sexta-feira, 27 de maio de 2016

No conflito das Interpretações: O Enredo da sustentabilidade

No conflito das Interpretações: O Enredo da sustentabilidade

Aloísio Ruscheinsky
Rev. eletrônica Mestr. Educ. Ambient. ISSN 1517-1256, Volume 10, janeiro a junho de 2003
  • A educação ambiental requer muito a presença da perspectiva da sustentabilidade, uma vez que trata diretamente da visão de mundo no que diz respeito ao relacionamento entre natureza e sociedade. 
Além do mais, uma proposta para ser inovadora necessita ambicionar e construir algo diferente, inclusive para ser atrativa. 
  • Ao tentarmos a abordagem no conflito das interpretações e o nexo entre educação e sustentabilidade crescem e proliferam as oportunidades para dar asas à imaginação, fermentando a criatividade. Sustentabilidade é um termo relativamente antigo, de origem no saber técnico na agricultura no século XIX. 
Entrou na rota do uso pelos ecologistas modernos nos anos 80, em cujo debate I. Sacks deu grande contribuição. A sustentabilidade no conflito das interpretações consiste em visualizar o ardil e a trama desencadeados como um enredo de uma ação histórica, de uma obra de ficção ou ainda de um peça a ser moldada de acordo com a criatividade de um artista. 
  • As palavras mágicas no momento referem-se a tudo que diz respeito aos termos sustentável e da sustentabilidade, sendo utilizadas na estratégia para aprovar projetos econômicos ou para alterar políticas públicas, angariar fundos e conquistar mercados. 
Empresas buscam melhorar a sua imagem diante do público consumidor aderindo à qualidade das ISO. A indústria, as empresas de serviço e o comércio também começam a se valer da magia e usam as palavras para enfeitar folders, propaganda, cartazes, relatórios e material de mídia, muitas vezes deixando o conceito real esquecido em algum canto na prática cotidiana. 
  • Tudo o que possui o slogan ecológico é merecedor de elogio e de adesão. Ainda não passou a época em que acrescentar a palavra "ecológico" a um projeto agrícola, um programa científico ou um produto industrial assegura uma simpatia dos responsáveis por sua aprovação, pela destinação de recursos ou pela decisão de consumo. 
Ora, significa meio caminho andado, mesmo que o vínculo com a qualificação do meio ambiente, de fato, seja muito tênue ou mesmo inexistente. Com o tempo, o termo pode se desgastar e apresentar-se como insuficiente para a aceitação automática do projeto, do empreendimento, do produto ou dos fins almejados. 
  • Em algumas circunstâncias torna-se fundamental acrescentar ecológico, sustentável a pedidos de financiamento de projetos ou novos programas de agentes não governamentais. Anteriormente, a palavra "verde" também teve sua fase, como no caso específico da revolução verde ou na exaltação do verde-amarelo, embora com mais representatividade nos setores menos especializados e no mercado de consumo - do que nos meios financeiro, científico e ambientalista. 
A modernidade experimentou, de forma sucessiva na sua história de conflitos, alguns surtos de expansão ao longo de mais de dois séculos, dentre os quais a atual onde de globalização é apenas mais uma etapa. Na perspectiva ambiental a sociedade industrial é um episódio entre outros da modernidade, bem como se encontra conectado no evento originário o atual momento neoliberal. 
  • A unificação de territórios fragmentados para a formação dos estados nacionais também foi um momento preciso para a ampliação, que de um lado serviu para incrementar as relações inerentes ao capitalismo e, de outro, solidificou o ente para a ancoragem dos direitos emergentes na modernidade. 
Aos nossos olhos de observador do desenrolar do social as bases desse mesmo estado nacional agora se desmancham parcialmente, ou seja, tudo o que é sólido se desmancha no ar ou no sopro neoliberal da globalização. A consolidação do indivíduo na história moderna, enquanto depositário e fonte originário de direitos, já vive algumas dimensões agora reconhecidas como da ordem do global (Marx & Engels, Ideologia alemã). 
  • Com esta concepção do indivíduo na modernidade torna-se possível projetar a universalidade, seja na dimensão de ampliação dos direitos a todos os cidadãos, seja cogitar o ser humano como cidadão do mundo. 
A modernidade experimenta uma progressiva interpenetração entre o nacional e o internacional. A princípio uma nação só pode ser reconhecida como tal no plano internacional por seus pares, assim como só faz sentido mencioná-la se como tal estabelece relacionamentos com outras nações. As contradições internas podem sobressair aos olhos do analista. 
