sábado, 23 de julho de 2016

Agroecologia e saber ambiental

Agroecologia e saber ambiental

O Renascimento do Ser no Concerto do Saber:
  • A Agroecologia foi definida como um novo paradigma produtivo, como uma constelação de ciências, técnicas e práticas para uma produção ecologicamente sustentável, no campo. 
Neste Seminário, que congrega os mestres destas novas artes e ofícios, e eu não sendo o que conduz o arado, quem, com seu arado, remove a terra e planta a nova semente, que dirige um olhar ao caldeirão no qual se fundem e se amalgamam os conhecimentos que promovem esta mudança de paradigma, sobre o próprio sentido do saber agroecológico. 
  • Porque, mais que poder instrumental, no concerto destes saberes se joga o renascimento do ser: da natureza, da produção, do agrônomo, do cientista, do técnico, do camponês e do indígena; a reconstrução do ser que finda sobre novas bases o sentido da produção e abre as vias a um futuro sustentável.
Hoje, esta confraria de mestres da Agroecologia, reunidos neste cenário, se congrega para a plantação de uma nova semente, mas também para avaliar os resultados de suas recentes colheitas. É um ritual que nos faz recordar aquele momento da maior glória das artes e ofícios no início do Renascimento, que ficou plasmado na história da arte da ópera pelos Mestres Cantores de Nuremberg, de Wagner. 
  • As práticas agroecológicas nos remetem à recuperação dos saberes tradicionais, a um passado no qual o humano era dono do seu saber, a um tempo em que seu saber marcava um lugar no mundo e um sentido da existência... como sapateiros, alfaiates ou ferreiros; como músicos e poetas. À época dos saberes próprios. 
Hoje, neste lugar, neste conclave de artífices da agroecologia, aparece novamente na cena um Ignacy Sachs, interpretando o sapateiro-poeta Hans Sachs; o mestre que joga com as regras da formação econômica e das formas musicais do pensamento para enriquecer a tradição econômica com a inovação do ecodesenvolvimento. 
  • Participam neste evento: Toledo, poeta da etnobiologia, e Altieri, mestre fundador das ciências e técnicas da Agroecologia; e o amalgamador Gliessman, o ferreiro Sevilla. 
Aqui estão os peleteiros e os alfaiates, que confeccionam o tecido do novo saber praticando suas artes e ofícios, todos escritores, aprendizes e mestres cantores, todos forjadores do novo paradigma. Todos representantes daquele Walter, cavaleiro de Franconia, que, deslindando-se e transcendendo seus títulos de nobreza das ciências normais, postulam a magia das palavras e a alquimia da poesia para repensar o mundo e suas práticas; para fazer terra em um mundo em reconstrução. 
  • Talvez, neste certame, o prêmio ao poeta-cantor não seja a mão da bela donzela, senão o gosto de compor música com seus saberes e recompor o mundo no pentagrama de Agroecologia. Os saberes agroecológicos são uma constelação de conhecimentos, técnicas, saberes e práticas dispersas que respondem às condições ecológicas, econômicas, técnicas e culturais de cada geografia e de cada população. 
Estes saberes e estas práticas não se unificam em torno de uma ciência: as condições históricas de sua produção estão articuladas em diferentes níveis de produção teórica e de ação política, que abrem o caminho para a aplicação de seus métodos e para a implementação de suas propostas. Os saberes agroecológicos se forjam na interface entre as cosmovisões, teorias e práticas. 
  • A Agroecologia, como reação aos modelos agrícolas depredadores, se configura através de um novo campo de saberes práticos para uma agricultura mais sustentável, orientada ao bem comum e ao equilíbrio ecológico do planeta, e como uma ferramenta para a auto-subsistência e a segurança alimentar das comunidades rurais. 
As múltiplas técnicas que integram o arsenal de instrumentos e saberes da Agroecologia não só se fundem com as cosmologias dos povos de onde emergem e se aplicam seus princípios, senão que seus conhecimentos e práticas se aglutinam em torno de uma nova teoria da produção, em um paradigma eco-tecnológico fundado na produtividade neguentrópica do planeta terra. 
  • Esta nova teoria da produção toma seus princípios da ciência ecológica, do território em que a intervenção sobre a terra se nutre de seus potenciais ecológicos e significações culturais, e do princípio da fotossíntese que Ignacy Sachs propôs nos anos 70 como fundamento para a construção de uma nova civilização nos trópicos (Sachs, 1976). 
A Agroecologia sugere alternativas sustentá- veis em substituição às práticas predadoras da agricultura capitalista e à violência com que a terra foi forçada a dar seus frutos. A Agroecologia vai forjando suas normas e regras para um novo canto da terra, da mesma maneira que Walter aprendeu dos mestres cantores não suas velhas regras de composição, senão a necessidade de se construir uns princípios para dar voz ao seu canto e expressão a sua poesia. 
  • Como Hans Sachs, que percebe a loucura, a ilusão e a futilidade da existência no início da modernidade, e que a saída para o mundo cercado e esgotado do nosso tempo não está em aferrar-se às normas do dogma produtivista, de um crescimento sem limites, que já não se sustenta, senão em transcendê-las através de um novo saber. 
A Agroecologia é terra, instrumento e alma da produção, onde se plantam novas sementes do saber e do conhecimento, onde enraiza o saber no ser e na terra; é o caldeirão onde se amalgamam saberes e conhecimentos, ciências, tecnologias e práticas, artes e ofícios no forjamento de um novo paradigma produtivo. 
  • Na terra onde se desterrou a natureza e a cultura; neste território colonizado pelo mercado e pela tecnologia, a Agroecologia rememora os tempos em que o solo era suporte da vida e dos sentidos da existência, onde a terra era torrão e o cultivo era cultura; onde cada parcela tinha a singularidade que não só lhe outorgava uma localização geográfica e suas condições geofísicas e ecológicas, senão onde se assentavam identidades, onde os saberes se convertiam em habilidades e práticas para lavrar a terra e colher seus frutos. 
Os saberes se confundiam com os sabores: o vinho era um produto da carícia ardente do sol sobre a dourada e redonda uva; seu fruto era transformado em um elixir de amor, marcando seu corpo em danças rituais, abraçando-o com mãos artesanais, colocando seus sucos em perfumadas barricas e destilando-os para convertê-los em água da vida. 
