Da civilização do petróleo a uma nova civilização verde
Ignacy Sachs é professor honorário na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS) em Paris e co-diretor do seu Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo (CRBC). @ – ignacy.sachs@ehess.fr
Estudos Avançados (55), 2005
- Há pouco tempo, a Agência Internacional de Energia, em Paris, um apêndice da OCDE, organizou um seminário internacional sobre as opções de biocombustíveis, co-organizado por essa agência, pela Fundação das Nações Unidas e pelo governo brasileiro.
O Brasil esteve representado por uma delegação importante, chefiada pelo Ministro Rodrigues. Em certo sentido, esse seminário marca a maioridade dos biocombustíveis, ou, pelo menos, assinala uma situação nova, que se explica pela conjunção de três fatores:
- Um número bastante grande de geólogos acredita que o pico da produção mundial de petróleo vai acontecer dentro de dez a vinte anos. Isso não significa que o petróleo vai desaparecer, mas que hoje, aparentemente, as novas reservas não compensam a extração, de modo que estamos instalados num período de esgotamento das reservas de petróleo que pode durar um século. Isso, todavia, não tem importância, e sim que estamos instalados de uma maneira duradoura em preços altos provocados por uma oferta que vai diminuir e uma demanda que continua, ainda, a aumentar. Esse é o primeiro fator, os preços do petróleo bateram os sessenta dólares o barril, muito acima daquilo que torna os biocombustíveis competitivos. E se se trata de um fenômeno razoavelmente duradouro, estamos entrando numa nova época.
- A segunda razão é geopolítica, ou seja, os custos cada vez maiores que os Estados Unidos e seus aliados têm na manutenção das linhas de abastecimento a partir do Médio Oriente. Há um número cada vez maior de especialistas norte-americanos que acha que é melhor investir nas alternativas do que continuar a administrar essa situação.
- A terceira razão, que eu considero muito importante, embora eu não creia que ela tenha precipitado a nova situação, é o problema ambiental. Aí é evidente que mesmo que fosse realizado integralmente o Protocolo de Kyoto ainda seria altamente insuficiente em termos da redução das emissões de gases de efeito estufa. Esses três fatores juntos fizeram com que, recentemente, Amory Lovins, eminente especialista norte-americano de questões energéticas, publicasse um livro. Nos anos de 1970, Lovins escreveu um outro, chamado The Soft Energy Paths, e depois foi co-autor de um livro muito discutido por ambientalistas,
- O fator 4, ou seja, como dobrar a produção mundial reduzindo pela metade os insumos, em particular os energéticos. O novo livro tem um título muito significativo, qual seja, Winning the Oil Endgame ou seja, a partida final, a fase final da liquidação do petróleo, não porque ele vai desaparecer, mas por que nenhuma das grandes revoluções energéticas do passado aconteceu por esgotamento do recurso, e sim quando surgia outro mais eficiente e mais barato.
O interessante é que o relatório do Lovins foi co-financiado pelo Pentágono e prefaciado por George Schultz, um dos grandes ministros republicanos de Reagan. Quase simultaneamente, o Departamento de Agricultura e o de Energia do governo norte-americano publicaram um relatório no qual dizem que é possível, em 25 anos, tornar os Estados Unidos independentes da importação de petróleo, por meio de um gigantesco programa de produção de biocombustíveis, que vai envolver um bilhão de toneladas secas de biomassa por ano.
- O argumento do Lovins, que vai no mesmo sentido, está apoiado essencialmente num technological fix, uma nova geração de veículos ultraleves que vão pesar muito menos que os nossos automóveis de hoje e que, portanto, vão consumir menos da metade do que hoje consome um carro. 50% a partir disso, 25% de redução a partir do programa de biomassa e 25% a partir de um uso mais eficiente do gás e, ao mesmo tempo, a utilização dos excedentes de gás para a produção de hidrogênio. Essa é, em poucas palavras, a Proposta Lovins.
A proposta dos departamentos de agricultura e energia para satisfazer 25% dessa demanda atual pelos biocombustíveis líquidos está baseada numa outra inovação tecnológica importante, que o Brasil, aliás, já conhece, mas que eu creio que não pratica ainda, que é a produção do etanol celulósico, ou seja, a produção do etanol a partir da celulose.
- O que permite pensar numa base de matéria-prima totalmente diferente da atual, porque todos os resíduos vegetais se tornam uma matéria-prima para produção do etanol celulósico. Aliás, naquele estudo norte-americano, o milho, que hoje é a principal base da produção de álcool nos Estados Unidos, passa a ser 5 a 6% da base, e quase a metade são resíduos vegetais.
Portanto, temos duas inovações tecnológicas de monta, a nova geração de automóveis e um novo tipo de combustível, ou seja, o etanol celulósico. A Dedini tem uma patente para fazer o etanol a partir do bagaço que é exatamente este caso. Pelos dados que estão publicados, isso permitiria dobrar praticamente a produção de álcool a partir da tonelada de cana, 90% a mais. Esse é o panorama internacional.
- Evidentemente, dentro desse panorama explica-se o interesse pelo Brasil como país pioneiro que tem trinta anos de experiência em matéria de Pro álcool, aliás, duplo interesse: o primeiro para entender melhor a experiência brasileira que foi muito bem apresentada pela delegação brasileira, na figura do Dr. Gylvan; e a outra coisa, já que o Brasil é tão competitivo em etanol, por que não pensar num grande mercado mundial, uma nova commodity que é o etanol?
Vamos comprar o etanol barato dos países do Sul para alimentar os carros do Norte? Isso, inclusive, explica por que havia na mesa as companhias de petróleo, e duas grandes montadoras de automóveis, a Peugeot e a Toyota, que co-financiaram aquele evento. Duas observações fundamentais fazem-se necessárias nesta altura. A primeira adverte que não se deve reduzir a questão da saída da civilização do petróleo unicamente aos problemas tecnológicos de modificação da construção do carro, ou da produção de um novo combustível.
