segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Inundações Urbanas

Parece que muita gente já esqueceu, mas no final de 2013 e início de 2014, o sudeste sofria com graves episódios de enchentes fluviais, que atingiram fortemente os estados de Minas Gerias e Espírito Santo.

  • No início deste século, a população urbana compunha cerca de 15% da população mundial, enquanto que, para o seu final, prevê-se que atingirá a marca de 50%. Esse processo é mais acelerado nos países em desenvolvimento. Na América Latina e no Caribe, a população urbana cresce a taxas de 3 a 5% ao ano. No ano 2000, cerca de seis cidades deverão ultrapassar 10 milhões de habitantes, e de 30 a 35 deverão ter população superior a 1 milhão (Foster, 1986). Nos países desenvolvidos, esse processo já está estável. 
O Brasil apresentou, ao longo das últimas décadas, um crescimento significativo da população urbana, criando-se as chamadas regiões metropolitanas. A taxa de população urbana brasileira é de 80%, próxima à saturação. O processo de urbanização acelerado ocorreu depois da década de 60, gerando uma população urbana praticamente sem infra-estrutura, principalmente na década de 80, quando os investimentos foram reduzidos.
  • Os efeitos desse processo fazem-se sentir sobre todo o aparelhamento urbano relativo a recursos hídricos: abastecimento de água, transporte e tratamento de esgotos cloacais e drenagem pluvial. As conseqüências desse processo são importantes. Por exemplo, o acesso à água e ao saneamento reduz, em média, 55% da mortalidade infantil (WRI, 1992). As enchentes urbanas constituem-se num dos importantes impactos sobre a sociedade. Esses impactos podem ocorrer devido à urbanização ou à inundação natural da várzea ribeirinha. 
Na bacia hidrográfica rural, o fluxo é retido pela vegetação, infiltra-se no subsolo e, o que resta, escoa sobre a superfície de forma gradual, produzindo um hidrograma com variação lenta de vazão e com picos de enchentes moderados. As enchentes naturais extravazam a sua calha menor, em média, a cada dois anos, ocupando o seu leito maior.
  • Conhecidos os processos e suas conseqüências, é necessário planejar-se a ocupação do espaço urbano com a infra-estrutura e as condições que evitem impactos econômico-sociais sobre a sociedade. 
Este capítulo busca dar uma visão de conjunto dos principais aspectos das cheias urbanas, das suas causas, conseqüências e de como o problema vem sendo tratado no país. Os principais impactos ambientais serão destacados a seguir, finalizando-se com um resumo dos métodos utilizados na quantificação das conseqüências da urbanização sobre o escoamento.

Enchentes urbanas:

As enchentes em áreas urbanas são conseqüência de dois processos, que ocorrem isoladamente ou de forma integrada:
  • Enchentes em áreas ribeirinhas - as enchentes naturais que atingem a população que ocupa os leitos de rios por falta de planejamento do uso do solo; 
  • Urbanização - são as enchentes provocadas pela urbanização.
Enchentes em áreas ribeirinhas:
  • Essas enchentes ocorrem, principalmente, pelo processo natural no qual o rio ocupa o seu leito maior, de acordo com os eventos chuvosos extremos, em média com tempo de retorno superior a dois anos. Esse tipo de enchente, normalmente, ocorre em bacias grandes ( > 1000 km2) e é decorrência do processo natural. Os impactos sobre a população são causados, principalmente, pela ocupação inadequada do espaço urbano. Essas condições ocorrem, em geral, devido às seguintes ações:
Como, no Plano Diretor Urbano da quase totalidade das cidades brasileiras, não existe nenhuma restrição quanto ao loteamento de áreas de risco de inundação, a seqüência de anos sem enchentes é razão suficiente para que empresários loteiem áreas inadequadas; 
  • Invasão de áreas ribeirinhas, que pertencem ao poder público, pela população de baixa renda; 
Ocupação de áreas de médio risco, que são atingidas com freqüência menor, mas que quando o são, sofrem prejuízos significativos.

