domingo, 24 de julho de 2016

Agricultura e Meio Ambiente

Agricultura e Meio Ambiente

Xico Graziano
Gilberto Dupas
Xico Graziano 
  • Eu quero agradecer muito o convite para estar aqui. Estou satisfeito por ter dado nó na minha agenda e ter conseguido estar ao lado do Gilberto Dupas, que além de ter sido Secretário da Agricultura, é um professor, intelectual e um pensador, conhecido por todos nós que trabalhamos nessa área de economia, desenvolvimento e mais recentemente, nas questões de desenvolvimento sustentável. Falarei a respeito de algumas questões da agenda com a qual nós temos trabalhado na Secretaria do Meio Ambiente para mostrar as relações entre Agricultura e Meio Ambiente. 
E nesse sentido, eu me eximo de tratar de questões mais complexas ou mais teóricas, que certamente terão no professor Gilberto Dupas uma condição melhor de fazer isso. Então, aqui, talvez, a gente divida assim esse trabalho. Eu vou começar falando do Protocolo Agroambiental que firmamos com o setor do etanol no Estado de São Paulo. 
  • Quando nós assumimos o governo, essa situação da expansão do etanol já se verificava facilmente. Um verdadeiro assanhamento, para não usar outros adjetivos aqui. E os empresários entrando com dezenas de processos de licenciamento ambiental. 
E foi quando nós assumimos, e eu conversando com o professor Goldenberg, que me antecedeu, e ele dizendo: “olhe, isso aqui, não há nenhuma capacidade de análise, assim, para dar conta; se fosse fazer uma análise de um EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental), ou de um RAP (Relatório Ambiental Preliminar), que é o mais simplificado, mas de qualquer forma, demora e a legislação tem que ser cumprida etc.” 
  • E havia, na opinião pública, uma enorme preocupação com relação às queimadas. São Paulo queimou, no ano passado, 2,35 milhões de hectares de terra com cana-de-açúcar. Queimaria esse ano 2,9 milhões de hectares, e 3,5 milhões de hectares o ano que vem, 4 milhões de hectares. Embora haja uma lei que diz que ocorre uma redução progressiva, a expansão dos canaviais é muito forte, já estava sendo prevista como muito forte. 
Agora acalmou um pouco, o mercado tem suas regras. Então, orientado pelo governador José Serra, e em entendimento com o secretário João Sampaio, eu procurei o setor sucroalcooleiro e disse que do jeito que está não vai dar certo, não pode! Nós começamos a ter uma excessiva quantidade de intervenções da Polícia Ambiental sobre unidades açucareiras. Então houve uma derrubada de árvores muito grande. 
  • Em especial no norte do Estado, na região de São José do Rio Preto, principalmente. E eu não sei por quê, talvez seja uma neurose do passado, mas quem planta cana-de-açúcar não gosta de árvore, de nenhuma árvore. 
Acha que tem que derrubar todas as árvores. Então, procuramos o setor e fomos fazer a interlocução com base na seguinte ideia: São Paulo quer o etanol; o etanol é uma agenda ambiental positiva, mas nós não queremos aumentar a queimada, nem a pressão sobre os remanescentes florestais, fora a discussão sobre o uso da água, a vinhaça que começa a contaminar o lençol freático em alguns locais, e assim por diante. 
  • Então, não foi uma conversa fácil no início, mas na sequência dos acontecimentos, o setor foi percebendo que a agenda era inevitável. Até porque nós poderíamos, alternativamente, procurar a Assembleia Legislativa com um projeto para mudar a lei que diz que a queimada só vai acabar no período de 2021 ou 2031. 
Acabamos acertando que em 2014 esse processo termina, e não num prazo mais amplo. E os empresários começaram a aderir ao Protocolo Agroambiental e a elaborar um plano de ação para cumprir os requisitos do protocolo: recuperação de 100% das matas ciliares nas áreas canavieiras, além da eliminação da queimada; a elaboração de um programa de preservação, contra o desperdício de água, de poluição, um plano de conservação do solo em cada empresa açucareira, assim por diante. 
  • Esse processo avançou, a interlocução no grupo de trabalho que supervisiona a conformidade do protocolo é feita pelo IEA, aqui da Secretaria da Agricultura, pela área de meio ambiente e pela UNICA. É isso: as coisas aconteceram, nós estamos arredondando, 100 empresas já aderiram, e têm prazo, agora, para apresentar, porque aderir é uma coisa, ter conformidade é outra. 
Então, a Agenda Ambiental passou a ser incorporada no Estado de São Paulo, pelo menos, na atividade produtiva da cana-de-açúcar, visando à produção de etanol, ou de açúcar, porque no caso dá na mesma. A prática desse trabalho mostrou ser, primeiro, fundamental para a presença da agricultura ao lado do meio ambiente, dos dois secretários para fazer a interlocução, a negociação com setores técnicos, além da questão política mais ampla nessa cadeia produtiva. 
  • Neste momento nós estamos finalizando um protocolo muito semelhante à cafeicultura paulista. E nós devemos fazer com que a OCESP, a organização das cooperativas, assuma a interlocução do setor cafeeiro, que quer também entrar na Agenda Ambiental, e quer, enfim, seguir os princípios que nós estabelecemos nas diretivas do protocolo com o setor do etanol. Estamos também discutindo com representantes da suinocultura porque nós teremos que licenciar os empreendimentos dos suinocultores, pelo impacto ambiental que as granjas de suínos causam. 
Eu já criei suínos, em Araras, há muito tempo. Nós tínhamos um plantel razoável, tínhamos 32 matrizes. Para eles, 32 matrizes hoje é abaixo de fundo de quintal. Todos têm acima de mil matrizes. Então, a dimensão, o forte dos empreendimentos é mais de mil. Na Europa é um problema enorme. Na Holanda e Bélgica, problemas ambientais de contaminação de subsolo, de águas, com muito nitrato etc. Isso é um problema antigo. Há mais de 20 anos se conhece isso. 
  • No oeste de Santa Catarina também já é uma agenda que vem sendo vencida com muita dificuldade, pelo menos de 10 anos para cá. São Paulo vai ter que se mexer também. São Paulo tem grandes e bons produtores de suínos, e dejetos dessa atividade são problemáticos.
Está ocorrendo confinamento no Estado de São Paulo com 100 mil bois. É um empreendimento. E o sistema ambiental licencia uma fabriqueta de não sei quê, que vai instalar aí e não licencia um confinamento para 100 mil cabeças. Tem impacto, óbvio que tem. 
  • O boi no pasto é uma coisa, mas um confinamento se concentra ali. Só a urina já é um problema, como é a do suíno. Eu estou passando pela agenda para mostrar sempre essa questão da agricultura e do meio ambiente. Recentemente, saiu uma matéria mostrando como é que estão aplicando o Furadan para combater o mal de sigatoka, no Vale do Ribeira, por avião. 
