terça-feira, 9 de junho de 2015

Ácidos orgânicos como extratores de metais pesados

A contaminação das águas dos rios com metais pesados tem sua origem principal nos despejos realizados por indústrias, especialmente as metalúrgicas, de plástico, de cloro e de tinta, uma vez que o mercúrio é amplamente utilizado nessas linhas de produção.

  • O teor fito disponível de metais pesados presentes em solos tratados com lodo de esgoto é fundamental na avaliação do risco de entrada desses elementos, potencialmente tóxicos, na cadeia alimentar (Estados Unidos, 1993). 
Entretanto, ainda não foi estabelecido um método que estime eficientemente teores fitodisponíveis de metais pesados em solos e espécies vegetais diferentes (Mattiazzo et al., 2001). A principal dificuldade na escolha do extrator é a variação de sua eficiência conforme a quantidade e tipo de metal presente no lodo de esgoto, o processo de obtenção do resíduo, o tipo de solo, a presença de outras espécies químicas e a espécie vegetal em questão (Bertoncini, 2002).
  • Mattiazzo et al. (2001) realizaram uma revisão sobre a eficiência dos extratores utilizados para estimar fito disponibilidade e concluíram que, com exceção de Cu e Zn, ainda não existe um extrator que apresente boa correlação com as quantidades de metais absorvidas pelas plantas.
Vários métodos de extração têm sido propostos, envolvendo diferentes tipos de soluções. Soluções neutras, com força iônica similar à do solo, como 0,01 mol L-1 de CaCl2 (Ure, 1995), são freqüentemente utilizadas na previsão de teores fitodisponíveis de metais pesados, assim como soluções de ácidos fortes, como HCl (0,1 mol L-1) (Page et al., 1982) e Mehlich 1 (Nelson et al., 1953). Agentes quelantes como DTPA, ou soluções ácidas e quelantes como o Mehlich-3 (Mehlich,1984) também são utilizados. O DTPA-TEA (pH 7,3), desenvolvido por Lindsay & Norwell (1978), é o extrator mais utilizado no Estado de São Paulo em estudos de previsão da fito disponibilidade. 
  • Embora esse extrator tenha sido desenvolvido para estimar teores fitodisponíveis de Cu, Mn e Zn em solos alcalinos ou com pH próximo à neutralidade, ele tem-se mostrado eficiente também para micronutrientes presentes em solos ácidos. Entretanto, a eficiência desse extrator é reduzida quando são considerados metais com maior potencial tóxico, como Cd, Cr, Ni e Pb (Abreu et al., 1995). Nas condições de acidez da maioria dos solos brasileiros, os resultados são pouco conclusivos na previsão da fito disponibilidade (Andrade & Mattiazzo, 2000;
Oliveira, 2000; Anjos & Mattiazzo, 2001). As baixas correlações se devem ao fato de que os extratores usados não simulam as reações que ocorrem na rizosfera (Berton, 2000). Marschner (1995) cita que ácidos orgânicos de baixo peso molecular presentes na rizosfera são efetivos na solubilização de metais ligados à fração sólida do solo.
  • Dentre os poucos estudos realizados na fito disponibilização de metais pesados presentes em solos tratados com lodo de esgoto que usaram como solução extratora ácidos orgânicos, destacam-se o de Mench & Martin (1991) e o de Koo (2001). Os primeiros autores observaram que Cd, Cu, Fe, Mn, Ni e Zn foram solubilizados por exsudatos de raiz de Nicotiana tabacum L., N. rustica L. e Zea mays L. A composição química dos exsudatos foi diferente para as três espécies, mas a quantidade de metais extraída foi semelhante quando as espécies foram cultivadas no mesmo solo.
Koo (2001) avaliou a influência de ácidos orgânicos na cinética de solubilização de metais pesados presentes em solos tratados com lodo de esgoto e concluiu que o comportamento da solubilização foi semelhante ao da absorção dos metais por plantas cultivadas nestes mesmos solos.
  • O objetivo deste trabalho foi avaliar uma solução de ácidos orgânicos rizosféricos como extratora de teores fitodisponíveis de metais pesados em solos tratados com lodo de esgoto.

