terça-feira, 31 de maio de 2016

Gestão sustentável dos recursos pesqueiros, isto é realmente possível?

Gestão sustentável dos recursos pesqueiros, isto é realmente possível?

Jorge Pablo Castello 
Depto. de Oceanografia; FURG; CxP. 474; 96201-900; Rio Grande, RS; 
E-mail: docjpc@furg.br

  • A gestão das pescarias marinhas atravessa tempos turbulentos, no Brasil e no mundo em geral (Rose 1997). Os exemplos de gestão inadequada são numerosos e os bem sucedidos ficam restritos a uma minoria. 
Como biólogo pesqueiro e professor desta disciplina acompanho com preocupação a evolução das pescarias e sua cada vez mais difícil sustentação. O texto que segue abaixo reúne minhas reflexões sobre a gestão pesqueira, minhas leituras, discussões com colegas e são, também, produto das interações com meus alunos.

O Problema:
  • Estudos sobre os recursos pesqueiros foram iniciados no Mar do Norte no final do século XIX com o arenque, bacalhau e linguado, que eram as principais espécies consumidas pelos europeus. Aspectos, como migrações, idade e maturação já eram abordados naquela época. 
A pesca, uma forma de caça aquática, era inicialmente uma atividade de pequena escala que progrediu velozmente com a chegada da Revolução Industrial. Ela introduziu substanciais modificações na tecnologia de exploração dos recursos e nos mercados de consumo. 
  • A implantação da máquina a vapor nas embarcações pesqueiras permitiu a larga utilização da rede de arrasto de fundo (o guincho de pesca com duplo carretel foi inventado em 1881), pouco eficiente anteriormente, proporcionando uma maior autonomia e capacidade de atuação frente às condições climáticas adversas. 
Por outro lado, as redes de viação férrea que utilizaram os portos como centros de distribuição e a facilidade de produzir gelo, colocaram ao alcance dos consumidores afastados da costa um produto perecível que, anteriormente, só podia ser consumido fresco, defumado ou salgado. 
  • A rápida expansão da pesca levou a um declínio de 30 % da abundância de pescado no Mar do Norte já na última década do século XIX. Entretanto, era muito comum associar os oceanos com ambientes de recursos inesgotáveis. 
Repare-se que, ainda hoje, essa idéia está profundamente arraigada no imaginário popular e político menos ilustrado. Era também um “lugar comum” considerar que as riquezas dos mares fossem patrimônios da humanidade (propriedade de uso comum) e, portanto, ninguém poderia ser impedido de pescar fora das águas territoriais de um país, primeiro, fora das 6 milhas náuticas (o alcance de um tiro de canhão) e depois, das 12 mn. 
  • Russell (1931) mediante a formulação de sua divulgada equação de equilíbrio da biomassa de uma população estabeleceu, de maneira clara e simplificada, os princípios básicos da administração pesqueira. No final dos anos 30 era evidente que vários recursos do Mar do Norte e do Atlântico Norte estavam sendo sobre explorados devido ao que hoje conhecemos como sobrepesca de crescimento. 
Este efeito era ocasionado pelo uso de malhas pequenas nos sacos das redes de arrasto que retiravam os peixes do estoque com um tamanho inferior a aquele que ainda era possível obter antes que os ganhos por crescimento fossem cancelados pela mortalidade. A II Guerra Mundial trouxe uma paralisação quase total da pesca no Mar do Norte o que proporcionou um inesperado alívio da pressão pesqueira sobre os estoques de mersais. 
  • Com o fim da guerra e a reconstituição das frotas pesqueiras verificou-se que quase todos os estoques sobrexplotados da pré-guerra apresentavam abundância alta. Isto foi evidenciado pelo aumento da captura por unidade de esforço (CPUE), e pela presença de peixes de grande tamanho. Tinha-se demonstrado desta maneira, ainda que involuntariamente, que desaparecendo a mortalidade por pesca, os estoques podiam recompor seus anteriores níveis de abundância. 
No período 1945-95 as capturas mundiais marinhas aumentaram quase quatro vezes, de menos de 20 para mais de 80 milhões de toneladas. A partir dos anos 50 assiste-se a um acelerado crescimento e desenvolvimento tecnológico da frota pesqueira e uma expansão de mercado que leva, já nos anos 60, a procurar novos fundos de pesca. 