  • Às vezes, como já notava Gramsci, o partido político mais voltado para interesses transnacionais é aquele que por ironia possui em sua denominação a referência ao nacionalismo; enquanto que aquele que se denomina de internacional pode contemplar interesses mais nitidamente nacionais. 
De forma similar, um movimento ambientalista, embora as suas múltiplas possíveis conexões internacionais, pode contemplar acima de tudo a defesa dos bens naturais e da qualidade de vida dentro do âmbito da nação.

Envolvimento e magia: 
Os conflitos e as interpretações:
  • A palavra mágica da ordem do dia é a sustentabilidade, que foi adotada como termo que não pode ser restrito a uns poucos casos, inspira a perspectiva dinâmica, portanto não se caracteriza como algo estático. Sustentabilidade consiste num conceito de, a bem da verdade, bastante amplo e admite variações de acordo com interesses e posicionamentos. 
Além do que ainda é recente e por isso mesmo sujeito a ambiguidades e dilemas quanto ao seu uso e significado. Entre cientistas e formuladores de políticas públicas costuma ser sinônimo de controvérsia. Antes de arriscar qualquer definição, vale prestar um pouco de atenção ao significado, puro e simples da palavra: sustentável é o que sustenta, alguém ou alguma coisa. 
  • Talvez esteja aí a raiz da leviandade com que ele vem sendo aplicado a todo tipo de discurso e de projeto, inclusive aos casos mais obscuros ou controvertidos, em que os únicos a serem sustentados são os charlatões travestidos de ambientalista. Muita discussão em termos ambientais e acima de tudo restam decisões políticas que revertam o quadro da progressiva degradação. 
Em meio às controvérsias do debate, as ações sustentáveis deveriam ser todas as medidas que visam manter a capacidade de reposição de uma população de uma determinada espécie, animal ou vegetal. Do ponto de vista ideal, seria a sustentação da biodiversidade sem perdas ou o funcionamento de um ecossistema idêntico por longo prazo. 
  • Quando entra algum tipo de extrativismo ou exploração de recursos naturais, a sustentabilidade é a medida do que, à longo prazo, pode ser extraído ou explorado sem depauperamento do patrimônio natural. Nesta compreensão a sustentabilidade é uma tarefa eminentemente reservada à intervenção humana. 
Do ponto de vista da natureza o processo evolutivo na história é um fato incontestável, além do que do ponto de vista mineral parece que não existem condições de imaginar a tal sustentabilidade. Quando o assunto refere-se aos recursos naturais, como agricultura, mineração ou atividades industriais, o conceito de sustentabilidade certamente assume maior complexidade. 
  • Em primeiro lugar, é preciso saber quais os parâmetros possíveis e uma decisão a respeito do que se almeja como sustentável. Pode-se falar numa variabilidade de ênfases, em sustentabilidade econômica, ambiental, do solo, do minério, da produtividade sustentável e assim por diante. 
Ainda existe o contexto cultural e geográfico a ser considerado, pois o que é a dinâmica e a característica de sustentabilidade para uma região pode não ser para outra: o sustentável na amazônia legal difere do cerrado. Outras questões de ordem distinta se interpõem, especialmente quando a sobrevivência está posta no limite. 
  • A produtividade e a intensidade de uso dos bens naturais que sustenta um plantador no Sul, certamente não sustenta da mesma forma no Nordeste, mesmo que as áreas e as técnicas sejam similares. 
Será que a sustentabilidade e o nível da qualidade de vida podem fazer concessões à competição entre produtores, à capacidade de suporte dos ecossistemas e às regras do mercado da concorrência. Sustentabilidade ambiental é inseparável das questões e da sustentabilidade econômica e social. 
  • Entretanto, desde já importa precaver-se e ultrapassar uma apreciação que tenha como base unicamente a subjetividade e os interesses imediatos. Para quem não quer sucumbir a modismos vazios de conteúdo e acabar endossando a aparente sustentabilidade que tem tudo de insustentáveis, a sugestão seria exigir de inúmeros discursos, propostas, projetos e programas adjetivados com estas palavras mágicas, a definição do que se entende pelo conceito. 
É possível que neste campo um dia se alcance a proteção do consumidor e dos cidadãos através de algo similar a uma bula de remédio, com indicações, contra indicações e efeitos colaterais. Uma das questões chaves da sustentabilidade que preocupa muitos autores e compartilhada entre eles diz respeito à tensão entre crise ambiental e mudança social. 
