domingo, 18 de maio de 2014

Intoxicação alimentar

O almoço fora de casa não foi o esperado. Embora, o cardápio se apresentou com muitas variedades de saladas, misturas apetitosas e sobremesas para todas as preferências, algumas horas depois o que era prazer no paladar passa a ser um forte incômodo no estômago.

  • A intoxicação alimentar aguda é uma das mais significativas causas de morbi-mortalidade em países desenvolvidos e em desenvolvimento 1. Estima-se que tal causa seja responsável por 76 milhões episódios de doenças, 325000 hospitalizações e 5000 mortes por ano nos EUA.
Apesar das referidas cifras, 62 milhões de casos (82%) são causados por agentes desconhecidos e, apesar dos avanços na identificação de novos agentes nos últimos 20 anos, existem dificuldades epidemiológicas em implicar o alimento ou a água como veículos da contaminação em muitas situações. A transmissão interpessoal também pode ser responsável pela contaminação, fato que em muitos casos dificulta a coleta de dados. Além disso, as pessoas contaminadas só procuram as unidades de emergência quando as manifestações são graves, ocorrendo portanto sub-notificação dos casos de intoxicações oligossintomáticas.
  • A escassa coleta de dados epidemiológicos ou a investigação diagnóstica incompleta, com cultivo de microorganismos em meios de cultura inadequados, bem como a realização de exames através de técnicas laboratoriais mais específicas e não rotineiras, perpetuam as falsas cifras dos casos de intoxicação alimentar. Na maioria dos lugares, apenas uma pequena parte dos pacientes doentes procuram atendimento médico e, durante o atendimento muitas vezes não é colhido rotineiramente um exame de coprocultura nos pacientes com diarréia aguda.
Dentre os fatores que contribuem para a intoxicação alimentar em crianças podemos citar: as mudanças na produção dos alimentos, as falhas nos sistemas de inspeção, conservação e distribuição; a rápida veiculação internacional de produtos industrializados e a mudança de hábitos alimentares, sobretudo em crianças de tenra idade, com consumo precoce de alimentos processados em detrimento da prática de aleitamento materno. 
  • O estilo de vida moderno das grandes cidades é o principal fator de interferência nas mudanças dos hábitos alimentares da população pediátrica, cujos alimentos oferecidos na grande maioria das vezes são processados, congelados ou embutidos.
Nos Estados Unidos, em um estudo feito em consumidores de restaurantes, registrou-se que nos maiores de 8 anos de idade, a média de refeições fora do domicílio era de 4 vezes por semana 4. Estudos recentes mostram que mais de 80% dos casos de intoxicação alimentar ocorre fora do domicílio. Conceitua-se intoxicação alimentar como sendo uma patologia causada pelo consumo de alimentos contaminados por bactérias, fungos, vírus e outros microorganismos ou pelas suas respectivas toxinas. Dentro desta diversidade de agentes etiológicos, as infecções bacterianas são responsáveis pela maioria dos casos. 
  • A maior parte dos casos de intoxicação alimentar apresenta sintomas clínicos súbitos e na maioria das vezes relacionados ao trato digestivo como náuseas, vômitos e diarréia. Um amplo espectro de microorganismos pode causar intoxicações em humanos, e a intensidade das manifestações clínicas vai depender de diversos fatores como: a virulência do agente, o inóculo da infecção e a competência imunológica do hospedeiro.Para caracterizar melhor a intoxicação alimentar, clinicamente estão estabelecidos dois fatores: A presença de manifestações clínicas semelhantes em mais de um indivíduo exposto ao alimento suspeito e a investigação laboratorial ou epidemiológica que implique num agente específico de fonte alimentar. 
Os sintomas gerais mais relacionados à intoxicação alimentar são representados por náuseas, vômitos e diarréia, de início súbitos; entretanto, a perda de peso, a dor abdominal e as manifestações neurológicas também podem estar presentes. O fator mais importante relacionado à intoxicação alimentar é saber diagnosticá-la, para que a intervenção com medidas de suporte e/ou com tratamentos específicos seja instituída o mais precocemente possível.
  • Na história clínica, dados importantes devem ser colhidos como: data do início dos sintomas, fonte alimentar, definição dos sintomas preponderantes e duração dos mesmos. Entre os dados epidemiológicos ressaltam-se procedência do paciente e do alimento suspeito, condições de higiene e saneamento básico, além do relato de outros casos suspeitos na família ou vizinhança. Quando prevalecem os sintomas gastrointestinais, o diagnóstico diferencial é feito com patologias como Doença de Chron, retocolite ulcerativa, neoplasias do trato gastrointestinal, síndromes de má-absorção e imunodeficiências. A presença de sintomas neurológicos implica na necessidade de se excluir outras patologias como Miastenia gravis, poliomielite, neoplasias do sistema nervoso central, epilepsia e intoxicações exógenas. 
Na investigação laboratorial das intoxicações alimentares deve-se avaliar os eletrólitos e a glicemia. O hemograma com provas de atividade inflamatória (VHS) e hemoculturas podem ser úteis nos casos febris e com comprometimento sistêmico. O parasitológico de fezes com pesquisa de protozoários, caracteres fecais como leucócitos e sangue oculto podem ajudar na suspeita diagnóstica, pois as bactérias invasivas como a shigella costuma positivar sangue e leucócitos fecais.
  • A coprocultura na grande maioria das vezes é realizada apenas em pacientes febris ou com disenteria. Na maioria dos laboratórios, a rotina dos meios de coprocultura envolvem a identificação da Escherichia coli, Salmonela sp, Shigella sp e Campylobacter jejuni, excluindo agentes como Vibrio Cólera, Yersínia enterocolítica e E. coli O157:H7. A interlocução com o microbiologista é muito importante para se certificar de quais enterobactérias podem ser identificadas, se é possível tipar algumas cepas de E.coli, e quais os agentes estão sendo suspeitados 8, além de saber se há possibilidade de encaminhar o material colhido para outros laboratórios, onde provas mais sofisticadas possam ser realizadas para identificação de bactérias, vírus, fungos e metais pesados.
Os testes de detecção de toxinas bacterianas nas fezes e nos alimentos através de técnicas de imunoensaios ou por cromatografia, são recursos disponíveis em alguns centros e geralmente são usados em investigações epidemiológicas.