  • O desenvolvimento das grandes pescarias de ultramar foi a resposta encontrada pelas potências pesqueiras da época que fizeram pesados investimentos em embarcações maiores dotadas dos últimos avanços em tecnologia da pesca e navegação. Durante esses anos apenas alguns países como Equador e Perú tinham estendido seu mar territorial até o limite das 200 mn, mas os países desenvolvidos não reconheciam esse direito.
As frotas de ultramar, sob bandeiras da ex-União Soviética, Polônia, Romênia, Alemanha Oriental, Grécia, Espanha, Japão e outros países, introduziram os barcos-fábricas, com grande autonomia de operação e passaram a explorar recursos virgens ou subexplotados em diversas regiões do mundo, tais como Mar de Bering, Marrocos, Namíbia, África do Sul, Alaska, Atlântico SW, Pacífico SE e, por último, a região subantártica. 
  • Entretanto, o número de países que passaram a estender sua territorialidade até as 200 mn aumentou consideravelmente e, no início dos anos 70, a maior parte dos países do chamado 3° mundo já tinham aderido a essa norma jurídica. Com ela visava-se preservar os recursos e forçar as potencias pesqueiras ao pagamento de licenças ou celebração de contratos de explotação com os estados costeiros. 
As Nações Unidas, ao mesmo tempo, propiciaram uma série de reuniões internacionais visando o estabelecimento de um novo ordenamento jurídico internacional sobre o uso, conservação e gestão dos recursos do mar, vivos e não-vivos. 
  • Após vários anos de reuniões e difíceis negociações, foram acordadas em 1982 as bases da chamada Convenção das Nações Unidas sobre a Lei do Mar que, no que diz respeito aos recursos do mar, estabeleceu a Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Mediante esse instrumento jurídico, os estados costeiros são donos e gestores dos recursos existentes nos fundos marinhos e coluna de água compreendidos entre a costa e as 200 mn. 
Além dos direitos, a Convenção também consagrou uma série de obrigações para os estados costeiros como a de conservar e administrar os recursos vivos de suas respectivas ZEE’s, procurando obter a Captura Máxima Sustentável (CMS). O conceito da sustentabilidade dos recursos naturais nasceu no contexto da exploração florestal e pesqueira. 
  • De acordo com a definição da Comissão Mundial para o Desenvolvimento Econômico, o desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras em satisfazer as suas próprias. 
Na exploração pesqueira, o conceito de sustentabilidade estava inicialmente associado ao objetivo maior da administração pesqueira que era obter o rendimento máximo (ou captura máxima) sustentável. Posteriormente, ampliou-se esse objetivo incluindo a maximização dos benefícios sociais e econômicos da pescaria. 
  • Apesar de todos os conhecimentos gerados sobre a biologia, dinâmica dos recursos, influência do meio físico, desenvolvimento de modelos de avaliação e gestão, avanços tecnológicos para a navegação e localização de recursos, novas tecnologias de pesca e conservação de produtos, a maior parte dos recursos pesqueiros (cerca de 75% no mundo e mais de 50% dos recursos de Europa e América do Norte) encontram-se explotados ao máximo, sobrexplotados ou colapsados. 
A política, largamente difundida, de outorgar incentivos e subsídios fiscais dos mais diversos tipos têm conseguido manter em atividade grandes pescarias que, de outra forma, estariam condenadas a desaparecer por serem economicamente insustentáveis. 
  • Em outras palavras, uma relação custo/benefício desfavorável encontra-se largamente sustentada pelos aportes diretos e indiretos do dinheiro público repassados pelos estados e o público consumidor. Segundo informações do Bureau de Pescarias do Canadá o valor de mercado dos produtos pesqueiros capturados em todo o mundo, durante 1994, era muito inferior aos custos de sua captura e processamento, sendo a diferença amortecida por subsídios de toda classe. 