  • O pensamento em torno da sustentabilidade obriga a enfrentar um redimensionamento das instituições, dos Estados nacionais, no sentido da centralização ou descentralização das decisões, quanto ao que diz respeito à popularização do processo de formulação de políticas públicas, ou ainda da abolição de direitos sociais, bem como descartando o combate à pobreza como um princípio que nutre o bem estar ambiental. Em período recente as orientações se expressaram desde um posicionamento genérico a um futuro diferente é possível e viável. 
No campo das ciências sociais, existem ênfases sobre a sustentabilidade que se distinguem conforme os autores. De um lado, aqueles que privilegiam as mudanças culturais ou sociais provocadas dentro do tecido social, nas orientações que organizam a ação social, portanto, insiste na mudança de valores. É o caso típico das experiências de educação ambiental, da formação de redes de consumidores de produtos ecologicamente corretos, entre outros aspectos. 
  • De outro lado, a análise da sustentabilidade que centra sua atenção nas definições dos grandes eventos envolvendo a temática do meio ambiente, nas características das instituições políticas, a capacidade organizativa dos problemas ambientais a partir da regulamentação. 
Numa outra perspectiva ainda, os posicionamento entre os atores podem ser distintos do ponto de vista das categorias explicativas para a sustentabilidade, em cujas abordagens há variações sobre os mesmos temas e problemas. 
  • De um lado, uma tradição de cunho culturalista que compreende o nascedouro da sustentabilidade como resultado de alterações culturais, de difusão de um ideário e mudança de valores e de comportamentos. 
Ora, nesta ótica torna-se fundamental a preocupação com um novo estilo de vida, hábitos e idéias, com o cultivo da lazer sem culpa, do novo formato de solidariedade com a natureza, tudo baseado numa perspectiva pós-materialista graças à satisfação das necessidades básicas. 
  • De outro lado, compreende-se que a emergência da sociedade sustentável compreende o desenvolvimento de ações coletivas que venham a enfrentara as desigualdades sociais ou emerge como resultado de mudanças sociais e econômicas contemporâneas que permitem novo formato organizativo da sociedade. 
É a ênfase que privilegia os atores sociais, o reordenamento jurídico, o Estado de compromisso, as alterações dos condicionamentos sociais e as bases de sustentação material da vida.
  • A sustentabilidade parece conter ou contemplar um movimento social histórico, se um elemento agregador e mediador, portador de um projeto de mudança universalizante, com fôlego para articular setores sociais díspares provenientes de movimentos sociais, de agências estatais, do mundo acadêmico e das ONGs. 
A identidade que parece integrar esta multiplicidade seria a orientação para o desenvolvimento de uma sociedade sem desigualdades sociais ou uma sociedade sustentável. 
  • A valorização das conferências internacionais pode conter equívocos que delegam questões do campo dos atores sociais para o campo institucional, da ênfase da participação à centralização. No caso da questão ambiental, da formulação do que seja sustentabilidade, depois de sucessivas conferências, como a Rio 92 e as reafirmações consecutivas, deslocam o debate para o campo institucional. 
A opção pela democracia assim como pela sustentabilidade correm o risco de transferir-se das ruas e ganhou o espaço oficial. No transcurso destas conferências internacionais e da mobilização múltipla de forças e esforços individuais e coletivos, sem sombra de dúvida, o processo representou uma oportunidade ímpar para formular e difundir as propostas de sustentabilidade, neste intervalo de tempo a análise depara-se com a interrogação seria também um período de falência progressiva e generalizada da capacidade do Estado nacional em formular, manter e executar as políticas públicas, inclusive no campo ambiental. 
  • A insistência em reprisar os conteúdos das conferências pode representar um reconhecimento da suposta fragilidade dos atores sociais da sociedade civil e seu papel original para implementar um projeto de sociedade sustentável. Corre também o risco de reduzir a luta social na busca de ocupar um papel conquistado pelos atores sociais no interior do arcabouço institucional. 
O transcurso dos eventos internacionais ensinam o quanto os representantes dos Estados nacionais possuem um tendência para a defesa de causas ambientais ou apresentam limites de tolerância para subscrever acordos mesmo genéricos. 
  • O que tem percebido é que existe de fato uma tendência para admitir modos de pensar que diferem entre os grupos de atores sociais e de ação política distinta entre as nações que integram o acontecimento de especial interesse, às vezes um espetáculo na medida em que é capaz de atrair público e de mobilizar meios de comunicação. 