Enchentes devido à urbanização:
  • Com o desenvolvimento urbano, ocorre a impermeabilização do solo através de telhados, ruas calçadas e pátios, entre outros. Dessa forma, a parcela da água que infiltrava passa a escoar pelos condutos, aumentando o escoamento superficial. O volume que escoava lentamente pela superfície do solo e ficava retido pelas plantas, com a urbanização, passa a escoar no canal, exigindo maior capacidade de escoamento das seções. Os efeitos principais da urbanização são o aumento da vazão máxima, a antecipação do pico e o aumento do volume do escoamento superficial.

Inundações localizadas:
As inundações localizadas podem ser provocadas por:
  • Estrangulamento da seção do rio devido a aterros e pilares de pontes, estradas, aterros para aproveitamento da área, assoreamento do leito do rio e lixo;
  • Remanso devido a macrodrenagem, rio principal, lago, reservatório ou oceano;
  • Erros de execução e projeto de drenagem de rodovias e avenidas, entre outros.
Normalmente, esses problemas disseminam-se nas áreas urbanas, à medida que existe pouco controle sobre as diferentes entidades que atuam na infra-estrutura urbana. Adutoras, pontes ou rodovias são, freqüentemente, projetadas sem se considerar seu impacto sobre a drenagem.
  • Os três tipos de inundações, normalmente, ocorrem em diferentes pontos das cidades, isoladamente ou pela combinação dessas situações. Por exemplo, o rio Tietê, no início deste século, inundou a região de São Paulo algumas vezes, como em 1929, representando situações do primeiro tipo. Com o desenvolvimento urbano descontrolado, a freqüência dessas inundações aumentou, devido à urbanização intensa de sua área ribeirinha e de seus afluentes principais, como o Tamanduateí e o Pinheiros (bacia total de cerca de 3.000 km2). O rio Iguaçu inunda a Região Metropolitana de Curitiba devido às suas cheias naturais e à urbanização intensa de afluentes como o rio Belém.
Causas, impactos e controles quantitativos:
  • As principais causas das enchentes serão discutidas, a seguir dentro da classificação apresentada no item anterior.
Enchentes da várzea natural:
  • As cidades, no passado, localizavam-se próximas a rios de médio e grande portes, para uso do transporte fluvial. A parcela do leito maior ocupada pela população sempre dependeu da memória dos habitantes e da freqüência com que as enchentes ocorriam. Uma seqüência de anos sem inundação é motivo para que a sociedade pressione para que haja ocupação do leito maior do rio. 
Na cidade de Blumenau, existem registros de cotas de inundações que atingem o leito maior desde 1852. No período de 1912 a 1982 (71 anos), não ocorreu nenhuma enchente com cota superior a 13,00 m, enquanto que, em 1852 (16,50m), 1880 (17,10m), 1911 (16,90m), 1983 (15,34m) e 1984 (15,50m) ocorreram grandes enchentes, com cotas muito superiores a essa. No período de baixas enchentes, houve grande ocupação do vale de inundação, o que resultou em significativos prejuízos com a enchente de 1983, representando 16% do PIB da época de Santa Catarina. A Cia. Hering, fundada no ano da maior enchente, 1880, manteve, na memória, esse impacto e não sofreu com as inundações posteriores.
  • Outro exemplo é a cidade de Porto Alegre. A grande enchente deste século foi em 1941 e atingiu grande parte do centro da cidade e algumas áreas ribeirinhas. Em 1967, ocorreu uma enchente de menor porte, mas, depois dessa data, não houve nenhuma cheia importante. Na década de 70, foi construído um sistema de diques de proteção para a cidade. A necessidade desse sistema de proteção vem sendo questionada por parte significativa da população, já que, há muitos anos, não ocorre nenhuma enchente que atinja a cota de proteção.
