A degradação ambiental pode ser definida como qualquer alteração adversa das funções ou dos componentes ambientais.
- A degradação ambiental não é um processo recente, porém a dimensão global que vem adquirindo nas últimas décadas o é. A consciência acerca da crise ecológica cresce cada vez mais e percebe-se que a lógica do capitalismo pode gerar efeitos irreversíveis ao meio ambiente, tais como a desertificação, que a cada ano torna uma superfície do tamanho do Estado do Rio de Janeiro em terras inférteis, o desflorestamento, o aquecimento e as chuvas ácidas, capazes de destruir a floresta boreal, amais importante do mundo, com seis bilhões de hectares.
Nesse quadro, a Ecologia, antes um simples ramo da Biologia, passou a ocupar lugar de destaque no discurso político de governantes em todo o mundo e as questões ambientais a remeter a todas as outras referentes à qualidade geral de vida. De acordo com Leonardi (2003, p. 205), “a questão ambiental na sociedade global é política, econômica, social, cultural, tecnológica, demográfica, científica”, de modo que a noção de desenvolvimento sustentável tem conferido novo sentido aos processos de planejamento e gestão, a partir do momento em que se questiona de que forma é possível manter a lógica da acumulação sem causar danos aos sistemas ecológicos, cujo equilíbrio é fundamental para a presente e futuras gerações.
- No caso do Brasil, alguns dos principais problemas ambientais têm origem no processo de urbanização extremamente acelerado e desordenado que gera, além de degradação, desigualdades sociais. Cerca de 81% da população brasileira vive em cidades, mas grande parte dela sem contar com qualquer infra-estrutura básica, como habitação, água potável e saneamento. Observou-se ainda, ao longo das últimas décadas, que a cidade informal cresce em taxas mais elevadas que a formal (MENEGAT E ALMEIDA, 2004).
A questão da moradia, nesse contexto, confunde-se com a problemática sócio-ambiental, destacando-se por sua complexidade, que envolve diversos outros dilemas, tais como superpopulação, desmatamento, ocupação de áreas de risco, inundações, desmoronamentos de encosta, proliferação de vetores de doenças, segregação socioespacial, condições subumanas de habitação e as questões fundiária e imobiliária. Esta questão coloca em pauta, sobretudo, a necessidade de terras para a construção de moradias a fim de atender à enorme demanda, seja pela construção de conjuntos habitacionais pelo poder público, seja por ocupações ilegais, a necessidade de infra-estrutura e serviços urbanos e a necessidade de uma gestão capaz de promover a sustentabilidade ambiental. No entanto, o alcance dessa sustentabilidade depende do real interesse dos atores sociais na mudança de paradigma, o que pode ser verificado à medida que vão sendo elaboradas e implementadas leis e políticas públicas consolidadoras de um novo modelo de desenvolvimento.
- Tendo em vista a proximidade com a real dinâmica urbana, os principais problemas que lhe concernem e a demanda populacional seria, então, adequado que as medidas tomadas para o alcance da sustentabilidade partam dos municípios, através de leis e instrumentos de gestão que busquem a proteção ambiental em todos os seus aspectos. Mas a estrutura político-administrativa municipal esteve, durante muito tempo, sob forte dependência dos níveis superiores de governo e não foi capaz de atender as demandas produzidas pelas elevadas taxas de urbanização verificadas, principalmente, nas décadas de 1970 e 1980. Apenas com a promulgação da Constituição Federal de 1988 novas responsabilidades foram atribuídas aos municípios, que passaram a atuar em questões anteriormente tratadas apenas pelos governos federal e estadual, como a gestão ambiental e a educação.
A Constituição dedicou um capítulo inteiro ao tema meio ambiente e promoveu mudanças no modo de gerir o espaço urbano, com destaque ao plano diretor como um instrumento de planejamento e gestão essencial, que incorpora a dimensão da participação popular e a questão ambiental nas políticas urbanas, além de dotar os três níveis de governo de autonomia, determinando que estados e municípios estabelecessem, a partir de então, normas complementares ou suplementares às gerais, fixadas pela União. Assim, o município, “como nível de governo mais próximo à população” (LITTLE, 2003, p. 70), ao ter competência para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual, adquiriu grande responsabilidade perante as demandas populacionais urbanas, o que foi determinante para o início, no Brasil, de uma nova fase da gestão urbana.