Intoxicações Causadas por Toxinas:
Toxina Botulínica:
  • A intoxicação por Clostridium botulinum é uma doença rara com ocorrência de 24 casos/ano nos Estados Unidos. O agente etiológico é o Clostridium botulinum que é uma bactéria anaeróbica, gram positiva, cujo habitat natural é o solo. O C.botulinum produz uma neurotoxina potente e tem capacidade de esporulação, o que lhe confere resistência ao calor e mantém a sua sobrevivência em alimentos não processados. 
A intoxicação pelo Clostridium botulinum denomina-se botulismo sendo a maioria dos casos associados ao consumo de alimentos caseiros, especialmente vegetais, frutas e peixes inadequadamente conservados. Raramente são identificados casos de botulismo após o consumo de alimentos processados. Os alimentos enlatados, defumados ou em conserva, cujo tratamento térmico não permitiu a destruição dos esporos, também podem ser também fontes de contaminação.
  • O botulismo infantil foi reconhecido inicialmente em 1976 ocorrendo em lactentes menores de 1 ano pela ingestão dos esporos do Clostridium botulinum contidos em alimentos mal conservados. Estudos epidemiológicos e clínicos vêm mostrando um crescimento na incidência desta patologia nos últimos anos. De todos os alimentos que oferecem risco para o botulismo infantil o mel constitui a principal fonte. 
São descritos quatro grupos de Clostridium botulinum e estes são classificados de acordo com a produção de toxinas, porém estes dados têm importância apenas epidemiológica. A toxina botulínica é um polipeptídeo simples, constituído de uma cadeia pesada de 100Kd e uma cadeia leve de 50Kd, esta última representada por uma endopeptidase contendo zinco e cujo mecanismo de ação é bloquear as vesículas de acetilcolina na fusão da membrana do neurônio motor. 
  • Existem 7 tipos de toxinas que são antigenicamente classificadas de A a G. Em humanos, os tipos A, B, E, F e G são as mais comuns, sendo a toxina A, a mais prevalente, correspondendo a 54,1% dos casos.Após a absorção intestinal da toxina, esta se dissemina por via hematogênica, atingindo as sinapses nervosas colinérgicas periféricas, bloqueando irreversivelmente a liberação de acetilcolina, causando portanto uma paralisia flácida.
A toxina botulínica é inodora, insípida e inativada facilmente pelo calor, com temperaturas acima de 85ºC durante cinco minutos. O período de incubação do botulismo varia de 2 horas a 8 dias, com um tempo médio de 12 a 72 horas após a contaminação.
  • Os sintomas gastrointestinais tendem a anteceder as manifestações neurológicas e são descritos como náuseas, vômitos, cólica intestinal e diarréia; acredita-se que tais sintomas sejam decorrentes de metabólitos de outras bactérias contidas na fonte alimentar. As manifestações neurológicas ocorrem na forma de uma paralisia flácida descendente, aguda e simétrica com ausência de febre, iniciando na musculatura bulbar. A intensidade e velocidade de progressão da paralisia é variável, existindo casos de acometimento leve e moderado até quadros graves com evolução rápida para coma e paralisia da musculatura respiratória, necessitando de suporte ventilatório. 
Os pacientes acometidos pelo botulismo geralmente apresentam dificuldade para enxergar, falar ou engolir e os achados mais proeminentes são representados por ptose, diploplia, visão turva, midríase, pupilas lentamente reativas à luz, disartria, disfonia e disfagia. As alterações de sensório não são comuns. A perda de controle da musculatura cervical, com hipotonia e fraqueza generalizada fazem parte da evolução. 
  • Os reflexos tendinosos desaparecem na evolução da doença, e o paciente cursa com constipação intestinal. A evolução da doença sem tratamento é inevitavelmente para o óbito por insuficiência respiratória devido à paralisia diafragmática. A pneumonia aspirativa é uma complicação muito freqüente no botulismo. 
O diagnóstico laboratorial é feito através da detecção da toxina botulínica em amostras fecais, aspirado gástrico, soro do paciente e nos alimentos suspeitos. O teste laboratorial mais sensível é o teste da neutralização da toxina em ratos, porém os resultados são disponíveis apenas a partir de 48 horas. O Clostridium botulinum leva cerca de 5 a 7 dias para crescer efetivamente em meios de cultura. A eletromiografia pode ser útil no diagnóstico diferencial com outras patologias causadoras de paralisia flácida. No botulismo, os achados são de velocidade de condução nervosa normal, associados a um baixa amplitude do potencial motor. 
  • As principais patologias que fazem diagnóstico diferencial com o botulismo são principalmente as polirradiculoneuropatias (Guillain-Barré, síndrome de Miller-Fisher), miastenia gravis e poliomielite.Qualquer caso suspeito de botulismo representa hoje uma emergência em saúde pública, pois existe a possibilidade do alimento contaminado causar intoxicação em outros indivíduos. A lavagem gástrica pode ser tentada a fim de diminuir a absorção da toxina remanescente. A intervenção terapêutica deve ser imediata com terapia de suporte de vias aéreas, hidratação, nutrição enteral precoce e nutrição parenteral para casos graves.
Os pacientes com doença leve e moderada poderão permanecer em unidades de cuidados semi-intensivos, reservando-se a unidade de cuidados intensivos para pacientes com comprometimento respiratório e que necessitam de ventilação mecânica e monitorização contínua. Na maioria dos pacientes, a posição de Trendelemburg reversa a 20-25º tem sido utilizada com sucesso na prevenção da obstrução das vias aéreas. Entretanto, apesar das medidas de suporte, o percentual de crianças com botulismo que necessitam de ventilação mecânica ainda é bastante elevado, chegando a 60% dos casos. 
  • O tratamento do botulismo consiste em oferecer a imunização passiva com a imunoglobulina equina anti-toxina, que deve ser administrada precocemente. O uso da imunoglobulina irá minimizar a lesão nervosa subseqüente e atenuar a gravidade da doença, mas não reverte a paralisia já instalada. As anti-toxinas são compostas por anticorpos neutralizadores para toxinas do tipo A, B e E.
As doses recomendadas são de 10 ml (uma ampola) diluídos em soro, intravenoso e em dose única. Os casos de botulismo devem ser notificados ao Centro de Vigilância Epidemiológica, através do telefone: 0800 55-5466, de onde serão fornecidas orientações para notificação, aquisição da anti-toxina e investigação diagnóstica.
  • As reações adversas à imunoglobulina podem ocorrer, e na maioria das vezes são reações de hipersensibilidade nas formas de urticária e doença do soro; a anafilaxia ocorre em menos de 2% dos casos. A mortalidade e as sequelas relacionadas ao botulismo sofreram um decréscimo ao longo das últimas décadas, em virtude da terapia específica e da evolução tecnológica das medidas de suporte em unidades de terapia intensiva pediátrica. 10 Entretanto, apesar deste decréscimo, as taxas de mortalidade ainda persistem elevadas, chegando a 25% dos casos de pacientes intoxicados com o tipo A de toxina botulínica. 
O prognóstico é variável e depende das sequelas relativas às complicações da doença. A recuperação total ocorre em casos leves e cujo tratamento foi instituído precocemente.O ônus de um paciente com botulismo é elevado, pois, em alguns casos a paralisia pode durar semanas ou meses e o suporte metabólico e respiratório nestes casos é prolongado. 
  • As medidas de prevenção da intoxicação alimentar pelo Clostridium botulinum incluem: evitar o consumo de alimentos suspeitos de contaminação (enlatados, alimentos conservados em óleo, defumados, frutas e vegetais em conserva, alimentos não processados). Vale enfatizar que o uso de mel de abelhas não é recomendado para crianças menores de 1 ano de idade, pelo risco de intoxicação.
Toxina Estafilocócica:
  • A toxina estafilocócica pertence ao segundo grupo de toxinas mais bem estudadas nas intoxicações alimentares.O Stafilococcus aureus é capaz de produzir uma variedade de toxinas, sendo as principais as do tipo A,B, C1, C3 , D e E. Outras espécies como S.hyicus e S. intermedius podem produzir enterotoxinas, mas raramente o fazem.
Os principais alimentos relacionados à contaminação com as toxinas estafilocócicas são os cremes, bolos e coberturas de bolo, produtos feitos com ovos, carnes, frangos, atum e maionese. 6 Geralmente a contaminação ocorre por intermédio dos cozinheiros, que são na maioria das vezes portadores da bactéria nos dedos e narinas. Este tipo de intoxicação não está relacionada a alimentos industrializados. 
  • As toxinas do tipo A e D são as mais relacionadas às intoxicações, estas toxinas são termolábeis e apresentam estabilidade em pH extremos e radiação; logo, uma vez contaminado, fica difícil a remoção da toxina do alimento. O mecanismo pelo qual a toxina estafilocócica causa sintomas ainda não está claramente definido, mas parece que a mesma estimula o sistema nervoso autônomo e não é absorvida sistemicamente. 
Os sintomas principais da intoxicação ocorrem dentro de 6 horas após a exposição, com o aparecimento de náuseas, vômitos, dor abdominal e diarréia, sendo a febre um achado ocasional. A desidratação, devido aos vômitos e diarréia, é a principal complicação, devendo o tratamento corresponder às medidas de suporte com hidratação oral ou venosa.Os sintomas desaparecem espontaneamente dentro de 8 horas, e a antibioticoterapia não está recomendada.

Toxinas do Bacilus cereus:
  • O Bacilus cereus é uma bactéria aeróbica, gram positiva, formadora de esporos e capaz de produzir toxinas. Esta toxina é encontrada facilmente como contaminante de alimentos crus e processados, tais como arroz, condimentos, leites, vegetais, carnes, farináceos, sobremesas e bolos. 
O período de incubação geralmente é curto (média de 6 a 12 horas) e a principal manifestação clínica é representada pelos vômitos persistentes, decorrentes da intoxicação pela toxina emética. Esta toxina é termoestável, resistente às proteases e aos extremos de pH, além de induzir alterações mitocrondriais nos linfócitos T helper tipo 2. 
  • Outros tipos de toxinas produzidas são as enterotoxinas, responsáveis pela manifestação de diarréia e de dor abdominal; podem ser de três tipos, a hemolítica, a não hemolítica e a enterotoxina T e FM. A enterotoxina mais bem investigada é a hemolítica, cujo mecanismo patológico ocorre pelo aumento da permeabilidade vascular intestinal. 
A febre não está associada à intoxicação pelo Bacilus cereus. Raramente ocorrem manifestações extra-intestinais; num estudo descrito por Mahler e cols foi observado necrose hepática associada ao referido agente. O principal diagnóstico diferencial é feito com a intoxicação estafilocócica.
  • O diagnóstico depende do isolamento do bacilo nos alimentos ou nas excreções dos pacientes. É importante lembrar que 10-40% dos indivíduos sadios são colonizados naturalmente pelo Bacilus cereus. O tratamento consiste em promover hidratação adequada e analgesia nos casos que cursam com dores abdominais. 
Toxinas Naturais Ciguatera:
  • Conhecida desde 1978, tem sido descrita como sendo a toxina mais bem estudada na intoxicação alimentar por peixes. Ocorre com maior frequência em locais de clima tropical e subtropical e os peixes mais comumente envolvidas são: vermelho, cioba, caranho, côngulo, cavala, guaropa e bicuda, dentre outros. 
A toxina se acumula na carne dos peixes e o período de contaminação é bastante variável. Existem poucos dados de literatura que expliquem a farmacocinética da toxina ciguatera, mas sabe-se que é lipossolúvel, tem rápida absorção intestinal, causando sintomas rapidamente após a exposição (de 5 minutos a 5 horas). 
  • Os sintomas clínicos são variados e dependem do inóculo e da susceptibilidade individual. Na apresentação clínica, o paciente pode ter diarréia, vômitos, náuseas intensas e dor abdominal. Sintomas neurológicos podem estar presentes, como parestesias, ataxia, visão turva, tontura e em alguns pacientes há paralisia de pares cranianos ou de músculos respiratórios. Estas alterações são resultantes das lesões periaxonais com edema das células de Schawn. Os sintomas gastrointestinais são auto-limitados e têm resolução por volta de 24 a 36 horas. A desidratação e os distúrbios hidroeletrolíticos são significativos e freqüentes nas crianças . 
Alguns distúrbios decorrentes de alterações vasomotoras podem estar associados à intoxicação por ciguatera, entre estes destacam-se hipotensão, hipertensão, bradicardia ou taquicardia. Os sintomas neurológicos podem persistir por semanas ou meses e alguns sintomas como prurido, artralgia e fadiga podem persistir por um período mais prolongado. 
  • O diagnóstico inicial é clínico e pode ser confirmado pela detecção da toxina no peixe, através de técnicas de ensaios biológicos em ratos. Recentes estudos estão sendo feitos para se identificar a toxina através de ensaios imunoenzimáticos e técnicas cromatográficas. O tratamento consiste na terapia de suporte e no uso de sintomáticos. Atualmente estudos utilizando o manitol a 20% na dose de 1g/kg têm demonstrado bons resultados, reduzindo o edema celular e melhorando os sintomas neurológicos em pacientes gravemente enfermos.
Intoxicação pelo Peixe Scombroide:
  • Conhecida no passado como intoxicação “pseudo-alérgica por peixes” ou por intoxicação por “overdose de histamina”, este quadro corresponde a 5% de todas as intoxicações alimentares reportadas pelo CDC e a 37% das intoxicações alimentares marítimas. Os peixes que mais comumente estão relacionados a esta patologia são: atum , cavala, marlim, peixe espada e albacora. 
A intoxicação ocorre pela conservação inadequada dos peixes e pela má refrigeração, fazendo com que a enzima histamina-decarboxilase presente em bactérias que colonizam os peixes (E. coli, Proteus sp, e algumas espécies de klebsiela), convertam a histidina em histamina. 
  • Os sintomas se iniciam em cerca de 10 minutos a 3 horas após a exposição e os pacientes intoxicados apresentam náuseas, vômitos, diarréia, rubor, urticária, cefaléia, palpitação, boca seca e broncoespasmo. A insuficiência respiratória raramente ocorre. 
A doença tem resolução espontânea dentro de algumas horas e o diagnóstico é eminentemente clínico. A dosagem de histamina no alimento é realizada apenas em inquéritos epidemiológicos. O tratamento é feito com uso de sintomáticos, sendo a hidratação necessária nos casos de desidratação. Os agonistas beta 2 são usados para o broncoespasmo. Os anti-histamínicos podem ser utilizados e eventualmente faz-se necessário o uso de corticoides.A doença é autolimitada e tem um bom prognóstico.