Uma barbaridade! E essa questão de agrotóxicos, que é uma agenda que vem desde lá de trás trazida principalmente pelos engenheiros agrônomos, ela já melhorou muito, mas ainda fazem aquilo ali. Pulverizaram em cima do jornalista e do fiscal, e a legislação obriga a avisar com antecedência de 48 horas, se não me engano, que você vai fazer a pulverização. 
  • E pulveriza por cima de todos. Eu vim dizer ao João Sampaio (secretário de Agricultura e Abastecimento) que eu vou começar a fiscalizar porque o sistema ambiental está aí para isso. Qualidade de águas, eu também quero saber... 
Tem resíduos? Como é que é? A CETESB não está preparada propriamente para isso, mas precisa avançar, e aí é uma agenda que passa aqui pela agricultura, porque, pela legislação, quem cuida desse assunto é a área da agricultura, que faz registros de produtos, que faz registros das empresas que usam avião. Isso não é agenda do sistema estadual de meio ambiente, mas obviamente o problema ambiental está aí. Além da saúde das pessoas. 
  • Eu também tenho conversado aqui na Secretaria a respeito do fato de que o sistema estadual de meio ambiente precisa começar a ter maior interferência em um tema que também já evoluiu muito nas questões ambientais de agricultura, mas os passos precisam ser consolidados. Eu me refiro à questão da erosão de solos. 
Há uma lei para ser cumprida, há uma regulamentação que estabelece penalidades, nunca nenhum agricultor no Estado de São Paulo foi penalizado por não combater a erosão do solo. Pois eu vim pedir ao secretário João Sampaio que em algumas circunstâncias, quando uma erosão está assoreando um corpo d’água, ou está em uma área de preservação permanente, ou numa reserva ecológica. Pedi ao secretário que, nestes casos, ele delegasse a atribuição que hoje é da coordenadoria de defesa, para a polícia ambiental, para que ela pudesse começar a visitar esses agricultores. 
  • Hoje eu não posso, porque a atribuição é da Secretaria de Agricultura, mas francamente falando, esta Secretaria não tem condições de atuar, não tem tido nessa agenda. E erosão de solo, existem muitos casos que são ainda inacreditáveis, especialmente nos solos mais fracos do oeste. Voltando à questão do álcool, para os empresários deste setor, a grande motivação deles, além das imposições legais, do jogo do poder político que o governo exerceu para fazer as coisas, é a econômica. 
Eu me referi brevemente a ela. Os europeus estão dizendo cada vez mais que não comprarão etanol sujo. E talvez aqui é que exista a questão fundamental que unifica essas duas agendas, no sentido pró-ativo. 
  • Não do comando e da fiscalização do Estado, nem da legislação obrigatória; pró- ativo no sentido de que a agricultura brasileira começa a perceber em vários setores que, ou ela investe em qualidade e em certificação, que significa origem e qualidade ao mesmo tempo, ou ela não se aproveitará dos mercados que existem, os externos e, progressivamente, o mercado interno. 
Na fruticultura isso já é muito claro, e o Brasil tem um atraso histórico dentro dessa agenda da certificação e da qualidade, comparativamente a outras nações. Eu fui recentemente ao Congresso Brasileiro de Agronomia e havia em torno de 1.200 profissionais e estudantes, e eu, como sou meio desbocado, porque sou filho de calabrês, disse: “os agrônomos do País não estão devidamente preparados para trabalhar com essas questões mais modernas, e as faculdades de agronomia, e eu trabalhei 16 anos na UNESP, também estão atrasadas na formação desta agenda da qualidade da agricultura e dos processos de certificação, e tudo que isso significa em termos de mudança de paradigmas, em termos da forma de produzir”. 
  • E aí mexe com o agrotóxico, mexe com a água, mexe com a preservação florestal, porque as questões ambientais são cada vez mais as principais questões dentro desses protocolos de certificação, e que já existem em várias partes do mundo. 
Em geral, são socioambientais e, como argumenta o professor José Eli, da USP, o socioambiental está virando uma palavra só. Portanto, talvez se nós raciocinássemos apenas por esse lado, da certificação de qualidade, com origem etc. da produção, isso vai unificar as agendas. 
  • E isso está levando a essa preocupação dos agricultores, porque eles percebem que se não fizerem isso, não participarão do mercado do qual querem participar. No Brasil, há um programa exemplar nessa matéria, que é o Programa Integrado de Fruta (PIF), do Ministério da Agricultura, que começou mirrado e foi crescendo e foi se impondo. Ele é muito rigoroso, e certamente muitos conhecem. 
Mais rigoroso, talvez, do que o protocolo que certifica no Eurepgat (programa de qualidade das grandes cadeias europeias de distribuição), e os agricultores estão vencendo. No Estado de São Paulo, não sei, mas deve ter pelo menos 500 ou 600 fruticultores que já estão cumprindo as exigências dentro do PIF; esta é uma agenda que tarda para se impor, mas que está vencendo. 
  • Na medida em que os empresários, que são grandes empresários produtores de cana-de-açúcar, de açúcar e de álcool também entram no processo, como demonstraram agora, isso vai atraindo outros, como por exemplo, as do café. 
O café, que já faz produto diferenciado no mercado, com marca própria e com origem, os cafés de qualidade, os cafés especiais, e então eles querem também colocar que aquele café que eles fazem naquela fazenda lá onde a Mata Atlântica é absolutamente preservada, com área de preservação permanente, e que todo mundo tem carteira assinada, que são as outras questões etc. 
  • Então, esta questão ambiental começa a se tornar um valor econômico e uma diferença no mercado. É fundamental conseguirmos que as ações do governo, dos governos ou dos próprios empresários e dos técnicos caminhem nesse sentido; e as exigências estão sendo cada vez maiores também para a carne. Nós precisamos melhorar muito os nossos sistemas de controle, de sanidade, porque nós estamos ainda muito num faz-de-conta, enfiando as coisas embaixo do tapete, nessa matéria. 
E, por fim, nessa minha consideração, e também nas interlocuções que eu tenho feito, e eu viajo muito a outros Estados, porque gosto de fazer palestras, conferências e reuniões - e na experiência como Secretário de Estado, do Meio Ambiente, em que venho discutindo essas questões -, eu tenho tido cada vez maior ousadia em dizer que, ou a agricultura assume a agenda ambiental, ou ela vai ser obrigada a assumir. 
  • Então, não há a opção de produzir de forma sustentável, não há a opção de fazer diferente; ou faz cumprindo a boa agenda ambiental com práticas agrícolas adequadas etc., ou vai dar errado. Se você pensar isso para o etanol, com certeza, e todos nós estamos testemunhando, isso se produzir álcool e vender dizendo que é da Amazônia, não vai vender. 
Se sair o álcool da Amazônia, o mundo vai boicotar o álcool brasileiro. É assim que funciona, gostem ou não! E eu me lembro, quando ainda nos anos de 1988, 1989 talvez, eu trabalhava com o Fernando Henrique, e ele era Senador, 1990. 