Os acordos resultantes dos eventos tendem a ser a diferença especificada como admissível para os efeitos em relação a um padrão ambiental, afirmam uma margem admitida entre um valor ambiental especificado e o resultado obtido nas ações políticas e econômicas.

No conflito das Interpretações: O Enredo da sustentabilidade

Eco-nomia para o meio ambiente:
  • A preocupação com a sustentabilidade e seu relacionamento com o meio ambiente parece um tema acadêmico recente nas ciências sociais. A suspeita dos ambientalistas radicais é de que o conceito e a ênfase da sustentabilidade conecta-se com a perda da radicalidade do movimento ambientalista. 
A princípio a sustentabilidade refere-se à capacidade de um modelo ou sistema sustentar-se na dinâmica evolutiva sem permitir que algum setor aprofunde-se em crises de tal forma que venha a atingir a totalidade. 
  • O ambientalismo pode ser uma ideologia ou também uma ciência ou uma proposta de defesa de valores. Em todas as circunstâncias é desafiado pela violência, pelos conflitos e pelos interesses que perpassam o cotidiano e a organização da sociedade. 
Estas são qualidades ou defeitos que não desaparecerão mesmo com a implementação do ambientalismo como política hegemônica na sociedade. A ousadia do ambientalismo consiste em juntar ou ajustar num mesmo cenário a sociedade moderna de consumo e a conservação dos bens naturais no patamar da sustentabilidade. 
  • A degradação do meio ambiente está relacionada à questão fundada nas interrogações do que, como, por que e para quem se produz. Não pode ser auto-sustentável um sistema de produção e consumo em que no valor da mercadoria ao consumidor (por exemplo o pão) a carga mais elevada seja a associação de energia do que o custo da caloria propriamente dita. 
De um lado a degradação ambiental resulta da apropriação privada sem ter em conta custos sociais e ambientais, de outro lado, parte da destruição e degradação ambiental permanece com seus vínculos com as coalizões políticas que mantém governos no poder. 
  • Muitas coalizões pela sua configuração não podem assumir seriedade em questões ambientais pelos seus interesses que defendem, expressam e implementam: estão interessados na terra, na cidade e no espaço como mercadoria, em oposição a um lugar para viver ou como realização da distribuição igualitária dos recursos que implicaria a defesa do bem comum. 
Além de fugir ou fingir em congressos sobre a temática ambiental, ser sério do ponto de vista ambiental torna-se antes um perigo porque pode destruir a base eleitoral. Ao contrário, para uma política ambiental com a seriedade desejada necessita-se de um governo e de um Estado que não dependa dos proprietários do solo, do capital financeiro e especulativo, das indústrias poluentes e assim por diante. 
  • Eis porque estes compromissos atam a interesses que não se conjugam com o consenso ambiental. Este discernimento é fundamental para que os ambientalistas visualizem com quem podem contar e em que condições para implementar a sua perspectiva política. 
A difusão do imposto ecológico ocasionalmente tem sido apontada como caminho para que sob o capitalismo o sistema internalize a deterioração ambiental. Até o momento, pequena parte dos custos ambientais tem sido internalizada pela ação do Estado e, por exigência deste, pelo capital, mas provavelmente em grande parte devido à ação destemida dos movimentos ecológicos. 
  • Existem diversas implicações políticas enquanto uma solução muito controvertida. Pode se um meio para obter recursos para difundir as questões relativas ao meio ambiente. Pode desembocar no direito de poluir, uma vez que há um pagamento por um certo grau de deterioração. 
É o tipo de capitalismo reformista que incorpora o planejamento ambiental e freqüentemente olvida a perspectiva da cidadania uma vez que os cidadãos não obtêm um lugar de destaque. O argumento de setores do ambientalismo insiste de que é necessário um novo setor em que se produza tecnologia que evite problemas ambientais, inclusive com produção tecnológica que limpe o meio ambiente. 
  • O argumento é que tal invento e comportamento fazem bem à economia em seu conjunto, oferecendo novas oportunidades de benefícios e de investimentos a todos quantos consigam adequar-se ao novo modelo. Chega-se a afirmar, segundo a análise de O´Connor (apud Barceló, 1994) que também os recursos financeiros solucionam os problemas ecológicos. 
