terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Saúde global e diplomacia da saúde

Saúde global e diplomacia da saúde

Paulo Marchiori Buss
Centro de Relações Internacionais em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil
  • Cadernos de Saúde Pública (CSP), afinados com as atuais tendências da área, decidiram abrir uma subeditoria de Saúde Global e Diplomacia da Saúde para atender à crescente demanda nesta subárea do conhecimento em saúde pública.
O tema se inscreve entre os mais fascinantes e dinâmicos nesta primeira década do século XXI. O mundo vive uma crise sistêmica do capitalismo globalizado, que se expressa em subcrises econômica, social, ambiental, energética, alimentar, sanitária e, por que não dizer, ética (diante do enriquecimento fraudulento do capital financeiro internacional, por exemplo), com profundas consequências sobre a saúde humana e de ecossistemas. 
  • As reconhecidas iniquidades sociais, econômicas, ambientais e sanitárias existentes entre países e no interior destes encontram explicação muito rica em evidências na sociedade de classes e no modo de produção e consumo capitalista vigente, o qual, analisado unitariamente ou parcializado em fatores de risco que lhe são inerentes, mostra-se injusto, excludente e ecoagressivo.
A "governança global para a saúde" e a "governança da saúde global" estão sob profundo e dinâmico questionamento. O processo de reforma da principal agência da governança da saúde global, a Organização Mundial da Saúde (OMS), foi iniciado em 2010, com previsão, a princípio, apenas para viabilizar o adequado financiamento da mesma. 
  • No entanto, foi transformado pelos Estados-membros numa reforma mais ampla, abarcando seus objetivos, métodos de trabalho e programa plurianual, sem contudo promover alterações em sua Constituição (http://www.who.int/about/who_reform/en/index.html).
No bojo da reforma, esperava-se um redirecionamento de prioridades da OMS no próximo quinquênio, levando em conta as profundas transformações globais a que nos referimos na abertura deste texto. É frustrante e lamentável, por exemplo, não ver definida como área prioritária no Duodécimo Plano Geral de Trabalho da OMS (2014-2019) (http://apps.who.int/gb/e/e_eb132.html), ora em debate, temas vitais como "saúde do processo de desenvolvimento" ou "determinantes sociais da saúde". 
  • Ambos foram explicitamente evitados pelos países mais poderosos, após acalorados debates na Assembleia Mundial de Saúde de 2012, nos quais a delegação do Brasil liderou a defesa da inclusão desses temas não só estratégicos, mas também abrangentes e fundamentais para a adequada abordagem do processo saúde-doença nos tempos em que vivemos. 
Nesse contexto, mencione-se a reeleição da Dra. Margaret Chan como Diretora Geral da OMS e a recente eleição da Dra. Carissa Etienne como diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), depois dos profícuos dez anos de direção da Dra. Mirta Roses.

Saúde global e diplomacia da saúde

  • A reconhecida determinação social da saúde (http://dssbr.org) exige que diversas políticas extrassetoriais idealmente guardem coerência entre si no que tange a seu impacto sobre a saúde humana e de ecossistemas. Por isso, é importante e necessário estabelecer conexões, na esfera global, entre a saúde e o processo de definição da Agenda de Desenvolvimento pós-2015, que virá a substituir (ou complementar?) aquela estabelecida na Cúpula do Milênio do ano 2000. 
A questão que se coloca é como a saúde aparecerá na nova Agenda do Desenvolvimento Sustentável (ODS), depois da proeminência que teve nos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM). Além disso, questiona-se, ainda, que impacto terão os outros ODS – e as políticas globais extrassetoriais – sobre a saúde humana e de ecossistemas.
  • Muitos atores globais defendem que "cobertura universal em saúde" seja o objetivo de saúde do conjunto de objetivos do desenvolvimento sustentável. A questão é de que "cobertura universal" e de que "saúde" estamos falando. 
É desanimadora a pista inicial fornecida por um discussion paper da OMS (http://www.worldwewant2015.org/node/279357), publicado na página de Internet da consulta global sobre saúde (http://www.worldwewant2015.org/health), a qual está sendo desenvolvida pela OMS, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), pelo Programa das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) e pelos Governos de Suécia e Botswana, em nome do Secretariado das Nações Unidas. Embora negando que se trate dos tradicionais "pacotes mínimos" de tão má memória no passado ou que se tratará de "reforçar sistemas de saúde", o texto oferece, até aqui, uma visão como sempre reducionista de saúde e sistemas de saúde. 
  • Por focar centralmente na "assistência aos enfermos" (importante, mas apenas parte do todo complexo que está embutido nos conceitos de "saúde" e "sistemas de saúde"), esquece-se por completo, como no famigerado informe de 1993 do Banco Mundial (http://files.dcp2.org/pdf/WorldDevelopmentReport1993.pdf), por exemplo, de todas as imprescindíveis dimensões da "saúde pública", para citar uma das muitas omissões inaceitáveis.
O Brasil participa ativamente de todo esse processo por meio do que se tem chamado "diplomacia da saúde". Trata-se de campo novo de conhecimento e prática, cujo objeto é a saúde e as negociações internacionais em torno dela; para este convergem diferentes disciplinas e profissionais de diversos perfis, como diplomatas e profissionais de saúde. 
O mundo acadêmico brasileiro tem muito a aprender e, ao mesmo tempo, contribuir com esse desafiador processo global. Nele, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tem se destacado pela sua importância crescente na política externa brasileira, especialmente no que se refere à sua cooperação internacional em saúde 1,2, com sua abordagem conceitual e prática da "cooperação estruturante em saúde" 3,4. Sua contribuição se dá, também, por ter estabelecido, depois da CMDSS e da CNUDS, nas quais foi ator político e técnico de proa, um portal (http://dssbr.org) que tem como objetivo manter discussões de alto nível sobre os temas em tela neste editorial.
  • CSP pretende contribuir com todo esse processo político global de grande relevância para o futuro, abrindo suas páginas ao debate sempre inteligente e pertinente da comunidade científica da saúde pública brasileira.
Referências:
  1. Buss PM, Ferreira JR. Ensaio crítico sobre a cooperação internacional em saúde. RECIIS Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde 2010; 4:46-58. [ Links ]
  2. Buss PM, Ferreira JR. Brasil e saúde global. In: Pinheiro L, Milani CRS, organizadores. Política externa brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2012. p. 241-65. [ Links ]
  3. Almeida C, Pires-de-Campos R, Buss PM, Ferreira JR, Fonseca LE. A concepção brasileira de "cooperação Sul-Sul estruturante em saúde". RECIIS Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde 2010; 4:59-70. [ Links ]
  4. Buss PM. Structuring cooperation for health. Lancet 2011; 377:1722-3. [ Links ]

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