  • O Fernando Henrique voltou do exterior e eu, muito curioso em aproveitar sua sabedoria, ficava tentando entender o que ele tinha ido fazer para lá e para cá; e eu me lembro, ficou marcado em mim uma coisa que ele me falou, em nosso escritório que eu gerenciava: “olha, essa questão da globalização, a gente vai para lá e para cá”, aqui no Brasil a discussão era a seguinte: você é a favor ou contra a globalização? 
A polêmica era quem era a favor e quem era contra a globalização, e o que ele me disse, e naquela hora percebi claramente, aprendiz dessas matérias em que a questão era o saber, e ele me citou um italiano que deu a frase para ele. O problema é saber se nós vamos nos globalizar, ou se eles vão nos globalizar, porque que vai globalizar, isso vai. Então, para o Brasil essa questão também começou a ser colocada depois, não é ser contra ou a favor da globalização, é quem comanda o processo. 
  • No caso do ambiental, da agenda ambiental, eu quero fazer aqui essa analogia, quem é que vai comandar o processo? Vai ser imposto ou vai ser assumido pelos setores da agricultura? Eu, quando fiz uma das reuniões, eu disse isso lá na ESALQ, para muitos engenheiros agrônomos do setor canavieiro, porque muita gente ainda fica em dúvida, acha que queimar não faz tanto mal para o solo, e que afinal de contas já está provado que o fogo é rápido, esquenta só dois a três centímetros, há uma série de argumentos que foram utilizados para justificar. 
Eu falei: 
“olha, gente, e isso, obviamente, foi mostrado e é verdade, e isso é superado, a discussão não é mais essa. A questão é outra, agora, é crescimento global, ninguém falava disso, alguns sabiam, mas nós, não. Nós temos que assumir. O mundo mudou completamente”. Ah, mas meu avô desmatou toda a beira do rio. Agora vou ter que replantar toda a beira do rio? Claro que vai. 
Não existe saída, e as pessoas ainda passam arado. Arar já é uma coisa antiga, arar e gradear então... Nós aqui nos formamos, lembram quando saíram aqueles gradões? Arava e gradeava ao mesmo tempo, a coisa mais linda do mundo. Um trator enorme para puxar, aquilo lá está virando peça de museu. 
  • O Brasil já vai semear nesta safra agora 25 milhões de hectares com plantio direto. É uma coisa maravilhosa! É outra agricultura. E ainda gradear na beirada do rio? Aí não tem jeito. Temos que fazer lições de casa. 
Mas é verdade que nas décadas de 1940 e 1950, esta Secretaria da Agricultura dizia que tinha que fazer isto, fazer aquilo, começava por derrubar a beirada do rio porque tinha malária; bom, era outro tempo, outra época, outro mundo, outra agricultura, outro mercado. Então, não adianta ficar como a gente fala lá no interior, e todo mundo aqui tem pé no interior, fica que nem cabra, que você fica olhando para ela, ela fica: hum, hum, hum. 
  • Não adianta ficar que nem cabra, rameando: - “não, não sei se dá...” É fazer, ou fazer. A agronomia nacional, a agricultura brasileira, os técnicos do setor, somos nós que temos que assumir essa agenda ambiental, e fazer! E vamos fazer bem feito, porque dá para você fazer bem feitinho a questão da suinocultura e vender crédito de carbono para alguém que vai comprar. 
Quer dizer, não só dá para fazer bem feito, como dá para ganhar dinheiro. Porque essas coisas também apareceram junto com instrumentos novos. Nós estamos trabalhando na criação de uma legislação estadual, mas o nacional também, para fazer pagamentos por serviços ambientais, remunerar quem preserva a mata ciliar. A agenda ambiental não pode ter só não. 
  • Não pode fazer isso, não, não, não. E quem faz o sim, e quem faz direito, tem que ser remunerado pela sociedade; parte dos recursos da cobrança do uso da água no Estado de São Paulo será direcionada à proposta que estamos elaborando; precisa de uma lei, portanto, é a Assembleia que vai decidir, o que será direcionado para o pagamento de serviços ambientais desta ou daquela bacia hidrográfica. Então, de repente manter um pedacinho de mata, recuperar uma outra e que causa tanta reclamação, aquilo lá ainda vai dar dinheiro. 
Não é muito dinheiro, mas para o agricultor é como o dinheiro de leite, em que ele reclama que é pouco, mas todo mês pinga o dinheiro, é esse dinheiro do leite que paga a despesa. Não é assim que os leiteiros falam? Hoje os leiteiros estão ficando tão grandes que eu não sei mais como é que é. Mas lá no folclore da nossa roça, fala-se do dinheiro de leite. 
  • Que seja um dinheiro de leite, mas que pinga, para remunerar o serviço ambiental. E a Costa Rica já está fazendo isso. Se a Costa Rica está fazendo, então também devíamos a começar fazer por aqui. Que me desculpe a Costa Rica e os costarriquenhos, sem querer menosprezá-los, mesmo porque eles estão mostrando que são mais evoluídos que os paulistas nessa matéria. 
E um dos temas que eu vou discutir no Uruguai esse final de semana está ligado a essas questões, que poderão se constituir em uma agenda latinoamericana etc., que está avançando. Então, eu penso que há muita relação e intersecções, e há uma agenda comum que une agricultura e meio ambiente e, talvez, no futuro aconteça aquilo que o Professor José Eli disse, que o socioambiental está virando uma palavra só, com um significado único. 
  • De repente, agricultura e meio ambiente também vão acabar se fundindo. Para fazer agricultura, tem que respeitar o meio ambiente. Não sei quanto tempo vai demorar para chegar lá, mas vai. E para terminar, faço uma confissão pessoal. Eu, que já tive o prazer e a honra de ser Secretário da Agricultura e que agora sou do Meio Ambiente, que é um caso inusitado... 
E essas coisas estão se aproximando, e eu dizia que tenho um dilema íntimo, por estar fazendo o que estou fazendo - e as coisas que já fiz na vida, de talvez, como engenheiro agrônomo e agricultor que sou, e de família de agricultores - que é ajudar na posição que ocupo e convencer os agricultores a serem ambientalistas. 
  • E acabar com esse falso, porém, real dilema da sociedade, que opõe ambientalistas aos agricultores. E a mídia adora isso, é ruralista contra ambientalista. É uma pauta fácil para a mídia comprar. Pois aqui em São Paulo, o que eu gostaria de ajudar muito, é na transformação do agricultor em ambientalista, e talvez, nesse processo, se eu tiver sorte, poderia ajudar convencer também os ambientalistas, a maioria dos quais não têm a menor idéia de como é que se faz agricultura, a entender um pouco como é dura a vida do agricultor. 
Porque não dá para sair assim, de uma hora para outra, recuperando todas as APPs dele, porque precisa fazer cerca, porque se não fizer cerca, não adianta, o gado vai lá, e a cerca hoje se faz com arame, e a cerca é comprida, é reta, senão você não estica, e o rio é cheio de curvas, então como é que você deixa 30 metros de cada margem, que é o que diz a legislação? 