Em algumas cidades onde a freqüência de inundação é alta, as áreas de risco são ocupadas por subabitações, porque representam espaço urbano pertencente ao poder público ou desprezado economicamente pelo poder privado. A defesa civil é, constantemente, acionada para proteger essa parte da população. A questão com a qual o administrador municipal depara-se, nesse caso, é que, ao transferir essa população para uma área segura, outros se alojam no mesmo lugar, como resultado das dificuldades econômicas e das diferenças sociais.
  • Devido a tais impactos, a população pressiona seus dirigentes por soluções do tipo estrutural, como canalização, barragens, diques, etc. Essas obras, em geral, têm um custo que os municípios e, muitas vezes, os Estados, não têm condições de suportar. Até 1990, o DNOS - Departamento Nacional de Obras e Saneamento -, a nível federal, atendia parte desses
problemas. Com o seu fechamento e a redução de técnicos, a Secretaria de Desenvolvimento Regional ficou com o pouco que resta para apoiar as cidades, apesar da Constituição Federal estabelecer, no seu artigo 21, que "compete à União" e, no inciso 28, "planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações".
  • As administrações estaduais, em geral, não estão preparadas técnica e financeiramente para planejar e controlar esses impactos, já que os recursos hídricos são, normalmente, tratados de forma setorizada (energia elétrica, abastecimento urbano e tratamento de esgoto, irrigação e navegação), sem que haja maior interação na administração e seu controle. A regulamentação do impacto ambiental envolve o controle da ação do homem sobre o meio ambiente e não a prevenção e controle de enchentes. Os municípios foram pressionados a estabelecerem o Plano Diretor Urbano, o qual, na sua quase totalidade, não contempla os aspectos de prevenção contra a ocupação dos espaços de risco de enchentes. Observa-se que os Planos Diretores já tratam de aspectos de preservação ambiental do espaço, disseminados pela divulgação da proteção ambiental, mas, por falta de conhecimento e orientação, não se observa nenhum dispositivo de prevenção da ocupação das áreas de risco de enchentes.
O prejuízo médio de inundação, nos Estados Unidos, chegou a cerca de 5 bilhões de dólares anuais (estimativa de 1983, Hudlow et al., apud NRC, 1991). No Brasil, são raros os estudos que quantificam esse impacto. JICA (1986) estimou em 7% do valor de todas as propriedades de Blumenau o custo médio anual de enchentes para essa cidade e em 22 milhões de dólares para todo o Vale do Itajaí. O prejuízo previsto para uma cheia de 50 anos foi de 250 milhões de dólares.

Urbanização:
  • As enchentes ampliadas pela urbanização, em geral, ocorrem em bacias de pequeno porte, de alguns quilômetros quadrados. Evidentemente que as exceções são as grandes regiões metropolitanas, como São Paulo, onde o problema abrange cerca de 800 km2. Nas grandes bacias, existe o efeito da combinação da drenagem dos vários canais de macrodrenagem, que são influenciados pela distribuição temporal e espacial das precipitações máximas.
A tendência da urbanização é de ocorrer no sentido de jusante para montante, na macrodrenagem urbana, devido às características de relevo. Quando um loteamento é projetado, os municípios exigem apenas que o projeto de esgotos pluviais seja eficiente no sentido de drenar a água do loteamento. Quando o poder público não controla essa urbanização ou não amplia a capacidade da macrodrenagem, a ocorrência das enchentes aumenta, com perdas sociais e econômicas. Normalmente, o impacto do aumento da vazão máxima sobre o restante da bacia não é avaliado pelo projetista ou exigido pelo município. A combinação do impacto dos diferentes loteamentos produz aumento da ocorrência de enchentes a jusante. Esse processo ocorre através da sobrecarga da drenagem secundária (condutos) sobre a macrodrenagem (riachos e canais) que atravessa as cidades. As áreas mais afetadas, devido à construção das novas habitações a montante, são as mais antigas, localizadas a jusante.