Ora, dá-se destaque precisamente ao agente que propiciou a destruição, ou por outra, com os recursos advindos da indústria destruidora recuperar o ambiente degradado. Permanecem incertezas, dilemas e ambiguidades diante do nexo entre desenvolvimento tecnológico e meio ambiente, entre economia e qualidade de vida. Os ecologistas podem compreender ou surpreender-se com a reação de alguns intelectuais ao tratar do nexo entre desenvolvimento e ciência.
“Seria um caminho suicida imaginar que um país pode dar as costas, pura e simplesmente, ao desenvolvimento tecnológico mundial e escolher uma alternativa própria baseada em recursos naturais. Não acredito que uma solução ingênua pudesse solucionar o desafio da dominação tecnológica mundial. A ingenuidade não tem perdão em política. Esse mundo é todo dominado por relações políticas.” (Fernando Henrique Cardoso – intervenção no seminário de ciência, tecnologia e estratégias para a independência. Dupuy, 1978, p. 82).
Em termos gerais, o capitalismo necessita progressivamente funcionar com menor custo do trabalho constante, bem como dos bens naturais imprescindíveis e ao mesmo tempo no sentido inverso o maior consumo constante dos produtos e sua renovação. 
  • A grande interrogação refere-se ao fato se a indústria de ótica ambientalista reunirá estas condições. Duvida-se que a proposta possa ser ambientalista e cumprir as exigências fundamentais aludidas, uma vez que acrescenta custos ao valorar o meio ambiente, os bens naturais. 
Ou ainda, requer-se de uma nova armadilha para não ser destruída pela concorrência, talvez se abra um caminho na conjugação com consumidores primordialmente de produtos ambientalistas. Hoje já é amplamente reconhecido que problemas ambientais locais possuem nexos com a dimensão global. 
  • Portanto, tornou-se usual abordar com perspectiva global temas como economia ambiental e os demais problemas relacionados ao meio ambiente. Aos ambientalistas convém a análise que toma como parâmetro a interpretação da marginalização da população e do ecossistema pelo tipo de relacionamento que retém com o capital, a conexão com os interesses predominantes na sociedade de consumo. 
Para consolo ou angústia e aflição dos ambientalistas uma contradição nasce de imediato ao converter-se a natureza em mercadoria, ou compreender os bens naturais na ótica da ampliação do consumo. A lógica da mercadoria é uma progressiva ampliação e em última instância nada subsiste sem a perspectiva de vir a ser objeto de mercantilização. 
  • Portanto, existe uma contradição entre mercado e preservação ambiental. Para uma política ambiental vir a ser efetiva, no sentido de ser implementada entre os atores sociais, parece convencional o imperativo de desvendar as forças econômicas responsáveis pela crise ecológica. Ao mesmo tempo deslindar quais os atores sociais favoráveis, ao menos em termos gerais, à adoção de medidas ambientais. 
Assim se coloca o fundamento para relacionar a crise ecológica e os movimentos sociais e ambientalistas. O objeto e a identidade desses movimentos conecta-se sempre com a existência de outros atores no cenário dos quais se diferenciam e consolidam uma oposição. 
  • Serão tanto mais consistentes no embate político quanto mais construírem um objeto concreto pelo qual se empenham e ao mesmo tempo na coerência com que conseguem perceber o relacionamento com a totalidade, a sociedade e as questões globais. A sustentabilidade tornou-se um tema presente com muita freqüência, só que as tonalidades se diferenciam muito. 
Do ponto de vista social a sustentabilidade se põe de uma maneira peculiar em sociedades cujo desenvolvimento das forças produtivas é limitado e desequilibrado. O desafio da política ambiental envolve a capacidade para produzir os meios suficientes e adequados para satisfazer as necessidades de sobrevivência e a cultura política dos setores empobrecidos que incorpore a nova temática do meio ambiente.
  • Aliás, cabe recordar ou sublinhar que os fatores que denominamos de necessidades são produtos históricos, isto é, as modificações na organização da sociedade engendram outras necessidades de acordo com tempo e espaço. 
Por isso o que vem a ser definido como pertencente ao rol das necessidades neste novo milênio certamente não se colocava da mesma forma e intensidade no primeiro milênio da nossa era. Naquele período praticamente inexistiam as preocupações com a necessidade de ar puro para respirar ou da luz do sol ou ainda abastecimento de água não contaminada. 