- É óbvio que o problema tem que ser recolocado dentro de uma perspectiva muito mais ampla de uma estratégia energética, onde a variável principal é aquela energia que é não poluente, e muitas vezes a mais barata, ou seja, aquela energia que se deixa de consumir. É preciso considerar a conservação da energia e a redefinição do perfil da demanda energética através da discussão dos estilos de vida, do papel do transporte, da substituição do transporte individual etc.
Toda a discussão sobre a feição futura da cidade faz parte desse problema mais geral do qual a construção de veículos mais eficientes e a produção de biocombustíveis é parte importante, mas não resolve todo o problema. A segunda observação, ainda mais importante, diz que, em vez de tratar os biocombustíveis como um mercado que se abre para uma commodity e que será produzida por monoculturas voltadas essencialmente para a eficiência econômica do processo, prefiro colocar os biocombustíveis dentro de uma visão mais ampla do que eu chamo de civilização moderna de biomassa.
- Se estamos realmente começando a entrar na fase final da civilização do petróleo – podemos dizer que estamos saindo de um interlúdio de vários séculos que foram dominados, primeiro pelo carvão e depois pelo petróleo – e estamos voltando, em certo sentido, para a energia solar, captada pela biomassa. Só que não estamos voltando para trás, mas estamos construindo uma nova civilização de biomassa, onde há as conquistas da Ciência, em particular da Biologia.
As novas gerações de biotecnologias estão chamadas a ocupar um lugar cada vez mais importante: estamos, portanto, voltando à civilização movida pela energia solar, a um nível infinitamente superior da espiral dos conhecimentos. Porque a civilização de biomassa permite produzir não só alimentos para o homem, mas também forragem para os animais, materiais de construção, adubos verdes, biocombustíveis, matérias-primas industriais (fibras, plásticos etc.), fármacos e cosméticos.
- É um leque extremamente amplo de produtos derivados da biomassa e potencializado pelo uso de biotecnologias nas duas pontas do progresso: para aumentar a produtividade da biomassa e para ampliar o espectro dos produtos dela derivado. A questão central é saber de quantos recursos de solos cultiváveis podemos dispor.
Aí as opiniões divergem muito, há toda uma corrente de ambientalistas, como Lester Brown, que acha que vamos ter falta de solos cultiváveis para produzir os alimentos para a humanidade. A FAO tem uma posição diametralmente oposta ao malthusianismo do Lester Brown. Examinei, em particular, um estudo prospectivo recente da FAO segundo o qual, sobretudo na América Latina e na África, estamos usando apenas 20% dos solos disponíveis.
- Não quero avançar demais na avaliação desse um tópico absolutamente fundamental para discutir as perspectivas de uma civilização moderna de biomassa. Mas esse tema não deve ser abordado com uma visão de justaposição de monoculturas, e sim dentro de um contexto mais complexo de sistemas integrados de produção de alimentos e energia. Foi um programa que dirigi na Universidade das Nações Unidas há quinze anos, chamado
“O nexo entre alimentos e energia” que me fez pensar muito no modo pelo qual se articulam as diferentes produções dentro de sistemas integrados. Por outro lado, deve-se obviamente introduzir nesse debate aquilo que os agrônomos franceses chamam de revolução duplamente verde, e que o agrônomo indiano mundialmente conhecido, MS Swaminathan chama de “Evergreen Revolution”, ou seja, a segunda geração da revolução verde que ultrapassa a primeira (que tinha um aspecto essencialmente produtivista) e propõe uma agricultura que busca rendimentos razoáveis mas, em harmonia com a natureza, e, sobretudo, orientada para os pequenos produtores, os agricultores familiares.
- Esse debate sobre a civilização de biomassa, na realidade, permite atacar um dos grandes problemas do século, se não o maior, o mais difícil, o problema social por excelência que é a questão de emprego, de trabalho decente para todos; e dentro desse tema, a questão de um futuro para os dois bilhões de pequenos agricultores e suas famílias.
É totalmente absurdo pensar o futuro deste século sem ver que o problema de desenvolvimento rural continua a ser um problema crucial, não dá para jogar toda essa gente nas favelas, e se por acaso o forem, vamos ter que administrar uma tragédia de proporções inéditas. Junto a esse primeiro problema, o problema social, temos o ambiental. Devemos sair o quanto antes da emissão de gases de efeito estufa, sair das energias fósseis.
- O terceiro problema, que já mencionei, é geopolítico. Enquanto persistimos na geopolítica atual do petróleo, corremos o risco de ir de uma guerra a outra, com incertezas e custos enormes decorrentes da concorrência das grandes potências industriais pelo controle das fontes de petróleo. É na intersecção desses três problemas que reside a problemática que estou discutindo.
O importante é entender corretamente todos os deslocamentos que podem ocorrer no uso de solos. Porque se eu passar a produzir o essencial do etanol a partir dos resíduos vegetais, não vou gastar hectares com essa produção.
- Se, para dar o exemplo de um projeto que visitei em abril, no sul da Bahia, eu conseguir produzir proteína animal criando peixes em gaiolas alimentados unicamente com folhas de bananeira e folhas de mandioca, essa proteína não vai competir pelos solos que são necessários para produzir a carne de boi. A passagem da criação extensiva de gado à criação de gado semiconfinado e confinado é uma das variáveis nesse debate sobre as terras disponíveis.
Portanto, sem prejulgar quais são os países que têm a capacidade de substituir 100% o petróleo por biocombustíveis, ou quais são os países que vão ter excedentes para jogar naquele novo mercado de commodities, acho que devemos fazer análises caso por caso, país por país, e isso me permite passar para o Brasil.
- Se há um país onde a saída da civilização do petróleo é possível, eu não estou dizendo amanhã, estou falando de um período de vinte a trinta anos, este país é o Brasil. Se há um país onde se pode pensar em construir uma civilização moderna de biomassa, este país é o Brasil.