  • As conseqüências dessa falta de planejamento e regulamentação são sentidas em, praticamente, todas as cidades de médio e grande portes do país. Depois que o espaço está todo ocupado, as soluções disponíveis são extremamente caras, tais como canalizações, diques com bombeamentos, reversões e barragens, entre outras. O poder público passa a investir uma parte significativa do seu orçamento para proteger uma parcela da cidade que sofre devido à imprevidência da ocupação do solo. Esses fundos provêm de impostos de toda a população do município, estado ou da federação. Portanto, cabe, muitas vezes, questionar quem deve pagar e se deveria ser permitida essa ocupação.

Carros ficam presos em alagamento na avenida Rubem Berta em SP; chuvas deixaram toda a cidade em estado de Alerta

O controle das inundações:
  • Ocupação das áreas ribeirinhas. As medidas de controle de inundações podem ser classificadas em estruturais, quando o homem modifica o rio, e em não-estruturais, quando o homem convive com o rio. No primeiro caso, estão as medidas de controle através de obras hidráulicas, tais como barragens, diques e canalização, entre outras. No segundo caso, encontram-se medidas do tipo preventivo, tais como zoneamento de áreas de inundação, alerta e seguros. Evidentemente que as medidas estruturais envolvem custos maiores que as medidas não-estruturais.
As principais medidas de controle de enchentes não-estruturais são: zoneamento de áreas de inundação, sistema de alerta ligado à defesa civil e seguros. O zoneamento é baseado no mapeamento das áreas de inundação dentro da delimitação da cheia de 100 anos ou maior registrada. Dentro dessa faixa, são definidas áreas de acordo com o risco e com a capacidade hidráulica de interferir nas cotas de cheia a montante e a jusante. A regulamentação depende das características de escoamento, topografia e tipo de ocupação dessas faixas. O zoneamento é incorporado pelo Plano Diretor Urbano da cidade e regulamentado por legislação municipal específica ou pelo Código de Obras. Para as áreas já ocupadas, o zoneamento pode estabelecer um programa de transferência da população e/ou convivência com os eventos mais freqüentes
  • O sistema de alerta tem a função de prevenir com antecedência de curto prazo, reduzindo os prejuízos, pela remoção, dentro da antecipação permitida. Além disso, o sistema de alerta é fundamental para os eventos que atingem raramente as cotas maiores, quando as pessoas sentem-se seguras. Para maiores detalhes sobre medidas de controle de enchentes, consulte Tucci (1993b) ou Simons et al. (1977), entre outros.
A solução ideal deve ser definida para cada caso em função das características do rio, do benefício da redução das enchentes e dos aspectos sociais de seu impacto. Certamente, para cada situação, medidas estruturais e não-estruturais podem ser combinadas para uma melhor solução. De qualquer forma, o processo de controle inicia pela regulamentação do uso do solo urbano através de um plano diretor que contemple as enchentes.
  • Em 1936, nos Estados Unidos, foi aprovada uma legislação, a nível federal, sobre controle de enchentes, que identificava a natureza pública dos programas de redução de enchentes e caracterizava a implantação de medidas físicas ou estruturais como um meio de reduzir esses danos. Com isso, acelerou-se a ocupação das várzeas, o que resultou em aumento dos danos ocasionados pelas enchentes. Em 1966, o governo reconheceu que as medidas anteriores eram inadequadas, devido ao seu alto custo, e deu ênfase a medidas não estruturais, principalmente ao programa de seguros. Nesse programa, toda obra financiada pelo governo e outras entidades particulares exige que o proprietário que ocupa a área de inundação pague um seguro de enchentes.
No Brasil, não existe nenhum programa sistemático de controle de enchentes que envolva seus diferentes aspectos. O que se observa são ações isoladas por parte de algumas cidades. Estrela, no Rio Grande do Sul, implementou, dentro de seu Plano Diretor, a legislação de zonas de uso especial, definidas pela restrição de ocupação e de construções abaixo de determinadas cotas, estabelecidas no zoneamento de inundação previamente elaborado (Rezende e Tucci, 1979). 