  • O vinho se degustava saboreando os saberes da produção e formando os saberes do gosto. A maestria da arte da colheita permitia um vínculo do produtor e do consumidor com os dons da terra. A cultura brincava com a evolução, reproduzindo e diversificando nas formas e nos tempos os sabores do milho, da batata, da mandioca. 
A cultura co-evolucionava com a natureza, hibridando-se e diversificando-se, multiplicando os sentidos da vida e as formas da natureza. Eram tempos em que o camponês extraía os sucosos e gostosos frutos da terra trocando seus excedentes em relações de complementaridade e reciprocidade e não por um mero interesse mercantil. Quando o trabalho era saber fazer e saber ser e a terra era lavrada como o ferreiro molda o metal e o escultor molda a pedra. 
  • Quando o fruto do trabalho rendia o fruto das delícias da terra, o dom da vida convertido em sabores que não só saciavam a fome, senão que, como nos mostrou Barrau (1979) em suas etno-biografias, conjugavam "as metamorfoses da alimentação com os fantasmas do gosto". 
Hoje, o domínio da economia sobre estes mundos de vida e a intervenção da tecnologia na própria vida, não só dessecou a terra, em sua fome insaciável de produtividade e lucro, como também espremeu o suco dos sabores para deixar só a forma sedutora de frutos e legumes que atraem pela vista, que saciam a fome de alguns consumidores, mas que não têm sabor de nada. 
  • Não se trata de nostalgia por tempos passados. Hoje a "tortilla", base da alimentação do povo mexicano, perdeu seu sabor; as frutas e legumes se exibem como bens de luxo, a preços exorbitantes, nos supermercados novaiorquinos. Parecem mulheres maquiadas atrás de uma vitrine: atraem os olhares, é possível fincar o dente e adornar com elas um palito de uma cozinha fina, mas não se pode tocar o sabor natural de sua pele e de sua suculenta carne. 
Hoje, o bom "confik d'öie", um "jarkoye", um "gefilte fish", o acarajé ou o "chile en nogada" já se comem só em casa das avós sobreviventes da modernização forçada do campo, e seus sabores morrem quando elas se vão deste mundo. 
  • De modo igual, ocorre em releção aos alimentos naturais, aos frutos do mar. Um "boi marinho" na Espanha ou uma "sapateria" em Portugal são inexportáveis fora das costas do Mar Cantábrico e do Oceano Atlântico, que acariciam as terras galegas e lusitanas. 
A globalização, hoje, nos oferece comida de todos os países em todas as partes do mundo, junto com o Mc Donald's e a Coca-Cola, que homogeneizam o gosto dos cidadãos deste planeta. Mas um "mole" mexicano é em essência (e por suas essências) tão inexportável como os sabores de uma simples massa na mais modesta cafeteria de Hong Kong. 
  • Os sabores exigem e se aferram ao seu lugar de origem, à sua terra e à arte culinária de seus povos, e morrem de nostalgia ao serem desterritorializados e expatriados. A terra foi desterritorializada e o camponês foi "descampesinado", separado de sua terra e do sentido de sua existência. 
Hoje, em nome da preservação da biodiversidade, se homogeneizam os cultivos de exportação, a tecnologia intervém na vida, manipulando gens, gerando uma transgênese que, com seu orgulho produtivo, vence as resistências dos estados livres de transgênicos e as defesas da biossegurança. Em nome da sobrevivência se vai matando a vida. 
  • A produtividade agronômica não garante a distribuição de alimentos nem a segurança alimentar; avança sepultando os sentidos do cultivo e os sabores da terra.
Agroecologia: 
Produtividade eco-tecnológica e racionalidade ambiental:
  • A Agroecologia foi definida por Altieri (1987) como "as bases científicas para uma agricultura alternativa". Seu conhecimento deveria ser gerado mediante a orquestração das aportações de diferentes disciplinas, para compreender o funcionamento dos ciclos minerais, as transformações de energia, os processos biológicos e as relações socioeconômicas como um todo, na análise dos diferentes processos que intervêm na atividade agrícola. 
A Agroecologia incorpora o funcionamento ecológico necessário para uma agricultura sustentável, mas ao mesmo tempo introjeta princípios de eqüidade na produção, de maneira que suas práticas permitam um acesso igualitário aos meios de vida. 
  • A Agroecologia compreende a dimensão entrópica da deterioração dos recursos naturais dos sistemas agrícolas, não obstante, ao orientar suas ações ao âmbito do produtor direto, não oferece um paradigma compreensivo que apresente soluções globais à degradação entrópica do planeta através de uma nova racionalidade produtiva que dê coerência e eficácia às diferentes técnicas e ações locais. 
Em suas aplicações pontuais, a Agroecologia contribui para desmontar os modelos agroquímicos tradicionais; mas sua ação transformadora implica a inserção de suas técnicas e suas práticas em uma nova teoria da produção (Leff, 1994, 2000). A Agroecologia não é somente uma caixa de ferramentas ecológicas para ser aplicada pelos agricultores. 
  • Da maneira como é trabalhada por Altieri, Gonzáles de Molina, Sevilla ou Gliessman, as condições culturais e comunitárias em que estão imersos os agricultores, sua identidade local e suas práticas sociais são elementos centrais para a concretização e apropriação social de suas práticas e métodos. 
A Agroecologia, como instrumento do desenvolvimento sustentável, se funda nas experiências produtivas da agricultura ecológica, para elaborar propostas de ação social coletiva que enfrentam a lógica depredadora do modelo produtivo agroindustrial hegemônico, para substituí-lo por outro, que orienta para a construção de uma agricultura socialmente justa, economicamente viável e ecologicamente sustentável. 
  • Ela envolve o pesquisador na realidade que estuda, ao aceitar, em pé de igualdade com o seu conhecimento científico, os saberes locais gerados pelos agricultores. A Agroecologia surgiu, precisamente, de uma interação entre os produtores (que se rebelam frente à deterioração da natureza e da sociedade, que é provocada pelo modelo produtivo hegemônico) e os pesquisadores e professores mais comprometidos com a busca de estratégias sustentáveis de produção. 
É a fusão entre a "Empiria camponesa" e a "Teoria Agroecológica" que estabelece um desenvolvimento alternativo, um Desenvolvimento Rural Sustentável (Sevilla, 2001). 