Por outro lado, em 1992 a FAO estimava que a renda dissipada por exploração irracional dos recursos pesqueiros marinhos era de 50 bilhões de dólares. Para tentar compreender as razões que levaram a esta situação proponho examinar o problema sob dois enfoques. O primeiro, diz respeito às características próprias dos recursos pesqueiros. 
  • O segundo, tem a ver com um conjunto de fatores como os modelos utilizados na gestão pesqueira, a viabilidade da sustentabilidade quando aplicada aos recursos pesqueiros e o processo de tomada de decisões na gestão.

Gestão sustentável dos recursos pesqueiros, isto é realmente possível?

Os Recursos e as Pescarias:
Entre as principais características dos recursos pesqueiros podem-se listar as seguintes:
  • Existe uma grande diversidade de produtos (espécies e produtos) e meios de produção (embarcações, artes de pesca, pescadores artesanais, ou industriais, etc). 
  • Os forçantes físicos, com significativa influência na biologia e distribuição dos recursos, operam em escalas temporais e espaciais de grande amplitude e nossas “janelas” usuais de observação (a literatura apresenta vários casos de fenômenos ambientais com ciclos de natureza decadal) são inapropriadas para registrar adequadamente o impacto dos fenômenos ambientais. Dessa forma os “sinais e assinaturas” dos fenômenos naturais confundem-se com aqueles devidos à pesca. 
  • O homem apenas pode controlar, embora muitas vezes com grande dificuldade, a quantidade, os tamanhos dos peixes, locais e épocas das capturas. 
  • Muitos recursos apresentam alta mobilidade, realizando extensas migrações trans-zonais, entrando e saindo das ZEE’s de dois ou mais países, ou entre uma ZEE e águas internacionais adjacentes. 
  • A maior parte das pescarias são multi-específicas. Embora possam estar direcionadas para uma espécie-alvo, os apetrechos capturam também outras espécies da fauna acompanhante. É comum que, junto com os adultos da espécie-alvo, sejam capturados juvenis de outras espécies (problema comum nas regiões costeiras; por exemplo, pescarias de camarões que também, capturam juvenis de teleósteos e elasmobrânquios). 
  • Com freqüência existem interesses de diferentes setores pesqueiros em conflito (por exemplo, os pescadores artesanais versus os pescadores industriais quando disputam um mesmo recurso ou, ainda, pescadores de uma categoria explotando o mesmo recurso, porém usando artes diferentes, ou um setor explotando um recurso que, de alguma forma, interage com outro que é explorado por outro segmento; pescadores “novos” vs. os “antigos”; esportivos vs. comerciais, etc.). 
  • As pescarias são atividades econômicas sendo, portanto, muito sensíveis às demandas do mercado. Escasseando um recurso e havendo demanda insatisfeita (em geral o mercado consumidor para produtos pesqueiros cresce continuamente), os preços sobem estimulando o aumento de esforço e maior exploração o que, num ciclo perverso, costuma retro-alimentar o processo levando à sobrexplotação. 
  • A atividade pesqueira é altamente competitiva. O sistema estimula que os pescadores se tornem rivais entre si, obtendo as capturas mais volumosas, descobrindo os fundos de pesca mais rentáveis e os peixes maiores, desembarcando as capturas antes que o concorrente, etc. Por outro lado, quando a fiscalização é ineficiente, tende a “premiar” econômicamente (a curto prazo), aqueles que violam as normas regulamentares da pesca e a “castigar”, os que as cumprem. 
  • O caráter de propriedade comum dos recursos pesqueiros e o livre acesso à eles são fatores que incentivam a competição entre os pescadores, a sobre-capitalização dos armadores e das empresas pesqueiras (embarcações maiores, recursos tecnológicos avançados e sofisticados para navegação, localização de cardumes e segurança no mar, redes de arrasto do tamanho de um campo de futebol, redes de emalhe de dezenas de quilômetros, câmaras de frio e congelamento eficientes, etc). 
  • Tudo isso aumenta os custos de produção e quando a sobrexplotação é alcançada a capacidade de produção do estoque declina ou é comprometida e o desperdício econômico e biológico dessas inversões resultam evidentes.
