sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Outras reflexões sobre Educação Ambiental

Reflexões e ações sobre Educação Ambiental

  • Para entender um pouco do surgimento da EA no Brasil cabe lembrar que no contexto da ditadura militar (décadas de 1960 e 1970) havia grande pressão internacional para criação de instrumentos de proteção ambiental (condicionando a entrada de investimentos a garantias ambientais). 
Neste período, motivados pela possibilidade de atrair capital externo, governos estaduais e federal criaram instituições responsáveis por gerir o meio ambiente. 
  • Nesses órgãos, embora houvesse pessoas realmente preocupadas com a questão ambiental, a orientação geral seria cumprir exigências internacionais para atrair investimentos externos. 
Neste período surge uma educação ambiental altamente conservacionista, tecnicista, conservadora e “apolítica” inserida nos setores científicos e governamentais ligados à conservação de recursos naturais (BRUG̈GER, 2004; LOUREIRO, 2004). 
  • Ainda que neste contexto existissem pessoas pensando as questões sociais e ambientais de forma mais crítica, este movimento não era hegemônico. Posteriormente, devido ao avanço do autoritarismo, participantes de movimentos políticos, impedidos de continuar sua militância começam a incorporar um nascente movimento ecológico que não era visto como ameaça pelos militares.
Ainda ao final da década de 1970 exilados políticos voltam ao Brasil e trazem novas perspectivas sobre as questões em pauta. 
  • Tal processo deu origem a dois ambientalismos, e em consequência a duas Educações Ambientais, uma de cunho conservacionista e tecnicista e outra mais politizada e crítica (BRUG̈GER, 2004; LOUREIRO, 2004). 
Um outro processo interessante para compreensão da constituição de uma Educação Ambiental Crítica foi a construção do Tratado de Educação Ambiental Para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global como resultado da Primeira Jornada Internacional de Educação Ambiental, um movimento de milhares de pessoas em dezenas de países ao longo de dois anos. 
  • A finalização desse processo ocorreu durante a ECO 92 no Fórum Global das ONGs, a partir da participação, das contribuições e discussões de representantes de diversas instituições de diversos países. 
Quando terminado, os representantes das instituições tiveram a oportunidade de assinar o Tratado e se comprometer com suas clausulas. Um pouco do que representa o Tratado pode ser visto nos seguintes parágrafos de sua introdução:
  • Tal educação afirma valores e ações que contribuem para a transformação humana e social e para a preservação ecológica. Ela estimula a formação de sociedades socialmente justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre si relação de interdependência e diversidade. 
Isto requer responsabilidade individual e coletiva em nível local, nacional e planetário.
  • [...] As causas primárias de problemas como o aumento da pobreza, da degradação humana e ambiental e da violência podem ser identificadas no modelo de civilização dominante, que se baseia em superprodução e super consumo para uns e subconsumo e falta de condições para produzir por parte da grande maioria (GRUPO DE TRABALHO DAS ONGS, 1992).
É possível reconhecer no Tratado os questionamentos e propostas feitas pelo grupo de Bariloche e pelos autores identificados por Leff (2009), citado acima, como alguns dos precursores do pensamento ambientalista latino-americano. 
  • Isso se deve à grande influência que tais autores tiveram para os Educadores Ambientais latino-americanos, bem como cabe citar a participação direta de Paulo Freire e Moacir Gadotti no processo de construção do Tratado. Ainda sobre o processo de construção do Tratado, um episódio serve como exemplo para mostrar as diferentes concepções políticas presentes na EA. 
Quando chamadas a assinar o tratado, algumas instituições se recusaram a fazê-lo caso um de seus princípios não fosse removido. 
  • O princípio em questão diz: “A educação ambiental não é neutra, mas ideológica. É um ato político, baseado em valores para a transformação social”. Uma das instituições que se recusaram a assinar estava representada por uma delegação paquistanesa; caso essas pessoas assinassem um documento com esse princípio elas estariam pondo em risco a sua integridade física. 
Portanto é perfeitamente compreensível que a versão paquistanesa do Tratado não tivesse tal princípio. As outras instituições eram inglesas e canadenses; seus representantes se negaram a assinar o tratado com o princípio em questão pois se o fizessem dificilmente conseguiriam novos financiamentos para executar suas ações. 
  • Como resultado, a versão em inglês do tratado tem um princípio, talvez o mais significativo, a menos. Este episódio é interessante para mostrar como a Educação Ambiental está condicionada aos princípios e valores do contexto em que ela se insere (VIEZZER, 2004). 