- Nesse sentido, o Estatuto da Cidade, criado em 2001, representou, no século XXI, mais um avanço na legislação específica, em virtude das diretrizes gerais de política urbana que estabelece – e preza pelo equilíbrio ambiental nas urbes – e a disponibilização de importantes instrumentos de gestão urbana. O Estatuto procurou inserir, de fato, o plano diretor como parte integrante do processo de planejamento municipal e buscou tornar obrigatória a participação popular.
Atualmente, os municípios brasileiros dispõem de um vasto suporte legal, que favoreceram uma gestão urbana, orientada, fundamentalmente, para a garantia do direito a cidades sustentáveis, à participação popular, a promoção do bem-estar social e a ordenação e controle do uso do solo. Há, no entanto, diversos problemas de ordem institucional, política, administrativa e financeira que dificultam a manutenção de uma postura firme desse nível de governo, já que não obstante os avanços observados no discurso sobre sustentabilidade, o sistema político se tem mostrado insuficientemente preparado para traduzir e transformar as crescentes demandas de cunho sócio-ambiental em políticas públicas que tornem as cidades espaços sustentáveis, inclusive nas dimensões política, econômica e social.
- Para Ferreira e Siviero (1996), os governos municipais, embora hajam progredido na compreensão da problemática urbana, ainda continuam despreparados para lidar com as questões ambientais locais, mantendo, em grande parte, o modelo tradicional de gestão, desenvolvido nos anos de 1960 e 1970. Este, segundo Santos e Pires (1996), apesar de contar com Planos Diretores, Planos de Desenvolvimento Local Integrado e Planos de Desenvolvimento com Participação da Comunidade, continuam sendo tratados como “instrumentos tecnocráticos para obtenção de financiamentos, sem rebatimento na realidade do planejamento e da gestão municipal”.
Mas, o agravamento da problemática urbana está fazendo com que gestores municipais adotem práticas aparentemente inovadoras de gestão. Os governos locais, fundamentados, sobretudo na Agenda 21, cuja idéia principal é a construção de um plano de ação ambiental e a incorporação do planejamento participativo na administração das cidades, passaram a desenvolver propostas voltadas para a promoção da sustentabilidade do meio urbano, pela inserção da dimensão ambiental nas suas diretrizes de desenvolvimento.
- Programas de governo, nos quais constam transformações urbanísticas estruturais, associadas a melhorias socioeconômicas e sustentabilidade ambiental, têm sido cada vez mais freqüentes. Destarte, a setorização das políticas públicas, própria da administração pública do Brasil, passou, então, a ser questionada, com
[...] a introdução da dimensão ambiental, que enfatiza as interfaces entre várias políticas setoriais – por exemplo, desfazendo limites rígidos entre os problemas relativos à água e saneamento, energia, política agrícola e industrial, uso do solo, saúde pública, etc (PACHECO, et. al.,1992, p. 50).
No caso de Teresina, os efeitos da urbanização acelerada dos anos de 1970 e 1980, que recaíram sobre a década de 1990 com um “empobrecimento acentuado dos setores de baixa renda” (LIMA, 2003, p. 75), influenciaram as estratégias de governo utilizadas pelo poder público municipal. Este, nas décadas de 1980 e 1990, procurou atender, prioritariamente, os interesses desses setores, através de uma “política de bairros” (PMT, apud LIMA, 2003, p. 76), sendo que, a partir de 1997, o então prefeito Firmino Filho, desenvolveu uma ação de enfrentamento da favelização que, segundo Lima (2005, p. 15), a diferencia das anteriores, por seu caráter estratégico e o grande impacto no espaço urbano.
Lixo proveniente dos rios da região chega pelo mar através das correntes marítimas e dos ventos.
De acordo com o Plano de Governo 1997-2000 (TERESINA, 1997b), o Projeto Vila-Bairro (PVB), a Comissão do Orçamento Popular de Teresina e o Conselho e o Fundo Municipal de Habitação estão entre as principais ações propostas pelo ex-prefeito Firmino Filho, sendo o primeiro elaborado para ser o “carro-chefe” dessa primeira gestão, sobretudo por representar uma transformação urbanística estrutural de grande visibilidade. Conforme um relatório de avaliação do projeto (OFERTA, 2000, p. 36), foi a partir da percepção do poder público municipal de que as medidas de intervenção nas
“[...] áreas de maior pobreza urbana eram, até 1996, concebidas de forma isolada e voltadas para resolver as demandas sociais mais imediatas, como é o caso das ações de regularização fundiária”, com pouca eficácia em face das condições de vida da população, que surgiu “a necessidade de se conceber uma proposta multisetorial na qual as ações pudessem ocorrer de forma integrada e sistematizada”.