  • A produção biológica dos recursos é condicionada por um complexo de fatores bióticos e abióticos que estão fora do controle humano (forçantes físicos oceanográficos, e climáticos, competição inter’e intraespecífica, interações com outras pescarias, etc). Esses condicionantes tornam difícil estabelecer, com suficiente confiabilidade, máximos de produção e captura.
Nesta etapa da evolução da pescaria o problema alcança seu ponto crítico. - Se as autoridades da gestão pesqueira tentam reverter a situação mediante medidas de administração (defesos, tamanhos mínimos, controle do número de barcos, dias de pesca, tipo de artes, quotas de captura, etc.) o que essencialmente é um problema técnico, converte-se num problema político. 
  • É muito freqüente que os setores afetados pelas medidas pressionem politicamente às autoridades para obter subsídios, isenções e incentivos fiscais, preços mínimos, óleo combustível sem taxas, créditos a juros preferenciais e, também, estímulos fiscais para introduzir novas tecnologias com maior poder de pesca, o que contribui para agravar o problema. 
Repare-se que, neste jogo de interesses, o público consumidor, raramente ouvido ou convocado para as negociações, é quem acaba pagando a conta direta ou indiretamente.
  • Entretanto, o consumidor também contribui com a exacerbação do problema ao inflacionar a demanda. 
Quando o estoque finalmente colapsa*, geralmente nada pode ser feito a não ser abandonar essa pescaria e procurar outra (se houver) ou então, como última medida desesperada, estabelecer uma moratória o que acarreta grandes problemas sociais e econômicos (vejam-se os casos das pescarias de bacalhau de Newfoundland, Canadá e das Ilhas Faeroe, merluza na Argentina, lagosta no Brasil, etc. com milhares de pescadores desempregados ou sendo sustentados com recursos públicos do seguro-desemprego).
  • Os modelos de avaliação, a sustentabilidade, a gestão e a tomada de decisões. A gestão pesqueira necessita das informações básicas que são fornecidas pelas avaliações dos estoques. Essas levam em conta os processos de dinâmica populacional que afetam a biomassa das populações. Esta é a competência da biologia e dinâmica populacional pesqueira. 
Temas clássicos deste ramo do conhecimento são os estudos das taxas de crescimento, mortalidade natural e por pesca, recrutamento, determinação da abundância, migrações, reprodução, alimentação e outros. 
  • Certo número destes aspectos é integrado em modelos de avaliação de estoque visando prognosticar o efeito da pesca e sua intensidade sobre as capturas ao tempo que se objetiva a conservação do recurso em níveis sustentáveis de produção ótima. 
Entretanto, os modelos de avaliação sofrem de uma série de limitações teóricas e práticas, entre as quais se encontram as seguintes:
  • Assumem estados de equilíbrio nas pescarias; 
  • É necessário definir a unidade dos estoques; - não incorporam as flutuações biológicas e ambientais (causas naturais); 
  • Não integram adequadamente os componentes sócio-econômicos das pescarias; 
  • Os parâmetros do modelo possuem um grau de incerteza associado de valor desconhecido (a maior parte dos parâmetros dinâmicos são calculados por métodos sequenciais, ou seja que existe um efeito “cascata” na amplitude de erro associada a cada etapa do cálculo); 
  • Para os modelos que empregam a relação CPUE (Captura por Unidade de Esforço), sua validade é assumida como um dogma. 
A teoria clássica define que: C α q f, (onde C: captura; q: “constante” de capturabilidade ou vulnerabilidade; f: esforço de pesca), portanto, para uma determinada arte de pesca, a captura seria proporcional à abundância, ao esforço de pesca (f) e à proporção de peixes capturáveis, ou vulneráveis. 
  • Entretanto, essa proporcionalidade é questionável porque, o parâmetro “q”, longe de ser uma constante, é uma variável denso-dependente, ou seja, uma função da própria abundância e do comportamento dos peixes. 
Em situações de baixa densidade populacional (por exemplo, quando o estoque está muito reduzido pela pesca excessiva) a vulnerabilidade é maior que em situações de alta densidade. Por outro lado, o acelerado desenvolvimento nas técnicas de captura (impulsionado pela parafernália tecnológica, o comportamento competitivo dos pescadores e a necessidade de compensar a queda nos rendimentos) aumentou o poder-de-pesca das embarcações. 