  • Mas se os ambientalistas se aproximarem e conhecerem melhor a vida rural e, por sua vez, os agricultores se interessarem pela agenda ambiental, pode ser que no futuro, sei lá quanto tempo, daqui pelo menos uns 20, 30, 50 anos, essa agenda, definitivamente possa vir a se fundir. Obrigado e parabéns a vocês que organizaram essa comemoração dos 65 anos do IEA e trabalham aqui nessa instituição. 

Agricultura e Meio Ambiente

Gilberto Dupas 
  • Eu estava me lembrando aqui com o pesquisador Eduardo Castanho, que na minha época de Secretário, a gente falava Secretaria da Agricultura, Meio Ambiente e Abastecimento. Porque grande parte do meio ambiente estava aqui dentro. 
Você vê como o mundo dá voltas, quem sabe daqui a pouco a gente chega de novo à integração tão saudável quanto Francisco Graziano mencionou. É um grande prazer estar de volta aqui falando para vocês, alguns amigos, de velhos tempos e o secretário Xico Graziano, com a sua reconhecida competência, analisou as questões mais tópicas referentes à agenda ambiental paulista, de que ele hoje é o responsável maior, alertando para aspectos e políticas tópicas relativas a agricultura e meio ambiente. 
  • De uma maneira muito prática, muito objetiva, como diz ele, é o estilo, ao bom estilo calabrês. Eu vou me concentrar aqui em questões conceituais um pouco mais amplas, sobre as tensões entre crescimento econômico e meio ambiente, procurando dar o embasamento mais extenso a esse que talvez seja uma das maiores questões mundiais nesse início de século XXI. 
Tensões entre crescimento econômico e meio ambiente. É disso que se trata. Tensões até certo ponto inevitáveis para completar ainda mais o problema. Os últimos 20 anos, o dinâmico e abrangente capitalismo global gerou duas tensões fundamentais que agora convergem para um mesmo impasse estrutural. 
  • De um lado, a estagnação dos níveis de pobreza, do outro, uma crise ambiental sem precedentes provocada pelo próprio modelo econômico, sucateador de produtos, esbanjador de energia, crise essa, agora agravada pela bem-sucedida opção de China e Índia de associarem-se como parceiros da lógica global e crescerem a taxas elevadas. 
Um rápido exemplo de um estudo que desenvolvemos há pouco tempo, lá no meu instituto, se Índia e China persistirem a crescer a essas taxas, de 10% e 7% nos próximos 10 anos, o que os analistas internacionais dão de barato, será preciso que a economia global gere nesses 10 anos um PIB adicional, para acolher este crescimento, de US$13 trilhões, ou seja, um novo PIB norte-americano, quase 30% do PIB global. 
  • Imaginem vocês as tensões brutais só em recursos naturais e meio ambiente que essa situação, se continuar, vai gerar. A questão central é como equilibrar os benefícios e os riscos dos novos vetores tecnológicos definidos pelo setor privado, incluindo agora, genética, robótica, nanotecnologia, transgênicos, que incluem alteração da espécie, clima, envenenamento ambiental adicional, e que podem gerar um desastre que comprometeria, irremediavelmente, a existência de muitas gerações. 
Durante as últimas décadas, a crise ecológica foi se anunciando de maneira crescente. Graziano mencionou aqui, que nos tempos em que nós éramos jovens, a questão ecológica não existia. De repente, ela foi se impondo na discussão internacional, e mesmo assim, uma agenda necessária para evitá-la não se concretizou. 
  • O fato científico central é que a espécie humana hoje corre um risco sério de desestabilização, porque sua saúde e suas atividades dependem do bom funcionamento dos ecossistemas, que estão entrando em colapso, e de recursos naturais abundantes que passam a escassear. 
Os alertas da comunidade científica tinham sido até então classificados de catastrofistas, e as sociedades perderam muito tempo, iludidas pelo discurso hegemônico dos atores econômicos que garantiam que as novas tecnologias teriam competência para darem um jeito: “não se preocupem, as tecnologias resolverão”. 
  • O poder econômico reagiu e continua reagindo, tentando a desmoralização e o enfraquecimento das denúncias de um colapso provável. No mesmo momento da divulgação, em fevereiro deste ano, da primeira versão do Relatório do IPCC em Paris, sobre as mudanças climáticas anunciadas, o grupo conservador American Interprise Institute, tradicional lobista do Congresso dos Estados Unidos, e apoiado por empresas líderes do setor do petróleo, enviava convocação a especialistas e cientistas do mundo todo, eu a recebi pela internet, oferecendo pagamento de US$10 mil a US$15 mil para cada paper que contestasse qualquer ponto do relatório do IPCC. Isso foi divulgado no mesmo dia em que o relatório saiu. 
E hoje mesmo há um indivíduo ilustre dizendo que tudo isso é bobagem. Tudo isso é besteira. Foi reitor da Universidade de Brasília. Mas é a própria Associação Americana para o Progresso da Ciência, congregando 262 sociedades científicas, que já endossa os alertas, garantindo que a evidência de mudanças climáticas é agora inequívoca. 
  • E cobra providências enérgicas dos governantes. Importantes especialistas da comunidade internacional concordam finalmente com o diagnóstico básico e apontam a fragilidade ecológica como um dos pontos mais críticos do momento. 
Sempre houve ciclos climáticos e movimentos de extinção de espécies, mas nunca no ritmo atual, e por clara ação do homem. A dúvida está na nossa vontade e capacidade de reagir. E em saber se a tragédia já está programada ou se ela ainda é reversível. Cerca de 12% de todas as espécies de aves, 23% de mamíferos, 25% de coníferas, 32% dos anfíbios, aproximadamente, estão ameaçados de extinção. 
  • Cerca de 60% dos serviços vitais que os ecossistemas oferecem à humanidade estão degradados ou explorados de maneira não-sustentável. Ar, água, solo, em consequência, agricultura e alimentos, estão contaminados por moléculas químicas inéditas, que podem induzir ao câncer, à má formação e à esterilidade. 
Dois anos atrás, aqui no Hospital das Clínicas e, ao mesmo tempo, em Paris, dois institutos independentes divulgavam uma pesquisa sobre o resultado da análise de fertilidade no esperma masculino, que caiu 50% nessas duas cidades nos últimos 10 anos, por conta, atribui-se, da poluição ambiental. 
  • A era da abundância em recursos naturais está terminando. Mais alguns passos na direção errada e o irreparável pode acontecer, tendo a própria humanidade como responsável e as gerações futuras como vítimas principais. Tanto Kant quanto Marx supunham que a evolução do conhecimento e do saber, bem como o aproveitamento pragmático das ciências por meio das técnicas, ocorreria inexoravelmente em direção a um progresso no sentido da ilustração e da emancipação. 
Mas o sinal de alarme ecoou quando o saber científico converteu-se definitivamente em um problema ético com o Projeto Manhattan produzindo uma bomba atômica e Truman inaugurando a catástrofe nuclear em Hiroshima. Pela primeira vez a humanidade estava em condições de exterminar a si mesma, utilizando-se do progresso científico e tecnológico, e eventualmente, tornando a Terra inabitável. 