Intoxicação por Mariscos:
  • Até o presente momento foram descritos quatro tipos de intoxicação por mariscos, a depender das toxinas produzidas e seus efeitos. As toxinas descritas são do tipo paralítico, neuropático, diarreico e tóxica-encefalopática. Estas toxinas são produzidas por algas flageladas presentes em águas salgadas, e estas algas, por sua vez, contaminam os mariscos.
A forma paralítica da intoxicação ocorre por uma alteração nos canais de sódio e os sintomas são precoces com náuseas, vômitos e paralisia limitada aos nervos cranianos, podendo em casos graves comprometer a musculatura respiratória.
  • A forma neuropática ocorre por uma brevitoxina, lipofílica e resistente ao calor, que estimula os neurônios colinérgicos pós-ganglionares. Os sintomas ocorrem dentro de 3 horas após a exposição com náuseas, vômitos e parestesias.
A forma diarréica cursa apenas com manifestações gastrointestinais do tipo náuseas, dor abdominal e diarréia. A forma encefalopática é também conhecida como amnéstica, e concomitantemente surgem as manifestações gastrointestinais e a cefaléia intensa acompanhada de amnésia.
  • Em todos os tipos, o período de incubação é curto, os sintomas são autolimitados e desaparecem após o clareamento da toxina. Entretanto, na forma encefalopática, os sintomas podem ocorrer mais tardiamente, dentro de 24 a 48 horas após a exposição. O diagnóstico deste tipo de intoxicação alimentar é clínico, podendo a toxina ser identificada através de ensaios imunobiológicos em ratos ou por cromatrografia líquida. 
Intoxicação por Toxinas de Cogumelos:
Existe uma variedade de toxinas de cogumelos responsáveis por intoxicações alimentares.
  • Nos Estados Unidos, em 1998, a Associação Americana de controle de envenenamentos identificou 9839 exposições à toxinas de cogumelos, sendo que 50% dos casos ocorreram na faixa etária pediátrica.
Dentre as espécies de cogumelos responsáveis a Amanita phalloides representa 90% dos casos em todo o mundo. Este tipo de cogumelo é grande, não tem odor característico, tem capa seca e coloração amarela esverdeada central. 
  • Esta espécie de cogumelo é capaz de produzir as ciclo peptídeo-toxinas, as matoxinas e a faloidina. A toxina faloide produz sintomas semelhantes àqueles da gastroenterite aguda e o quadro se inicia dentro de 6 a 12 horas após exposição. A amatoxina é responsável por lesão hepática, renal e pelos efeitos encefalopáticos. O mecanismo de ação é explicado pela inibição da RNA- polimeraseII, interferindo portanto na transcrição do RNA e DNA, afetando a síntese protéica de uma série de tecidos, principalmente no fígado, rins, cérebro, pâncreas e testículos.
A intoxicação pelo Amanita phalloides ocorre em diferentes estágios. No estágio I, ocorrem pródomos com sintomas de náuseas, vômitos, diarréia, dor abdominal, podendo surgir hipotensão, desidratação e distúrbios hidroeletrolíticos. No estágio II, iniciam-se as lesões renais e hepáticas, com achados de hepatomegalia e elevação de transaminases, bilirrubinas e em casos mais avançados, há alteração no tempo de protrombina, o que piora o prognóstico. A hematúria microscópica, a oligúria e a anúria se estabelecem. Os níveis de amilase e lipase podem estar alterados, quando existe também lesão pancreática. O estágio III ocorre dentro de 2 a 6 dias após a exposição e se caracteriza por uma coagulopatia intensa, com insuficiência renal e encefalopatia hepática.
  • Por se tratar de uma intoxicação alimentar grave, o diagnóstico diferencial é feito com as hepatites agudas, gastroenterites agudas, toxicidade por acetominofen e por ferro. O diagnóstico específico desta intoxicação pode ser feito através de técnicas de radioimunoensaio, cromatografia de camada fina e cromatrografia líquida de alta resolução.
As alterações histológicas identificadas principalmente em tecido hepático, refletem necrose maciça centrolobular. O tratamento consiste em oferecer medidas de suporte, com manutenção da permeabilidade das vias aéreas, oferta adequada de aporte metabólico e nutricional e correção dos distúrbios hidroeletrolíticos.
  • Se o paciente ingeriu o cogumelo até 1 hora antes da admissão hospitalar, poderá ser feito o esvaziamento gástrico com lavagem ou provocando-se a êmese. Nos pacientes assintomáticos cuja ingestão não se pode precisar quando ocorreu, pode-se tentar o uso do carvão ativado na dose de 1g/kg via oral ou através de sonda nasogástrica, e observar a evolução durante 6 a 12 horas.
O transplante hepático excepcionalmente pode ser necessário nos casos graves, quando ocorre hepatite fulminante. A intoxicação por Amanita phalloides é uma doença grave de prognóstico reservado e cuja mortalidade chega a 51% em menores de 10 anos.
  • Outra espécie de cogumelo que causa intoxicação alimentar é o Amanita muscarea, cuja intoxicação na faixa etária pediátrica é rara, sendo mais comum em catadores de cogumelos e em seus familiares, quando confundem as espécies com outras que são comestíveis. 
O Amanita muscarea tem a capa vermelha escarlate, com papilas e haste brancas. A sua toxina estimula os receptores muscarínicos da acetilcolina e os sintomas se manifestam dentro de 30 minutos a 2 horas da contaminação. Os pacientes intoxicados apresentam salivação excessiva, lacrimejamento, incontinência urinária e fecal, cólicas abdominais, miose, vômitos, broncoespasmo e bradicardia.
  • No diagnóstico diferencial desta intoxicação estão a insuficiência cardíaca congestiva, a hipoglicemia, a doença do soro e a intoxicação por organofosforados ou carbamatos. O tratamento é feito com uso de medidas de suporte e sintomáticos. A administração de atropina é empregada na dose de 0,05 mg/kg, intravenosa, repetida a cada 10 a 20 minutos, para atenuar os sintomas colinérgicos. 
Outros aspectos clínicos das intoxicações por cogumelos são encontrados quando existe a produção de ácido ibotêmico, este que também é produzido pela espécie Amanita muscarea. Raramente afeta crianças e a intoxicação no adulto ocorre quando estes columelos são confundidos com espécies comestíveis. Uma vez ingerido o cogumelo, os sintomas se iniciam dentro de 30 a 90 minutos, com sonolência, confusão, ataxia, vertigem e euforia, podendo evoluir em alguns casos para coma. Os sintomas gastrointestinais não são freqüentes e em crianças, crises convulsivas podem ocorrer. O diagnóstico diferencial se faz com as intoxicações pelo etanol, LSD e outros alucinógenos.
  • O tratamento é de suporte e as crises convulsivas são tratadas com benzodiazepínicos inicialmente, seguidos do uso de outros anticonvulsivantes como fenobarbital ou hidantoína. Os sintomas duram cerca de 2 dias e os casos fatais são raros, mas podem acontecer.
Aflotoxinas:
  • As aflatoxinas são produzidas por certas espécies de fungos, tais como Aspergillus flavus e Aspergillus parasiticus. Estes fungos crescem em vários tipos de alimentos como nozes, pistache, amendoins e outras oleaginosas, incluindo as sementes de algodão e os cereais como milho, trigo e centeio. Existem vários tipos de aflatoxinas (B1, B2, G1, G2 e M), sendo a B1 a mais comum.
As aflatoxinas são potentes estimuladores de microssomas hepáticos, tendo portanto ação hepatotóxica e carcinogênica. A aflatoxicose aguda é rara e só ocorre quando há ingestão de aflatoxinas em grande quantidade. Os principais sintomas nesta intoxicação estão relacionados com doença hemorrágica aguda, lesão hepática aguda, edema e síndrome de má-absorção, podendo em alguns casos, evoluir para o óbito.
  • Na forma crônica, na qual ocorre exposição constante a baixas doses desta toxina, o paciente pode desenvolver doença hepática crônica com evolução para cirrose e carcinoma hepatocelular. O diagnóstico é clínico, podendo ser feito laboratorialmente através de técnicas para detecção da aflatoxina nos alimentos.
Intoxicações Causadas por Bactérias:
Vibrio cholerae:
  • O Vibrio cholerae é um bacilo gram negativo flagelado, móvel que cresce em meios alcalinos e na presença de sais biliares. À temperatura ambiente, sobrevive cerca de 2 a 5 dias em peixes e mariscos, de 1 a 7 dias em vegetais e de 10 a 13 dias na água. A água, portanto, é o principal meio de contaminação da cólera. Alimentos expostos à água contaminada e mãos de portadores sadios representam as principais formas de aquisição da cólera. Porém, existem ainda relatos de exposição ao bacilo, veiculado através de moscas e baratas. 
Existem mais de 60 sorogrupos do Vibrio cholerae, os quais são separados pelo antígeno somático (antígeno O) e entre eles, somente o tipo O1 causa doença clínica. O sorogrupo O1 pode ter dois sorotipos, o Ogawa e o Inaba, e em relação ao biotipo podem ser classificados como El Tor e o clássico. No Brasil o Vibrio cholerae responsável pelo quadro diarréico é do sorogrupo O1, biótipo El Tor e sorotipo Inaba. 
  • Os alimentos que mais se relacionam com a contaminação pelo vibrião colérico são os mariscos e os peixes, principalmente aqueles conservados em salmoura, leite de coco, alface e arroz. O período de incubação da cólera varia de 1 a 3 dias, podendo ocorrer de horas até 5 dias. A dose infectante é de 106 organismos e, como o vibrião é sensível ao pH ácido e cresce em pH alcalino, a diminuição da acidez gástrica predispõe à infecção pelo Vibrio cholerae. 
A toxina do vibrião atua no AMP cíclico das células epiteliais intestinais, e este ativa as proteioquinases, que atuam sobre as proteínas das membranas celulares, alterando o transporte de íons e ativando a secreção intestinal. A diarréia da cólera é do tipo secretora, profusa, aquosa, determinando inevitavelmente desidratação grave e óbito, caso a intervenção terapêutica não seja imediata. 
  • As complicações desta doença são graves, variando de desidratação à acidose metabólica. Outras complicações metabólicas podem estar presentes como a hipocalemia, as arritmias cardíacas, o íleo paralítico, a perda de consciência, as convulsões e o choque hipovolêmico. Na faixa etária pediátrica, a diminuição dos níveis de consciência e a presença de vômitos aumentam o risco de aspiração pulmonar.
O diagnóstico mais rápido é feito com o uso de microscopia de fase ou de campo escuro, que apenas identifica os vibriões, não diferenciando os sorogrupos. As culturas podem ser feitas a partir das fezes ou do swab retal, tendo-se o cuidado de semear em meios de cultura até 2 horas após a coleta. Tanto o swab retal quanto as fezes devem ser conservados no meio de transporte de Cory-blair e semeados até 8 horas após coleta se mantidos em temperatura ambiente ou até 8 dias se mantido sob refrigeração.
  • O diagnóstico diferencial da cólera faz-se principalmente com diarréia infecciosa por outras enterobactérias. As alterações laboratoriais encontradas na cólera podem ser: hipoglicemia, hipocalemia, acidose metabólica e elevação dos níveis de uréia e creatinina. O tratamento consiste inicialmente na monitorização, tratamento e prevenção da desidratação.
A criança com diagnóstico de cólera deve ser hospitalizada e ter suas perdas repostas por via oral ou venosa, de acordo com seu estado clínico. A prevenção da hipoglicemia faz parte desta terapêutica. A acidose metabólica deve ser corrigida criteriosamente com a hidratação venosa, e nos casos em que o pH está abaixo de 7,1 e o bicarbonato menor que 10 mEq/l, a reposição venosa com bicarbonato de sódio deve ser efetuada. 
  • A introdução precoce da dieta é fundamental para se evitar a desnutrição e a hipoglicemia. A terapêutica antimicrobiana é sempre necessária, porque ajuda a reduzir o tempo de excreção dos vibriões nas fezes. Os antibióticos de uso por via oral recomendados, são: Tetraciclina na dose de 50mg/kg/d de 6/6 horas por 3 dias, usada apenas para crianças maiores de 12 anos e adultos. A doxicilina também pode ser usada em maiores de 12 anos na dose de 6 mg/kg/dia em dose única, com dose máxima de 300mg/dia.
Em casos de resistência do germe à tetraciclina, pode-se empregar a furozalidona, na dose de 1,25 mg/kg/dia de 4/4 horas por três dias ou o Sulfametoxazol-trimetropim na dose de 25 mg/kg/dia de sulfametoxazol de 12/12 h por três dias. Para as crianças abaixo de 12 anos, o tratamento é sempre iniciado com Sulfametoxazol-trimetropim.
  • A profilaxia da cólera é feita através das medidas de higiene pessoal e com os cuidados na manipulação dos alimentos. Nos casos de epidemias, hoje já existe o consenso de que a quimioprofilaxia e as vacinas conseguem deter em parte, a propagação da doença. 
As vacinas são constituídas de bacilos mortos e a soroconversão ocorre em menos de 50% dos pacientes. A duração da imunidade adquirida é curta, por um período de no máximo 3 a 6 meses. Existem informações de que a vacina parece não alterar a gravidade da doença. Atualmente, estudos têm sido feitos com novas vacinas orais com bactérias mortas e vivas e os resultados têm se revelado promissores. 