A maior reserva de biodiversidade, uma enorme reserva de terras cultiváveis sem mexer numa árvore da floresta amazônica, climas variados, uma dotação de recursos hídricos entre ótima e razoável na maioria dos territórios e um fator muito importante, uma pesquisa agronômica e biológica de classe internacional, uma indústria capaz de produzir equipamentos para a produção de etanol e para a produção de biodiesel, todos esses elementos estão presentes aqui para avançar nesse caminho.
- O fato de o país ter chegado praticamente à auto-suficiência em petróleo não significa que não se deva avançar na substituição do petróleo sempre que possível, porque esse petróleo passa a ser commodity que pode ser vendida nos mercados mundiais. Essa fase de transição da civilização do petróleo à civilização moderna de biomassa vai durar décadas.
Durante essas décadas, dá para continuar a explorar o petróleo que se tem e a vendê-lo, provavelmente, a preços altos, já que o álcool é muito competitivo com relação ao petróleo a cinqüenta dólares o barril. É óbvio que mais vale vender o petróleo por cinqüenta dólares o barril e substituí-lo dentro do país por álcool, que custa menos; e como o Brasil tem essa inovação recente que é o flex motor, não há praticamente nada que impeça avançar rapidamente na área do etanol.
- As coisas estão bem mais complicadas na área do biodiesel, porque não temos a mesma experiência. Foi criado no ano passado o Centro de Referência do Biodiesel na Esalq, mas, por enquanto, não produziu resultados definitivos: está se trabalhando sobre treze ou catorze óleos diferentes.
É evidente que o país vai ter estratégias diferenciadas por biomas, porque é uma coisa no trópico úmido, outra coisa no semi-árido, outra ainda no cerrado; certamente o óleo de dendê aparece com uma perspectiva promissora para o trópico úmido.
- Primeiro porque aí temos uma experiência estrangeira bem-sucedida que é a produção em grande escala de óleo de dendê para fins comestíveis na Malásia. Segundo porque há alguns anos estamos discutindo um modelo de reforma agrária para a Amazônia que se baseia na idéia de uma cooperativa de quinhentas famílias que recebem cada uma dez hectares para cultivar o dendê e outros dez para atividades agro-florestais e pequenas produções para autoconsumo.
Para cada área de cinco mil hectares de dendê, uma indústria nacional que dispõe de tecnologia de classe internacional nessa área, a Agropalma, se diz disposta a construir usina de esmagamento com quatro condições:
- Que ela forneça as mudas;
- Que ela forneça a assistência técnica;
- Que ela tenha exclusividade de compra;
- Que ela pague um preço calculado em percentual do preço mundial do óleo de dendê.
São propostas, a meu ver, muito razoáveis; houve um estudo feito por três especialistas conhecidos, Prof. Kageyama que está hoje no Ministério do Meio Ambiente e é da Esalq, Prof. Ademar Romeiro, da Unicamp, e o Dr. Kitamura, que dirige a Embrapa Meio Ambiente.
- Os três mostraram que dez hectares de dendê dão um emprego para um homem para o ano todo, porque é uma produção contínua. Os outros dez hectares dão o equivalente a um ou dois empregos para os membros da família, e um conjunto de quinhentas famílias cria uma vila agroindustrial onde há ainda emprego industrial no transporte, nos serviços técnicos, nos serviços sociais, no comércio, ou seja, dá uma relação de emprego por família extremamente favorável.
Essa proposta foi entusiasticamente recebida pelo governo do Amapá há uns quatro a cinco anos, estamos na estaca zero, mas é o tipo de proposta que a gente pode fazer. Já no semi-árido as escolhas devem ser diferentes. Provavelmente, em vários estados do Nordeste, a escolha vai recair sobre a mamona, sobre a qual o Brasil já tem também experiência porque a cultura de mamona foi, durante muitos anos, uma cultura de uso industrial.
- Vale a pena mencionar a última lei de incentivos que é, do ponto de vista da sua construção, muito interessante, porque ela prevê incentivos duplamente diferenciados pela região e pelo tamanho do produtor. Ou seja, incentivos fiscais fortes para o produtor familiar no Nordeste, menos fortes para o grande produtor no Nordeste, menos ainda para pequeno produtor no Sul e praticamente inexistentes para o grande produtor no Sul.
Acho que estamos com elementos para ir construindo um mapa da agroenergia no Brasil. O ministro Rodrigues está interessado em criar uma rede de instituições brasileiras que trabalham com agroenergia, e creio que entre os projetos que estão sendo contemplados está o da criação de um Instituto de Agroenergia e de uma Estação de Agroenergia na Embrapa, embora ainda bastante embrionário.
- Eu gostaria de insistir no fato de que essa nova oportunidade que geram os biocombustíveis é uma oportunidade de ouro para repensar o desenvolvimento rural, e não apenas para atender à demanda de biocombustíveis para os automóveis. Aí é que reside o problema central: como se insere essa perspectiva dentro da visão mais integrada do desenvolvimento rural?
Como se movimenta o enorme contingente de agricultores familiares que lá estão e que necessitam de serem amparados, assistidos e conduzidos para uma situação menos precária? Como se integra a produção de biocombustíveis com outras produções não só agrárias, porque o rural é muito mais do que simplesmente o agrário.
- Como se integra em tudo isso a questão do gerenciamento das florestas e de florestas de plantação, lembrando que, do ponto de vista ambiental, é sempre mais interessante lançar mão de culturas perenes do que de culturas anuais; e lembrando ainda que, ao plantar árvores, estamos gerando sumidouros de carbono e podemos, inclusive, pleitear, em certas condições, créditos de carbono, embora eu não faria disso o elemento principal.
O elemento principal é definir uma estratégia de desenvolvimento rural compatível com as condições modernas. Com a nova geração de tecnologias de comunicação podemos pensar na descentralização de uma série de atividades não-agrícolas no mundo rural, o que vai facilitar a pluri funcionalidade das famílias de agricultores, ou seja, temos um enorme conjunto de problemas que devem ser integrados entre si. Joguem sobre isso uma curva de aprendizado de inovação tecnológica.
