Movimentos Sociais e Saúde Ambiental – em construção
Simone Maria Leite Batista
Movimento Popular de Saúde Nacional (Mops Nacional/Sergipe).
- De acordo com Minayo et al. (1999), no Brasil, a preocupação com os problemas ambientais, as características socioeconômicas do desenvolvimento e a interface de ambos com a saúde coletiva pode ser situada desde o início do século através do trabalho pioneiro de Oswaldo Cruz e dos sanitaristas que o seguiram.
- Para Tambellini & Câmara (1998), do ponto de vista institucional, as preocupações com os problemas ambientais tradicionalmente relacionadas à saúde foram, ao longo do século 20, uma preocupa- ção quase que exclusiva das instituições voltadas ao saneamento básico (água, esgoto, lixo etc.).
- É importante lembrar que, em 1972, era realizada a Conferência de Estocolmo, primeira grande reunião mundial sobre a relação entre ambiente e desenvolvimento. Freitas et al. (1999) e Porto (1998), procurando contextualizar a interface entre a questão ambiental e a saúde no país, consideram que somente a partir da década 1980 é que começaram a surgir condições jurídicas e institucionais para ações de controle do meio ambiente mais consistentes e efetivas.
- Na Constituição Federal promulgada em 1988, novos avanços ocorreram, enunciando-se no artigo 228 do capítulo VI (Do Meio Ambiente) que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público o dever de defendê-lo e à coletividade de preservá-lo para os presentes e futuras gerações.
” Nesse período, entre os anos 70 e 80, acontece também o desenvolvimento do movimento da saúde coletiva, que se situava no âmbito dos movimentos pela democratização das formações sociais latino-americanas.
Partindo da compreensão que a saúde da população resulta da forma como se organiza a sociedade em suas dimensões política, econômica e cultural, esse movimento propunha mudanças em direção tanto à democratização da sociedade como das práticas de saúde, implicando isso a sua própria reorganização (Paim & Almeida Filho, 1998; Paim, 2001).
- Embora os anos 70 e 80 tenham sido importantes na incorporação da temática ambiental, somente nos anos 90, com a Conferência do Rio em 1992 e a publicação da Agenda 21, com um capítulo dedicado à saúde, é que começou a se assistir a uma incorporação mais ampla e efetiva da temática ambiental na saúde coletiva (Freitas et al., 1999; Porto, 1998).
Marco desse processo na saúde coletiva foi a organização pela Escola Nacional de Saúde Pública dos dois volumes sobre saúde, ambiente e desenvolvimento (Leal et al., 1992a e 1992b). Nesse mesmo ano, a OPAS decidiu organizar, em outubro de 1995, uma conferência pan-americana sobre saúde, ambiente e desenvolvimento.
- Em 1994, iniciaram-se as ações do governo brasileiro de prepara- ção para essa conferência, e, em 1995, foram realizadas quatro oficinas de trabalho (Brasília, Recife, Rio de Janeiro e Belém), envolvendo membros de um grupo de trabalho de diversos ministérios e OPAS, coordenado pelo Ministério da Saúde.
Das oficinas, participaram demais órgãos públicos afins com a temática, instituições acadêmicas, entidades da sociedade civil e organizações não governamentais. No final dos anos 90, por meio do projeto Vigisus, inicia-se a estruturação e a institucionalização da vigilância ambiental no âmbito do Ministério da Saúde, sendo publicado, em maio de 2000, o decreto 3.450, o qual estabeleceu a gestão do sistema nacional de vigilância ambiental no Cenepi.
- A Reforma Sanitária Brasileira possibilitou a construção de um Sistema Único de Saúde, que faz o Brasil ser considerado um dos únicos países latino-americanos que preservou a saúde – ainda que não na totalidade dos serviços – da onda neoliberal de privatização, garantida em nossa constituição como um direito de todos e dever do Estado.
Entretanto, o SUS ainda não rompeu com a medicalização de nossa sociedade. As pressões relacionadas à assistência médica ainda dominam o orçamento e a pauta política da maior parte dos municípios brasileiros, em detrimento das questões de promoção da saúde (principalmente nas ações que atuam antes do acontecimento dos agravos à saúde).
- Este artigo busca realizar uma reflexão crítica sobre as possibilidades de transformação deste modelo a partir do desenvolvimento da integração de estratégias intersetoriais e de participação social na construção de espaços saudáveis. De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (1991),
“A atenção primária ambiental é uma estratégia de ação ambiental, basicamente preventiva e participativa em nível local, que reconhece o direito do ser humano de viver em um ambiente saudável e adequado, e a ser informado sobre os riscos do ambiente em relação à saú- de, bem-estar e sobrevivência, ao mesmo tempo que define suas responsabilidades e deveres em relação à proteção, conservação e recuperação do ambiente e da saúde”.
Movimentos Sociais e Saúde Ambiental – em construção
- Implementar as ações de APSA nesta estratégia é, portanto, um grande desafio que choca com os mecanismos de mercado que contribuem para a medicalização de nossa sociedade, para o reforço da atenção terciária e para as ações que tentam inviabilizar a participação da sociedade nos processos de gestão. Um primeiro passo contra esta tendência foi a criação do Grupo de Trabalho de APA e Agenda 21 no SUS (GT APRIMA) no âmbito da Comissão Permanente de Saúde Ambiental do Ministério da Saúde (COPESA). Esta comissão tem como função assessorar o MS na construção da política nacional de saúde ambiental.
Já o GT APRIMA vem propiciando relatos de experiências e discussões sobre a temática da construção de ambientes saudá- veis, com objetivo de estabelecer com alguns agentes de processo de transformação e mudança a ampliação do grau de comprometimento das instituições e organizações para um desenvolvimento sustentável, humano e solidário a partir do olhar da saúde.