  • Isso implica ir além do estudo das economias camponesas para garantir a sobrevivência das comunidades indígenas e a sustentabilidade das economias camponesas, estabelecendo um vínculo da Agroecologia em uma nova teoria da produção, que se sustenta no espaço rural e que, portanto, convoca os povos do campo e das florestas como atores privilegiados do processo. 
A Agroecologia se assenta nas particulares condições locais e na singularidade de suas práticas culturais. Ela hibrida uma constelação de múltiplos saberes e conhecimentos. Mas sua consistência, suas perspectivas de validação e confiança dependem de sua articulação em torno de um novo paradigma produtivo. 
  • Pois, mais além de seus direitos próprios como práticas singulares de agricultores, sua existência se debate frente a uma racionalidade econômica e tecnológica que vai conformando e condicionando as formas de intervenção na terra, para extrair seus frutos, onde a produtividade de curto prazo prevalece sobre os princípios da produção sustentável e sobre as formas de apropriação da natureza.
Frente à transformação da geopolítica de uma economia ecologizada que hoje em dia revaloriza o sentido conservacionista da natureza - reabsorve e redesenha a economia natural dentro das estratégias de mercantilização da natureza -, reduzindo o valor da biodiversidade em suas novas funções como provedora de riqueza genética de valores cênicos e ecoturísticos e de sua capacidade de absorção de carbono, a Agroecologia se encrava no contexto de uma economia política do ambiente. 
  • Desta maneira, devolve o sentido à força de trabalho como labor produtivo que trabalha com forças da natureza, onde o trabalho, dentro de conjunto de práticas, não só é conduzido por saberes e conhecimentos práticos, mas por uma teoria que os envolve em uma estratégia política que os conduz e os faz valer, frente às valorizações "crematísticas" da produtividade econômica e tecnológica de curto prazo. 
A nova economia, que acolhe e se constrói nas práticas agro-econômicas, se baseia em princípios ecológicos e termodinâmicos desconhecidos e negados pela ciência econômica como foram "descobertos" por Nicolás Georgescu Roegen (1971). Esta nova economia não só reconhece a Entropia como "Lei limite do crescimento econômico e da produção em geral". 
  • Além de sua negatividade crítica, esta nova racionalidade produtiva se funda no princípio de uma produtividade neguentrópica. Este paradigma de produtividade eco-tecnológica sustentável não só recupera e renova os princípios de uma fisiocracia sepultada – e seus saberes associados e subjugados – pela emergência e domínio da racionalidade econômica. 
Hoje, ante a apropriação privada do núcleo genético das sementes e a injeção letal que impede sua reprodução como fonte de sustento do agricultor, são defendidos os direitos dos agricultores e se reconhece a produtividade da natureza encapsulada nas sementes. A Agroecologia se nutre desta capacidade de produtividade natural, da transformação neguentrópica da energia solar através da fotossíntese, da produtividade e reprodução das sementes. 
  • Gera técnicas para lavrar a terra, recombinar os gens da vida, multiplicar a capacidade de fotossíntese de diversos arranjos florísticos, das cadeias trópicas, de cultivos múltiplos e combinados, de pisos ecológicos e complementaridades espaciais, para incrementar a produtividade eco-tecnológica sustentável de dado território. 
Mas esta racionalidade eco-tecnológica não se produz nem se pratica como um conjunto de regras gerais que se instrumentam e induzem desde cima – de um laboratório, uma universidade, uma burocracia - sobre as práticas cotidianas dos agricultores e produtores agrícolas. 
  • É um "paradigma" pela generalidade de seus novos princípios, mas que se aplica através de saberes pessoais e coletivos, de habilidades individuais e direitos coletivos, de contextos ecológicos específicos e culturas particulares. 
É isso o que abre um amplo processo de mediações entre a teoria geral e os saberes específicos, uma hibridação de ciências, tecnologias, saberes e práticas; um intercâmbio de experiências - agricultor a agricultor - das quais se enriquecem, se validam e se estendem as práticas da Agroecologia. A Agroecologia re-conceptualiza a terra e a natureza como agroecossistema produtivo. 
  • Isso significa libertar o conceito de terra e de recurso, das formas limitadas de significação do natural submetido à racionalidade econômica, que levaram a desnaturalizar a natureza de sua organização ecossistêmica para convertê-la em recurso natural, em matéria-prima para a apropriação produtiva (e destrutiva) da natureza; que levaram a desterritorializar a terra para poder estabelecer seu valor como uma renda, produto das fertilidades diferenciadas dos solos.
Hoje, parece que desapareceram os condicionantes físicos que obrigam os homens a adaptar-se às condições locais dos solos, do clima e da água; como um novo Prometeu libertado pela magia e pela força da biotecnologia, o neoliberalismo econômico e tecnológico pretende libertar a produção de seus limitantes naturais. 
  • Deslocando estas abstrações simplificadoras e fictícias, o saber ambiental recupera o ser da natureza e da terra. O agroecossistema não só devolve à natureza a sua natureza ecossistêmica e recoloca a terra em suas bases territoriais (políticas e culturais). As práticas agroecológicas recuperam também o sentido do valor de uso (ecológico) da terra e seus recursos, e o devolvem a seu verdadeiro ser. 
Pois, se entendemos o verbo usar no sentido heideggeriano de "deixar uma coisa ser o que é e como é", o que "requer que a coisa usada seja tratada em sua natureza essencial" (Heidegger, 1954/1968), então o uso de recursos naturais implica que eles sejam tratados de acordo com suas formas de ser, com suas condições de existência, de renovação, de evolução. 
  • Visto desta forma, podemos renovar o conceito de valor de uso natural ou valor de uso da natureza não só pelo valor intrínseco de uma coisa (um recurso) que a faz ser útil, utilizável e necessária para uma pessoa; o valor de uso implicaria também o respeito ao objeto valorado e utilizado para um fim humano, quer dizer, o "valor em si" da natureza por suas condições de produção e reprodução, e como suporte das condições materiais e simbólicas da existência humana. 