- Onde estão as inovações tecnológicas? Qual o ritmo que podemos prever de aumento da produtividade? Porque a biotecnologia entra nessa visão nas duas pontas da produção. Ela entra de um lado para aumentar a produtividade primá- ria, embora o fato de sermos um país tropical já proporcione uma vantagem comparativa permanente.
O trópico, que foi durante décadas considerado como um obstáculo, passa a ser, ao contrário, um fator valorizado, sem esquecer o problema do controle das doenças endêmicas como parte do conjunto das questões a examinar. Por outro lado, as biotecnologias vão servir para abrir o leque dos produtos derivados da biomassa. Então onde estão as oportunidades?
- Onde se deve buscar as inovações tecnológicas? Em que momento o etanol celulósico passará a ser uma alternativa competitiva com relação ao etanol da cana? Hoje o Brasil é imbatível, segundo The Economist de Londres: um litro de etanol brasileiro custa vinte centavos de euro, um litro de etanol americano custa trinta centavos de euro e um litro de etanol na Europa custa cinqüenta centavos de euro. Mas esse é o etanol de cana de açúcar, agora, quando o etanol celulósico vai virar competitivo?
O responsável pelo financiamento de pesquisas nessa área do governo holandês, por sua vez, diz que está se abrindo uma nova possibilidade para o etanol celulósico porque estão agora trabalhando com uma enzima interessante, colhida no estrume do elefante.
- Daí acho que seria talvez importante pensar na criação de elefantes no Brasil, sem falar que o meu cenário da próxima crise econômica mundial é o seguinte: primeira fase – todos os automóveis passam a funcionar em cima do etanol; segunda fase – por excesso de zelo das agências de turismo, os safáris na África exterminam os elefantes; terceira fase: o último elefante morre e a economia mundial pára.
Voltando ao nosso tema, acho que temos que fazer uma análise das potenciais inovações tecnológicas. Temos que ter uma prospectiva de desenvolvimento territorial diferenciado por biomas, como já dito, o trópico úmido, o cerrado, o semi-árido, no mínimo. Temos uma série de pontos de entrada possíveis para poder ir construindo cenários da saída gradual do Brasil da civilização do petróleo.
- É claro que dentro dessa análise precisamos fazer a análise de disponibilidade de solos, disponibilidade de água, etc. Tudo isso para dizer que acho que chegou o momento de desenvolver um tal estudo.
O IEA é ideal para isso, para ver como organizamos os conhecimentos que já temos, como identificamos as lacunas do conhecimento para ir trabalhando e como iniciamos um debate que não deveria ser um debate brasileiro só, mas um debate internacional, não só como substituir o petróleo pelos biocombustíveis, mas sobre o modo de organizar uma estratégia de transição para uma civilização realmente sustentável e, ao mesmo tempo, socialmente includente, jogando com todas as variáveis que eu enumerei nesse texto.
Ricardo Abramovay – A respeito da exposição feita por Ignacy Sachs tenho uma observação a fazer, mas antes gostaria de fazer duas perguntas que imagino sejam importantes para quem está trabalhando com esse assunto e para quem está pensando sobre ele.
A primeira é a seguinte. Eu noto que antes mesmo de iniciar a exposição sobre a importância e a viabilidade e a urgência da transição que ele está anunciando, Sachs nos diz que o problema para o qual aponta o fim da civilização de petróleo não pode escamotear uma questão de fundo colocada à nossa civilização que se refere, em última análise, ao nosso padrão de consumo.
- Esse é um tema que vem sendo discutido tanto pelos movimentos ambientalistas, como cada vez mais pelas empresas do ponto de vista da sua responsabilidade social, como DNA Brasil. Não sei se vocês se lembram, mas no ano passado houve um encontro em Campos do Jordão, onde cinqüenta brasileiros mobilizados por Ricardo Semler e por várias pessoas voltadas a pensar o Brasil se reuniram para numa modalidade muito inédita, não eram mesas redondas, as pessoas andavam em duplas, em trios, por Campos do Jordão, conversando sobre temas brasileiros. Isso vai ser retomado agora e um dos temas, por exemplo, vai ser o consumo sustentável. Portanto, do Relatório Bruntland para cá, em que, na sua opinião, avançou essa discussão sobre mudanças no padrão de consumo?
O ponto de vista habitual dos economistas é que as mudanças nos padrões de consumo serão feitas a partir das sinalizações emitidas aos atores econômicos, aos agentes econômicos, pelo sistema de preços. Claro, nós sabemos que isso, se funciona, funciona evidentemente mal. Portanto, quais são os instrumentos, o que é que se avançou na reflexão sobre isso?
- A segunda pergunta é que o cenário que você traça com relação ao da civilização do petróleo nos leva também a uma questão que você não abordou na sua exposição mas que obviamente está presente nas suas reflexões, que é a questão do poder no campo da energia. Afinal, se há uma área das nossas sociedades contemporâneas em que existe uma fantástica concentração de poder é essa. Qual é o cenário que o fim da civilização do petróleo nos traz com relação a isso?
Segundo recente relatório do U.S. Government Accountability Office – GAO,
o potencial de petróleo aproveitável na jazida de Green River Formation,
nos estados de Utah e Colorado, nos Estados Unidos, seria“igual ao
de todas as reservas mundiais de petróleo conhecidas”,
informou a ABCNews.
- Isso me traz então à reflexão que eu queria fazer a partir da exposição do Sachs, que é a seguinte, eu acho que para quem não trabalha diretamente com temas referentes a desenvolvimento rural, a vinculação que a exposição do Sachs faz entre mudança no padrão energético, aumento da produção da biomassa e luta contra a pobreza por meio do fortalecimento da agricultura familiar, pode parecer chocante.
Por quê? Porque nós, como cidadãos, pessoas da universidade, não especialistas, incorporamos um ponto de vista que é aquele da grande maioria dos economistas, segundo o qual a produção eficiente desses meios pelos quais se vai fazer a transição da civilização do petróleo à civilização da biomassa, deverá ser feita sob as formas mais eficientes possíveis, e portanto, e é aí que está o mais importante, sob a forma de unidades que sejam competitivas, que produzam e funcionem numa escala tão grande que, evidentemente, não vão dar lugar para a possibilidade de que, com elas, possam competir unidades familiares, quando mais unidades compostas por pessoas que hoje vivem em situação de pobreza.