O Tratado ainda apresenta uma expressão chave para ações de EA a partir da década de 1990. Sociedades Sustentáveis passa a ser um conceito interessante para compreender alguns questionamentos na Educação Ambiental. 
  • Diegues (1992) propõe a adoção do conceito de Sociedades Sustentáveis contrapondo ao conceito Desenvolvimento Sustentável, expondo que enquanto o desenvolvimento propõe formas menos impactantes de continuar o mesmo modelo econômico baseado na industrialização e na premissa de que existem países subdesenvolvidos que devem chegar aos patamares de industrialização e renda dos países ditos desenvolvidos, o conceito de Sociedades Sustentáveis leva em consideração que o mundo é diversificado, por isso podem existir muitas sociedades sustentáveis, desde que pautadas pelos “princípios básicos da sustentabilidade ecológica, econômica, social e política”. 
Em sociedades sustentáveis as pessoas são sujeitos, não objetos do “desenvolvimento”; assim sendo, não pode haver só uma ideia de desenvolvimento e de sustentabilidade, sendo que estes dois conceitos, fortemente vinculados a diferentes realidades culturais e grupos sociais, podem se apresentar de diferentes formas, todas mais apropriadas e apropriáveis às comunidades de onde emanam.
  • O uso, por educadores ambientais, da expressão “Sociedades Sustentáveis” vem do questionamento às propostas de adaptar o atual modelo de desenvolvimento a uma forma mais “sustentável” que permita sobrevida a tal modelo. 
Embora a expressão “sociedades sustentáveis” muitas vezes seja usada como se fosse uma proposta alternativa de desenvolvimento, ela representa mais uma postura assumida de incentivar formas de organização que propiciem construções coletivas, participativas e contextualizadas das propostas e ações que deveriam trazer desenvolvimento. 
  • Portanto, o uso de tal expressão relaciona-se a uma preocupação maior com o processo de construção de novos modelos, do que com os modelos em si. Essa é mais uma discussão que envolve o conceito de Sustentabilidade, tão disseminado nas ultimas décadas e usado pra definir coisas tão diferentes. 
Isabel Carvalho (2008) discorre sobre o falso consenso em torno da ideia de sustentabilidade e procura mostrar sua visão sobre o tema a partir da perspectiva socioambiental.A autora apresenta os seguintes três níveis de compreensão para tal conceito:
“Sustentabilidade como fenômeno empírico”: designado para atribuir significado a algum fenômeno ou realidade (CARVALHO, 2008).
Sustentabilidade como ideologia”: Situa o conceito no campo das ideologias, onde se disputa o sentido verdadeiro e correto do conceito contra seu uso falso e ilegítimo. Aqui, podemos citar o exemplo da disputa ideológica “desenvolvimento sustentável x Sociedades Sustentáveis”, onde há a crítica à forma como o conceito vem sendo usado para “esverdear” o modelo de desenvolvimento atual (CARVALHO, 2008).

Exposição da Educação Ambiental com garrafas Pet

  • Além de poder ser usada como descrição de um fenômeno empírico ou uma ideologia — a ser denunciada ou afirmada — pode ser também pensada como um modelo de compreensão da realidade. (…) 
A diferença desta perspectiva compreensiva/ interpretativa (ou ainda hermenêutica) para a perspectiva ideológica é que aqui não se trata de supor um sentido autêntico do conceito versus seus sentido impostor e seus usos falseadores, mas reconhecer as diferentes estratégias de atribuição de sentido ao conceito e compreender que se trata de uma disputa por hegemonia na apropriação da ideia de sustentabilidade como um capital simbólico. 
  • A tentativa de compreender como estes processos estão se dando não significa renunciar ao campo da disputa por uma posição de neutralidade ou de relativismo, bem ao contrário, é a tentativa de ampliar a compreensão dos contextos de construção e negociação dos sentidos em disputa no conceito de sustentabilidade (CARVALHO, 2008).
Para exemplificar seu ponto de vista, Carvalho (2008) ainda faz uma esquematização categorizando dois paradigmas diferentes que representam conjuntos de valores entre Sustentabilidade Fraca, 
“caracterizado por um cenário desenvolvimentista pensado sob a ótica do mercado”; e Sustentabilidade Forte, “que, reconhecendo a finitude dos recursos naturais e a desigualdade no acesso e no uso destes bens ambientais finitos, assume o projeto político de uma redistribuição equitativa dos recursos em termos globais e intergeneracionais” (CARVALHO, 2008).