Percebe-se, assim, que ao se vêem diante de conflitos que exigem ações complexas capazes de atuar sobre um conjunto de problemas, de forma complementar, a fim de que se obtenham resultados visíveis, os governos municipais são, de certa maneira, obrigados a buscar meios alternativos de gestão que, ao mesmo tempo em que tentam atender a requisitos da Constituição de 1988 e da Agenda 21, objetivam transformações de real impacto no meio urbano. Nesse contexto, emergiu a necessidade de uma investigação cujo principal propósito foi apreender de que forma essas novas experiências em gestão urbana incorporam mesmo a dimensão ambiental, a partir da análise dos impactos produzidos na cidade por meio das ações nelas propostas, sob o pressuposto básico de pesquisa o fato de que, embora crescente a preocupação do poder público municipal com a questão ambiental, sua atuação é limitada devido a falhas na estrutura de gestão, à manutenção de idéias conservadoras e obsoletas acerca do problema e a permanência da dependência, sobretudo financeira, dessa instância local com os demais níveis de governo.
- A implantação do PVB, por sua estratégia de intervenção, apontou para uma mudança na gestão urbana contrária ao modelo tradicional, caracterizado, segundo Rodrigues Neto (2006), como autoritário, burocrata e centralizador. É que o PVB incorporou a sustentabilidade ambiental e propôs que grande parte dos órgãos públicos municipais atuasse de forma integrada e sistematizada nas áreas contempladas. Objetivou-se, pois, analisar como o poder público, via PVB, na verdade concentrador de ações municipais, inseriu a dimensão ambiental em sua proposta de intervenção e como essas ações responderam às demandas da dinâmica urbana nos assentamentos de baixa renda, alvos de atuação do projeto, sobretudo do ponto de vista do enfrentamento da problemática do meio ambiente.
Para o desenvolvimento da análise, fez-se necessário entender a apropriação do discurso do desenvolvimento sustentável, destacando-se como peças-chave a Constituição Federal de 1988, a Política Nacional de Meio Ambiente, a Agenda 21 e o Estatuto da Cidade, sem mencionar o processo de expansão urbana e a evolução da gestão ambiental em Teresina. Procurou-se, em especial, identificar os principais aspectos da problemática da cidade e a forma como é encarada pelo poder público para, enfim, medir seu desempenho na dimensão ambiental. Esta pesquisa se fundamenta, assim, na compreensão do problema ambiental como parte intrínseca da questão urbana, fruto de uma urbanização não planejada e, desta forma, como ponto de vital importância para a gestão da cidade.
Tentou-se, a partir da análise das propostas do poder público e de como elas se encaixam no cenário urbano, evidenciar pontos de avanços, estagnação ou retrocesso, em termos de gestão ambiental urbana. Sob essa premissa, definiu-se como base empírica de análise, dentre as áreas beneficiadas pelo PVB, a Vila Santa Maria da CODIPI (Companhia de Distritos Industriais do Piauí). O assentamento localizava-se em zona rural de intenso crescimento populacional devido à proximidade do meio urbano, na década de 1980, mas, mesmo após sua anexação à malha urbana, nos anos de 1990, somente foi alvo de intervenção urbana direta através do PVB.
- Retratando a dinâmica urbana de Teresina, na qual a especulação imobiliária e a segregação socioespacial têm destaque, a referida Vila se apresentou como ponto importante de avaliação. Apesar de não fazer parte, desde a segunda metade da década de 1980, do cenário de um dos principais problemas ambientais da capital, que diz respeito às inundações freqüentes no período chuvoso, sobretudo na zona Norte da cidade, onde se localiza, participa ela de uma problemática abrangente e inerente à maioria dos assentamentos de baixa renda, no que tange ao saneamento, diminuição da cobertura vegetal, abastecimento de água, destino de dejetos, etc.
A metodologia utilizada constou de pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e pesquisa de campo, não seguindo, porém, uma seqüência linear, tendo em vista a interação dos dados e informações ao longo do estudo. Inicialmente, foram realizadas incursões em livros, revistas científicas, anais de simpósios, seminários e congressos, dissertações de mestrado e teses de doutorado referentes, sobretudo, ao desenvolvimento sustentável, à política ambiental e à ação municipal correspondente.