- Eu queria fazer duas observações com relação a isso. Primeiro não só, claro minha admiração e eu me sinto discípulo de Ignacy Sachs nesse sentido, não só o ponto de vista sem dúvida voluntarista no sentido de que é possível sim fazer com que a vida econômica seja um meio de se promover a luta contra a pobreza, mas esse ponto de vista voluntarista seria completamente vão e inócuo se ele não se apoiasse em fundamentos técnicos, econômicos e sociológicos sólidos.
Pois bem, apóia-se, ao menos em dois sentidos importantes, em primeiro lugar naquilo que se refere à especificidade da agricultura. Se alguém lhe disser entre neste avião porque ele é um produto da fabricação familiar aeronáutica, provavelmente você vai preferir entrar no avião da Boeing ou no Air Bus etc. A agricultura, nesse sentido, é um setor que tem uma particularidade técnica que, no mundo todo, faz com que unidades cuja dimensão está ao alcance da capacidade de trabalho de famílias, costumam ser unidades competitivas.
- A idéia de economias de escalas na agricultura é uma idéia que não pode ser considerada tal como ela é considerada na indústria. Há vários estudos internacionais mostrando isso e essa é a razão pela qual a agricultura é certamente, fora alguns setores de serviços e economia informal etc. mas a agricultura é, no mundo todo, o segmento mais familiar que existe, tanto do ponto de vista da sua composição atual, ou seja, o trabalho predominantemente desenvolvido na agricultura no mundo todo é um trabalho familiar, como do ponto de vista de sua sucessão.
A esmagadora maioria de agricultores são filhos de agricultores. Então esse é um elemento importante. Mas, talvez esse elemento técnico não seja o mais importante, embora ele forneça uma base objetiva para aquilo que está sendo proposto. Talvez o mais importante seja o fato de que nós estamos diante do horizonte da construção de um novo mercado. Ora, temos aí duas possibilidades.
- A primeira é julgar que mercados são realidades objetivas que correspondem a pontos de equilíbrio entre oferta e procura, dados por um conjunto de mecanismos impessoais e anônimos que são os preços. Essa é uma visão a respeito do que são mercados.
A segunda é a visão da sociologia econômica contemporânea, que considera que mercados são estruturas sociais, regras, padrões de interação entre atores econômicos que possuem uma certa estabilidade e que são construídos em função de circunstâncias históricas.
- O que o Prof. Sachs está nos dizendo é que, se a sociedade hoje se organiza, isto é, governo, atores privados, organizações sociais, inovadores públicos, inovadores privados e inovadores associativos se organizam de maneira a ocupar espaços importantes neste mercado, não há porque considerar que eles, de antemão, estarão excluídos deste mercado.
Os exemplos históricos a partir dos quais organizações de agricultores familiares se organizam para estabelecer relações com mercados dinâmicos, mercados competitivos e conseguem se firmar neles são inúmeros. Evidentemente, esses exemplos são minoritários, exatamente em função de uma questão de correlação de forças e não de uma questão técnica ligada a uma noção abstrata de eficiência.
- Portanto, eu acho que o que o Prof. Sachs está nos propondo é uma agenda de pesquisa, mas é, ao mesmo tempo, uma agenda de proposições políticas em torno da maneira como este mercado vai ser organizado e da maneira como diferentes forças sociais terão ou não representação, presença melhor dizendo, nesses mercados.
Luiz Gylvan Meira Filho – Como o senhor e a maioria dos senhores sabem, aqui no Instituto eu tenho me dedicado a um aspecto do problema, o terceiro que o Prof. Sachs mencionou, que é o problema da mudança de clima. Ontem esteve aqui o conselheiro científico do primeiro ministro Tony Blair, Sir David King.
Ele está visitando o Brasil para conversar com pessoas cujos chefes de estado e de governo foram convidados para uma reunião na Escócia no mês que vem, uma reunião do G-8 expandida.
- O primeiro ministro Tony Blair convidou Brasil, China, Índia, África do Sul, Coréia do Sul e México, além do G-7 mais a Rússia, ou seja, o G-8 para um debate sobre dois temas: um deles é o problema do desenvolvimento ou de pobreza, dependendo do seu olhar, e o outro é o tema de mudança de clima. De um modo geral, o tema é visto no mundo, hoje, como uma coisa extremamente oportuna porque o Protocolo de Kyoto entrou em vigor com a ratificação pela Rússia.
Os Estados Unidos e a Austrália preferiram ficar de fora e, inevitavelmente, meia hora depois que o Protocolo entrou em vigor, o grande debate internacional passou a ser o próximo passo, ou seja, o segundo período de compromisso do Protocolo de Kyoto, ou o Novo Regime ou o Pós-2012, ou Pós-Kyoto, não interessa o nome, mas claramente há que se fazer algo.
- Todo mundo que se interessa por esse tema está achando a iniciativa do primeiro ministro Tony Blair extremamente interessante porque é um dos poucos foros onde se o tema for colocado na mesa pelo presidente, no caso o Reino Unido, ninguém pode fugir dele, e nessa mesa estará sentado os Estados Unidos, que preferiu não ratificar o Protocolo de Kyoto, e países em desenvolvimento como Brasil, China, Índia e África do Sul.
São países pobres em termos de renda per capita; há várias maneiras de definir o que quer dizer pobre ou em desenvolvimento, eu prefiro dizer que são países que ainda têm uma porcentagem da população ainda não incluída na economia moderna. São países novos.
- O Brasil começou sua industrialização depois da Segunda Guerra Mundial, a China e a Índia têm porcentagens, frações muito maiores que o Brasil ainda nessa faixa. Isso faz com que pelo fato de ainda terem muita coisa a ser implementada em termos de infra-estrutura energética, transporte etc. são países extremamente importantes no meio desse exercício.