  • O processo civilizacional sempre ocorreu combinando fatores determinísticos de natureza cósmica, grandes ciclos de aquecimento, de desaquecimento etc., também de natureza físico-química e genética, com contínuas escolhas dos seres humanos. No entanto, a partir do início do século passado, a ação humana, operando por meio dos sistemas de poder, foi pela primeira vez decisiva na determinação das condições de vida e dos destinos da humanidade.
A questão da escolha é crítica, feita pela ação do domínio. Feita a opção pelo domínio do ciclo nuclear, a bomba atômica poderia ter sido fabricada ou não. E, ainda que fabricada, poderia ter sido utilizada ou não. O mesmo ocorre com a prioridade global do transporte individual sobre o coletivo, sob a indução da indústria automobilística. 
  • Não há nenhum impedimento tecnológico ou financeiro para que as grandes cidades movimentem sua população de forma limpa e eficiente, mas não é essa a escolha. E assim por diante. A questão é determinar quem define essas escolhas, e em benefício de que grupos e de que lógicas. O fato é que, manipulada pela ação humana, a natureza acabou se transformando num problema ético em si mesma, tão degradada que está. 
E a nossa relação com ela converteu-se numa questão decisiva, afetando as condições de vida sociais e a possibilidade de sobrevivência da espécie humana. Clamando por uma nova ética da responsabilidade, informada por um saber que ilumine as consequências deliberadas da ação humana, Hans Jonas alterou a formulação dos imperativos categóricos de Kant, incorporando essas tensões na sociedade mundial e na dos indivíduos contemporâneos. 
  • Ele reconstrói esses imperativos assim: “atua de tal modo que pelo menos os efeitos da sua ação sejam compatíveis com a permanência da vida humana sobre a terra”. Vejam que é um princípio minimalista residual, pelo menos é isso que está em jogo. Podemos, esquematicamente, identificar nesta questão ambiental as quatro principais correntes de pensamento em relação a tensões entre meio ambiente e crescimento econômico: os chamados ecologistas profundos, os ecoeficientes, os ecologistas sociais e os antiecologistas. 
Os três primeiros grupos têm entre si diferenças sensíveis e pontos comuns, sendo o principal ponto comum a afirmação de que somos responsáveis pelo futuro do meio ambiente. Já os antiecologistas, que costumam ter ligações mais estruturais com os interesses do capital, opõem-se a todas as outras, depreciando-as, desqualificando-as ou, simplesmente, ignorando-as. 
  • Os chamados ecologistas profundos, e essa é uma denominação do Juan Martinez Allier, caracterizados pelo culto à vida silvestre e o amor aos bosques primários e aos cursos d’água, não atacam propriamente o crescimento econômico, mas colocam a necessidade de uma imperiosa ação de retaguarda, que vise preservar o que sobrou de espaços da natureza original que ainda se situam fora da influência do mercado. A grande ética, os agentes livres e o mercado. 
Eu estava na semana passada em Quito, no Congresso dos 50 anos da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), e o presidente do Equador, Rafael Correa foi fazer uma Conferência de Abertura. Eu não o conhecia: jovem, impetuoso, quarenta e poucos anos, com doutorado e mestrado na Universidade de Columbia, sujeito inteligente, foi professor da FLACSO por 10 anos; em algum momento ele disse, para colocar claramente a questão da ética e do mercado: “as correntes liberais e neo-liberais dizem que ser ético é ter mercado livre e agentes racionais”. 
  • E aí ele deu um pequeno exemplo, “imagine uma jovem perdida numa floresta durante três dias, morrendo de sede, um jovem a encontra com água na mão, e ela diz: ‘me salve, estou morrendo de sede’, e ele diz: ‘só se você dormir comigo’. E ela dorme, e sobrevive”. Diz Correa, mercado livre, agentes racionais, onde está a ética? É um exemplo interessante, eu achei curioso. Espécies em perigo e perda da biodiversidade são algumas das preocupações centrais deste grupo de ecologistas profundos. 
Em alguns países, onde resta uma biodiversidade significativa, essa corrente costuma utilizar valores religiosos como o lado sagrado da natureza, das crenças indígenas que sobreviveram à devastação dos conquistadores. Aqui no Brasil a gente não leva muito a sério essa história de movimentos indígenas, parece tudo uma coisa de folclore, de miçangas e espelhinhos. 
  • Nos outros países da América Latina, não! A coisa indígena é séria e os valores indígenas sagrados têm um significado na sociedade muito mais pesado, como vocês sabem. Já os chamados ecoeficientes estão preocupados com o efeito do crescimento econômico sobre as áreas nativas, e os impactos ambientais ou risco à saúde decorrentes da industrialização, da urbanização e da agricultura moderna. 
Em geral, os ecoeficientes defendem o crescimento econômico, mas não a qualquer custo. Acreditam no desenvolvimento sustentável, na modernização ecológica e na boa utilização dos recursos. Preocupam-se mais com os impactos da produção de bens e com o manejo sustentável dos recursos naturais do que com os atrativos da natureza e/ou os seus valores intrínsecos. Preferem a linguagem econômica e de recursos naturais, capital natural, serviços ambientais para designar a natureza. 
  • E acham que as espécies não possuem necessariamente direito indiscutível à vida, com a exceção da humana, evidentemente. Suas propostas práticas são eco-impostos, mercados de licenças de emissões, novas tecnologias voltadas para a economia da energia e das matérias primas, e a precificação visando a um correto metabolismo industrial, colocando o preço da degradação ambiental para dentro dos produtos a serem consumidos e um controle da degradação causada pela industrialização. 
Os bio-tecnólogos embarcaram nessa corrente pelas sementes de laboratório que prescindissem de praguicidas e que permitissem uma síntese superior do nitrogênio atmosférico, mas encontraram resistências significativas quando chegaram aos transgênicos. Em suma, a primeira corrente de ecologistas acha imperioso salvar o que sobrou da natureza, preservando-a da economia, e a segunda admite que mudanças tecnológicas podem compatibilizar a produção de bens com a sustentabilidade ecológica. 
  • Esta última corrente faz composições eventuais ou é mais permeável aos interesses do capital, algumas vezes sendo utilizados por eles, para vender a ideia de empresas verdes como solução cosmética para questões ambientais e estruturais. Nunca me esqueço, há cinco anos, quando essa onda começou. 
O novo presidente da Ford fez o seu discurso de posse dizendo que ia transformar a Ford numa empresa verde. Um exemplo é a associação entre a Shell e a WWF para o plantio de eucalipto em áreas ao redor do mundo, sob o argumento de que isso diminuirá a pressão sobre os bosques naturais e, supostamente, promoverá o aumento da absorção de carbono. Finalmente, os ecologistas sociais adeptos da justiça ambiental ou do ecologismo dos pobres, como diz Allier, chamam a atenção para os impactos da degradação do meio ambiente sobre os mais pobres. 