As aproximações da Agroecologia constituem, assim, um exemplo prático da emergência do potencial eco-tecnológico de uma racionalidade ambiental. As práticas agroecológicas resultam culturalmente compatíveis com a racionalidade produtiva camponesa, pois se constroem sobre o conhecimento agrícola tradicional, combinando este conhecimento com elementos da ciência agrícola moderna. 
  • As técnicas resultantes são ecologicamente apropriadas e culturalmente apropriáveis; permitem a otimização da unidade de produção através da incorporação de novos elementos às práticas tradicionais de manejo, elevando a produtividade e preservando a capacidade produtiva sustentável do ecossistema. Isso leva a um processo de reconstrução das práticas e dos valores autóctones das etnias, conservando suas identidades culturais. 
Os serviços ambientais que oferecem os sistemas agroecológicos contribuem para a sua produtividade, ao mesmo tempo em que os fazem mais adaptáveis e resistentes aos câmbios climáticos. A Agroecologia, fundada nos princípios da produtividade eco-tecnológica, oferece novos potenciais para o desenvolvimento sustentável alternativo. 
  • Mas estes princípios não podem ser implantados através da imposição de normas ecológicas gerais, desde as instâncias do planejamento centralizado do Estado, nem devem sujeitar-se aos mecanismos de regulação do mercado. 
Seus princípios emergem das culturas que habitam os diferentes ecossistemas e são recuperáveis através de uma nova racionalidade produtiva, um amálgama do tradicional com o moderno, que passa por processos de transformação e assimilação cultural em práticas produtivas locais. 
  • Esses processos estão sendo mobilizados pela emergência de novos atores sociais no campo, cujas letras traduzem os princípios do ambientalismo em novas práticas produtivas apropriáveis pelas próprias comunidades para satisfazer suas necessidades bá- sicas e suas aspirações dentro de diversos estilos de vida e de desenvolvimento.
Paradigma agroecológico: 
Interdisciplinaridade e diálogo de saberes:
  • A Agroecologia surge como um conjunto de conhecimentos, técnicas e saberes que incorporam princípios ecológicos e valores culturais às práticas agrícolas que, com o tempo, foram desecologizadas e desculturalizadas pela capitalização e tecnificação da agricultura. 
A Agroecologia convoca a um diálogo de saberes e intercâmbio de experiências; a uma hibridação de ciências e técnicas, para potencializar as capacidades dos agricultores; a uma interdisciplinaridade, para articular os conhecimentos ecológicos e antropológicos, econômicos e tecnológicos, que confluem na dinâmica dos agroecossistemas. 
  • Estas ciências se amalgamam no caldeirão no qual se fundem saberes muito distintos para a construção de um novo paradigma produtivo. Esta hibridação de conhecimentos e diálogo de saberes orienta uma grande transformação da natureza, para regenerar seus potenciais ecológicos a partir da fotossíntese, o que implica a necessidade de uma tecnologia para o manejo eficiente dos ciclos da matéria, dos nutrientes e da energia, em cadeias tróficas, dos processos de sucessão secundária, da diversificação de plantas de terras baixas, de sistemas de cultivos múltiplos e intercalados e de novas arquiteturas dos recursos bióticos que integrem plantas de diferentes culturas, de cultivos de diferentes estações, do uso de diferentes pisos ecológicos, que permitam o manejo mais eficiente da luz, dos nutrientes e da energia, que resultam no aumento da produtividade neguentrópica. 
Não é só a contraposição de uma lógica camponesa a uma lógica urbana, senão que de uma racionalidade econômica "contra natura" a uma racionalidade ambiental que recupera as condições ecológicas e os potenciais produtivos da natureza, para conduzir um processo de regeneração civilizatória, em direção à sustentabilidade. 
  • Mas, ao contrário da relação entre ciências e saberes induzida pela especialização de conhecimentos na divisão do trabalho da agronomia capitalizada, para o aumento da produtividade agronômica de cada unidade produtiva orientada ao monocultivo para a exportação, na agro-economia os saberes se integram dentro de outras sinergias e põem em suas bases outros princípios. 
Desta maneira, o potencial eco-tecnológico se funda em saberes e conhecimentos conservacionistas do tecido ecológico dos agroecossistemas e da produtividade que emana de seus ciclos ecológicos. Deste modo, na reapropriação de saberes tradicionais e sua hibridação com conhecimentos científicos modernos, o elemento aglutinante não é o desejo de lucro, senão a reprodução ecológico-cultural do agroecossistema e do território. 
  • As unidades agroecológicas se reforçam através de afinidades de interesses, em um diálogo de saberes que se reproduz por meio do intercâmbio de experiências (agricultor a agricultor, indígena a indígena) que não é somente de saberes técnicos, mas de matrizes culturais. 
Os saberes colocados em jogo não se baseiam, exclusivamente, em conhecimentos técnicos e com fim econômico. Também se entrelaçam saberes muito mais difusos, de ordem ética e cultural, que muitas vezes determinam as práticas concretas e as formas de intervenção das sociedades camponesas e comunidades indígenas, na configuração de seus agroecossistemas produtivos. 
  • Um exemplo disso é o debate sobre a aceitação ou rechaço da implantação de cultivos transgênicos, onde a controvérsia de interesses em disputa não se resolve nem se decide apenas com base na produtividade agronômica, senão que inclui valorações muitas vezes incertas sobre possíveis riscos e impactos ecológicos, sociais e culturais, e onde o princípio da precaução adquire validez frente ao potencial produtivo das novas biotecnologias. 
A Agroecologia e a agronomia capitalista não se enfrentam por seus "paradigmas de conhecimento" simplesmente contrastando a efetividade de seus modelos produtivos, tomando a natureza como objeto. Em ambos os casos, a produção está vinculada a cosmovisões de mundo: assim, enquanto a Agroecologia se nutre dos saberes culturais dos povos, de valores tradicionais que vinculam o momento da produção com as funções simbólicas e o sentido cultural do metabolismo social com a natureza, a agricultura capitalista se funda na crença no mercado e na valorização da especialização tecnológica do processo e do crescimento sem limites, que vai desnaturalizando a natureza e a relação do homem com a terra. 
  • Neste sentido, as múltiplas vias de hibridação dos saberes e das práticas não científicas que conformam o conhecimento e práticas da Agroecologia não constituem propriamente um paradigma científico que deveria ser contrastado com a realidade e confrontado com a "ciência normal" (e com os valores que esta persegue) e a agronomia capitalizada que existe atualmente. 