  • Sem falar que o consumo de água se intensificou com a canalização a todas as famílias e a proliferação dos utensílios domésticos de alto consumo de água potável. Conforme O´Connor (apud Barceló, 1994) o capitalismo para nutrir a capacidade de manter-se coerente com seus instintos expansivos parece conceder ao longo da história pouca seriedade e prioridade para suprir as necessidades dos empobrecidos. 
Isto há de tornar-se prioridade fundamental para associar-se o ambientalismo com o combate à pobreza. O calcanhar de Aquiles da política ambientalista consiste em proporcionar qualidade de vida em termos de igualdade de acesso e proteção aos bens naturais não renováveis. 
  • Ou seja, a pobreza tem se pautado na modernidade também como uma das circunstâncias de degradação ambiental qualificada. Ora, esta reflexão está evidenciada aqui jamais com o intuito de servir para a discriminação dos pobres ou criminalização da pobreza. 
A vingança da natureza se segue de alguma forma, às vezes explícita, outras vezes nem tanto, a cada conquista humana diante ou sobre a natureza. Especialmente porque os bens naturais não se apresentam inesgotáveis como se poderia supor em outros tempos. Além do mais a proximidade com a exaustão eleva os custos de participação por parte dos bens vinculados à natureza. 
  • Na produção de valor para uso e sobrevivência humana, na economia o trabalho é o pai e a terra é a mãe. No capitalismo, entretanto, existe uma inversão brutal aos se explorar o primeiro e ao se roubar a segunda. Uma relação de saque do sistema ecológico não pode alargar-se sem conseqüências desastrosas tanto para a economia como para o meio ambiente. 
A estrutura contemporânea de produção de mercadorias em abundância que depende de pesticidas e agrotóxicos, da energia fóssil e nuclear, da petroquímica e engenharia genética tende a maximizar a toxicalidade total da produção e aniquilamento acelerado da biodiversidade e de habitats. Sendo assim, só vem a reforçar problemas de sustentabilidade ecológica. 
  • Conforme Foster (1994), existe uma lei geral absoluta da degradação ambiental sob a égide do capitalismo. A aceleração da degradação ambiental resulta do processo de resolução das sucessivas crises que o capitalismo enfrentou, implicando na reestruturação da oferta, a exploração mais intensiva do trabalho e do ambiente, na multiplicação dos supérfluos. 
Para os ambientalistas sem sombra de dúvida não é um acidente ou ausência de planejamento político ou falta de política ambiental que as últimas décadas sejam testemunho de um aceleramento da destruição dos ecossistemas florestais, fósseis e minerais. 
  • Existe um contraste entre uma exploração e o uso sob a égide da sustentabilidade e os critérios do capital especulativo. Para este último os bens naturais são vistos como ativos sem rentabilidade e, portanto, pela lógica do mercado devem ser liquidados tão rapidamente como possível.
Os produtos sintéticos, venenosos para o ambiente natural e humano, segundo o autor, tornaram-se intrínsecos ao desenvolvimento do sistema capitalista de produção. Juntamente com a expansão dos sintéticos, do armamentismo, da era nuclear talvez possa ser localizado o início e o princípio de percepção da crise ambiental.

Gestão ambiental e sustentabilidade:
A gestão ambiental pretende cuidar de políticas que visem a preservar o que restou da natureza ou mesmo da sua recuperação em situações de degradação. Existem dilemas entre sociedade estruturada e reforma ou o que é possível aqui e agora. 
O que equivale à construção lenta e progressiva da sociedade ambiental, para cujo intuito é de fundamental importância ganhar os organismos da sociedade civil. Aliás, este parece o desafio fundamental do ambientalismo desde o seu surgimento e cujo desafio progressivamente vem sendo compreendido como uma tarefa imprescindível para obter sucesso. 
Segundo Paelhke (1989) muita atividade em nossa sociedade é justificada em termos de sua habilidade de criar empregos, como se os empregos fossem uma entidade física de valor tremendamente inerente e como se todos os empregos por si só oferecessem grande prazer. 
Não nos demos conta ainda que desempenhar uma atividade que chamamos de trabalho somente faz sentido se pelo menos uma de três condições é cumprida. Primeiro, deve haver pouco ou nenhum dano ambiental direto ou indireto. 
Segundo, o produto do trabalho deve ter algum valor. Terceiro, o trabalho deve ser prazeroso ou um meio de auto-progresso significativo, tão agradável e tão significativo como qualquer outra coisa que pudesse ter sido feita ao mesmo tempo pela mesma pessoa. 
