatimento de um terço nas perdas florestais projetadas dentro do cenário "o mesmo de sempre".


Estratégias de conservação:
  • Desenvolvimento na Amazônia sempre dividiu opiniões. Os resultados do modelo demostram que, de fato, a pavimentação de rodovias através do coração da Amazônia desencadeará uma vasta remoção de suas florestas, sobretudo se a tendência atual não for revertida a tempo. 
Observe-se que somente a expectativa de se asfaltar a BR-163 Pará adentro tem instigado a grilagem de glebas públicas, espalhado violência e, conseqüentemente, acelerado o desmatamento nessa região.
  • As conseqüências ambientais dessas mudanças são dramáticas. Dentro do cenário de "o mesmo de sempre", é esperado que mais de 2/3 da cobertura vegetal de quinze principais ecorregiões amazônicas, de um total de trinta e duas, sejam eliminados, liberando aproximadamente 32 Pg (109 toneladas) de carbono para a atmosfera, o equivalente a mais de quatro anos das atuais emissões por todo o planeta. 
Grande extinção de espécies, muitas ainda não conhecidas, pode ocorrer na Amazônia oriental, onde as taxas de desmatamento são vertiginosas. A título de ilustração, 22% de um total de 164 mamíferos analisados perderiam mais do que 40% de seu hábitat dentro da bacia (Soares-Filho et al., submetido).
  • Um cenário de ampla governança poderia reverter essa tendência, porém conciliar desenvolvimento com conservação não é trivial. Nos últimos anos, investimentos governamentais no controle do desmatamento têm aumentado, incluindo o crescimento do contingente do Ibama e o desenvolvimento de sistemas de detecção de desmatamento em tempo real – Deter (Inpe, 2005). 
Mas nem sempre essas medidas se traduzem em controle imediato, haja vista que o desmatamento segue em passo acelerado, estimulado pelo suposto progresso econômico da região.
  • Unidades de conservação que garantam a preservação integral dos recursos naturais (parques nacionais e estaduais, estações ecológicas, reservas biológicas, entre outras) e áreas protegidas que permitam o uso desses recursos (terras indígenas, reservas extrativistas, reservas de desenvolvimento sustentável e florestas nacionais) são também componentes importantes da estratégia de controle do desmatamento. 
No entanto, os dados do modelo demonstram que mesmo um maciço investimento na implementação e manutenção de uma ampla rede de áreas protegidas, dentro de um cenário como "o mesmo de sempre", não seria suficiente para impedir o empobrecimento em larga escala das principais bacias hidrográficas, ecorregiões e hábitats amazônicos. 
  • Portanto, uma estratégia de conservação extensiva deve também envolver a proteção de um arranjo funcional de remanescentes florestais fora das áreas protegidas a fim de se evitar o co-lapso ambiental dos ecossistemas de florestas úmidas, já em curso em outras partes dos trópicos (Curran et al., 2004).
Experiências recentes em planejamento regional (Alencar et al., 2004b), zoneamento agro-ecológico (Sectma, 2000) e fiscalização ambiental (Fema, 2002) devem ser refinadas e multiplicadas para que consigamos sobrepujar as crescentes forças de explotação da floresta. 
  • Mas somente a presença da lei não basta, pois há, igualmente, necessidade de se valorizar a floresta em pé, buscando-se economias florestais, calcadas em uma sólida base macroeconômica, que sejam competitivas em face dos usos atuais em áreas convertidas, como a criação de gado e a plantação de grãos. Adiciona-se a essa estratégia a certificação ambiental para produtos de agricultores e fazendeiros que preservam a floresta em suas propriedades. 
Parte dos recursos necessários a esse esforço de conservação poderia vir na forma de créditos trocados por emissões de carbono evitadas, dentro de uma convenção do clima modificada, como discutido em recentes negociações (Santilli et al., no prelo). 
  • Observe-se que os 17 Pg de emissão de carbono (16 Pg para o Brasil), evitados pelo cenário de governança em relação ao "mesmo de sempre", representam mais que oito vezes a redução nas emissões de gases causadores de efeito estufa a ser alcançada dentro do primeiro período de compensação do Protocolo de Kyoto. 
Além disso, vislumbram-se investimentos em cadeias de biotecnologia que explorem as enormes possibilidades do celeiro de biodiversidade amazônico. Enfim, essas medidas não somente trarão o bem-estar para toda a sociedade amazônica, mas também a garantia de conservação desse primordial patrimônio natural da humanidade.

Notas:
  1. O mapa de cobertura do solo para toda a bacia é formado por uma composição das cartas do Prodes de 2001 (Inpe, 2004), do mapa de vegetação da América do Sul (Eva et al., 2004) e da carta de desmatamento da Bolívia produzida por Steininger et al., 2001.
  2. Os dados das séries do Prodes entre 1997 e 2002 (Inpe, 2004) foram empregados no cálculo das taxas de desmatamento das sub-regiões brasileiras. Para outras sub-regiões, com ausência de dados multitemporais, foram assinaladas taxas tomando como comparação sub-regiões brasileiras com tipologia e idade de fronteira similares.
  3. Em vez de números absolutos, os resultados do modelo devem ser vistos como patamares a serem alcançados ao longo do curso de um dos cenários modelados.
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Cenários de desmatamento para a Amazônia