- Como aporte teórico, destacam-se, nesse sentido, os trabalhos de Sachs (1993), Leff (2001), Veiga (2005), Palsule (2004), Leis (1996) e Odum (1998), para a abordagem do desenvolvimento sustentável; Ferreira e Siviero (1996), Menegat e Almeida (2004),
Satterthwaite (2004), Rodrigues (1997), Coelho (2004), Pacheco et. al. (1992), Ultramari (1998), Franco (2001), Freitas (2001), Machado (2000) e Maricato (2001) para o entendimento da cidade como meio ambiente urbano, sua problemática e práticas de gestão; Lima (1996, 2003, 2005 e 2007), Rodrigues Neto (2006), Sales (2004), Andrade (2000), Façanha (1998), Moraes (2004) e Viana (2003 e 2007), para a compreensão do processo de expansão de Teresina e seus dilemas urbanos. Já dentre as principais fontes documentais utilizadas e obtidas junto ao Poder Público municipal de Teresina citam-se os seus Censos de Vilas e Favelas de 1996 e 1999, os seus planos diretores desde o Plano Saraiva até a Agenda 2015 (de 2002), e planos de governo e relatórios de ações dos governos municipais a partir da década de 1990 até a segunda gestão do prefeito Firmino Filho (2001-2004), além do PVB e seus relatórios de 1997 a 2004.
- Foram realizadas ainda entrevistas semi-estruturadas, com questões abertas a representantes da prefeitura e moradores da Vila Santa Maria da CODIPI, estando entre os primeiros o coordenador do PVB na zona Norte e técnicos da Superintendência de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (SDU) da região Centro-Norte, como assistentes sociais, engenheiros e arquitetos que, em razão do projeto, atuaram na Vila. No segundo grupo de entrevistados encontram-se, além do presidente da Associação de Moradores, habitantes selecionados conforme os critérios: de: a) participação ativa na Associação, para que seja identificado, da melhor forma, a problemática local e as demandas da comunidade; b) morada há mais de dez anos na Vila para que seja possível comparar o antes, o durante e o depois do PVB, pela observação das ações realizadas e seus impactos; c) ter sido diretamente beneficiado pelo projeto.
Nas questões trabalhadas com o grupo dos representantes da prefeitura, procurou-se auferir, basicamente, qual a sua compreensão da problemática ambiental de Teresina e, em especial na Vila Santa Maria da CODIPI, como se deu a execução das ações do PVB, quais as dificuldades encontradas e os pontos por eles avaliados como positivos. Com os moradores, buscou-se fomentar o entendimento do seu histórico, obtido anteriormente na pesquisa documental, apreender suas reais demandas antes do PVB, verificar o modo de execução das ações na Vila e os seus resultados, a partir da avaliação deste grupo. Assim, identificar-se-iam, após a execução do projeto, avanços que ocorreram e as deficiências que permaneceram, em termos de infra-estrutura urbana e nas dimensões social e ambiental.
- O primeiro, “O Desenvolvimento Sustentável e as Cidades”, faz uma reconstrução do processo de elaboração da idéia de desenvolvimento sustentável, associando-a, em seguida, à noção de meio ambiente urbano e ao direito às cidades sustentáveis. O segundo, “O Desenvolvimento das Cidades no Brasil e a Gestão Ambiental”, aborda o processo de urbanização brasileiro, destacando a ação dos governos municipais no enfrentamento das questões ambientais urbanas. O terceiro capítulo, “A expansão urbana de Teresina e a ação do poder público municipal sobre a problemática ambiental da cidade”, se dedica à análise desse processo e seus impactos no meio, observando os planos diretores, programas e projetos de gestão e a forma como tratam tais efeitos. Por fim, o quarto capítulo, “O Projeto Vila-Bairro e a Questão da Sustentabilidade Ambiental em Teresina: um exame da experiência da Vila Santa Maria da CODIPI”, sublinha o PVB no contexto da gestão municipal e analisa sua proposta de intervenção, sua execução e os impactos das ações na busca pela sustentabilidade ambiental da Vila.
Pretende-se, de forma mais geral, promover um novo entendimento do conceito de sustentabilidade urbana, que não a tenha apenas como uma nova tecnologia favorecedora da permanência do atual modelo de desenvolvimento capitalista, mas estabeleça uma nova relação entre humanidade e meio natural, na qual as atividades humanas estejam regidas por preceitos que situem a questão ambiental, como referente a todas as outras que remetem à qualidade de vida da população.
Projeções feitas pela ONU no relatório do Índice de Desenvolvimento Humano 2011 apontam que o índice poderá ser 8% menor do que a projeção inicial em um cenário de "desafio ambiental"