Nesse contexto, eu concordo com a avaliação do Prof. Sachs, é notável que no prédio da OECD, na realidade na Agência Internacional de Energia, que é bom lembrar, é um braço da OECD que foi criado em reação à criação do cartel do petróleo, uma reação racional dos países que disseram: se os produtores vão formar um cartel, eu vou me organizar aqui para reagir em conjunto, aumentando o nosso poder de barganha. Então, a alma da Agência Internacional de Energia é essa.
- E é notável que numa casa como essa se tenha feito uma reunião sobre as opções de biocombustíveis. Eu acho, mas aí há um claro viés profissional meu, que o problema da mudança de clima passará rapidamente a ser um fator extremamente importante nessa equação.
Na medida em que isso for verdade, e a razão para isso é física, na palestra do Prof. David King ele disse que há que se reduzir as emissões de gases de efeito estufa em cerca de 60% até 2050 mais ou menos, do mundo. Considerando que há que respeitar essas frações da população que ainda estão excluídas, ou que ainda não foram incluídas, um certo tanto no Brasil, um pouco mais na China, um bocado na Índia, países inteiros na África, ou seja, há que se criar espaço para que esses países tenham acesso à energia etc. significa também que os países industrializados terão que reduzir mais que 60%.
- Talvez 70 ou 80%; ontem à noite no Conselho Britânico ele mencionou 80%. É um número que não é calculado, maior que sessenta e menor que cem porque também não se pode fechar os países. Ele usou em outra ocasião, não aqui no Brasil, a expressão de uma nova revolução industrial: nós criamos a revolução industrial, então nós nos propomos a criar outra e há que se fazer isso.
Tudo isso dá razão às palavras do Prof. Sachs na medida em que, com calma, não dá para fazer de repente, mas o que se está falando é de uma mudança bastante séria de paradigma. Eu gostaria, portanto, de fazer duas perguntas ao Prof. Sachs, uma delas é que a gente pensa em energia, energia na forma líquida para colocar em carro, em caminhão etc. há o programa do etanol no Brasil, mas se nós olharmos sob a ótica de mudança de clima, um problema igualmente grande é o do carvão e esse problema foi agravado pelo fato de que, na década de 1970, quando do choque do petróleo, quando da formação do cartel da Opep, todos os países do mundo passaram, com razão, a dar uma prioridade muito grande na agenda política ao problema de segurança de abastecimento.
- O Brasil teve inteligência, ou sorte, ou mistura de ambos, ao fazer isso, de pular para o lado certo. Naquela época ainda não havia efeito estufa, Protocolo de Kyoto. O Brasil pulou para o lado do álcool. Os Estados Unidos pulavam para o lado errado, quer dizer, o problema foi colocado assim: como é que eu dou um jeito para diminuir a minha dependência externa em termos de fonte de energia? Ele pulou para o lado do carvão porque o carvão é bastante abundante lá.
E aí fez investimentos grandes etc. que ainda não foram amortizados. Mas, eu menciono o problema do carvão porque, na realidade, sob a ótica da mudança de clima, e aí o que interessa são as emissões dos gases de efeito estufa, aí há que levar em conta também o carvão e há que fazer nuances ou diferenças, por exemplo, o álcool produzido a partir de milho, nos Estados Unidos, é produzido com um consumo grande de energia, fertilizantes etc.
- Então, se olharmos por essa métrica, a cana-de-açúcar, ou o álcool feito de cana-de-açúcar no Brasil, é muito melhor para diminuir a emissão de gases de efeito estufa do que o álcool de milho dos Estados Unidos. Dizem-me amigos da área de Biologia que também não é tão óbvio assim que etanol produzido a partir de cana em outros lugares, mesmo nos trópicos, com solos diferentes, tenham o mesmo efeito do que o daqui.
Então, se for verdade o que eu falo como meu viés, de que esse fator deve passar a ser importante, haveria que levar, encarar as coisas também sob o ponto de vista dessas emissões, haveria que encarar o carvão, haveria que encarar outras formas de energia.
- Produção de cimento é uma atividade profundamente intensiva em termos de energia, alumínio é energia pura, a produção básica do alumínio, a produção de ferro e aço também, na realidade se usa carvão aqui em Minas Gerais, carvão mineral como termo redutor, quer dizer, além de reduzir o óxido do minério, é energia que está sendo liberada de lá.
Em outras palavras, professor, se esta moda pega, se daqui a pouco, por efeito das conversas do primeiro ministro Tony Blair, ou se cair mais um iceberg grande lá da Antártida, o pessoal daqui a pouco levar um susto grande, daqui a cinco a dez anos, qual é a sua opinião sobre o papel dos renováveis num cenário de energia no mundo mais amplo do que simplesmente o problema do petróleo?
- Eu tenho amigos que me dizem, puxa vida, então o Brasil é um lugar bastante espaço, ótimo, a gente tira toda a floresta amazônica e planta coisas lá para abastecer a China. Coisas assim meio futurísticas, mas nem tanto. Então eu queria provocá-lo um pouco para o senhor especular, por favor, sobre o que podem ou pelo menos devem ser essas pressões se esse problema de clima ficar sério.
E a segunda pergunta, Prof. Sachs, tem mais a ver com economia. Uma vez, alguns anos atrás, o Prof. Bresser Pereira virou Ministro da C&T e eu fui encarregado de brifálo, explicar para ele o que é mudança de clima; eu pensei: vai ser difícil, ele é economista. Aí eu inventei coisas como o custo marginal de diminuir as emissões, criei coragem e expliquei.
Ele olhou bem para aquilo e disse – ó Gylvan, não tem jeito não, esse problema aí que você me trouxe não tem solução, as leis da economia não permitem. Ele me explicou, de uma maneira simplificada, que o tal de mercado em si não vai resolver esse problema, será necessário introduzir, de alguma forma, certos sinais no mercado no sentido de subsídios ou penalidades etc. para as coisas irem um pouco para o lado certo.