  • O município prevê, na legislação, a troca de área de inundação por índice de ocupação em zonas valorizadas, como uma forma de adquirir áreas de risco para uso público. O DAEE (1990), com o apoio de várias Associações ligadas a Recursos Naturais, desenvolveu recomendações para artigos da seção de Recursos Hídricos nas leis orgânicas dos municípios, onde, no art. 2, inciso IV, é prescrito que se deve " proceder ao zoneamento das áreas sujeitas a riscos de inundações, .." e, no inciso VI, é recomendado o seguinte: " implantar sistema de alerta e defesa civil, para garantir a saúde e segurança públicas, quando de eventos hidrológicos indesejáveis".
Como se observa, não existe nenhum programa sistemático em qualquer nível para controle da ocupação das áreas de risco de inundação no Brasil. Há, apenas, poucas ações isoladas de alguns poucos profissionais. Em geral, o atendimento a enchente somente é realizado depois de sua ocorrência. A tendência é que o problema fique no esquecimento após cada enchente, retornando na seguinte. Isso se deve a vários fatores, entre os quais estão os seguintes:
  • Falta de conhecimento sobre controle de enchentes por parte dos planejadores urbanos;
  • Desorganização, a níveis federal e estadual, sobre controle de enchentes;
  • Pouca informação técnica sobre o assunto a nível de graduação na Engenharia;
  • O desgaste político para o administrador público, resultante do controle não-estrutural (zoneamento), já que a população está sempre esperando uma obra hidráulica;
  • Falta de educação da população sobre controle de enchentes.
Urbanização. A tendência de controle das cheias urbanas devido à urbanização é que ele seja realizado, na maioria das vezes, através da canalização dos trechos críticos. Esse tipo de solução segue a visão particular de um trecho da bacia, sem que as conseqüências sejam previstas para o restante da mesma ou dentro de diferentes horizontes de ocupação urbana. A canalização dos pontos críticos acaba apenas transferindo a inundação de um lugar para outro na bacia. Esse processo, em geral, ocorre na seguinte seqüência:
Estágio 1: a bacia começa a ser urbanizada de forma distribuída, com maior densificação a jusante, aparecendo, no leito natural, os locais de inundação devido a estrangulamentos naturais ao longo do seu curso;
Estágio 2: as primeiras canalizações são executadas a jusante, com base na urbanização atual; com isso, o hidrograma a jusante aumenta, mas é ainda contido pelas áreas que inundam a montante e porque a bacia não está totalmente densificada;
Estágio 3: com a maior densificação, a pressão pública faz com os administradores continuem o processo de canalização para montante. 
Quando o processo se completa, ou mesmo antes, as inundações retornam a jusante, devido ao aumento da vazão máxima, quando esta não tem mais condições de ser ampliada. As áreas de montante funcionavam como reservatórios de amortecimento. Nesse estágio, a canalização simplesmente transfere a inundação para jusante. Já não existem espaços laterais para ampliar os canais a jusante, e as soluções convergem para o aprofundamento do canal, com custos extremamente altos (podendo chegar a US$ 50 milhões/km, dependendo do subsolo, largura, revestimento, etc.). Esse processo é prejudicial aos interesses públicos e representa um prejuízo extremamente alto para toda a sociedade ao longo do tempo.
  • Se existe uma regulamentação que impede a ampliação da cheia natural, como é possível construir um loteamento residencial, comercial ou industrial sem que isso não ocorra? Essa é a primeira pergunta formulada por leigos e profissionais acostumados ao tipo de projeto existente na nossa realidade.
A prática observada, em outros países, tem sido a de se utilizarem áreas temporárias de retardo da vazão, como os reservatórios de detenção, o que gera a pergunta seguinte: como construir um reservatório numa área urbana? A idéia de reservatório no Brasil é, em geral, a de grandes obras; no entanto, o reservatório urbano pode representar uma pequena superfície de pequeno volume, que faça parte de uma área pública ou mesmo de um condomínio. A característica da cheia urbana é que ela apresenta um pico alto e pequeno volume; portanto, se houver um reservatório, mesmo de volume pequeno, numa área urbana, ele será suficiente para reduzir a vazão máxima significativamente. 