Neste sentido, o Educador Ambiental se preocuparia não em ensinar o que é sustentável e o que não é, mas em construir um sistema de valores que possibilitem o surgimento de propostas e ações mais próximas a uma sustentabilidade forte. Sendo assim, de que forma atuar para propiciar tal construção? 
  • Além da crítica da Fundação Bariloche ao Clube de Roma, e seu “Limites do Crescimento”, e do processo de construção do Tratado de Educação Ambiental Para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, um terceiro aspecto é fundamental para desvendar os caminhos da EA no Brasil: A forte referência a uma educação dialógica e problematizadora de Paulo Freire.
“Educar e educar-se na prática da liberdade é tarefa das pessoas que sabem que pouco sabem – por isto sabem que sabem algo, e podem, assim, chegar a saber mais – em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais” (FREIRE, 1983, p. 15).
Paulo Freire é considerado uma das referências mais importantes dessa Educação Ambiental. É Citado por Figueiredo (2006), junto com Carlos R. Brandão e Maturana, como um dos principais aportes teóricos e por Leff (2009) como um dos precursores do ambientalismo latino-americano. 
  • Sua crítica à educação tradicional, que ele chama de educação “bancária”, somada à sua proposta de educação libertária, são subsídio para uma educação que pretenda induzir transformações sociais. 
Para Paulo Freire (1978) quando se analisa a relação entre educadores e educandos, dentro e fora da escola, é possível perceber que a educação tradicional tem como única prática a narração, onde se tem um educador com saberes a narrar e um educando vazio onde serão depositadas as narrativas do educador.
  • Nessa educação, quanto mais assuma uma postura passiva ao que o educador tem a depositar, melhor é o aluno. O autor denomina essa prática de Educação Bancária fazendo referência ao depósito de saberes. Além de elaborar essa crítica, Paulo Freire (re)propõe uma educação onde o educador constrói os saberes junto com o educando, contextualizado com a realidade em que está inserido e buscando o despertar de um pensamento crítico que questione as verdades impostas por seu contexto social. 
Nessa educação o educador tem um papel de problematizador para a construção de saberes, que ocorre através do reconhecimento de que cada indivíduo envolvido com o processo de aprendizagem tem muito a aprender e muito a contribuir.
“Assim é que, enquanto a prática bancária, [...], implica uma espécie de anestesia, inibindo o poder criador dos educandos, a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica um constante ato de desvelamento da realidade. A primeira pretende manter a imersão; a segunda, pelo contrário, busca a emersão das consciências, de que resulte sua inserção crítica na realidade. Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao desafio, Desafiados, compreendem o desafio na própria ação da captá-lo. Mas, precisamente porque captam o desafio como um problema em suas conexões com outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada” (FREIRE, 1978, p. 80).
Dessa forma, entendemos que essa Educação Ambiental traz como principal característica de sua ação educativa a abertura de espaços dialógicos. É nesses espaços que os educandos se reconhecem como atores capazes de se apropriar de processos de construção de saberes, com o potencial de questionar, refletir e propor soluções para os conflitos em que estão inseridos.
  • Assim, David Bohm (1989) traz o diálogo como um espaço de compartilhamento de significados, com a participação de todos do grupo, sem a pretensão de questionar ou desmontar o argumento de alguém, sem o objetivo de escolher a melhor ideia ou tomar uma decisão; este é um espaço onde todos falam e escutam, tentando deixar seus pressupostos de lado, com as mentes abertas para a construção de novos saberes e novas posturas perante o mundo. 
Humberto Mariotti (2001) propõe o diálogo como um espaço de compartilhamento, livre de pressupostos, em que ideias aparentemente opostas possam ser percebidas como complementares, possibilitando a construção de soluções mais completas e contextualizadas. 
  • A discussão sobre diálogo traz a necessidade de uma nova postura em espaços de interação de seres humanos; para tal, é necessária a desconstrução de verdades enraizadas nas pessoas e a construção conjunta de novos saberes que contemplem a realidade do grupo satisfatoriamente, fugindo de reducionismos e empirismos exagerados.
Essa educação problematizadora reconhece que os educandos são atores envolvidos em um determinado contexto com conflitos específicos, desta forma a aprendizagem se dá pela reflexão sobre os conflitos e suas resoluções. 