Aí eu perguntaria, professor, o que é que o senhor acha que pode ser feito para induzir as coisas na direção certa. Ignacy Sachs – Primeira pergunta do Ricardo, problema da estrutura do consumo. É a variável chave. No jogo de harmonização entre os objetivos sociais, ambientais e econômicos.
- Os sociais são primordiais, o desenvolvimento é, antes de mais nada, o problema da inclusão social de todos e de trabalho decente, não de trabalho, mas trabalho decente. A economia desempenha apenas um papel instrumental, por importante que seja, ela não é um objetivo em si. Agora, é óbvio que a variável mais difícil de se mexer e ao mesmo tempo a mais importante é aquela que muda a demanda e não aquela que ajusta a oferta à demanda.
O que leva a discutir estilos de vida, de transporte, modelos do uso do tempo. A importância que tem para o consumo de energia o fato de a gente voltar para casa para almoçar nas cidades ou não voltar etc. Tentamos colocar esse problema desde a Conferência de Estocolmo de 1972. Tivemos, em 1974, um seminário cujas recomendações eu estava relendo recentemente.
- A Declaração de Cocoyoc de 1974 provavelmente contém tudo que se disse depois sobre esses problemas e de uma maneira extremamente contundente. Foi um seminário absolutamente extraordinário porque tivemos Barbara Ward como presidente que serviu de pára-raios. Estavam lá vários dirigentes das Nações Unidas e intelectuais de prestígio.
O Presidente do México fez questão de participar da última sessão e endossou as conclusões. Apontamos para o sobre-consumo dos ricos e o subconsumo dos pobres. Alguns dias depois desse seminário, um cavalheiro bastante conhecido no mundo, chamado Henry Kissinger, mandou para as Nações Unidas ameaçando que os Estados Unidos terão que reconsiderar a sua atitude com relação ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
- Ou seja, fomos parados nessa discussão por alguns anos. Reconstruímos o tema através de uma série de seminários regionais sobre estilos de desenvolvimento e meio ambiente dos quais o mais memorável foi o seminário de Santiago, organizado por Oswaldo Sunkel e do qual saíram dois volumes importantes publicados no México. Fizemos um seminário na África, não muito bom, um seminário em Bangcoc sobre a Ásia e um seminário europeu, porque achávamos que o problema dos estilos de vida dos países industrializados era o mais importante nessa problemática.
O que é que nos aconteceu? Os conselheiros ambientais da Comissão das Nações Unidas para a Europa disseram que estávamos fora da temática ambiental e a coisa morreu. É óbvio que é um tema fundamental. O quanto basta ? – “ how much is enough?” – é uma questão gandhiana, ela está no centro do pensamento de Gandhi. Colocamo-la num debate público com a opinião pública sueca num relatório que também circulou muito na época – “What now?”, publicado em 1975.
- Perguntamos quatro questões, eu me lembro de três: vale a pena limitar o consumo da carne, não para salvar as crianças de Bangladesh e sim para salvar a saúde da pessoa? Quantos metros quadrados de alojamento são suficientes ? O que é melhor: possuir um carro particular ou dispor de um bom sistema de transporte urbano e de uma agência onde se pode alugar o carro quando se sai da cidade? Foi um debate na televisão, no rádio e levamos na cabeça.
A maioria dos suecos achou que não se deveria limitar nem o carro, nem a carne. E não falamos da cachaça. Você tem toda razão, essa é uma questão absolutamente fundamental. A questão do poder, das sete irmãs. Claro que é um elemento fundamental de todo esse jogo, mas é interessante observar como as grandes companhias de petróleo estão tentando transformar-se em empresas de energia, porque elas também entenderam que alguma coisa está mudando e têm que salvar a sua pele.
- A terceira questão que você levantou, produção eficiente, bom, essa é uma das palavras mais traiçoeiras do vocabulário econômico. Eficiência é o que? Eficiência com relação aos custos? Eficiência com relação aos objetivos sociais? Eficiência com relação aos objetivos ambientais? Toda a nossa briga, pois somos marginais com relação à ortodoxia econômica, tem sido desde os anos de 1970 mostrar que temos que introduzir critérios não só econômicos e sim também critérios sociais e ambientais. Isso me permite responder não na ordem, a sua última pergunta.
É óbvio que isso não pode acontecer numa economia de mercado. Aliás, é interessante observar que para a Rio-92 – eu fui conselheiro do Secretário Geral da Cúpula da Terra, nós circulamos dois documentos que diziam claramente que o desenvolvimento sustentável é incompatível com a economia de mercado pura.
- Um deles continha uma coletânea de artigos escritos por eminentes economistas, dois deles prêmios Nobel de economia, e outros, publicados pelo Banco Mundial e pela Unesco. Todos diziam mais ou menos – precisamos de uma economia mista no qual o mercado tem uma função importante a desempenhar, mas um mercado regulado, um mercado que sozinho não resolve as coisas.
John Robinson costumava dizer que o mercado é míope e insensível socialmente. Portanto, se quisermos ter alguma sensibilidade social e alguma visão a longo prazo, nós teremos que dispor de alguma coisa a mais do que simplesmente o mercado.
- Essa é a questão institucional central do nosso século. O que reconstruímos nas ruínas dos paradigmas que herdamos do século passado. Por que o que é que aconteceu no século passado? Tivemos o socialismo real que morreu com a queda do muro de Berlim, eu não vou me estender sobre o assunto. Tivemos o modelo do Consenso de Washington que, para mim, do ponto de vista intelectual, morreu com a tragédia argentina.
Tivemos trinta anos de capitalismo reformado, 1945-1975, que foi contestado pela reação neoliberal. Mas como essa reação neoliberal levou ao Consenso de Washington acho que nós temos que reatar com o capitalismo reformado dos anos de 1945-1975. Não estou dizendo que temos que voltar para ele, temos que reatar com ele. É bom lembrar quais eram as três palavras chave do capitalismo reformado, que surgiu como uma resposta à catástrofe de 1929 à qual foram dadas três respostas – o fascismo, o socialismo real e o New Deal rooseweltiano.