Estes princípios, valores, saberes e conhecimentos adquirem coerência paradigmática em níveis teóricos mais gerais, nos quais é possível contrastar as práticas agronômicas que se originam da racionalidade econômica dominante, com a Agroecologia vinculada a uma racionalidade ambiental. A reorganização de saberes e conhecimentos a que conduzem as práticas agroecológicas não se constitui um paradigma que por sua maior compreensividade e veracidade haveria de deslocar o antigo modelo agronômico. 
  • Estes paradigmas contrapostos não se validam e resolvem em sua contrastação com a realidade, no sentido popperiano nem kuhniano das ciências, senão que na confrontação de estratégias produtivas da agronomia capitalista e da nova Agroecologia. Estas se dirimem no campo da produção e da política, na afirmação de princípios ecológicos e valores culturais e não, exclusivamente, na produtividade econômica e agronômica resultantes de suas práticas. 
Ao contrário dos paradigmas científicos que são contrastados e provados em espaços restritos de experimentação científica, a Agroecologia se prova nos campos de produção agrícola. Seus saberes não se validam ou refutam no laboratório científico, porém nas práticas de cultivo de indígenas, camponeses e agricultores. Por isso, a Agroecologia desafia o conhecimento, mas este se aplica e se testa no terreno dos saberes individuais e coletivos. 
  • A atividade de cada agricultor está motivada por cosmovisões e constelações de valores e interesses que são incomensuráveis com os valores monetários da agronomia. A Agroecologia implica a produção interdisciplinar de conhecimentos, mas se concretiza através de um processo de apropriação e aplicação desses conhecimentos, da hibridação entre conhecimentos e saberes. A validação do paradigma da Agroecologia não se produz conforme as regras da produção científica convencional, mas através da experiência dos saberes práticos. 
São conhecimentos que se aferram à terra conduzidos por saberes individuais dos produtores diretos. Neste sentido, deveríamos falar, sobretudo, de "saberes agroecológicos", que envolvam o sujeito do conhecimento, como nos tempos dos saberes tradicionais, em que a vida cotidiana e produtiva estava arraigada nas artes e ofícios, na maestria própria da execução de práticas guiadas por regras, mas onde a criatividade individual não estava submissa a um mecanismo tecnológico e científico imposto de cima e de fora do âmbito dos mundos de vida das pessoas. 
  • Os métodos da Agroecologia na produção agrícola e florestal se alimentam do conhecimento milenar acumulado pelas comunidades indígenas e rurais do mundo inteiro - e, em particular, das populações das regiões tropicais do planeta -, mas também se alimentam da etnobiologia e da etno-técnica que proporcionam uma "verificação científica" dos fundamentos de ditas práticas culturais de manejo sustentável dos recursos. 
Frente a este processo, as próprias comunidades rurais incorporam em suas exigências de autogestão uma espécie de prevenção contra a "cientifização" do saber agroecológico inscrito nos sistemas de conhecimentos tradicionais. Esta prevenção se afirma na racionalidade cultural e na identidade étnica das próprias comunidades, impedindo que o conhecimento pudesse se impor, desde a legitimidade das instituições acadêmicas e da racionalidade econômica do livre mercado, sobre as práticas dos produtores rurais. 
  • O saber ambiental fertiliza o campo da Agroecologia, articula seus saberes e práticas com uma nova teoria da produção e os constitui na ponta de lança e em um pilar para a construção de uma racionalidade produtiva alternativa (Leff, 1998,2001). 
O objetivo da Agroecologia não é, simplesmente, contribuir para uma produção mais sustentável, dentro dos mecanismos do desenvolvimento limpo, ou para ocupar nichos de mercado de produtos "verdes" dentro das políticas da globalização econômico-ecológica. 
  • O saber agroecológico contribui para a construção de um novo paradigma produtivo ao mostrar a possibilidade de produzir "com a natureza", de gerar um modo de produção fundado no potencial ecológico-tecnológico da natureza e da cultura. O saber agroecológico se inscreve, assim, nas estratégias de poder, no saber pela sustentabilidade, que implicam a necessidade de uma política científico-tecnológica que favoreça seus processos de inovação e consolide suas práticas produtivas, pondo em jogo um complexo processo de recuperação, hibridação e inovação de saberes, em uma política de reapropriação cultural da natureza.

Agroecologia e saber ambiental

Agroecologia e gestão comunitária dos recursos naturais:
  • A nova ordem econômica aspira a estabelecer as bases da sustentabilidade para a racionalidade do mercado. Entretanto, os fundamentos da Sustentabilidade Global se estabelecem nos processos produtivos primários - nas economias de subsistência que não estiveram regidas tradicionalmente pelos princípios da acumulação e produção para o mercado -, que afetam diretamente a fertilidade dos solos, a produtividade dos bosques e a preservação da biodiversidade. 
Neste sentido, não poderia haver uma economia sustentável que não estivesse fundada em uma agricultura e em uma silvicultura sustentáveis, das quais dependem as condições de existência da maioria da população do Terceiro Mundo e o equilíbrio ecológico do planeta. 
  • Os métodos da Agroecologia mostraram o potencial de suas estratégias para desenvolver uma agricultura sustentável e altamente produtiva, baseada na capacidade fotossintetizadora dos recursos vegetais, na conservação dos solos, no manejo de processos ecológicos, nos cultivos múltiplos e em sua associação com espécies silvestres, no "metabolismo" entre processo de produção primária, transformação tecnológica e reciclagem ecológica de resíduos industriais. 
Estas experiências, uma vez sistematizadas, oferecem princípios e técnicas capazes de ser generalizados. Desta maneira, a Agroecologia gera novas potencialidades produtivas no agro, gerando novas alternativas ecológicas e afirmando suas estratégias nas comunidades rurais (Toledo, 1989). 
  • A importância dos métodos da Agroecologia para o manejo produtivo e sustentável dos recursos florestais e agrícolas radica na oferta potencial de recursos que pode gerar para melhorar as condições de subsistência dos milhões de camponeses e indígenas que se encontram em estado de desnutrição e pobreza extrema e excluídos das garantias da segurança e auto-suficiência alimentar, devido à implementação de modelos produtivos que não consideram as condições ecológicas, sociais e culturais próprias dessas comunidades rurais. 