Se de um lado temos grande desempenho da economia com a multiplicação dos produtos para o mercado, bem como os avanços tecnológicos, de outro lado, os problemas ambientais se acentuaram em quase todos os âmbitos da vida em sociedade. 
Neste sentido, podemos traçar uma referência entre as mudanças sócio-ambientais globais e sua influência nas mudanças das políticas ambientais brasileiras. No final da década de 80 a idéia de sociedade sustentável continha uma ambigüidade que implicava para as sociedades economicamente desenvolvidas na redução do crescimento econômico e conseqüentemente no declínio do consumo. Depois de 15 anos se incorpora a idéia de valor econômico na concepção de sustentabilidade. 
Por uma questão didática dividiremos a exposição em sete pontos em que supostamente os problemas, em vez de diluir-se, crescem de maneira assustadora e em desconforto das declarações dos eventos e acordos internacionais. 
  1. Aumento da emissão de gases tóxicos pelo uso de energia de origem fóssil tem reforçado o efeito estufa nas últimas décadas. Apesar do movimento ambientalista e da tomada de consciência junto à opinião pública só tem se avolumado a emissão de gás carbônico, especialmente de origem fóssil e utilizado pelos automóveis. Em termos gerais, os dirigentes das nações que mais emitem estes gases e projetam o buraco na camada de ozônio tendem a negar-se a assinar um tratado para implementar políticas de redução. O aumento somente não se tem verificado em alguns países devido a grandes e agudas crises econômicas e sociais, tendo como conseqüência o declínio da renda e portanto do uso de automóveis. 
  2. Crescimento da produção de gases carbônicos pela queima de floresta e uso geral da terra. Neste sentido, a devastação das florestas na amazônia legal, com suas terras de baixa fertilidade constitui-se um atentado ao meio ambiente. Não só a queima incrementa a emissão de gases, senão que com a diminuição do volume das florestas ocorre também menor absorção de carbono existente no ar. Um dos pontos importantes do Protocolo de Kioto referia-se à insistência em implementar políticas para a redução das emissões de carbono. Mesmo assim, esse protocolo ainda pode ser visto como insignificante para almejar um nas questões climáticas nas próximas décadas equilíbrio, ou seja, sem aumentar mais o problema já detectado. Parece que existem razões ambientais para se incluir a proporção de árvores por habitante na aferição da qualidade de vida da população de um centro urbano. 
  3. A perda da biodiversidade avança quase de maneira concomitante com que se expande a ocupação do território como espaço social. Apesar do grande esforço para desvendar a riqueza da biodiversidade ainda existem lacunas, seja no que se refere ao conhecimento, seja quanto à utilidade no sentido da contribuição para uma nova relação homem-natureza. A perda da biodiversidade ocorre em função do incremento do nível de poluição em geral e de outra parte vinculada à destruição de florestas e áreas tropicais. A convenção da Conferencia Rio 92 obteve poucos efeitos gerais nessa área, mas gerou acordos ou áreas especiais de proteção ambiental de forma mais efetiva. Verificou-se que houve um inventário rico da existência da biodiversidade de acordo com as regiões brasileiras. Com maior conhecimento e com a multiplicação de cidadãos advogando-se defensores da causa gerou-se uma eficácia na proteção de nichos da biodiversidade. 
  4. A proliferação dos organismos geneticamente modificados se alastra sem o devido conhecimento dos usuários e do público consumidor. As mobilizações contrárias tendem a ser tidas como amparadas num passado de obscurantismo ou avessas às inovações tecnológicas imprescindíveis. O aperfeiçoamento de organismos é uma tradição antiga, sendo que a novidade agora que vem afetando diretamente a biodiversidade. Em janeiro de 2000 na reunião de Cartagena esteve em debate o protocolo da biodiversidade ou o regime da bio-segurança. Verifica-se um choque entre duas concepções e que gira em torno do grau de risco aceitável ou como traçar o limite dos usos para as modificações ou a sus tolerância. Nos Estados Unidos há muito mais tolerância ou apatia, enquanto que na Europa verifica-se maior relutância ou restrições diante dos organismos geneticamente modificados. No Brasil percebemos uma população dividida entre as duas perspectivas e, infelizmente, a maioria encontra-se alheia ao debate. Na agricultura os produtores tendem a ser favoráveis visando o aumento da produção e dos ganhos, além de não estar sujeito ao consumo imediato da própria produção. O próprio Estado apresenta-se ambíguo em seus encaminhamentos entre os dois posicionamentos, sem nítida definição de uma política. 