  • Na literatura, são descritos outros dispositivos para controle de cheia urbana, tais como uso de pavimento poroso, armazenamento em telhados, pequenos tanques residenciais e poços subterrâneos, que produzem a redução distribuída do efeito da urbanização. As características da urbanização residencial brasileira, com lotes pequenos e intensamente urbanizados, tendem a ampliar ainda mais esse efeito e a dificultar tais controles
Num lote urbano, a parcela do pátio impermeabilizada pode representar um fator significativo no hidrograma do terreno. Na ocupação urbana, normalmente, existem os índices de ocupação (parcela, em planta, construída do lote) e de aproveitamento (parcela construída com relação à área total do terreno), que são indicadores para o planejamento da densificação urbana. No entanto, não existe nenhum indicador como um índice de impermeabilização, que é a parcela do terreno que contribui para o escoamento superficial no projeto de desenvolvimento do lote. A principal crítica a esse índice decorre da sua fiscalização, já que pequenas mudanças internas podem alterar seu resultando; no entanto, a educação ambiental, agregada à legislação, poderá reduzir o impacto de uma parcela ponderável das condições hoje existentes.

Impactos Ambientais:
  • Até aqui, foram discutidos os tipos de inundações e o impacto devido à urbanização sobre o escoamento. Os outros impactos, tão importantes quanto a parte quantitativa das enchentes, são aqueles devido ao aumento da produção de sedimentos e à degradação da qualidade da água drenada pelos esgotos pluviais e contaminação dos aquíferos. 
Durante o desenvolvimento urbano, o aumento dos sedimentos produzidos pela bacia hidrográfica é significativo, devido às construções, limpeza de terrenos para novos loteamentos, construção de ruas, avenidas e rodovias, entre outras causas. Pode ser observada a produção de sedimentos de uma bacia natural, em desenvolvimento e desenvolvida. Essa produção de sedimentos tem conseqüências ambientais importantes para as áreas urbanas. Algumas delas são as seguintes:
  • Assoreamento da drenagem, com redução da capacidade de escoamento de condutos, rios e lagos urbanos. A lagoa da Pampulha é um exemplo de um lago urbano que tem sido assoreado. O arroio Dilúvio, em Porto Alegre, devido a sua largura e pequena profundidade durante as estiagens, tem depositado o aumento de produção de sedimentos das bacias de montante. Como conseqüência, criou-se vegetação dentro do canal, reduzindo sua capacidade para escoamento das enchentes; 
Transporte de substância poluente agregada ao sedimento. Durante as enchentes, as substâncias existentes na água da lavagem das ruas podem agregar-se aos sedimentos. Vários resultados apresentados na literatura têm demonstrado que a qualidade de água do pluvial não é melhor que a do efluente de um tratamento secundário. Em geral, a quantidade de material suspenso na drenagem pluvial é muito superior à encontrada no esgoto in natura. Esse volume é mais significativo no início das enchentes.
  • Os esgotos podem ser combinados (cloacal e pluvial num mesmo conduto) ou separados (rede pluvial e cloacal separadas). No Brasil, a maioria das redes é do segundo tipo; somente em áreas antigas de algumas cidades, existem sistemas combinados. A qualidade da água dos pluviais depende de vários fatores: da limpeza urbana e sua freqüência, da intensidade da precipitação e sua distribuição temporal e espacial, da época do ano e do tipo de uso da área urbana. Existe uma grande variabilidade dos parâmetros de qualidade da água de acordo com esses fatores. 
Os aquíferos urbanos são contaminados, principalmente, pelos aterros sanitários e pela infiltração indiscriminada de águas pluviais contaminadas pelo transporte de lixo, sedimentos e lavagem de ruas. O aumento de áreas permeáveis diretas, ou seja, que permitem a infiltração de água não contaminada, possibilitará reduzir o impacto sobre o aquífero.