A intoxicação alimentar ocorre através do consumo de alimentos ou água contaminados com bactérias, vírus, toxinas, ou outros produtos químicos. 

Clostridium perfrigens:
  • O Clostridium perfrigens é uma bactéria anaeróbica, gram negativa, formadora de esporos, universalmente distribuída na natureza e presente no intestino de humanos e animais domésticos. Os esporos são encontrados no solo ou em locais passíveis de contaminação fecal.
A referida bactéria cresce em temperaturas elevadas, por isso os alimentos de maior risco para contaminação são representados pelas carnes e alimentos, preparados com molhos de carne principalmente. A população de maior risco para a intoxicação alimentar pelo Clostridium perfrigens são as crianças e os idosos. O Clostridium perfrigens pode produzir mais de 13 toxinas diferentes e as mais importantes foram isolados dos subtipos A,B,C,D e E.
  • O tipo de intoxicação alimentar mais comum é causada pelo subtipo A, que produz uma enterotoxina, capaz de causar sintomas gastrointestinais de 8 a 12 horas após a exposição. A toxina produzida pelo Clostridium perfrigens tem um mecanismo de ação complexo, interagindo com a membrana da célula do hospedeiro, determinando aumento da permeabilidade e perda de potássio intracelular.
Os principais sintomas desta intoxicação são: dor abdominal aguda, náuseas, vômitos e diarréia. A doença geralmente é autolimitada, durando cerca de 24 horas, podendo até se prolongar por 1 a 2 semanas em alguns casos.Poucos casos de óbito foram relacionados a esta intoxicação, e estes pacientes apresentavam desidratação grave ou enterite necrótica, patologia rara na qual ocorre necrose intestinal e septicemia, evoluindo inevitavelmente para óbito.
  • O diagnóstico da intoxicação alimentar pelo Clostridium perfrigens é complicado, pelo fato desta bactéria ser encontrada como componente da flora intestinal de humanos. A análise dos alimentos contaminados pode ser realizada em casos de epidemia. A detecção das toxinas do Clostridium perfrigens nas fezes pode ser realizada, assim como a identificação das espécies desta bactéria.
Escherichia Coli:
  • Existe uma variedade de toxinas produzidas pela Escherichia Coli. As principais espécies de Escherichia coli relacionadas às intoxicações alimentares são a E. coli enterotoxigênica, e a E. coli enterohemorrágica, esta última produtora de uma toxina semelhante à da Shigella sp, denominada E. coli O157:H7:
Escherichia coli enterotoxigênica:
  • É uma bactéria gram negativa, considerada um agente etiológico frequente das diarréias agudas em países subdesenvolvidos, relacionada aos casos de diarréias que ocorrem em turistas, sendo um dos principais agentes da chamada diarréia dos viajantes. As várias cepas de Escherichia coli são transmitidas através da água e alimentos contaminados. 
A Escherichia coli enterotoxigênica não é considerada um agente de risco importante nos casos de intoxicação alimentar em países desenvolvidos; por outro lado, nos países em desenvolvimento é representante de um número significativo de casos. O principal veículo de contaminação dos alimentos é a água, exposta continuamente à dejetos humanos.
  • O período de incubação da doença é de 12 horas a 2 dias e os sintomas típicos na maioria dos pacientes são diarréia aquosa profusa, associada à dor abdominal em cólica. A febre é um achado incomum, e os sintomas duram cerca de 3 a 5 dias. Não há sangue ou leucócitos nas fezes.
A Escherichia coli enterotoxigênica tem a capacidade de colonizar o intestino e produzir toxinas através da produção de fatores de colonização do tipo I ao IV. As toxinas produzidas são a termolábil e a termoestável; a termoestável está subdividida em 2 tipos, A e B. A toxina termoestável é um peptídio, cujo principal mecanismo de ação é aumentar a concentração de GMP cíclico intracelular. A toxina termolábil é um complexo proteico que se assemelha à toxina do V. cholerae e, quando presente na membrana celular, aumenta a produção de AMP cíclico, causando secreção de cloro e bicarbonato nas criptas, bloqueando assim a absorção de sódio e cloro no topo das vilosidades.
  • A principal complicação relacionada a esta patologia é a desidratação aguda. O diagnóstico é feito durante a fase aguda com a demonstração das enterotoxinas nas fezes, através de técnicas de imunoensaio.O tratamento restringe-se à terapia de reidratação oral ou venosa, a depender do grau de desidratação. O uso de antimicrobianos não está recomendado. Trata-se de uma patologia autolimitada, cuja resolução ocorre em 3 a 5 dias.
Escherichia coli O157:H7:
  • Esta bactéria foi reconhecida pela primeira vez em humanos no ano de 1982 e desde então vem sendo reconhecida como importante causa de epidemias esporádicas de diarréia sanguinolenta.As cepas de E. coli O157:H7 tem habilidade de produzir toxinas semelhantes àquelas produzidas pela Shigella dysenteriae. Esta toxina tem um papel importante na patogênese da síndrome hemolítico-urêmica, que ocorre após episódio diarréico. 
A Escherichia coli O 157:H7 está presente em alimentos de origem bovina (principalmente carnes de hambúrguer), e mais recentemente tem sido relacionada ao consumo de alimentos frescos como alface, broto de alfafa, vinho ou suco de maçã. A contaminação ocorre pela exposição dos alimentos ao material fecal bovino.
  • A toxina produzida pela referida bactéria é denominada verotoxina, e pode ser de dois tipos, o tipo 1 e o tipo 2; o tipo 2 acha-se subdividido em STX 2, 2C, 2D e 2E.
Após a ingestão do alimento contaminado, a bactéria coloniza as porções mais baixas do trato gastrointestinal e produz a verotoxina. Esta toxina atravessa a barreira epitelial intestinal e causa lesões à distância, inclusive nos rins e no cérebro, através de um efeito direto nas células endoteliais da microvasculatura.
  • Os sintomas da intoxicação alimentar ocorrem dentro de 2 a 4 dias após a exposição, com presença de leucócitos e sangue nas fezes diarreicas na maior parte dos pacientes.Dor abdominal e vômitos ocasionais podem estar presentes. A febre quando ocorre é baixa e a doença diarréica é autolimitada. Em algumas crianças durante o quadro diarréico pode não ser encontrado sangue nas fezes.
O diagnóstico é feito através do isolamento da bactéria na coprocultura com sorotipagem e com a identificação da verotoxina nas fezes. As coproculturas são feitas em meios especiais como: Sorbitol- MacConkey -agar, pois estes agentes não crescem em meios de culturas rotineiros. 
  • Algumas crianças, sobretudo os lactentes jovens, podem após o episódio diarréico, desenvolver a síndrome hemolítico-urêmica. A prevalência da referida patologia após a intoxicação pela Escherichia Coli O157:H7 é de 15%.
Esta síndrome caracteriza-se por ser uma condição grave, cuja apresentação clínica ocorre com anemia hemolítica microangiopática, trombocitopenia, insuficiência renal e manifestações neurológicas como crises convulsivas e coma.
  • A patogênese da síndrome é justificada pela lesão vascular colônica, causada pela toxina, que determina a liberação de lipossacarídios e outros mediadores inflamatórios que, atingindo a circulação sistêmica, causa lesões vasculares em diversos órgãos.  Os fatores de risco relacionados à evolução para síndrome hemolítico-urêmica são representados por: presença de sangue nas fezes, febre, leucocitose e tratamento com agentes inibidores da motilidade intestinal.
O tratamento da intoxicação pela E. coli O157:H7 é feito apenas com terapia de suporte, prevenindo-se e tratando-se a desidratação e os distúrbios hidroeletrolíticos. O uso de antibióticos é discutível. Alguns estudos retrospectivos apontam a antibioticoterapia com sulfametoxazol-trimetropim como um fator que aumenta o risco de evolução para síndrome hemolítico-urêmica. 
  • Os agentes inibidores da motilidade intestinal, como a loperamida são contra-indicados nos quadros diarreicos, principalmente em pacientes com disenteria. Após uma semana do quadro disentérico, os pacientes devem ser monitorizados quanto ao desenvolvimento de sintomas sugestivos da síndrome hemolítico-urêmica, como palidez acentuada, oligúria e sintomas neurológicos.
O tratamento desta síndrome é feito com hidratação, correção dos distúrbios hidroletrolíticos e diálise nos casos de insuficiência renal grave. Transfusões de plasma fresco, administração de imunoglobulinas e plasmafere são recursos que podem ser utilizados, porém ainda não existem estudos que demonstrem sua eficácia. 
  • Por ser uma condição grave, 50% dos pacientes necessitam de tratamento dialítico e 75% necessitam de hemotransfusão. A mortalidade varia de 3 a 5 % e entre os sobreviventes, 5% permanecem com sequelas neurológicas.
Salmonela:
  • A Salmonela é um dos principais agentes relacionados às intoxicações alimentares em humanos. A cada ano estima-se que ocorram 1,4 milhões de casos de salmonelose nos EUA.  A Salmonela é um bacilo gram negativo, que pertence à família das Enterobacteriacea e cujos reservatórios principais são as aves domésticas, animais de criação, répteis e animais de estimação.  A contaminação ocorre através de alimentos de origem animal, incluindo as carnes vermelhas, os leites não pasteurizados e os ovos crus ou mal-cozidos. 
Os antígenos somáticos (antígeno O) e flagelares (antígeno H) destas bactérias diferenciam mais de 2300 sorotipos de Salmonela, entre elas S. mariela, S. enteritidis, S. Typhimurium, S. typhi ,S. choleraesus, dentre outras. A S. typhi e S. paratyphi são causadoras da febre tifoide. A S. enteritidis tem se tornado um agente importante nas intoxicações causadas por ovos de frangos. A estimativa é de que 1 em cada 10000 ovos de frangos esteja contaminado com Salmonela. É conhecido atualmente, o fato de que a bactéria pode penetrar no ovo intacto através da contaminação fecal, ou pode contaminá-lo durante o desenvolvimento do próprio ovo, antes da formação da casca.
  • A infecção pela S. typhi ocorre com um inóculo de 105 bactérias, enquanto que a dose infectante das outras espécies variam de 2100 a 106, dependendo do hospedeiro e da espécie. O mecanismo patogênico na infecção por Salmonela é explicado pela invasão da mucosa intestinal, com surgimento de reação inflamatória intensa e aumento da produção de AMP cíclico e além da produção de prostaglandinas, resultando na secreção ativa de fluidos.
Os sintomas agudos da gastroenterite por Salmonela são náuseas, vômitos , dor abdominal, diarréia, febre e cefaléia. Os sintomas podem durar de 1 a 2 dias ou se prolongarem, a depender da cepa infectante. O quadro diarréico pode ter sangue, embora não seja tão comum quanto na infecção pela Shigella. A febre ocorre e é geralmente alta. Na febre tifoide, o período de incubação é maior, de 3 a 60 dias, embora a maioria dos sintomas aconteçam após 1 a 2 semanas da exposição, com febre alta, anorexia, dor abdominal, astenia, mialgia e diarréia ou constipação. Outros achados importantes são representados pela presença de pulso paradoxal, hepatoesplenomegalia e roséolas tíficas.
  • Nas gastroenterites pode-se observar leucocitose; na febre tifoide identifica-se habitualmente anemia, trombocitopenia e neutropenia.Na febre tifoide, a bactéria pode ser isolada através de hemoculturas, coproculturas ou de aspirado de medula óssea. No exame de fezes, o achado de leucócitos fecais é comum. As reações sorológicas (reação de Widal ou soroaglutininas) podem sugerir a infecção pela S. Typhi, embora existam muitos resultados falso positivos e negativos. As principais complicações encontradas nas salmoneloses são: bacteremia, meningite, pneumonia, endocardite, osteomielite (em pacientes com anemia falciforme) e abcesso hepático ou esplênico. Na febre tifoide podem ocorrer perfuração intestinal e hemorragia grave (1ª 10% das crianças), encefalopatia tóxica e trombose cerebral, hepatite, pancreatite, artrite e miocardite. 
Nas infecções causadas pelas espécies não tifoides não está indicada a antibioticoterapia, pois esta não interfere no curso da doença e pode inclusive contribuir para o estado de portador. A hidratação e a correção de distúrbios hidroeletrolíticos são as bases do tratamento das gastroenterites por Salmonela. A antibioticoterapia para as infecções por Salmonela não tifoídicas está excepcionalmente reservada para lactentes menores de 3 meses ou menores de 1 ano, imunodeprimidos, tais como pacientes oncológicos, aidéticos, pacientes com hemoglobinopatias ou portadores de doença crônica do trato gastrointestinal. 49 Os antibióticos usados nestes casos poderão ser Amoxacilina 50mg/kg/dia, Ampicilina 100 mg/kg/dia ou sulfametoxazol-trimetropim 40mg/kg/dia de sulfametoxazol, durante 5 dias. Nos casos graves de doença invasiva, após adequada hidratação e identificação real de disseminação do processo infeccioso com desenvolvimento de sepse, estará indicado o Cefitriaxone 100 mg/kg/dia ou a cefotaxima 100 mg/kg dia durante 14 dias. 
  • No tratamento da febre tifoide estão indicados o uso de Cloranfenicol na dose 50-100 mg/kg/dia, a Ampicilina 100 mg/kg/dia ou a sulfametoxazol-trimetropim 40mg/kg /dia de sulfametoxazol, reservando a antibioticoterapia parenteral com cefalosporinas de 3ª geração para os casos muito graves, nos quais a duração do tratamento é de no mínimo 14 dias.  No caso da febre tifoide, algumas vacinas estão sendo usadas nos Estados Unidos para grupos específicos como os técnicos de laboratório, pessoas que viajam para áreas endêmicas ou que tiveram exposição recente a portadores sadios da bactéria.
Existem atualmente três tipos de vacinas disponíveis, a vacina oral Ty 21a, a vacina de agentes vivos e atenuados que pode ser usada em crianças acima de 6 anos, e a vacina Vi, que é composta de polissacarídio capsular, empregada por via intramuscular, podendo ser utilizada em maiores de 2 anos. As vacinas de agentes inativados, empregadas por via subcutânea são usadas em menores de 2 anos em duas doses.  A prevenção da infecção causada por Salmonelas consiste em orientações de higiene pessoal adequada, manipulação correta de alimentos e eliminação de dejetos, além do isolamento entérico de pacientes com febre tifoide até a negativação de pelo menos três coproculturas. O prognóstico das gastroenterites por Salmonelas é bom, e a mortalidade associa-se às complicações graves como a endocardite ou meningite.