  • E alertam para o deslocamento geográfico das fontes de recurso e das áreas de descarte dos resíduos em direção aos países periféricos. Esta tese tem como um dos seus argumentos centrais serem as importações provenientes da periferia destinadas ao consumo cada vez maior dos países centrais. 
Vejam: a Europa e os Estados Unidos, aproximadamente, importam cerca de dois terços do que utilizam não só de commodities, mas também de ferro e de vários outros produtos que são produzidos na periferia. Esta tese sofre agora um abalo temporário, mas só temporário em função da emergência da China e da Índia, que são países da periferia demandando grande número de recursos naturais que virão de outros países da periferia, do Brasil inclusive. 
  • Ainda assim, os Estados Unidos importam metade do petróleo que consomem, a União Europeia, uma quantidade de materiais energéticos quatro vezes maior do que exportam; por outro lado, a América Latina exporta uma quantidade seis vezes maior de materiais energéticos do que importa. O resultado é que as fronteiras de petróleo, gás, alumínio, cobre, eucalipto, óleo de palma, camarão, ouro e soja transgênica avançam em direção a novos territórios, quase sempre na periferia. 
A produção de camarão, a carcinicultura, está se transformando numa verdadeira praga no mundo todo, liquidando as reservas de mangue, liquidando-as, deixando de lado os liquidados e passando para o território seguinte. A Índia acabou de proibir temporariamente a implantação de carcinicultura no seu território. 
  • O que é um grande problema, pois 75% do camarão consumido no mundo já vem de cultura artificial e eu, que estive no Equador agora, um dos maiores produtores do mundo, era camarão do café da manhã até a ceia, em tudo quanto é prato que se podia comer. 
No segundo dia, eu não podia mais nem olhar camarão. São todos grandes e bonitos, mas produzidos daquele jeito que vocês conhecem. Isso gera impactos não solucionados pelas políticas econômicas ou por inovações tecnológicas, e atingem desproporcionalmente alguns grupos sociais que tentam protestar e resistir. 
  • É o caso dos direitos territoriais indígenas, que aqui no Brasil, embora pareça que sim, não são tão levados a sério, como em outros lugares do mundo. Ou como na luta de comunidades camponesas mexicanas contra a destruição do milho, cultura nativa essencial, que está ameaçada por causa das importações principalmente do milho transgênico norte-americano, subsidiado em 30% pelo governo americano e que liquidou a cultura de milho do México e as suas trinta e poucas variedades, e que chegam pelo Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA). 
A corrente dos ecologistas sociais está crescendo em nível mundial, razão da ampliação dos conflitos ecológicos distributivos. E conta com o apoio da agroecologia, da etnoecologia, da ecologia política e da sociologia ambiental. Sua ética vem de uma demanda por justiça social e não dos fundamentos éticos e estéticos ao culto silvestre. 
  • Inclui o movimento de base camponesa cujas terras têm sido destruídas pela mineração ou pedreiras, pescadores artesanais em luta contra os barcos de alta tecnologia e outras formas de pesca industrial e, também, as comunidades afetadas por fábricas que contaminam ar e água dos rios onde pescam. 
À medida que se expande a escala de economia global, mais resíduos são gerados, os sistemas naturais são comprometidos, deterioram-se os direitos das gerações futuras, e estoques de conhecimentos dos recursos genéticos anteriores são perdidos. 
  • Um belo e complicado problema! Embora diferentes entre si, o fator principal de aproximação dos movimentos ecologistas é a existência de um poderoso lobby antiecologistas que conta com forte apoio do setor privado e, muitas vezes, de governos pressionados por metas de crescimento econômico de curto prazo. 
Na Índia, ativistas antinucleares são considerados contrários à pátria e ao desenvolvimento; na Argentina, os escassos ativistas anti-transgênicos também são tidos como traidores dos exportadores agrícolas; no Brasil, inúmeras são as tensões, como vocês sabem, entre governo e ativistas ambientais, sendo o mais recente o conflito sobre as novas represas do rio Madeira, e que acabou provocando a divisão do IBAMA em dois institutos, e que segundo alguns ecologistas, serviu para forçar sua aprovação. 
  • Uma questão também muito complicada. Existem, de fato, tensões inevitáveis entre expansão econômica e conservação do meio ambiente. Nos países periféricos costumava-se dizer que nós éramos demasiadamente pobres para sermos verdes, o que está mudando rapidamente, como disse aqui o Xico Graziano. Os últimos dados de projeção referentes à questão climática, os enfrentamentos e os acirramentos, tendem a se exacerbar. 
Acabou a perspectiva anterior, de que primeiro é preciso escapar da pobreza e posteriormente, quem sabe, adquirir o gosto e os meios para melhorar o meio ambiente. Isso lembra um pouco aquela história do bolo, na economia, lembram-se? Primeiro seria preciso ter o bolo crescendo, para depois dividir. Aquela velha história. 
  • Hoje, sabemos que crescimento econômico pode perfeitamente se efetivar com uma crescente desigualdade nacional ou internacional, e aumentos localizados de pobreza com crescimento econômico. A economia é um subsistema de um ecossistema físico global e finito, e o crescimento econômico induz à ampliação dos impactos ambientais e dos conflitos ecológicos distributivos. 
Os economistas ambientais tentam valorar os serviços essenciais sobre os quais se apoiam a vida, alguns ainda gratuitos como os ciclos de carbono, da água, dos nutrientes, a formação dos solos, a regulação do clima, a conservação e a evolução da biodiversidade, além de fatores subjetivos, como o valor da paisagem. Eu me lembro da minha casa, no Boaçava, no City Boaçava, que tem trinta e poucos anos; quando eu me mudei para lá, as ruas eram de terra e a água era de poço. 
  • É a penúltima casa do bairro, que tem 280 casas, que, por não ser fechada na frente, porque ainda não fechei, tem ainda uma torneira de rua. A única torneira de rua do bairro. Então, todo dia quando eu vou pegar o jornal de manhã, eu vejo que, obviamente, a grama está sempre verdinha e molhada, porque todos os guardas do bairro, toda gente que passa, sabe que a única casa do bairro que tem uma torneira para fora é a minha. Em suma, o bem público água, agora só é engarrafado. 
Quando nós sabemos todos, que viemos circulando pelos campos, catando frutos e caçando animais, hoje a água já não é mais um bem público. Quem não tem dinheiro não bebe mais água. É um fenômeno impressionante... Inúmeros são os casos de incapacidade do sistema de preços em incorporar os custos dos impactos humanos e ambientais. 
  • Um bom exemplo é o caso atual da expansão do etanol e a situação dos cortadores de cana. Vocês conhecem isso melhor do que eu, a crescente mecanização do corte de cana vem ocasionando forte aumento das exigências do desempenho da mão-de-obra alternativa à mecanização. A referência virou a produtividade máxima. O que fez passar o padrão de 8 toneladas/dia para números superiores a 10 toneladas/dia por trabalhador. 