  • Esta dimensão é difícil de ser quantificada e, geralmente, tende a ser mascarada nas estatísticas de captura (algo que aconteceu na pescaria de bacalhau de Newfoundland, Canadá). - para encontrar o ponto de máxima captura sustentável (em modelos de excedente de produção que utilizam CPUE), é necessário ultrapassar esse ponto e levar a pescaria ao estado de sobrepesca. Só depois de isso acontecer sabe-se qual é o limite de CMS do recurso. 
No entanto, é pouco provável que se consiga diminuir o esforço de pesca a um nível anterior menor. Isto significa que a pressão pesqueira que permite manter o nível de sustentabilidade desejável é quase sempre menor que a realmente aplicada. 
  • Os modelos e procedimentos de gestão, por sua vez, sofrem de várias limitações que restringem sua eficácia. Entre elas têm-se as seguintes: - os objetivos para o administrador (seja uma pessoa ou um órgão colegiado) são limitados e, muitas vezes, ambíguos, mal definidos e conflitivos. 
No entanto é importante lembrar que quando a administração obedece a desígnios políticos, a ambigüidade é uma característica que resulta “conveniente”;
  • Não existe o costume de incorporar uma análise de probabilidades; 
  • O “menu” de opções é estreito; - os objetivos e argumentos de caráter econômico e social tendem a prevalecer sobre os argumentos de caráter biológico e ecológico;
  • As políticas de desenvolvimento pesqueiro tendem a estimular e intensificar a produção ou, então, busca-se a “extensificação” (procurando novos fundos de pesca, recursos alternativos, exploração de águas internacionais, e pesca nas regiões que representavam as “últimas fronteiras”,etc); 
  • São favorecidas as medidas arriscadas em detrimento de atitudes mais cautelosas. Isto leva a questionarmos se a administração ou gestão pesqueira é uma ciência. 
Quando se examinam em detalhe as características acima apontadas, verifica-se que ela não é uma “hardscience” no sentido tradicional. A administração pesqueira consiste em tomar decisões sob condições de incerteza. Em geral, não existe a possibilidade de aplicar o método científico pelo qual, uma vez formulada uma hipótese, esta pode ser confirmada ou, contestada.
  • A maioria dos recursos pesqueiros (com a exceção de alguns recursos de invertebrados bentônicos) não pode ser submetida a experimentos de controle e replicação. Por exemplo, adotar experimentalmente uma redução do esforço de pesca para verificar o resultado dessa medida, seria fortemente resistido pelos pescadores e a indústria. 
Os cientistas e administradores têm uma dificuldade conceitual e prática para tomar decisões sob condições de incerteza. A incerteza sempre está presente, em maior ou menor grau. No entanto, essa incerteza é usada pelos grupos de pressão para justificar o adiamento das medidas que contrariam seus interesses, colocando o ônus da prova sobre os cientistas e administradores. Frente a estas considerações, cabe perguntar quais são as possibilidades de alcançar a sustentabilidade na pesca? 
  • Na modalidade presente, amplamente divulgada e defendida por muitos, a sustentabilidade é um conceito multidimensional onde considerações biológicas-ecológicas, sociais, econômicas e tecnológicas têm o mesmo peso. No entanto, resulta claro que sem a sustentabilidade biológica as outras dimensões carecem de sentido. 
As alternativas a este dilema parecem ser limitadas e exigem uma reforma profunda no direito público, tem um custo político alto, e poucos governos parecem estar dispostos a assumi-los. 
  • Entretanto, existe consenso na comunidade de cientistas de que, o livre acesso e a propriedade comum dos recursos vivos constituem uma parte importante do problema e deveriam ser revistos. Não é possível permitir ingresso irrestrito quando os recursos são limitados o que leva a dissipação do valor econômico e a sobrepesca de crescimento e recrutamento. 
A sustentabilidade social e econômica não pode se sobrepor à ecológica, pois isso equivale a ignorar as limitações naturais da produção biológica. Administrar a explotação de recursos pesqueiros tem mais a ver com regulamentar o comportamento dos armadores, pescadores, industriais e consumidores que, por sua vez, respondem a estímulos econômicos e sociais. Portanto, trata-se de administrar condutas humanas, mais do que controlar o recurso em si. 