  • Assim, outra característica importante dessa EA é o estímulo à organização de grupos e coletivos, que proponham intervenções tornando estes processos de intervenção o fio condutor do processo de aprendizagem que se dará por um equilíbrio entre a reflexão e a prática. 
Mesmo essa prática consiste da abertura de espaços dialógicos, tanto no grupo/coletivo quanto nos momentos em que as ações serão discutidas entre educador e educando. 
Assim, cabe reafirmar que o papel do educador não é ensinar aquilo que julga necessário ao educando, mas sim induzir a construção de saberes através do diálogo e da reflexão sobre a prática. 
  • Nesse sentido, podemos citar alguns conceitos considerados fundamentais para compreender a ação dessa Educação Ambiental, tais como: Comunidades Aprendentes, e Interpretativas, Alteridade, Complexidade, Participação, Pertencimento, Potência de Ação, Sustentabilidade, Interdisciplinaridade, dentre diversos outros que se complementam entre si.
O conceito de “Comunidades Aprendentes” resgata a noção de que o aprendizado não é um caminho de duas vias entre ensinar e aprender, mas sim uma condição inerente de todo indivíduo. 
  • Todos aprendem em todos os momentos como condição fundamental de estar vivo; a interação entre as pessoas provoca a troca de saberes, pois todos os indivíduos possuem uma “dimensão educativa”, e portanto, “são fontes originais de saber” (BRANDÃO, C. R., 2005).
Ao se discutir “Comunidades Aprendentes” pode-se citar a “Alteridade” que considera todo indivíduo como único, reconhecendo que sua formação ocorre no decorrer de sua vida a partir do seu contato com outros indivíduos. 
  • Assim, suas diferenças (sua alteridade, ou sua identidade própria e única) devem ser respeitadas e reconhecidas partindo do princípio que todas as pessoas são diferentes e não desiguais (BRANDÃO, C. R., 2005; MAKIUCHI, 2005). 
Assim cada um tem sua identidade constituída a partir de sua vivencia como integrante de uma Comunidade Aprendente (seja ela um coletivo de EA, uma sala de aula ou um clube de futebol), reconhecendo, valorizando e respeitando a Alteridade presente nos outros membros de sua Comunidade.
  • Temos o conceito de “Pertencimento”, que valoriza a capacidade do indivíduo se reconhecer como parte de um grupo, ou comunidade, ou ainda se sentir pertencendo ao local onde vive, o sentimento de pertencimento é fundamental para que o indivíduo e a comunidade se sintam potentes para agir (MOURÃO SÁ, 2005; SANTOS, C. C.; COSTA-PINTO, 2005).
Quando diversos indivíduos se reconhecem pertencentes a um grupo, estão constituindo uma Comunidade Aprendente, desenvolvendo sua visão para a alteridade, “Participando” e criando uma Comunidade interpretativa” que reconhece e aumenta sua potência de ação, a partir da discussão e reflexão crítica sobre a “Complexidade Socioambiental” do contexto em que está inserido, intervindo nos conflitos da maneira que a comunidade percebeu como adequada, gerando uma situação de sustentabilidade política e social nesta comunidade.
  • Deste modo, essa EA atua reconhecendo e desenvolvendo estas dimensões, conceitos e sentimentos nas pessoas, instigando a reflexão crítica a partir do trabalho coletivo e da mediação da aprendizagem, questionando o individualismo e a fragmentação do conhecimento, buscando subsidiar a construção de uma sociedade mais justa, solidária, participativa e ética através da compreensão da complexidade dos conflitos socioambientais.
A racionalidade ambiental se constrói desconstruindo a racionalidade capitalista dominante em todas as ordens da vida social. 
  • Neste sentido, não só é necessário analisar as contradições e oposições entre ambas as racionalidades, mas também as estratégias para construir uma nova economia com bases de equidade e sustentabilidade; de uma nova ordem global capaz de integrar as economias autogestionárias das comunidades e permitir que construam suas próprias formas de desenvolvimento a partir de uma gestão participativa e democrática de seus recursos naturais (LEFF, 2001, p. 144).
Escola Ativa valoriza a educação ambiental junto a educadores e estudantes, estimulando profissionais da área da educação, alunos e demais membros da comunidade a se tornarem agentes multiplicadores de práticas ambientais, iniciando esses processos no ambiente escolar.

Outras reflexões sobre Educação Ambiental