Neste sentido, os princípios da Agroecologia oferecem a possibilidade de estabelecer práticas produtivas sobre bases ecológicas e democráticas. A necessidade desta transformação produtiva no campo surge, também, das limitações para gerar empregos para a população rural, que é expulsa para as cidades, para terras marginais e ecossistemas frágeis (pelos processos predominantes de desmatamento e de modernização do agro), empobrecendo ainda mais a população rural e acentuando a perda de fertilidade dos solos. 
  • A complexidade e a fragilidade dos ecossitemas tropicais, que definem a vocação dos solos, assim como a heterogeneidade cultural da organização social dos países tropicais, obrigam a pensar uma estratégia diferente para o manejo produtivo e sustentável de seus agroecossistemas, ao contrário de continuar sua artificialização e capitalização forçada, determinada pelas condições do mercado mundial. 
Reconhecendo que a conversão do uso do solo para o desenvolvimento da agricultura comercial e da pecuária extensiva foi a principal causa do desmatamento - da destruição das florestas e selvas úmidas - e da erosão da fertilidade dos diferentes ecossistemas da América Latina, surge a necessidade de reorientar as estratégias de recuperação e de uso sustentá- vel do solo, baseadas no manejo múltiplo e integrado dos recursos naturais. 
  • A oferta natural de recursos procedentes da diversidade biológica dos ecossistemas tropicais oferece condições vantajosas para aplicar os princípios de manejo agroflorestal em projetos de autogestão produtiva e de manejo múltiplo e integrado dos recursos florestais, agrícolas e pecuários, assim como na transformação agroindustrial in situ de seus recursos, fomentando a integração regional de agroindústrias e mercados. 
Esta estratégia resulta mais adequada às condições ecológicas e sociais da produção sustentável no trópico do que a homogeneização forçada dos recursos orientada para as oportunidades conjunturais do mercado mundial. Isso implica a necessidade de desenvolver tecnologias eficientes e adequadas para serem administradas pelas próprias comunidades para transformar os recursos naturais a escalas que correspondam aos ritmos de oferta ecologicamente sustentável e que permitam o aproveitamento de espécies de uso não convencional. 
  • Os princípios da Agroecologia e o manejo integrado de recursos suscitam a possibilidade de construir uma economia mais equilibrada, justa e produtiva, fundada na diversidade biológica da natureza e na riqueza cultural dos povos da América Latina. 
Entretanto, para gerar este novo potencial, é necessário legitimar os direitos e fortalecer politicamente as comunidades, dotando-as, ao mesmo tempo, de uma maior capacidade técnica, administrativa e financeira, para a autogestão de seus recursos produtivos. 
  • Abrem-se aqui diversas possibilidades que vão desde o manejo de reservas extrativistas e da floresta natural, até o desenvolvimento de práticas de manejo agro-silvo-ecológicas para o aproveitamento múltiplo da floresta tropical, a regeneração seletiva de seus recursos naturais e o manejo de cultivos diversificados. 
Pesquisas recentes mostram o potencial de desenvolvimento, para o autoconsumo e para o mercado mundial, que oferece o manejo produtivo dos diversos e exuberantes recursos da selva tropical, passando da agricultura itinerante tradicional ao estabelecimento de parcelas fixas altamente produtivas, baseadas no uso múltiplo e integrado de seus recursos (Boege, 1992). 
  • A construção deste potencial alternativo de desenvolvimento dependerá, sem dúvidas, da produção de tecnologias apropriadas para o manejo produtivo da biodiversidade dos ecossistemas e para o aproveitamento múltiplo de seus recursos, revertendo as tendências dominantes que querem transformá-los em grandes plantações de cultivos especializados de alto rendimento no curto prazo. 
Abrem-se, assim, perspectivas promissoras para um desenvolvimento agroflorestal, gerando meios de produção melhorados, assimiláveis pelas práticas produtivas das comunidades rurais. Entretanto o controle das empresas de biotecnologia sobre as cada vez mais sofisticadas técnicas de engenharia genética põe em desvantagem as populações indígenas e camponesas, frente aos grandes consórcios internacionais que contam com os meios científicos e econômicos para apropriar-se do material genético dos recursos naturais que foram e continuam sendo patrimônio histórico das populações das regiões tropicais. 
  • Isso requer a necessidade de desenvolver estratégias que permitam que as comunidades rurais possam assegurar e legitimar seus direitos sobre seu patrimônio de recursos e a propriedade da terra, de modo que se assegurem a transferência e apropriação real dos novos recursos tecnológicos para melhorar suas condições de autogestão produtiva. 
As possibilidades que abre a Agroecologia para converter os recursos agrícolas e florestais em bases para o desenvolvimento e bem estar das comunidades rurais aparece, também, como um meio para a proteção efetiva da natureza, da biodiversidade e do equilíbrio ecológico do planeta. 
  • A consolidação destes processos dependerá do fortalecimento da capacidade organizativa das próprias comunidades, para desenvolver alternativas produtivas que permitam melhorar suas condições de vida e aproveitar seus recursos de forma sustentável. Desta maneira, os moradores das florestas e das áreas rurais do Terceiro Mundo poderão aliviar sua pobreza e conservar sua base de recursos como um potencial produtivo que lhes permita satisfazer suas necessidades atuais e construir seu futuro de forma sustentável. 
Para isso, é necessário reconstruir os potenciais ecológicos e culturais que dão as bases a um paradigma de produtividade eco-tecnológica, ao mesmo tempo em que se legitimam os novos direitos coletivos dos povos indígenas e das sociedades rurais, para a reapropriação de seu patrimônio de recursos naturais e culturais (Leff, 1993).

O movimento agroecológico: 
E a reapropriação social da natureza:
  • A degradação sócio-ambiental está exigindo a impostergável necessidade de transformar os princípios da racionalidade econômica, de seu caráter desigual e depredador, para construir uma racionalidade produtiva capaz de gerar um desenvolvimento equitativo, sustentável e duradouro. Este debate teórico e político gerou um amplo movimento social, através do qual os princípios do desenvolvimento sustentável se vão arraigando nas lutas populares e nas organizações das comunidades rurais, em defesa da autogestão de suas terras e de seus recursos naturais. 