- Estas palavras eram: pleno emprego como objetivo social número um, Estado protetor como complemento e planejamento. Quando Von Hayek escreveu o famoso panfleto em 1944 contra o planejamento, ele era o dissidente, todos os outros ao redor estavam planejando. Eu acho que nós temos que voltar a essas idéias, a importância do pleno emprego, a importância do Estado protetor, a importância mais do que nunca do planejamento, não aquele planejamento do tipo soviético, não tenho tempo para entrar nas diferenças, mas algum tipo de planejamento.
Tivemos mais um paradigma que é muito importante no debate brasileiro, que foi o modelo de crescimento rápido e modernização rápida através da potencialização das desigualdades sociais, o modelo do Brasil do milagre. Taxas de crescimento extremamente altas, modernização e industrialização, tudo que se queira, mas com as desigualdades sociais crescendo. Este é o modelo da China de hoje, este é também em grande parte o modelo da Índia de hoje.
- O exemplo brasileiro mostra que esse modelo tem limites, ele se esgota, sem falar da herança maldita que ele deixa em termos sociais. Portanto, nós temos que inventar novas formas de organização da Economia, mas com esses parâmetros. Volto ainda para a pergunta de Ricardo, isso se liga muito com a idéia de Bagnasco – la costruzione sociale del mercato – ou seja, o mercado é uma construção social, nós temos que construir um mercado dentro de uma visão mais ampla subordinada a esses objetivos.
Agora, Prof. Gylvan, do que o senhor disse, primeiro eu gostaria de resgatar uma idéia que foi muito discutida na semana passada em Paris. O enorme potencial para a cooperação Sul-Sul na construção de uma nova civilização do pós-petróleo, e a experiência brasileira que pode servir para outros. Isso foi realçado pelo representante da FAO, pelo representante do Banco Mundial que nos disse que infelizmente ele está em minoria dentro do Banco. São os ossos do ofício.
- Estou muito contente que o senhor tenha trazido aqui esses números de 60% de redução ou de 80% para os países industrializados, isso visto do outro lado é que, Kyoto mesmo 100% realizado, significa 1/10 daquilo que os países industrializados deveriam fazer. Primeiro devo confessar que não trabalhei o carvão, embora, pela origem, eu deveria tê-lo feito porque essa era a grande riqueza da Polônia. Existem tecnologias modernas de queima de carvão que reduzem muito o impacto ambiental, leito fluidizado, para quem entende.
Dito isso, é óbvio que o carvão é o problema número um, sobretudo na China. A China é um país terrivelmente poluído pelo excesso do uso do carvão. Mas, é óbvio também que nós temos que trabalhar com todas as tecnologias alternativas. Por exemplo, se diz freqüentemente que a energia solar não tem futuro porque requer muito espaço. Eu não vejo problema de limitação de espaço no Nordeste para fazer grandes instalações solares.
- Agora, não proponho colocar instalações solares no meio de São Paulo. A gente tem que sempre contextualizar as propostas. O grande debate aí é o nuclear, o senhor não mencionou, nem eu mencionei, embora vindo de Paris eu deveria dizer que todas as soluções passam só pelo nuclear, a França está absolutamente convencida do futuro do nuclear. Dentro do debate do nuclear existe ainda essa questão da fusão, é uma alternativa real ou não?
Há cinqüenta anos se dizia que daí a meio século iríamos ter a fusão, hoje se diz que daqui a meio século vamos ter a fusão, bom, eu não sei, não tenho resposta. O nuclear é perigoso? não é perigoso? o quanto é perigoso? é um debate que a gente não pode evitar. No começo dos anos de 1970, um grupo de ONGs francesas pediu-me para representá-las num debate sobre a energia em Bruxelas.
- Eu fiz o milagre de hostilizar todo mundo, ou seja, quando eu disse: o mínimo de energia nuclear como uma estratégia de transição num país que não tem outras energias como a França. Evidentemente o estabilishment francês e Bruxelas não gostaram e as ONGs caíram em cima de mim porque, para elas, eu devia ter dito que, por razões de religião, eu sou contra o nuclear, e que não tem nada dessa história de nuclear por um período de transição.
Depois, o Partido Socialista Francês, quando ainda estava na oposição, criou um grupo de trabalho sobre a energia, aliás era presidido por Alain Touraine, que muita gente aqui conhece. Produzimos um relatório no qual propusemos que se parasse e promovesse um grande debate societal, um debate que não pode ser resolvido por cientistas, um debate político por excelência : queremos correr os riscos envolvidos no nuclear ou não ?
- O risco de um acidente nuclear é mínimo, mas as conseqüências de um grande acidente nuclear podem ser terríveis. Por outro lado, não sabemos o que fazer com os reatores uma vez que chegam ao fim de sua vida útil, há uma série de problemas em que não vou entrar. Eu não tenho uma resposta clara a essas questões, a não ser um sentimento.
Elas não podem ser escamoteadas como estão sendo escamoteadas, esse deveria ser um grande debate social, porque aí não há nenhuma evidência científica que permita eliminar o lado político e ético das soluções a serem tomadas. Por isso acho que nós temos que colocar o futuro energético da humanidade no centro do verdadeiro debate político. Isso não é um assunto para especialistas, é um assunto para cidadãos, e não é um assunto para ser resolvido por um referendo.
- Você é a favor ou contra a energia nuclear? É um assunto que requer uma pedagogia social, demorada, tal como a questão das mudanças climáticas. Estamos terrivelmente carentes de um trabalho junto às opiniões públicas do mundo sobre quais são os verdadeiros desafios, quais são os problemas, onde estão as decisões que a sociedade deve tomar e isso, na realidade, remete a um assunto que não foi discutido:
Qual é o conteúdo que se deve dar a essa palavra tão freqüentemente citada, mas de uma maneira vaga, que é a democracia?
Os vestígios arqueológicos são uma prova da inexistência de um ambiente intocado e mostram como há milhares de anos o homem conseguiu habitar e explorar a floresta de maneira sustentável