Campylobacter:
  • Bactéria gram negativa, espiral, microaréofila estrita, representada por duas espécies mais importantes, que são responsáveis pela doença em humanos, o Campylobacter jejuni (responsável por mais de 90% dos casos) e o Campylobacter coli.
Outras espécies foram descritas como causadores de gastroenterites em humanos: C. fetus, C. upsaliensis, C. Hyointestinalis e C. lari. O inóculo da infecção pode ser tão pequeno quanto 100 organismos. Este tipo de intoxicação alimentar parece ocorrer de forma esporádica e o contágio interpessoal parece não ser comum.
  • O Campylobacter jejuni e o Campylobacter coli são comensais do intestino de muitos animais, como os pássaros e animais domésticos. Os principais veículos de contaminação são representados pelas carnes cruas de aves domésticas, o leite cru e a água. 
A patogênese da infecção pelo Campylobacter jejuni e pelo Campylobacter coli dependem tanto da susceptibilidade do hospedeiro, quanto da virulência da cepa infectante. O mecanismo patogênico não está bem esclarecido, entretanto baseado em estudos experimentais, citam-se dois mecanismos: A aderência intestinal com produção de toxinas e a proliferação bacteriana na mucosa intestinal. O C. jejuni produz uma toxina descrita como toxina citoletal distensiva, que interfere na divisão e diferenciação das células das criptas intestinais, contribuindo para o desenvolvimento da diarréia. Em algumas cepas do C. Jejuni tem sido descrito um mecanismo de invasão das células epiteliais intestinais, causando um processo inflamatório na lâmina própria. 
  • Os sintomas da intoxicação alimentar surgem dentro de 2 a 3 dias após a exposição com o aparecimento de febre, cefaléia e mialgia, além dos sintomas gastrointestinais como náuseas, vômitos, diarréia sanguinolenta e cólicas intestinais intensas. À investigação laboratorial, encontra-se no exame de fezes a presença de leucócitos e sangue. O diagnóstico definitivo é feito através da coprocultura em meios específicos ou através de técnicas de imunoensaios. Após a convalescênça, o paciente ainda pode excretar a bactéria nas fezes por um período de 2 a 5 semanas. 
O tratamento é de suporte, prevenindo e tratando a desidratação e os distúrbios hidroeletrolíticos. Complicações como colecistite, hepatite, apendicite aguda, pancreatite e infecções extra-intestinais podem ocorrer. 6 As complicações que ocorrem a longo prazo são artrite reacional, síndrome de Reiter, uveíte e Síndrome de Guillain-Barré.