Neste sentido, surgiram diversas organizações, em diferentes regiões do mundo, entre as quais se destacam o Movimento Chipko, contra a privatização dos bosques do Himalaia (Guha, 1989), e o Movimento dos Seringueiros da Amazônia, em defesa das reservas extrativistas (Allegretti, 1987, e Gonçalves, 2001). 
  • Nos anos recentes, um vigoroso movimento indígena e camponês - no qual os sinais mais visíveis são o MST e o EZLN - se incorporou a este processo de ambientalização, afirmando seus direitos de autonomia e autogestão, assim como sua capacidade de reapropriação de seus territórios, de suas riquezas florestais e da biodiversidade de suas matas, reconhecendo que sua sobrevivência e condições de vida dependem do manejo sustentável dos recursos agroecológicos. 
Os movimentos sociais associados ao desenvolvimento do novo paradigma agroecológico e a práticas produtivas no meio rural não são senão parte de um movimento mais amplo e complexo orientado em defesa da transformação do Estado e da ordem econômica dominante. 
  • O movimento para um desenvolvimento sustentável é parte de novas lutas pela democracia direta e participativa e pela autonomia dos povos indígenas e camponeses, abrindo perspectivas para uma nova ordem econômica e política mundial. 
Neste contexto, os princípios da Agroecologia e o manejo agroflorestal não só sugerem a necessidade de reestruturar a produção nos ambientes rurais para ajustar esta produção a novas oportunidades de mercado e às condições de rentabilidade da produção agrícola, mas se propõem a estabelecer uma nova racionalidade produtiva sobre bases ecológicas e de eqüidade social. 
  • Os projetos de capitalização do campo, associados primeiro com a Revolução Verde e agora com os cultivos transgênicos, foram incapazes de respeitar o valor dos recursos naturais, culturais e humanos do meio rural, levando a uma sobreprodução e a um subconsumo de produtos alimentícios, com efeitos devastadores em termos de perdas de fertilidade dos solos salinização e erosão das terras, além da diferenciação social e da miséria extrema, geradas pelas empresas agroindustriais intensivas em capital e em insumos híbridos e energéticos (Garcia et al., 1988 a. e 1986). 
O movimento pela conservação produtiva das florestas e bosques passou a ocupar um papel importante na resolução de problemas ambientais globais, como o aquecimento global, que vem ocorrendo devido tanto às taxas de desmatamento como aos efeitos da crescente concentração urbana, ao crescimento da produção industrial e ao irracional uso de energia. 
  • Por isso mesmo, veio à tona o imperativo de preservar as funções ecológicas das florestas, que contribuem para manter os equilíbrios hidrológicos e climáticos da terra, e de melhorar o potencial de produção florestal dos trópicos, baseado em suas condições particulares de produtividade natural e regeneração ecológica, através de práticas sustentáveis de manejo integral dos recursos, que permitam preservar sua biodiversidade e satisfazer as necessidades fundamentais das populações locais. 
O processo atual de transformação produtiva do campo não só propõe um questionamento sobre a possibilidade de gerar novos empregos para a população rural que será expulsa de um agro modernizado. Na verdade, estabelece o desafio de estancar a perda de florestas e solos, enquanto se desenvolvem novas estratégias produtivas que permitam o aproveitamento do potencial produtivo dos ecossistemas rurais dos trópicos. 
  • O problema que está colocado é a necessidade de articular os espaços de economias autogestionárias e endógenas, fundado sobre a apropriação comunitária dos recursos, com as forças onipresentes do mercado mundial. 
Assim mesmo, será necessário incorporar as bases naturais e culturais de sustentabilidade à racionalidade da produção e equilibrar a eficácia produtiva com a distribuição do poder, de modo que sejam os atores conscientes de uma nova economia social quem decidam e controlem os processos políticos e produtivos e não apenas as leis cegas e os interesses corporativos do mercado. 
  • Emergem, assim, os princípios de uma gestão ambiental participativa, a exigência da sociedade civil, das comunidades indígenas e dos povos das florestas, que demandam o acesso e a apropriação de seus recursos, do entorno no qual historicamente se desenvolveram suas civilizações, dando-lhes o sustento vital e cultural. 
Estas novas economias endógenas e autogestionárias se fundem em uma demanda por democracia participativa e direta, que implica o seu direito de pensar, propor e realizar outros futuros possíveis, de gerar novas técnicas e de apropriar-se delas como força produtiva e de democratizar os processos de produção de seus meios de vida. 
  • Assim, o movimento ambiental está abrindo novas vias para reverter a degradação ecológica, a concentração industrial, a congestão urbana e a concentração do poder, para romper a alienação imposta por um modelo homogeneizante e desigual; para seguir a evolução da natureza em direção à diversidade biológica e seguir a aventura da humanidade pela via da heterogeneidade cultural; para estabelecer formas mais produtivas e igualitárias, mas, também, melhores formas de convivência social e de relação com a natureza. 
Os imperativos da modernidade não devem limitar-se a ajustar (forçar) as diversas condições ecológicas, culturais e sociais, que determinam o aproveitamento equitativo e sustentável dos recursos, aos princípios de uma racionalidade econômica que somente dá valor ao patrimônio de recursos naturais e culturais em termos de capital natural e humano, quer dizer, do valor da força de trabalho e das matérias-primas determinado pelos mecanismos do mercado. 
  • O desafio é desenvolver novas formas de articulação de uma economia global sustentável com economias de autoconsumo centradas na melhoria do potencial ambiental de cada localidade, que resultem altamente produtivas, ao mesmo tempo em que preservem a base de recursos naturais e a diversidade biológica dos ecossistemas. 
Isso exige a necessidade de promover formas de associação e investimento que transfiram uma maior capacidade técnica e um maior potencial produtivo às próprias comunidades, através de processos de co-gestão que melhorem as condições de vida da população, que assegurem a sustentabilidade, a longo prazo, dos processos produtivos e que aumentem, ao mesmo tempo, os excedentes comercializáveis. 
  • As perspectivas para o uso sustentável dos recursos estão atravessadas por poderes desiguais que defendem diferentes projetos de desenvolvimento. Assim, os países do Norte manifestam seu interesse em preservar a biodiversidade do planeta e em explorar os recursos florestais dos países subdesenvolvidos, amparando-se nos direitos de propriedade intelectual e nas patentes sobre melhorias genéticas dos recursos vegetais. 