  • Uma das principais conseqüências do desenvolvimento urbano, no meio ambiente dos pequenos rio urbanos, tem sido a redução da vazão no período de estiagem. Com o aumento do escoamento superficial devido à impermeabilização, os aquíferos não são abastecidos, e a capacidade do rio é reduzida. O escoamento, muitas vezes, é devido a esgoto jogado in natura ou a ligação clandestina de esgoto cloacal no pluvial.
Metodologias de quantificação: 
Escoamento numa bacia urbana
  • No gerenciamento e ações mencionados nos itens anteriores, é necessário a quantificação das enchentes, seja para avaliar o impacto, projetar novas obras ou verificar o benefícios das ações. Para a quantificação, o sistema pode ser separado em micro e macrodrenagem. A microdrenagem envolve, na maioria das situações, o projeto de loteamentos e drenagem específicos, como de avenidas ou outro desenvolvimento urbano. 
No caso da microdrenagem, a ocupação já foi definida pelo plano diretor urbano e pelo loteador; portanto, o dimensionamento é realizado dentro de bases conhecidas. Quando o dimensionamento envolve somente diâmetros máximos e a bacia é pequena, o método racional é utilizado. Quando, nesse projeto, é necessário amortecer a enchente, onde os volumes são importantes, é preciso utilizarem-se métodos que estimem o hidrograma de projeto. Como foi discutido anteriormente deve-se avaliar o impacto da microdrenagem sobre a macrodrenagem, seja no seu dimensionamento ou no planejamento futuro, o que pode ser realizado nas seguintes situações:
  • Quantificação do escoamento de uma bacia em expansão onde não estão delineados os espaços. Nessa situação, dispõe-se apenas da tendência de ocupação urbana, com seus vetores de expansão, representando o planejamento de médio e longo prazos da drenagem da bacia. Para essa situação, são utilizados modelos hidrológicos que avaliem, de forma mais global, os processos; 
Quantificação quando os espaço estão definidos, ou seja, conhecem-se a distribuição de ruas, o tipo de ocupação, a drenagem específica de bueiros e o projeto pluvial (projetado ou existente). Normalmente, são utilizados modelos distribuídos, que detalham a bacia e os condutos. 

Modelos concentrados: 
Ocupação sem definição específica
  • A estimativa da vazão máxima pode ser realizada pela análise da probabilidade das enchentes ou por modelos matemáticos hidrológicos a partir da precipitação máxima. No primeiro caso, é necessário dispor-se da série de vazões representativa e estacionária, o que é difícil numa área urbana, principalmente no Brasil, onde o desenvolvimento urbano foi acelerado a partir da década de 70 e, praticamente, inexistem dados sobre bacias urbanas. Essas metodologias combinam a vazão máxima da curva de probabilidade com a taxa de área impermeável e o grau de melhoria do canal principal. 
Os modelos hidrológicos procuram descrever o processo de transformação de precipitação em vazão, dentro de uma visão de macroanálise, tendo também, como parâmetros, a taxa de áreas impermeáveis e a eficiência do escoamento superficial. As estruturas básicas desses modelos são: algoritmo de perdas por depressão e impermeabilização, perda por infiltração, escoamento superficial de toda a bacia e escoamento à superfície livre em canais. As principais simplificações desses modelos são as seguintes:
  • As características em cada sub-bacias são uniformes; 
  • Não consideram a distribuição espacial das características de impermeabilização numa sub-bacia do modelo; 
  • Não consideram o escoamento em condutos, mas a propagação geral da sub-bacia; 
  • A separação do escoamento é realizada por índices, de acordo com o tipo de ocupação urbana existente.
Modelos distribuídos: 
Ocupação definida
  • Esses modelos são utilizados, geralmente, para a simulação de áreas de pequenas bacias, onde são representados cada quadra urbana, escoamento na superfície, sarjeta, entrada nos bueiros e rede de pluviais. Esse tipo de modelo é suficientemente detalhado para estudar-se a capacidade de escoamento da rede e verificarem-se as condições de projeto. O escoamento na bacia, normalmente, é simulado pelos métodos mencionados anteriormente de perdas, e a propagação superficial ocorre através das sarjetas até os bueiros. A parcela de escoamento em pluviais passa a ter peso mais significativo. 