  • Ludwig et al. (1993) sustentam que, quanto maior e mais imediatas são as perspectivas de lucro (mesmo que aparente), maior é a pressão política para facilitar uma exploração ilimitada ou além do conveniente. Esta percepção está fortemente vinculada à forma como o homem avalia as taxas de desconto na explotação de um recurso renovável (Hagens 2007) seja ele pescado, florestas, minérios, água, etc. 
Não existe uma solução simples para alcançar uma explotação sustentável das pescarias. Ludwig (2001) chegou a considerar isto como um “problema perverso”. Um ponto de partida passa por entender que: 
  • Manejo pesqueiro é um tópico político e polêmico na medida em que existem interesses opostos; 
  • Dificilmente é obtido o acordo de todas as partes envolvidas; 
  • O “alvo” do manejo encontra-se em permanente transformação, seja porque os problemas da explotação mudam de um ano para o outro, seja por causas naturais ou, por causas desconhecidas; 
  • A incerteza é inevitável; ela é um problema inerente aos estudos de dinâmica populacional; contudo, a incerteza não deve ser utilizada como pretexto para adiar as medidas de controle ou, direcionar o “ônus da prova” para a gestão;
Como contribuição sugiro avaliar o potencial das seguintes alternativas: - incorporar técnicas para lidar com a incerteza; técnicas bayesianas fornecem um meio apropriado para lidar com incerteza através de probabilidade;
  • Aumentar o “menu” de opções para escolher e examinar as conseqüências prováveis das diferentes decisões possíveis; 
  • Incorporar técnicas de “manejo adaptativo” (ativo e passivo) em que cada ação de gestão é considerada como uma experiência da qual é viável extrair muitas informações para corrigir o próprio manejo. quando possível, aplicar “exploração rotativa” (remoção seguida de renovação); 
  • Se pertinente, aplicar políticas de pesca diferenciada por unidades espaciais dos estoques; 
  • Implementação de áreas de reserva marinha; sob condições apropriadas elas atuam como verdadeiros reservatórios de estoques; - favorecer as medidas de controle de maior facilidade de aplicação; 
  • Implementar o acesso restrito o que equivale a estender direitos de propriedade do recurso, seja de forma coletiva (cooperativas, empresas) ou individuais; esses direitos, renováveis a cada ano, podem ser transferíveis e negociáveis; 
A indústria da pesca mundial enfrenta vários desafios para poder cumprir seu papel de fornecedor de alimentos (Hannensson 1996) e, ao mesmo tempo, assegurar a viabilidade dos recursos que explota, uma vez que qualquer aumento da produção não virá da pesca extrativa e sim da aquicultura.
  • É necessário gerar uma mudança do marco institucional para encontrar incentivos que favoreçam a conservação, por exemplo, através de algum sistema de direitos de uso (FAO 1993) limitando a capacidade de pesca ao que é estritamente necessário e compatível. Nesse sentido, remover os subsídios é urgente.
Referências Bibliográficas:

FAO. 1993. Marine Fisheries and the law of the Sea: A decade of change. Special chapter revised of the state of Food and Agriculture 1992.
FAO Fisheries Circulars nº. 853. Rome, 66p. Hagens, N. 2007. Climate Change, Sabre Tooth Tigers and Devaluing the Future. World Wide Web electronic publication, acessível em http://www.theoildrum.com/node/2243. (Acesso em: 23/02/2007).
Hannensson, R. 1996. Fisheries Mismanagement. The case of the north Atlantic cod. Fishing News Books, 160 p. Ludwig, D., Hillborn, R. & Walters, C. 1993.
Uncertainty, resource exploitation and conservation: lessons from history. Science, 260: 17 e 36. Ludwig, D. 2001. The era of management is over. Ecosystems, 4: 758-764.
Rose, G. 1997. The trouble with fisheries science. Reviews in Fish & Fisheries, 7: 363-370.
Russell, E. S. 1931. Some critical considerations on the "Overfishing" problem. Journal du Conseil International pour l'Exploration de la Mer. 6: 3-20.

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