Por outro lado, os países do Sul resistem a ceder o controle sobre seus recursos aos mecanismos do mercado mundial e às cada vez mais sofisticadas estratégias de dominação que estão desenvolvendo os países do Norte, à base do controle do conhecimento científico, da propriedade das inovações biotecnológicas e de seu poder financeiro. 
  • Ante esta disjuntiva, os princípios de racionalidade ambiental e produtividade eco-tecnológica se vinculam à necessidade de reforçar o poder e as capacidades das próprias comunidades para empreender um desenvolvimento endógeno, fundado no aproveitamento das florestas e bosques tropicais, a partir dos princípios da autogestão comunitária e do uso ecologicamente sustentável dos recursos naturais. 
Esta estratégia deixou de ser somente uma proposta de acadêmicos, intelectuais e grupos ambientalistas, para transformar-se em uma demanda das comunidades rurais. Surgiram, assim, numerosas experiências e todo um movimento ambiental que colocam na prática os princípios do ecodesenvolvimento e da Agroecologia pelos próprios agricultores e povos da floresta, os quais lutam por reapropriar-se do controle coletivo de seus recursos naturais e culturais e pela reorganização de suas práticas produtivas. 
  • Desde o final dos anos setenta, durante a década dos 80 e ainda mais na década de 90, uma vertente do movimento ambiental vem se firmando nas comunidades rurais, incorporando suas demandas tradicionais pela terra e pela autogestão de seus recursos naturais. 
Isso se reflete na organização de produtores florestais, que lutam por transformar o regime de exploração dos recursos das empresas concessionárias, por um novo modelo de apropriação do seu patrimônio de recursos, de autogestão da produção e comercialização, adquirindo, ao mesmo tempo, o controle sobre os serviços técnicos florestais e gerando inovações técnicas a partir das práticas tradicionais de uso dos recursos. 
  • As propostas para o aperfeiçoamento sustentável das florestas e dos recursos naturais estão arraigando-se em novas formas de organização das comunidades, para a defesa e o controle coletivo de seus recursos, assim como para o desenvolvimento de estratégias produtivas alternativas. Está nascendo, assim, um novo espírito de organização coletiva, que mobiliza um desenvolvimento alternativo fundado no potencial produtivo dos ecossistemas, na diversidade cultural e nas capacidades organizativas das comunidades rurais. 
Ao serem colocadas em prática estas estratégias produtivas de gestão participativa, se avança na realização de um desenvolvimento alternativo, no qual se vai forjando uma nova consciência social e um conhecimento coletivo sobre o potencial que encerra o manejo ecológico dos recursos naturais e a energia social que surge nesses processos sociais de autogestão produtiva. 
  • Estes vão rompendo um longo processo de exploração dos recursos e das comunidades rurais - como forma de assegurar a acumulação de capital -, a centralização política e a concentração urbana, nos quais as economias de escala e de aglomeração se transformaram, superando patamares críticos de desequilíbrio ecológico e de tolerância social, que se refletem no aumento da pobreza crítica e da degradação ambiental. 
A partir desta constatação, está surgindo uma demanda das comunidades para que o Estado reconheça seus direitos de uso, usufruto e manejo dos recursos florestais. Emerge, assim, uma nova consciência e um novo espírito de organização coletiva, que mobilizam um desenvolvimento alternativo ao projeto neoliberal e a um modelo homogeneizador, alheio à diversidade cultural e ao potencial produtivo dos ecossistemas do trópico. 
  • A consolidação desses processos dependerá do fortalecimento da capacidade organizativa das próprias comunidades. Também requererá uma clara vontade política para apoiar estas alternativas de desenvolvimento, oferecendo os apoios técnicos e financeiros básicos para a inovação e aplicação de novas técnicas para o fortalecimento destas novas formas de organização produtiva. 
Este movimento levou ao aumento do número de organizações rurais e camponesas, assim como de projetos de pesquisa, desenvolvimento e extensão orientados pelos princípios da Agroecologia, gerando uma colaboração em forma de redes para o intercâmbio de experiências e conhecimentos, assim como para fortalecer o consenso social a favor dos novos projetos produtivos, buscando incidir nas políticas de produção rural e desenvolvimento sustentável. 
  • Desta maneira, um movimento social, cada vez mais amplo, avança na construção de uma nova racionalidade produtiva, fundada em bases ecológicas para uma produção sustentável, assim como em critérios de eqüidade social e de diversidade cultural, capazes de reverter os processos de degradação ambiental e de gerar benefícios diretos para as comunidades responsáveis pela autogestão de seus recursos ambientais. 
Sem dúvidas, os moradores que habitam os bosques, as selvas tropicais e as áreas rurais onde se significa sua cultura, onde se forjam suas solidariedades coletivas e se configuram seus projetos de vida é que podem assumir o compromisso de manter a base de recursos como um legado de um patrimônio histórico e cultural e como fonte de um potencial econômico para as futuras gerações.

Epílogo:
  • O tempo está comprovando que a crise ambiental é, efetivamente, uma crise civilizatória e que o movimento agroecológico se inscreve no que podemos qualificar como uma grande transformação, que talvez leve a reverter o processo e as inércias que desembocaram no holocausto ecológico através da idéia do progresso e do crescimento sem limites. 
Para isso, será necessário construir uma racionalidade ambiental que incorpore um novo modelo de produção, fundado por princípios da produtividade neguentrópica. Isso haverá de conduzir a uma regularização da vida que reverta as inércias que estão levando a uma hiperurbanização. 
  • Para isso, a ciência e as técnicas da Agroecologia devem articular-se a uma nova teoria da produção e a novas práticas produtivas; à construção de um mundo no qual predomine o Ser das coisas sobre sua utilidade mercantil, onde se revalorize a terra e o trabalho e onde o ser humano possa reconhecer-se em seus saberes e no sentido de suas ações. 
A Agroecologia poderia converter-se, assim, na ponta de lança para a cristalização de um paradigma de produtividade eco-tecnológica. A Agroecologia será o arado para o cultivo de um futuro sustentável e haverá de articular-se a processos de transformação social que permitam passar da resistência à globalização à construção de um novo mundo.

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Agroecologia e saber ambiental