Extratores de metais pesados

Material e Métodos:
  • O experimento foi realizado no período de abril a agosto de 2002, no laboratório de Química Ambiental da Esalq/USP.
A composição da solução extratora baseou-se em teores de ácidos orgânicos encontrados na rizosfera de diferentes espécies vegetais cultivadas na presença de lodo de esgoto, segundo Pires (2003), a saber: ácido acético, 43%; cítrico, 31%; lático, 21% e oxálico, 5%.
  • Testes preliminares foram realizados por meio de uma avaliação da relação solo:solução, tempo de agitação e concentração da solução extratora com o intuito de determinar o melhor procedimento de extração. 
A relação solo:solução foi escolhida visando à obtenção de maiores concentrações de metais pesados no extrato, haja vista as limitações que ocorrem na determinação analítica em relação à ocorrência de concentrações de metais pesados abaixo dos limites de detecção dos instrumentos utilizados. O tempo de agitação foi escolhido com base no tempo necessário para que o equilíbrio entre os metais em solução e os presentes na fase sólida fosse estabelecido.
  • Quanto à concentração de ácidos orgânicos da solução extratora, primeiramente testaram-se concentrações próximas às obtidas por Pires (2003). Entretanto, os extratos obtidos utilizando estas concentrações apresentavam, na maioria dos casos, teores de metais pesados abaixo dos limites de detecção do instrumento analítico utilizado. Portanto, adotou-se uma concentração de ácidos orgânicos maior do que a encontrada na rizosfera.
Para tal, considerou-se que a concentração de ácido acético seria igual a 1 mol L-1. Foram calculadas as concentrações dos demais ácidos, respeitando-se a proporção encontrada por Pires (2003), resultando na seguinte composição da solução de ácidos orgânicos: acético (43%, 1,00 mol L-1), cítrico (31%, 0,72 mol L-1), lático (21%, 0,49 mol L-1) e oxálico (5%, 0,12 mol L-1). A solução foi preparada com água deionizada contendo 0,4% de clorofórmio para inibir a atividade microbiana.
  • Com base nos resultados dos testes preliminares, o seguinte procedimento analítico foi adotado: adicionaram-se 20 mL de solução extratora a 5 g de amostra de terra tratada com lodo de esgoto, agitou-se a suspensão por seis horas (agitador horizontal Innova 2,100–250 rpm), filtrou-se o extrato usando papel de filtro Whatman no 1, e quantificou-se os metais Cd, Cr, Cu, Ni, Pb e Zn no extrato em espectrofotômetro de emissão atômica por indução de plasma (ICP-AES).
Foram utilizadas amostras de três experimentos desenvolvidos em diferentes tipos de solos, tratados com diferentes tipos de lodo de esgoto e cultivados com diferentes espécies vegetais. A escolha de experimentos com características variáveis é importante para testar a eficiência do extrator em situações diversas.
  • O solo foi amostrado no período compreendido entre a adição de lodo de esgoto e o plantio para realização da remoção de metais pesados pela solução de ácidos orgânicos.
Amostras da folha diagnóstico de cada espécie vegetal foram utilizadas para avaliação dos teores de metais pesados no tecido vegetal. As amostras foram secadas em estufa (60ºC) e moídas (malha de 2 mesh) para análise. O método consistiu na digestão nítricoperclórica das amostras em microondas (EPA 3052), seguida da quantificação dos metais no extrato obtido.
  • A determinação dos metais Cd, Cr, Cu, Ni, Pb e Zn nos extratos de solo e de planta foi feita por espectrofotometria de emissão atômica por indução de plasma (ICP-AES). Os atributos dos solos e do lodo de esgoto são apresentados nas Tabelas 1 e 2, respectivamente.
O experimento 1 foi realizado no Município de Pariquera-Açu, SP, em Latossolo Amarelo distrófico típico cultivado com bananeira e tratado com lodo de esgoto proveniente da Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) de Bichoró, em uma única aplicação, em blocos casualizados, nas doses correspondentes a 0, 74, 147 e 294 Mg ha-1 do material sem secar. Amostras de folha diagnóstico (3ª folha a partir do ápice, na emissão da inflorescência) foram coletadas dez meses após o plantio.
  • O experimento 2 foi realizado no Município de Ubatuba, SP, em Neossolo Quartzarênico cultivado com pupunheira e tratado com lodo de esgoto proveniente da ETE de Bertioga, SP, em uma única aplicação, em blocos casualizados, nas doses 0, 42, 84 e 168 Mg ha-1 do material sem secar. Amostras de folha diagnóstico (folículos centrais de folhas medianas, no verão) foram coletadas 13 meses após o plantio. O experimento 3 foi realizado no Município de Campinas, SP, em Latossolo Vermelho distrófico cultivado com café e tratado com lodo de esgoto proveniente da ETE de Jundiaí, SP, em uma única aplicação, em blocos casualizados, nas doses 0, 30, 60 e 120 Mg ha-1 do material sem secar . Amostras de folha diagnóstico (3º e 4º par de folhas) foram coletadas sete meses após o plantio.
A eficiência do método foi avaliada a partir da análise dos coeficientes de correlação (teste F) entre os teores de metais pesados extraídos dos solos e os teores encontrados nas folhas diagnóstico das culturas estudadas.