Yersinia:
  • As bactérias do grupo Yersinia também são responsáveis por casos de intoxicação alimentar e as espécies que mais se associam a esta condição são a Yersinia enterocolítica e a Yersinia pseudotuberculosis. Estes agentes podem ser isolados de porcos, passarinhos, gatos e cães. Apenas a Y. enterocolitica pode ser encontrada em água de piscinas, margens de lagos e em alimentos como as carnes, sorvetes e leites. Dentre estes alimentos, a carne de porco é a que mais se associa à intoxicação por esta bactéria.47,6 Os suínos são os maiores reservatórios deste microrganismo. Estas bactérias também podem sobreviver no leite não pasteurizado em temperaturas de até 4 ºC.
A Y. enterocolitica está subdividida em dois grandes grupos, de acordo com as suas propriedades bioquímicas e os sorotipos mais freqüentemente encontrados em humanos, que são O1, O3, O8 e O9. Embora a Yersinia não seja descrita como um agente muito comum como causa de intoxicação alimentar, dados do CDC relatam cifras de 17000 casos/ano e têm descrito casos de manifestações gastrointestinais graves.
  • Muitos casos de infeção por Y. enterocolitica ocorrem com maior freqüência em crianças menores de 5 anos e é necessário a ingestão de pelo menos 109 microorganismos para que a doença se estabeleça. A patogenia da infecção por esta bactéria ocorre basicamente pelas suas propriedades invasivas na mucosa do íleo terminal, causando uma diarréia inflamatória. Algumas cepas produzem uma toxina termoestável, semelhante à da E. coli enterotoxigênica, entretanto não é atribuída a esta toxina a gênese da diarréia.
O período de incubação costuma ser de 24 a 48 horas e os principais sintomas são diarréia e vômitos, associados à febre e dor abdominal. A infecção pela Y. enterocolítica pode causar adenite mesentérica e esta simula muitas vezes um quadro de apendicite com abdomen agudo. Esta patologia é autolimitada, e os sintomas desaparecem dentro de poucos dias. O tratamento é apenas de suporte. O diagnóstico é feito através do isolamento da bactéria nas fezes humanas ou em vômitos ou através de sorologias. A identificação da bactéria nos alimentos pode levar de 14 a 21 dias, sendo realizadas apenas em investigações epidemiológicas.
  • Apesar de ser uma doença autolimitada, algumas complicações têm sido descrita, tais como ulceração e perfuração intestinal e a longo prazo, artrite reativa, associada ou não ao eritema nodoso em 30% dos casos.
Listeria:
  • É um bastonete gram positivo, móvel, flagelado, sendo uma das bactérias mais temidas nas intoxicações alimentares, pois associa-se à elevada mortalidade.Alguns estudos estimam que 1 a 10% dos indivíduos são portadores intestinais da Listeria monocytogenes. Os alimentos mais freqüentemente associados à esta infecção são: leite não pasteurizado, queijos, vegetais crus, carnes mal cozidas e “fast foods”, como os cachorros- quentes. 
Um aspecto importante da Listeria é sua capacidade de crescer em baixas temperaturas, o que facilita a contaminação alimentar. A dose infectante não é conhecida, porém sugere-se que 109 microorganismos sejam suficientes para iniciar a infecção. O período de incubação é de 2 a 3 dias e as manifestações clínicas iniciais ocorrem como sintomas inespecíficos de febre e mialgia, seguindo-se de sintomas gastrointestinais de náuseas e diarréia.
  • O que preocupa na doença alimentar por Listeria monocytogenes é sua elevada taxa de mortalidade, chegando a cifras de 20% em um ano nos EUA. Os pacientes de maior risco são os imunocomprometidos. Outra forma importante de transmissão da infecção por L. monocytogenes é a via transplacentária, podendo determinar aborto espontâneo, prematuridade, meningite e sepse neonatal, com elevada mortalidade.
O diagnóstico da listeriose pode ser feito através da hemocultura, coprocultura e estudo do líquor. Os métodos de identificação da bactéria nos alimentos requer 24 a 48 horas para o crescimento e de 5 a 7 dias para a identificação da espécie.  O tratamento é feito inicialmente com hidratação oral ou parenteral, correção dos distúrbios hidroeletrolíticos e com o uso de antibióticos como a Ampicilina 100 mg/kg/dia associado à gentamicina 5 mg/kg/dia, tendo como alternativa o sulfametoxazol-trimetropim na dose de 40mg/kg/dia de sulfametoxazol.

Shigella spp:
  • De acordo com dados do FDA, a prevalência da intoxicação alimentar por Shigella nos Estados Unidos é de 10%.6 A Shigella é uma bactéria gram negativa, imóvel, não esporulada, raramente encontrada em animais, cujo o principal reservatório é água contaminada com fezes humanas. Existem quatro diferentes espécies de Shigella, a S. dysenteriae, a S. flexineri, a S. sonnei, e a S. boydii.
Nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos a infecção por Shigella ocorre mais freqüentemente com as espécies S. sonnei ou S. flexineri. A Shigellose ocorre no mundo inteiro e nos países em desenvolvimento sua incidência é 20 vezes maior que nos países desenvolvidos. Embora a prevalência específica dos sorotipos não seja conhecida, estima-se que 30% das infecções são causadas pela S. dysenteriae. 
  • A intoxicação alimentar ocorre por qualquer alimento contaminado com material fecal humano, embora os alimentos que mais estão associados à doença são as saladas de vegetais crus, leites e as aves domésticas. 
O período de incubação varia de 12 horas a 6 dias, com média de 2 a 3 dias. O mecanismo patogênico da doença ocorre pela capacidade invasiva do agente nas células da mucosa intestinal, com posterior proliferação e destruição tissular. Algumas cepas também produzem enterotoxina, que se liga a glicolipídios da superfície das células colônicas, entrando no citoplasma e clivando o RNA ribossomal específico, interrompendo a síntese protéica e destruindo a célula. Ocorre resposta inflamatória significativa à esta destruição da mucosa. Esta mesma enterotoxina, relaciona-se à síndrome hemolítico-urêmica que ocorre após a infecção por Shigella, num quadro semelhante ao causado pela E. coli enterohemorrágica.
  • Os sintomas da intoxicação alimentar são basicamente gastrointestinais, com surgimento de dor abdominal, disenteria, vômitos, febre alta e tenesmo.As infecções associam-se à ulceração da mucosa retal, desidratação e em alguns casos há artrite reacional, síndrome de Reiter, megacólon tóxico e até miocardite. A complicação que mais ocorre na faixa etária pediátrica é a convulsão, esta atribuída às propriedades neurotóxicas da toxina da Shigella. O diagnóstico da intoxicação alimentar por Shigella é feito através do isolamento da bactéria em coproculturas. A identificação do organismo nos alimentos tem baixa sensibilidade e os procedimentos nesta área ainda são escassos. 
Atualmente prefere-se usar antibióticos em pacientes graves, para diminuição da transmissão da doença. O tratamento pode ser feito com Ampicilina 100 mg/kg/dia ou sulfametoxazol-trimetropim na dose de 40mg/kg/dia de sulfametoxazol, ou ainda o ácido nalidíxico na dose de 55 mg/kg/dia durante 5 dias. Alguns estudos tem utilizado ciprofloxacina com bons resultados. Nos casos graves, com evidência de disseminação hematogênica da infecção e sepse, estão indicadas as cefalosporinas de terceira geração. 

Outras Bactérias:
Outras bactérias menos comumente podem relacionar-se a quadros de intoxicações alimentares tais como:
  • Escherichia coli enteroinvasiva, presente na água e em alimentos como queijos, esta bactéria tem caráter invasivo e não produz toxinas, mas produz um quadro clínico semelhante à intoxicação pela Shigella spp. 
  • Escherichia coli enteroagregativa, cuja via de transmissão também é fecal-oral, com a exposição dos alimentos ocorrendo através da água. O quadro clínico também é o de uma gastroenterite autolimitada. 
  • Aeromonas spp: bactéria gram negativa, aeróbica facultativa, móvel, presente no solo e na água doce, cujos surtos de infecção ocorrem tanto no inverno quanto no verão, através da contaminação de produtos frescos como carnes e alimentos de consumo diário.O quadro clínico é de diarréia aquosa, dor abdominal, náuseas, vômitos e febre. 
A presença da bactéria nas fezes não confirma o diagnóstico, uma vez que podem existir portadores sadios. Os testes imunológicos confirmam a infecção recente. O curso da doença é autolimitado e o tratamento é de suporte não necessitando antibioticoterapia.

Intoxicação Alimentar por Vírus:
  • Os vírus vem sendo considerados agentes importantes nos quadros de intoxicação alimentar nos últimos anos. O primeiro vírus descrito neste contexto foi o poliovírus, cuja transmissão foi descrita em água em leite não pasteurizado. 
O vírus da hepatite A foi descrito como agente de intoxicação alimentar, pela transmissão oro-fecal desde 1940 e sua incidência continua grande nas áreas endêmicas dos países em desenvolvimento, apesar da disponibilidade de uma vacina eficaz.A transmissão das viroses de origem alimentar ocorre geralmente pela rota fecal-oral, sendo o homem um reservatório importante dos vírus da hepatite A e dos calcivírus sendo hoje os principais agentes inseridos neste contexto. 
  • As viroses associadas à gastroenterite aguda mostram um perfil epidemiológico característico, sendo os principais agentes deste quadro os Rotavírus, Astrovírus, Adenovírus e calicivíurus. As intoxicações ocorrem freqüentemente em escolas, restaurantes ou em viagens.
Calcivirus:
  • Este é um grupo de vírus bem estudado, nos casos de gastroenterite em humanos. São vírus do tipo RNA e sem envelope, e cujo protótipo desta família é o vírus Norwalk. Este vírus foi descrito inicialmente em 1972 e vem sendo encontrado universalmente, sendo responsável pelos casos de intoxicações alimentares epidêmicas, especialmente em ambientes confinados, como em viagens de navio. 
O período de incubação é de 24 a 48 horas e os principais sintomas são náuseas, vômitos, dor abdominal, astenia e diarréia aquosa, sem a presença de sangue ou leucócitos no exame de fezes. 
  • A transmissão ocorre através da água e alimentos contaminados com fezes, como peixes mal cozidos, sorvetes e saladas. A doença é autolimitada e tem resolução em 24 horas. O diagnóstico específico é difícil e realizado através de microscopia eletrônica e de técnicas de reação de polimerase em cadeia. O tratamento é de suporte, prevenindo e tratando a desidratação.
Rotavírus:
  • Os rotavírus do grupo A representam o principal grupo de agentes causadores de diarréia aguda nas crianças em todo o mundo, causando infecção em mais de 90% das crianças até os três anos de idade. Nos países desenvolvidos são os principais agentes etiológicos das gastroenterites infantis e nos países em desenvolvimento também são extremamente freqüentes, sendo em algumas áreas só ultrapassados, em freqüência, pela E. coli enteropatogenica. Os rotavírus são vírus RNA, membros da família dos Reoviridae e possuem elevada afinidade pelas células epiteliais da mucosa intestinal.
Os rotavírus são classificados em 6 sorogrupos (de A a F), baseando-se no genoma e em propriedades antigênicas, entretanto, apenas os sorogrupos A e C foram descritos em humanos, e o sorotipo A é o que mais se associa à doença de origem alimentar. 
  • A principal rota de transmissão é a fecal-oral, sendo os alimentos contaminados em geral por cozinheiros infectados. O período de incubação varia de 1 a 3 dias e as principais manifestações são de vômitos, diarréia aquosa e febre baixa. A intolerância transitória à lactose pode ocorrer, sobretudo nos pacientes pediátricos muito jovens.
O quadro clínico é autolimitado e o diagnóstico é feito através da pesquisa do agente nas fezes, através de técnicas de microscopia eletrônica, PCR, eletroforese em gel de RNA ou Elisa. O tratamento consiste na prevenção e tratamento da desidratação e dos distúrbios hidroeletrolíticos.
  • As crianças hospitalizadas com quadros de desidratação grave, portadoras do rotavírus, devem ter isolamento entérico para evitar surtos de infecção hospitalar.
Vírus da Hepatite A:
  • O vírus da hepatite A é do tipo RNA, da família do picornavírus, cuja distribuição é universal. A principal via de transmissão do vírus é fecal-oral, por isso tem sido descrito como agente de intoxicação alimentar.
Os alimentos mais freqüentemente associados à contaminação com os vírus a da Hepatite são: mariscos, leites, saladas de batata e suco de laranja. Recentes dados de literatura têm implicado o consumo de morangos e framboesas como fontes de intoxicação. 
  • O período de incubação após a exposição é em média de 30 dias (variando de 15 a 50 dias). Durante o período de doença, a maioria das crianças é assintomática; aquelas que desenvolvem sintomas, habitualmente apresentam quadro de hepatite aguda, com icterícia, colúria, hipocolia fecal, dor abdominal, febre e astenia. O vírus pode ser detectado nas fezes durante este período e até 1 semana do inicio dos sintomas.
O diagnóstico é feito através da sorologia para o vírus, com positividade dos anticorpos da classe IgM. As técnicas de PCR podem ser utilizadas para detecção do vírus nas fezes e no soro. O tratamento é feito com uso de sintomáticos, apenas quando necessário, pois deve-se evitar administrar medicamentos e o isolamento entérico deve ser instituído de 7 a 10 dias após o início dos sintomas. 
  • A profilaxia com o uso de vacinas pode ser instituída para os contactantes recentes e para os indivíduos que ainda não tiveram a doença e que vão viajar para áreas de conhecida endemicidade do vírus. Cada vez menos se emprega a imunoglobulina pós-exposição.
Protozoários como causa de Intoxicações Emergentes:
Cryptosporidium parvum:
  • O Cryptosporidium é um protozoário capaz de causar doença, mesmo em indivíduos imunocompetentes. A contaminação dos alimentos ocorre muitas vezes através do contato com fezes de gado. Clinicamente a doença se manifesta com diarréia, náuseas, dor abdominal e vômitos. Alguns indivíduos são assintomáticos, outros apresentam diarréia autolimitada e outros ainda, sobretudo aqueles com comprometimento imunológico, tendem a fazer quadros de diarréia persistente ou crônica.
O micro-organismo é ingerido na forma de oocistos e libera os esporozoítos que invadem as células epiteliais intestinais de forma superficial. O diagnóstico é feito através da identificação dos cistos ou esporozoítos nas fezes, por técnicas de imunofluorescência ou através de ensaios imunoenzimáticos.
  • Trata-se de uma doença autolimitada, que dura de 1 a 3 semanas em indivíduos imunocompetentes. Pode causar má-absorção e desnutrição importantes em pacientes imunodeprimidos.
Não existe tratamento específico, várias drogas têm sido tentadas para os pacientes com quadros de diarréia prolongada, além dos cuidados de hidratação, analgesia e correção das deficiências nutricionais.