Introduziu-se também a exigência do corte rente ao chão, ao estilo das máquinas; aproveita-se mais, mas evidentemente é mais difícil de fazer. O uso de maturadores de cana e herbicidas para antecipar as colheitas vem crescendo. E teme-se por efeitos na saúde. A cana geneticamente modificada pesa menos, contém mais sacarose; como resultado, para cumprir a mesma meta anterior, há que cortar mais áreas. O efeito, segundo recentes pesquisas, tem sido encurtar a vida útil do trabalhador para até 12 anos. Trabalho, tempo e padrão de vida útil equiparados ao dos antigos escravos. 
  • Ainda assim, mais de 1 milhão de cortadores de cana, principalmente nordestinos, ficam diante do seguinte dilema trágico: perder o emprego para a mecanização ou manterem-se ativos na área e arruinarem a sua vida. É uma espécie de dilema de Sofia. Para o meio ambiente, a questão se coloca diferente. A queima do canavial antes da colheita é condição para a operação manual, mas é péssima para o meio ambiente. 
A mecanização é boa para o meio ambiente, mas pode liquidar quase 1 milhão de péssimos empregos, mas ainda assim, empregos. Aliás, surge agora mais uma grave disfunção sistêmica ligada ao atual modelo desperdiçador de energia. Já começa a ocorrer a inevitável contaminação de preços de alimentos por conta da utilização do biocombustível para garantir a expansão da frota de veículos privados e da demanda de petroquímicos. Imaginem que os chineses reservam dizer: “bom, agora chegou a minha vez de ter meu carrinho particular de US$2 mil”. 
  • O que vai ser? Schumpeter definiu a evolução tecnológica como o motor indutor de um permanente impulso para frente do capitalismo. Segundo ele, simultaneamente, as tecnologias destroem e criam, estabelecendo-se como uma força de destruição criativa na economia. E assim, cada nova tecnologia está destruindo ou diminuindo o valor das anteriores, de maneira cada vez mais rápida para poder sucatear e inovar cada vez mais rapidamente. 
Acumulação seria a consequência desse processo que garante um constante crescimento econômico. O papel da ciência nessa dinâmica é promover um permanente estado de inovação sucateando e substituindo produtos, e criando novos hábitos de consumo. Eu me lembro que há um tempo, conversava com um dos presidentes de uma dessas antigas fábricas de panelas de pressão no Brasil, e ele me disse: “estamos todos quebrando, e a nossa desgraça é que o jovem que casa, compra uma panela de pressão e ela dura tanto, que ele deixa para os nossos netos. 
  • Nós estamos liquidados”. A lógica do capital transformou a pesquisa tecnológica em área estritamente privada, associada à grande corporação e visando permitir-lhe a realização de um monopólio temporário de um novo conhecimento, de um novo produto, via patentes, que lhe proporcionem um rendimento exclusivo. Com investimentos em inovações e campanhas publicitárias de alto custo, o objetivo é chegar antes dos concorrentes a produtos inovadores. 
Marketing e propaganda criam objetos e serviços de desejo, manipulando valores simbólicos, estéticos e sociais. A inovação, essência da lógica capitalista, tenta tornar obsoletos o mais rapidamente possível os produtos existentes, conferindo à nova mercadoria um valor incomparável e imensurável, porque a posse se transforma na realização de um desejo quase mítico. Vocês se lembram dos telefones celulares, e vocês sabem agora das televisões de plasma. 
  • O mesmo tamanho de tela, a mesma utilização, tecnologia ainda não disponível para imagem digital, custando 10 vezes mais e todo mundo disposto a jogar a anterior no lixo o mais rápido possível, porque imagine ver a Copa do Mundo sem uma tela digital! Embora a tecnologia ainda seja a anterior. 
Assiste-se, assim, a um sucateamento contínuo em escala global gerando grande desperdício de matérias primas e recursos naturais, ao custo imenso da degradação contínua do meio ambiente e da escassez de energia. É a opção privilegiada inexorável pela acumulação de capital, em detrimento do bem-estar social amplo, gerando mais concentração de renda e poder. 
  • A questão central é que lutar contra esse sistema, que bem ou mal mantém a máquina econômica em movimento, é atacar os princípios do capitalismo num momento em que nenhum outro sistema, ainda que sob a forma de utopia, aparece no horizonte como alternativa real. Todos dependemos do capitalismo. 
Assim, as dissidências surgem como opções de ataque, a partir de fora, que foi o 11 de setembro, que são os hackers, ataque a partir de fora, e não revisão e incorporação a partir de dentro. As mais notáveis têm sido na área da tecnologia da informação, incluindo desde movimentos para software livres, até os hackers, uma espécie de dissidente do capitalismo global. Estruturado da forma atual, o sistema de produção industrial funciona como uma máquina que engole maciçamente recursos não-renováveis e expele gazes, dejetos e químicas tóxicas. 
  • Em média, num balanço energético, apenas 10% dos recursos utilizados para obter produtos finais se incorporam a esses produtos hoje, e 90% são perdidos. A produção de um computador portátil de 3 quilos exige o equivalente energético a 350 quilos de petróleo. Um quilo de cereais necessita de 1.000 litros de água. Um hamburger, 10 mil litros no seu processo todo de produção. 
A esperança de vida dos produtos é cada vez mais curta, eles são descartados em massa na natureza, ou queimados. Na Inglaterra, 100 milhões de televisores, computadores, telefones celulares, aparelhos de som e elétricos foram abandonados em 2005. Hoje, cada francês joga fora 14 quilos de equipamentos elétricos ou eletrônicos por ano, contra 3 quilos em 1965. 
  • Como suportar o momento de crescimento atual, agora tendo como sócios Índia e China, quase 40% da população mundial, crescendo a taxas muito elevadas? Enfim, a crise ecológica global está a ponto de subverter as condições de habitabilidade do planeta e impor uma recessão severa à atividade econômica, enfraquecer as atividades produtivas, agravar dramas sociais e fragilizar a espécie humana, justo no momento em que suas necessidades aumentam em função do crescimento demográfico e a extensão planetária do modelo ocidental de sociedade de consumo. 
Tudo se passa como se a natureza opusesse uma recusa não-negociável ao frenesi da lógica capitalista global. A natureza reage com perturbações climáticas, com consequências humanas imprevisíveis, exaustão de combustíveis fósseis, rarefação e contaminação das fontes de renovação de vida e água, acúmulo de poluição e moléculas químicas e dejetos tóxicos prejudiciais à saúde, diminuição da fertilidade das terras, dos rios, dos oceanos que nutrem a terra. 
  • Essa crise é consequência direta dos nossos comportamentos e modos de produção e consumo. Agora que o déficit ecológico passou a ser determinante, como beneficiar populações com crescimento econômico e bem-estar social, e ao mesmo tempo conseguindo diminuir o uso de materiais e energia? Como garantir os grandes equilíbrios naturais e os ecossistemas dos quais nosso futuro depende, sem arruinar a economia sobre a qual repousa a nossa sociedade? 
Como produzir uma mudança radical de modelo, se o mercado livre é a lei e os grandes atores econômicos têm quase total liberdade de definir a direção dos vetores tecnológicos que determinam o progresso e a característica dos produtos transformados em objetos de desejo pela massiva propaganda global? Quem vai determinar restrições a essas direções e mudanças? 