  5. O contínuo incremento do uso da energia e que passa pela questão nuclear com seus resíduos. Os alardes diante dos males e dos perigos da energia nuclear proporcionaram mobilizações de atores políticos e incitaram os ambientalistas nos anos 70/80. Na maioria dos países estagnou-se o uso ou a expansão das instalações para a exploração da energia nuclear. Esta questão é de grande ambigüidade uma vez que no Japão e na França cerca de dois terços da energia é de origem nuclear, o que com certeza gera lixo de alta toxidade. Os desastres com usinas produziram impacto, especialmente nos anos 70/80, inclusive com desastres ecológicos sem precedentes e de lenta correção. Na atualidade declina entre os cidadãos o medo dos efeitos do uso da energia nuclear e não se verificam movimentos antinucleares consistentes. Além do mais, todos as formas de produção e da utilização de energia implicam em algum impacto e de degradação da natureza. O marco da produção de energia depende do avanço tecnológico, da vontade política dos atores sociais e das estruturas regulatórias. Neste sentido, parecem inevitáveis os conflitos entre antigas áreas de produção com alto consumo de energia, como o carro a gasolina, e as novas áreas com tecnologia limpa, como o carro movido a hidrogênio. 
  6. A proliferação de armas nucleares traz graves conseqüências devido ao lixo atômico militar e também dos laboratórios de pesquisa. Há tanto resíduos que vem influenciar na degradação que são gerados na produção das armas, bem como uma vez existente o armamento necessita de manutenção. Nos últimos anos só tem aumentado sucessivamente os países detentores de armas nucleares, inclusive nações com alto índice de pobreza e baixo nível de desenvolvimento social. De outro lado, neste campo houve um progresso com o tratado de proibição de experiências nucleares subterrâneas. No que diz respeito ao comércio internacional de lixo tóxico houve significativos problemas nos anos 80 e verifica-se no final dos anos 90 a redução do transporte de lixo tóxico. Constituiu-se um fato sintomático que o Brasil muito tardiamente assinou o tratado de não proliferação de armas nucleares. 
  7. A ciência possui provas mais ou menos cabais de que existem mudanças climáticas irrefutáveis. A inquietação consiste em traçar as estratégias para atacar o problema, quais os fatores influentes que devem ser atacados por primeiro e de imediato se os setores populacionais envolvidos estão dispostos a abdicar de supostos direitos adquiridos ou comodidades fúteis. Afetados está sendo tanto a produção como o consumo energético, mas acima de tudo o fenômeno requer decisão política para atacar as causas: a questão energética encontra-se na queimada de florestas ou na queima de elementos fósseis. Os ecologistas propõem produção e consumo com menos gasto de energia, bem como explorar formas alternativas de energia. 
De um ponto de vista crítico cabe reconhecer a diferença entre conhecimento científico e prática política. Isto é, apesar do grande volume de conhecimento existente, os interesses econômicos e a cultura de consumo vigente exercem a maior influência sobre os efeitos admissíveis e os mecanismos regulatórios em questões ambientais. 
  • As sociedades mais desenvolvidas tendem exaurir mais os bens naturais e a poluir mais o ambiente, mas tendem a conseguir se adaptar melhor ou construir mecanismos de adaptação através do avanço tecnológico e da regulamentação sobre meio ambiente. 
Neste sentido, por uma série de mecanismos ligados a questões globais, os países subdesenvolvidos sofrerão impactos e desastres ambientais nas próximas décadas. Por força das circunstâncias internacionais, da distribuição da produção ao nível global existem implicações ambientais perversas e os efeitos das políticas e da degradação será mais incisiva sobre o terceiro mundo. 
  • Por ironia da história, os pobres, que são a maioria no globo terrestre, podem poluir e degradar menos, no entanto ao mesmo tempo, possuem as menores condições para reduzir os efeitos perversos de sua ação na sociedade.

Bibliografia:

BARCELÓ, Nicolau. Entrevista a James O´Connor. Ecologia Política, Barcelona, nº 4, set/94, p. 157-161. BRAUN, Ricardo. Desenvolvimento ao ponto sustentável. Novos paradigmas ambientais. Ed. Vozes. 
CAVALCANTI, Clóvis (org.) Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. São Paulo, SP : Cortez, 1997. 
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No conflito das Interpretações: O Enredo da sustentabilidade