Giardia lamblia:
  • É provavelmente o protozoário entérico mais encontrado mundialmente. Embora esteja mais relacionado à contaminação hídrica, existem relatos de surtos de intoxicação alimentar por giardia. A giardíase é altamente contagiosa e 10 a 25 cistos são suficientes para causar infecção. A doença ocorre após a ingestão dos cistos, que no intestino delgado liberam trofozoítos e em 1 a 3 semanas inicia-se a sintomatologia gastrointestinal, com distensão abdominal, dor abdominal, náuseas, diarréia e em casos de grandes infestações a giardíase causa síndrome de má-absorção, que em crianças pequenas determina comprometimento nutricional em pouco tempo. 
O diagnóstico é feito pela identificação de cistos ou trofozoítos nas fezes. Em geral são necessárias várias amostras de fezes frescas para identificar a giárdia. As técnicas imunoenzimáticas para detecção dos antígenos da giárdia nas fezes e em aspirado duodenal apresentam sensibilidade e especificidade elevadas. 
  • O tratamento é feito com o uso de derivados imidazólicos como: Metronidazol na dose de 15 a 20 mg/kg/dia de 12/12horas por 5 dias, tinidazol 50mg/kg/dose dose única, nimerozol 15-20mg/kg/dia de 12/12 horas por 5 dias, ou secnidazol na dose de 30 mg/kg/dia dose única.
Entamoeba histolytica:
  • Este é um dos importantes agentes parasitários, responsável por cifras significativas de morbimortalidade. 6 A contaminação dos alimentos ocorre através da via fecal-oral e através do consumo de frutas e vegetais crus contaminados com a água contendo cistos do protozoário. Após a exposição, os cistos no intestino delgado liberam os trofozoítos, que colonizam o intestino grosso e se multiplicam ou encistam. Os trofozoítos têm capacidade de invadir a mucosa intestinal do hospedeiro, causando ulceração, invadindo a circulação, podendo atingir os vasos portais, onde eventualmente causam abcessos hepáticos. 
A colite amebiana geralmente se inicia de modo insidioso com cólicas, evacuações com muco e sangue e tenesmo associado. A febre é menos comum, mas pode estar presente. As complicações mais temidas, principalmente em crianças pequenas é a invaginação, a perfuração intestinal ou a peritonite. O diagnóstico é feito através do achado de cistos ou trofozoítos nas fezes, e com os testes sorológicos como hemaglutinação e imunofluorescência, que auxiliam no diagnóstico das formas invasivas. 
  • O tratamento é feito com derivados imidazólicos como: Metronidazol na dose de 35 mg/kg/dia de 8/8horas por 7 dias, tinidazol 50mg/kg/dose dose única, ou secnidazol na dose de 30 mg/kg/dia dose única. Nos casos de doença intestinal grave, recomenda-se o uso de metronidazol, por via parenteral na dose de 50mg/kg/dia de 8/8 horas durante 10 dias. 70 Após o esquema com os nitrimidazólicos, deve-se utilizar os derivados da dicloroacetamida.
Cyclospora cayetanensis:
  • Parasita recentemente descoberto nos alimentos, responsável por alguns surtos de intoxicação alimentar após ingestão de framboesas e carnes mal cozidas na América do Norte. O período de incubação é por volta de uma semana e causa doença autolimitada, com surgimento de náuseas, vômitos e dor abdominal.
O diagnóstico é feito pelo achado do oocisto nas fezes com técnicas de microscopia eletrônica.A infecção é tratada com as doses habituais de sulfametoxazol-trimetropim. 

As Helmintíniases e a  Doença Alimentar:
  • Os helmintos também podem ser citados como causas de intoxicação alimentar, pela forma habitual de contaminação do ser humano.
A taenia saginata é adquirida através do consumo de carne de boi mal cozida; a Taenia solium através do consumo da carne de porco mal cozida; o Trichiurus trichiura através da contaminação dos alimentos crus, contaminados com material fecal humano contendo ovos do agente; o Ascaris lumbricoides pela ingestão de alimentos contaminados com os seus ovos.

Agentes Químicos:
  • Os agentes químicos são encontrados com freqüência nos nutrientes e são empregados para conservar e melhorar a qualidade dos alimentos. Muitas vezes podem ser responsáveis por quadros de intoxicação alimentar. Os principais agentes relacionados à intoxicação alimentar são os metais (arsênico, antimônio, cadmio, cobre, zinco, chumbo, mercúrio e estanho), os flavorizantes (glutamato monossódico), os pesticidas e os detergentes.
A contaminação dos alimentos pode ocorrer no ambiente doméstico, em restaurantes, ou nos processos de fabricação ou estocagem. Vale a pena estar atento para estas possibilidades diante de uma criança com quadro sugestivo.