O critério básico, em geral adotado no projeto de uma rede de drenagem urbana, é que a vazão de pico provocada por uma tormenta de projeto deve escoar pela rede à superfície livre, ou, sob pressão, com uma carga pequena. O limite superior aceitável da linha piezométrica é o greide das ruas. Normalmente, é adotado, para o evento de projeto, um tempo de recorrência de dois a dez anos (tempo de retorno da precipitação). Posteriormente, a rede é verificada com uma tormenta de uma recorrência maior.
  • A grande maioria dos métodos utilizados para propagar a vazão nos condutos adota a simplificação de supor regime permanente, introduzindo, ocasionalmente, correções para levar em conta o efeito do armazenamento. O tempo de traslado das vazões é estimado somando-se o tempo de chegada da água até a boca-de-lobo e o tempo de viagem dentro da rede. Este último, geralmente, é calculado a partir da full bore velocity. Esses métodos baseiam-se no uso da equação da continuidade. 
Os modelos classificados como de armazenamento analisam o escoamento não permanente com a equação de continuidade e uma equação empírica de armazenamento. Esse tipo de modelo permite um ganho com relação aos métodos anteriores. Como exemplos, podem ser citados o método de Muskingum (ou Muskingum-Cunge), o método do Time-Lag e os métodos adimensionais.
  • A denominação método de verificação (ou de simulação) será usada, aqui, para referir-se àqueles modelos que têm capacidade de fazer uma simulação mais rigorosa dos fenômenos físicos que acontecem numa rede de drenagem. Esses modelos permitem fazer a verificação da rede em dois sentidos. Primeiro, pode-se estudar o comportamento da rede para a tormenta de projeto, procurando-se identificar problemas provocados por aqueles fenômenos que não foram levados em conta no dimensionamento. Segundo, pode-se realizar uma melhor análise dos efeitos da tormenta de 50 ou 100 anos, na qual o fluxo é bem mais complexo do que no evento de projeto. 
Os modelos de verificação podem ser classificados em dois tipos, em função da sua capacidade de simulação hidráulica:
  • Modelos que adotam algum tipo de simplificação, como, por exemplo, onda cinemática para fluxo à superfície livre, ou análise grosseira de fluxo sob pressão. Casos típicos de modelos desse tipo são o modelo do MIT, o SWMM (Storm Water Management Model), da EPA, e o ISS (Illinois Storm Sewer System Simulation Model). O modelo do MIT utiliza o método da onda cinemática, resolvido mediante um esquema de diferenças finitas, para a propagação do fluxo nos condutos à superfície livre. Quando aparece fluxo sob pressão, a vazão que excede a capacidade de escoamento do conduto cheio é propagada pela superfície ou transformada em volume e armazenada, também na superfície. O SWMM faz um tratamento similar ao anterior, sem a possibilidade de propagar superficialmente os excessos. O ISS propaga nos condutos, utilizando as equações completas de Saint Venant, mas não pode representar fluxo sob pressão. O tratamento das confluências está baseado na sobreposição de segmentos em forma de Y; · 
  • Modelos que utilizam as equações completas de fluxo não-permanente e representam as diversas situações de fluxo com um mínimo de simplificações. Em geral, podem representar redes malhadas e contemplam todos os efeitos de remanso. As equações de fluxo são resolvidas por esquemas implícitos de diferenças finitas. As estruturas especiais que aparecem numa rede de drenagem são representadas, geralmente, de forma simplificada, mas contemplando todos os efeitos importantes que elas provocam. Em geral, todos aqueles fenômenos ou situações de fluxo que são importantes estão representados. Embora diversas intervenções urbanas, como impermeabilização do solo e ocupações irregulares, sejam responsáveis por agravar as enchentes.

Nove famílias ficaram desabrigadas por causa da cheia do rio Acre, em Rio Branco. A Defesa Civil informou que o trabalho de remoção é lento em razão da dificuldade com barcos e pessoal.