  • No caso do Brasil, o biocombustível será um case de muita relevância, considerado, inclusive pelos Estados Unidos, como o único país do mundo com o domínio tecnológico, especialmente com terras “disponíveis”, para incorporar escalas novas e opção energética que ataque simultaneamente a escassez do petróleo e a poluição ambiental. 
O Brasil torna-se alvo de uma dupla ofensiva: internamente, o biocombustível passa a ser um dos únicos puxadores do crescimento econômico ou um dos principais; externamente, passa a ser visto como um player fundamental e sede de maciços investimentos internacionais no setor. Porém, o risco de intenso desmatamento e da concentração de renda e propriedade também são muito grandes, bem como os desequilíbrios eventuais da mão-de-obra e da produção de alimentos. 
  • As propostas para lidar com o imenso desafio ambiental começam a surgir timidamente, mas da mesma forma como no caso do desemprego e da exclusão, onde o capital reagiu com a cosmética e mercadológica responsabilidade social da empresa - até o 13º e férias viraram balanço de responsabilidade social de corporações e a tendência parece semelhante na área ambiental - empresas verdes, responsabilidade ambiental, adição de etanol etc. 
No entanto, o imperativo atual pode exigir modificações profundas na regra do jogo de produção, com a redução do consumo de materiais e energias e a alteração da premissa atual de produtos novos com bens descartá- veis a cada dia. A meta estratégica industrial se inverteria, teria que se inverter, com redução, recuperação, reutilização, reparação, re-fabricação e reciclagem, hardwares duráveis com softwares substituíveis. Hoje o hardware se joga fora junto com os softwares. 
  • Haveria também mudanças nos processos de fabricação em função do seu balanço ecológico. No caso da energia, por exemplo, seria necessária a introdução mundial de uma taxa de carbono diferenciada e progressiva. Quanto à agricultura, é preciso retomar estudo sério sobre o alcance de produtos orgânicos com técnicas avançadas. Mas como seguir essa revolução numa economia de mercado, sem uma forte intervenção precificando os fatores alinhados com esse novo objetivo? 
E quem faria essa intervenção? A evolução das tecnologias molecular, genética e informática, se forem direcionadas pela sociedade na estrita direção da ampliação do princípio da precaução, pode abrir novos horizontes. Uma nova economia da funcionalidade eventualmente conseguiria substituir a posse de um bem pelo seu uso ou função. 
  • Até hoje, no Japão, em Tóquio, por exemplo, as pessoas não têm carro. Alugam um carro no fim de semana para os seus passeios, e usam transporte coletivo. Isso poderia afetar profundamente a concepção de produtos como suporte dos serviços que eles prestam. 
Esses produtos deveriam ser conhecidos por durar e poder incorporar softwares de inovações sucessivas; com isso o impacto no emprego seria considerável, inclusive na distribuição de sua localização, porque a manutenção é muito mais utilizadora de mão-de-obra do que a fabricação. Hoje, o pequeno avanço técnico de motorização do automóvel é anulado fortemente pelo crescimento do número em potência dos veículos. 
  • O desenvolvimento de uma economia funcional teria que inverter essa espiral, por exemplo, priorizando efetivamente o transporte público e generalizando a locação, em vez da propriedade individual do carro. Como incentivar a inovação em torno de produtos com essa concepção? Seria possível o sistema se autorregular de modo a produzir produtos nessa direção, com produtos duráveis, recicláveis, recuperáveis e biodegradáveis? 
A eficácia dependeria da ampla generalização. Como ela poderia ser feita? Por norma, por imposição ou pelo mercado? O mercado não caminhará espontaneamente nessa direção. Mesmo com aumento do preço das matérias e energia. Vale observar o que acontece com o preço do petróleo quase a US$100 e o preço das matérias-primas em função da pressão da demanda pela China. Seria fundamental que o poder público se engajasse duramente. 
  • Trata-se de uma tarefa imensa de reconversão global dos meios privados de produção em meio à disputa brutal por competitividade, modificação da natureza dos produtos, mudança de status de bens e modificação dos sistemas comerciais e reconversão da direção dos vetores tecnológicos. Mas como convencer China e Índia que agora acham ter chegado a sua vez? E como reverter a lógica competitiva das empresas globais? (Quem arbitraria as perdas?) 
Por fim, um pouco sobre alguns dilemas heterológicos em que podemos, talvez, identificar três ou quatro cenários principais. O primeiro, dos chamados otimistas inveterados, o único caminho implica na mudança radical da lógica do sistema de acumulação. O futuro não é para ser previsto, mas o futuro precisa ser construído. Acham que, portanto, isso tem que ser de alguma forma regulado, definido e imposto pela sociedade e pelo poder público, e acham que isso é possível. 
  • Os chamados otimistas passivos, não é tão grave assim, é exagero dos ecologistas radicais, tudo se ajeita, a tecnologia resolve, e o mercado media. Francis Fukuyama recentemente voltou ao ataque: pede ao mundo que relaxe, pois não é o fim do mundo; vá lá, o aquecimento global existe, mas o mais notável e ignorado é que a economia global avança tirando milhões de pessoas da pobreza. 
Eu lembraria que é curioso, porque já existe a lista dos ganhadores do aquecimento global, aqueles que sabem que vão tirar vantagens do aquecimento global, inclusive pelo degelamento de zonas da Sibéria etc. O terceiro cenário é dos realistas, em que é necessário uma conscientização profunda, uma regulação geral, uma precificação da questão energética e ambiental e uma mudança do padrão de crescimento. 
  • E, finalmente, os pessimistas, que alguns chamam de realistas, cujo cenário é complicado. A degradação ambiental é inevitável, afinal, a escolha é entre quanto tempo o ser humano, que é sempre datado, viverá sobre a Terra, e se, ao preço de tornar a vida mais excitante e mais emocionante é será preciso encurtar um pouco isso, e então que se vai fazer? Até porque não há como mudar. E, portanto, o processo civilizacional é uma espécie de trem, com um número de vagões cada vez maior. 
As pessoas que conseguem viajar nesse trem são um número cada vez menor; o problema é quem é capaz de decidir se fica no trem ou sai do trem, e o que fazer da população que fica fora do trem, até porque quem fica dentro do trem acredita que o software e o hardware humanos precisam ser aperfeiçoados por nanotecnologia e tecnologias especiais genéticas e que esse hardware e software humano especializados estarão prontos para as viagens estelares em busca de outros planetas para poluir, já que este já era. 
  • A gente ri, mas a gente ri para não chorar, porque esse cenário é um cenário complicadíssimo, catastrófico, mas está longe de ser impossível. Eu não digo que ele é provável, mas os cientistas que estudam isso em profundidade acham que, sem dúvida, há que atribuir alguma probabilidade a esse cenário. Muito obrigado, e desculpem-me pelo tom ligeiramente pessimista. 

Agricultura e Meio Ambiente