Resultados e Discussão:
  • A concentração de alguns metais pesados na folha encontrava-se abaixo do limite de detecção do instrumento analítico utilizado: Cd e Cr nas folhas da bananeira (experimento 1); Cd, Cr e Ni nas folhas de pupunha (experimento 2) e Cr nas folhas de café (experimento
3). Em algumas repetições, o teor de Pb também estava abaixo do limite, sendo estas excluídas das correlações.
A eficiência do extrator em avaliar os teores fitodisponíveis de Cd, Cu, Ni, Pb e Zn nos experimentos estudados foi constatada pela significância das correlações. Ordenando-se de forma decrescente os coeficientes de correlação de cada metal pesado em cada experimento, tem-se: banana: 
Pb>Ni>Zn>Cu; pupunha: Pb>Zn>Cu e café:
Pb>Zn>Cd>Ni>Cu. Devem-se destacar os altos coeficientes de correlação obtidos em relação ao Pb, Ni e Cd, uma vez que a maioria dos extratores utilizados atualmente tem baixa eficiência em relação a estes metais pesados em função da baixa concentração extraída e limitações analíticas (Anjos & Mattiazzo, 2001).
  • O fato de as correlações terem sido significativas nos experimentos avaliados, independentemente do metal pesado, espécie vegetal e tipo de solo considerado, parece ser uma vantagem do método de extração proposto e deve ser mais investigada. Isto porque a maioria dos extratores utilizados tem sua eficiência alterada de acordo com a variação do local, lodo de esgoto, metal pesado e planta avaliada (Mattiazzo et al., 2001).
Anjos & Mattiazzo (2001) avaliaram os extratores DTPA-TEA (pH 7,3), HCl 0,1 mol L-1, Mehlich 3 e água régia (HCl+HNO3, 3:1) para estimar teores fitodisponíveis de Cu e Zn em milho cultivado em Latossolos tratados com lodo de esgoto. As correlações obtidas foram significativas para todos os extratores, com exceção do Cu extraído por HCl 0,1 mol L-1. Por sua vez, Oliveira (2000) não encontrou correlação significativa de Cu e Zn em folhas de cana cultivada em Latossolo tratado com lodo de esgoto e teores desses metais extraídos do solo por HCl 0,1 mol L-1, Mehlich 3 e DTPATEA.
  • Em comparação com os dados existentes sobre extração de teores de micronutrientes em situações de deficiência, ainda é limitado o conhecimento sobre eficiência de extratores de Cd, Cr, Ni e Pb fitodisponíveis em situações de toxicidade nos solos tratados com lodo de esgoto ou outros resíduos (Ure, 1995). O caráter complexante dos ácidos orgânicos deve ter contribuído para que o método fosse eficiente em estimar teores fitodisponíveis nos casos estudados.
Em estudo sobre avaliação de fito disponibilidade de Zn, Bataglia & Raij (1994) citam que o DTPA-TEA foi superior provavelmente por ser um agente complexante, permitindo o acúmulo de metais pesados na solução extratora, apesar da baixa atividade desses elementos na solução do solo.
  • O fato de o método estar baseado em reações que ocorrem na rizosfera foi importante na obtenção dos resultados positivos deste trabalho. O extrator utilizado é composto por ácidos orgânicos presentes na rizosfera, considerados fitodisponibilizadores de metais pesados em solos tratados com lodo de esgoto (Mench & Martin, 1991). Com isso, a extração em laboratório assemelha-se mais com a que ocorre na rizosfera.
Conclusão:
  • A solução extratora composta por ácidos orgânicos encontrados na rizosfera é eficiente em avaliar a disponibilidade de metais pesados.

Os “metais pesados” levam esse nome por serem mais densos do que os outros 
metais, ou seja, seus átomos ficam sempre bem próximos uns dos outros.