Intoxicação por Metais Pesados:
  • Os metais são substâncias inorgânicas, amplamente distribuídas na natureza, alguns encontrados facilmente no solo, contaminando portanto facilmente os alimentos. No entanto, sabe-se que os equipamentos e utensílios usados na indústria alimentícia, bem como o uso de embalagens inadequadas, são responsáveis pela contaminação dos alimentos por metais.
Os alimentos ácidos (pH< 4,6), quando em contato com superfícies metálicas, causam corrosão da superfície, liberando o metal que, por sua vez, contamina então os alimentos. Os sucos de frutas, tortas de frutas, produtos à base de tomates, repolho cozido e bebidas carbonadas, são alvos potenciais de contaminação desta natureza.De um modo geral, a intoxicação por metais pesados causa sintomas de modo muito rápido, e dentre eles estão sobretudo os sintomas digestivos, como náuseas, vômitos e dor abdominal.
  • O arsênico está presente nos alimentos na forma de um metal pentavalente. O FDA determinou um limite de 2, ppm para este metal, entretanto em frutos do mar, este metal tem sido demonstrado muitas vezes em concentrações tão elevadas quanto 40 a 170 ppm. Felizmente, nesta forma pentavalente, o arsênico
tem baixa toxicidade, causando intoxicações apenas em indivíduos, cujo consumo de frutos do mar é excessivo. Quanto à exposição crônica ao arsênico, têm sido relatados casos de câncer de pulmão, de pele, leucemia e bócio. A contaminação dos alimentos pelo referido metal ocorre através da água contendo resíduos industriais ou através de fungicidas.
  • Os grãos contaminados com fungicidas são fontes referidas também na intoxicação por mercúrio em animais. O intervalo entre a exposição e o início de manifestações clínicas ocorre dentro de uma semana ou mais. Os principais sintomas são neurológicos com aparecimento de torpor, fraqueza, parestesias, paralisia espástica e alterações visuais. O tratamento da intoxicação mercurial é difícil e os agentes quelantes usados como penicilamina e EDTA têm eficácia variável.
Intoxicação por  Pesticidas:
  • Neste grupo de agentes como causas de intoxicações alimentares estão incluídos os inseticidas, os fungicidas, os herbicidas, dentre outros. São produtos utilizados na agricultura para facilitar o cultivo e processamento dos alimentos. A intoxicação tanto pode ocorrer pelo excesso destas substâncias usadas no cultivo dos alimentos ou por contaminação, através das mãos de agricultores que lidam com a referida substância.
Os principais agentes químicos que se enquadram nesta categoria são: os organofosforados, os carbamados e os hidrocarbonetos clorados. A intoxicação por organofosforados ocorre após alguns minutos da exposição, com o aparecimento quase que imediato de náuseas, vômitos, cólicas estomacais, diarréia, cefaléia, visão borrada, dor torácica, confusão mental e convulsões; tais manifestações ocorrem por uma inibição da colinesterase. O tratamento inicial é de suporte com controle das vias aéreas, oxigenação e hidratação, realização de esvaziamento gástrico, correção de distúrbios hidroeletrolíticos e uso de atropina, na dose de 0,05mg/Kg intravenoso, repetido a intervalos de 5 minutos, até surgirem os sintomas de atropinização. 
  • A intoxicação por carbamatos ocorre após 30 minutos da exposição com sintomas semelhantes aos da intoxicação pelos organofosforados, porém com excesso de sudorese e salivação. A intoxicação por hidrocarbonetos clorados, como o lindano e metoxiclor, determina um quadro de náuseas, vômitos, confusão mental, fraqueza muscular e crises convulsivas. O início dos sintomas ocorre entre 30 minutos e 6 horas após a exposição. O tratamento inicial é de suporte com controle das vias aéreas, oxigenação e hidratação, realização de esvaziamento gástrico e correção de distúrbios hidroeletrolíticos.
Aditivos Alimentares Internacionais:
  • Os aditivos alimentares são amplamente utilizados na indústria alimentícia com o objetivo de melhorar o sabor, o aroma e a consistência dos alimentos e evitar a decomposição e o crescimento de microorganismos patogênicos. Entre os principais aditivos relacionados mais freqüentemente às intoxicações alimentares, pode-se citar o glutamato monossódico, os sulfatos, o ácido nicotínico e o nitrito de sódio.
O glutamato monossódico é um aditivo alimentar em pó, usado na indústria alimentícia como flavorizante. Os indivíduos sensíveis quando ingerem 1,5-3,0 g de glutamato com o estômago vazio, apresentam uma reação conhecida como “síndrome do restaurante chinês” , que ocorre entre 2 a 24 horas após exposição e se caracteriza por uma sensação de queimor, rubor, opressão da pele, cefaléia, sudorese, taquicardia e náuseas. Em crianças são descritos calafrios, irritabilidade, dores abdominais, agitação e delírio. Os sintomas desaparecem em cerca de 4 horas e não há tratamento específico.
  • Os sulfitos são aditivos empregados como preservativos alimentares e para intensificar a cor das carnes, vinho tinto e vegetais; são bastante conhecidos por desencadear crises de broncoespasmo em pacientes asmáticos. As doses necessárias para desencadear a referida reação são individuais, porém uma dose média de 130mg de sulfito pode causar uma reação grave. Por estas razões, o FDA proibiu o uso de sulfitos em frutas frescas e vegetais servidos em restaurantes desde 1986. O importante para pacientes asmáticos é que, estes podem desencadear crises, mesmo com apenas resíduos de sulfitos contidos nos alimentos, por isso o FDA exige atualmente que os fabricantes informem nos rótulos, quando a concentração de sulfito for superior a 10 ppm. Crianças e adolescentes asmáticos devem ficar atentos ao consumo principalmente de frutas desidratadas, já que são alimentos que certamente contêm sulfitos na sua conservação. 
O ácido nicotínico, também conhecido como niacina é encontrado em produtos de padaria e alimentos para bebês. Os erros de dosagens na adição desta vitamina aos alimentos, causa sintomas como náuseas, rubor, sensação de calor, prurido, dor epigástrica, edema de face e joelhos, e estes ocorrem em cerca de 1 hora após a exposição. O nitrato é um aditivo utilizado para conservar a carne, incorporar a cor vermelha, melhorar o sabor, além de prevenir e proteger contra o crescimento do Clostridium botulinum.
  • Os níveis elevados de nitratos (300mg/kg/dia), associam-se aos quadros de intoxicações. A toxicidade ocorre pela redução a nitrito, que possui ação vasodilatadora e metahemoglobinizante, causando sintomas mais sérios, principalmente em crianças com deficiência de G6PD. A intoxicação por nitratos se manifesta dentro de 1 a 2 horas após a exposição com náuseas, vômitos, cianose, tontura, fraqueza e perda de consciência.
Toxinas Naturais presentes no Vegetais:
  • Vários vegetais domésticos contém naturalmente alguns agentes químicos que atuam patologicamente, quando são consumidos em excesso. As principais substância envolvidas são os alcalóides pirrolizidímicos, as solaninas, as saponinas, as hemaglutininas e os cianetos.
Os alcalóides pirrolizidímicos estão presentes principalmente nos vegetais da família das boragináceas, das campositáceas e das leguminosas. As manifestações gastrointestinais nos quadros de intoxicações alimentares por estes alcalóides, consistem em dor abdominal, vômitos e ascite. Trata-se de uma intoxicação grave ocorrendo óbito entre 2 semanas e 2 anos após a exposição contínua, já que esta substância é hepatotóxica. A doença aguda tem sido comparada à doença veno oclusiva hepática e se inicia com dor abdominal, febre, alteração da função hepática e em alguns casos ocorre edema pulmonar e derrame pleural.A ingestão crônica de pequenas quantidades de alcalóides tem se associado à fibrose hepática e à cirrose. A toxicidade parece ser decorrente dos metabólitos do alcalóide, que têm propriedades lesivas para os tecidos. Estes alcalóides podem ser identificados através de técnicas de cromatografia de camada fina. Existem poucos casos documentados desta intoxicação em humanos; a maioria dos casos descritos, estavam relacionados ao consumo de chás medicinais. 
  • A solanina é encontrada em numerosos vegetais da família das solanáceas e neste grupo, o principal vegetal é a batata. A solanina é um glicoalcalóide que está presente na batata e no caule e folhas do tomate, e que quando consumida em excesso causa intoxicação. Os principais sintomas desta intoxicação alimentar são representados por anorexia, náuseas, vômitos, cólicas, diarréia e alguns sintomas neurológicos como cefaléia, confusão mental, delírios e alucinações. As solaninas são encontradas em teor variado nas batatas, e sua concentração aumenta quanto mais verde o vegetal estiver, na forma de brotos e nas condições de infecções fúngicas do vegetal. O tratamento é feito com sintomáticos , pois não existem antídotos específicos. 
As saponinas são toxinas do grupo dos glicosídeos, têm gosto amargo e são termolábeis. São encontradas principalmente na alfafa, aspargo, beterraba, espinafre e soja. A toxicidade pode ocorrer apenas quando os vegetais são consumidos crus e em excesso. Esta toxina tem propriedades hemolisantes, porém a sintomatologia se inicia no trato gastrointestinal com náuseas, vômitos, cólicas abdominais e diarréia.
  • As hemaglutininas são substância que têm propriedade de aglutinar as hemácias. São encontradas em várias espécies de feijão, lentilha e soja. Estas toxinas são termolábeis e sofrem inativação natural no trato gastrointestinal. A toxicidade tem sido descrita quando os alimentos são consumidos crus ou mal cozidos. Os principais sintomas são náuseas, vômitos, cólicas abdominais e diarréia. Geralmente não têm sido documentados fenômenos hemolíticos, a não ser pelo consumo de fava.
Os cianetos estão presentes em uma variedade de vegetais, tais como: mandioca, bambu, sementes de pêssego, ameixa, pêra, maçã e limão, e também nas sementes, em menor quantidade que na mandioca. Nesta categoria, a mandioca é o principal alimento relacionado a esta intoxicação no Brasil. A mandioca é um vegetal da família das euforbiáceas, e o quadro de intoxicação pode se desenvolver quando há o consumo da planta crua ou pela confusão feita entre as variedades tóxica e comestível. Os casos de intoxicação por mandioca geralmente acomete mais de um membro da família. A diferença entre as espécies comestível e tóxica é difícil, por ambas são morfologicamente semelhantes; ainda assim, a depender das características de cultivo, clima e tipo de solo, a variedade comestível pode torna-se tóxica e vice-versa. O córtex da raiz da mandioca pode conter até 2mg/g de cianeto. Os riscos de intoxicação diminuem após a lavagem excessiva da planta, cozimento rigoroso, moagem e maceração. 
  • O ácido cianídrico atua sobre os sistemas enzimáticos determinando anóxia celular. As principais manifestações são de náuseas, vômitos e cólicas intestinais, que podem ou não estar associadas às manifestações neurológicas como vertigem, crises convulsivas, cianose e até óbito. A conduta diante dos casos de intoxicação aguda é realizar lavagem gástrica com permanganato de potássio, na diluição de 1:5000 ou com água oxigenada a 15%, se o paciente estiver consciente. O tratamento é feito com o suporte das vias aéreas, hidratação e correção de distúrbios hidroeletrolíticos. O tratamento específico pode ser feito com o uso de nitrito de sódio a 3% por via endovenosa, na dose de 1 a 10 ml; o nitrito causa metahemoglobinemia e determina competição entre o ferro do sangue e das enzimas respiratórias, que são inibidas pelo cianeto. Se a metahemoglobinemia for intensa, pode-se utilizar o azul de metileno, na dose de 1 a 2 mg/kg, intravenoso.
Prevenção e  Perspectivas Futuras:
  • Recentes estimativas americanas indicam que anualmente são registrados cerca de 76 milhões de casos de intoxicação alimentar, e claramente a magnitude destas cifras cresce a cada ano .A prevenção das intoxicações alimentares depende de medidas de controle que envolvem muitos fatores, desde a coleta até a armazenagem e distribuição dos alimentos, o seu transporte e distribuição, o seu preparo e conservação, além das condições de vida, higiene e educação da população. Com a evolução tecnológica, medidas como refrigeração,pasteurização de leite e monitorização e controle na conservação de frutos do mar, têm exercido um impacto na diminuição das epidemias e fatalidades por doença alimentar em muitas áreas geográficas. 
Os trabalhadores que manipulam os alimentos podem reduzir os riscos de intoxicação pelos cuidados de higiene, pelo uso de equipamentos como luvas e máscaras. A contaminação cruzada é prevenida pela lavagem rigorosa das mãos durante o preparo dos alimentos caseiros.  Quanto à população pediátrica, os pais ou responsáveis, devem ter o cuidado de oferecer às crianças, alimentos de procedência conhecida e confiável, de preferência cozidos, evitando o consumo de mariscos fora do ambiente doméstico para lactentes ou pré-escolares e evitando a oferta de mel de abelhas para os menores de 1 ano.
  • Recentes pesquisas estão sendo feitas no sentido de proporcionar à população, alimentos cada vez mais seguros. Novas estratégias têm sido estudadas para o controle dos patógenos relacionados com as intoxicações alimentares. 
Muitos autores concordam que a principal estratégia é representada pela educação dos profissionais que trabalham diretamente com a produção e a manipulação dos alimentos; em 1997 campanhas educativas foram realizadas para trabalhadores e empresários desde a produção até a estocagem e venda dos alimentos, e tais estratégias tiveram um impacto positivo na prevenção da doença alimentar.
  • Atualmente no Brasil, o setor responsável pelos casos das intoxicações alimentares é o sistema nacional de vigilância sanitária, coordenado pela Agência nacional de vigilância sanitária, que trabalha através de sistemas de inspeção, diretrizes e leis, além de informes educativos com manual de orientação ao consumidor e às indústrias, e através do fornecimento de informes técnicos sobre as doenças. Estas informações podem ser obtidas através do telefone (61) 448-13 27. 76
As em todos os lugares, aumentando sua chance de ocorrência a depender da presença dos fatores de risco relacionados com o ambiente, o hospedeiro e o agente. A principal estratégia para a diminuição da sua incidência, sobretudo na população pediátrica, é representada pela prevenção, através do consumo de alimentos bem preparados e adequados para cada faixa etária, bem como a utilização sistemática de medidas higiênicas.

Os primeiros socorros para a intoxicação alimentar são deixar o indivíduo vomitar e evacuar quantas vezes forem necessárias e depois disso acalmá-lo e deixá-lo em repouso.