- Este grupo já inaugurou um canal de diálogo com a sociedade civil organizada por meio da participa- ção em suas reuniões de integrantes do Conselho Nacional de Saúde, Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento Popular de Saúde e setores de governo como a Agenda 21,
Ministério da Educação, Fundação Nacional de Saúde, áreas técnicas do Ministério da Saúde (Secretaria de Vigilância em Saúde/Coordenação de Vigilância Ambiental em Saúde, Secretaria de Gestão Participativa e outras), organismos internacionais como a OPAS no sentido de desenvolver mecanismos para implantar a APA e a Agenda 21 no SUS.
- Este trabalho, porém, ainda encontra-se em estágio embrionário. Entretanto, como estas iniciativas constituem movimentos de diferentes setores (saúde, ambiente etc.,) não há uma reflexão sobre como estas estratégias possam ser integradas no nível local, foco principal de todas elas. Isto acontece principalmente quando estes processos criam movimentos corporativos.
Um município passaria por dificuldades em escolher uma destas iniciativas para implementar suas ações, especialmente no caso de querer utilizá-las criando comissões específicas. Nosso desafio é avaliar como estes princípios possam ser aplicados em nível local de forma integrada e coerente. Até mesmo os sistemas de vigilância devem conter componentes que possibilitem a vigilância cidadã de seu ambiente para se alcançar uma vida mais saudável.
- Existem muitos contextos, principalmente o das populações mais isoladas, que vivem no campo e que necessariamente exigem esta estratégia, o que implicará no desenvolvimento de uma vigilância participativa de suas condições ambientais que tenham repercussão na saúde. Estas iniciativas (APSA, Agenda 21 Local e etc.) devem ser incorporadas como um componente de todos os subsistemas do Sistema Nacional de Vigilância Ambiental em Saúde (SINVAS).
A Vigilância da qualidade da água, do ar, solos, desastres, substâncias químicas e etc. devem buscar parcerias que possam ir além do âmbito estritamente governamental. Um dos importantes desafios trazidos pelo Governo Lula no Brasil nos coloca a possibilidade de construir a organicidade das políticas públicas, ou seja, a sociedade civil organizada participando das decisões e dos processos de implementação das ações de governo.
- Para este diálogo e construção com a sociedade, novas ferramentas adaptadas a esta tarefa terão de se desenvolver. Metodologias simplificadas, tecnologias adaptadas, utilização de práticas pedagógicas problematizadoras e participativas, que valorizem a criticidade e a criatividade terão de ser construídas para contribuir na abordagem dos problemas de saúde ambiental, visando à construção de uma sociedade mais justa e sustentável.
O encontro das iniciativas que adotam a participação social e a intersetorialidade rumo a um desenvolvimento verdadeiramente sustentável foram discutidas durante o VII Congresso da ABRASCO, a continuidade da articulação alcançada entre os movimentos sociais no campo da saúde & ambiente no III Fórum Social Mundial, e a realização das Conferências das Cidades, Ambiente e da Saúde serão grandes oportunidades para consolidação de novas políticas públicas, mais comprometidas com a construção de um Projeto Popular para o Brasil.
- Assim, para os movimentos sociais, é importante fortalecer as iniciativas sociais por meio de processos de indução e de respeito às instâncias organizativas da sociedade, coibindo as práticas de cooptação das organizações que representam os interesses comuns dos diversos grupos sociais.
A constituição de redes locais, nacionais e internacionais é um caminho privilegiado de empoderamento, e deve ser fomentada a inclusão das questões de gênero, étnica, geracional e de justiça ambiental nas políticas públicas.
- Os conselhos de saúde devem participar ativamente na discussão sobre medidas de prevenção e compensatórias nos projetos de fortalecimento do SUS e do próprio controle social, bem como a participação efetiva nos processos de licenciamento e de audiências públicas; cobrar educação permanente dos conselheiros em todos os níveis; lutar por aprimorar os instrumentos de participação; de informação e humanização dos serviços de saúde; exigir Termos de Ajustamento de Conduta mediados pelos Ministérios Públicos Federal, Estaduais e do Trabalho; acionar os Tribunais de Conta dos Estados e da União para avaliar a efetividade das ações de proteção da saúde e do meio ambiente.
Neste ano, acontece a 1ª Conferência Nacional de Saúde Ambiental (1ª CNSA 2009), com o lema Saúde e Ambiente: vamos cuidar da gente!, e o tema: A Saúde Ambiental na cidade, no campo e na floresta: Construindo cidadania, qualidade de vida e territórios sustentáveis, no período de 15 a 18 de dezembro.
- Trata-se de um momento histórico dos mais importantes ao se considerar que as transformações ambientais, decorrentes do modelo de desenvolvimento adotado em nossa sociedade capitalista, se agravam e se intensificam no contexto atual de implantação dos projetos previstos no âmbito do PAC nos diversos territórios do nosso Brasil, o que tem trazido significativas implicações para o modo de vida e para a saúde das comunidades. Para a construção da 1ª CNSA, consideramos ser de fundamental importância o envolvimento dos movimentos socioambientais,
ONGs, lideranças comunitárias, instituições, grupos de pesquisa e outros comprometidos com a justiça social e ambiental, a fim de que possamos garantir uma efetiva participação de seus representantes no debate e como delegados nas Conferências, e que, de fato, as questões centrais que afligem as comunidades vulnerabilizadas em seu modo de vida, cultura, qualidade de vida e saúde sejam debatidas de forma aprofundada e crítica. Enfatizamos a importância da sociedade civil participar de todas as suas etapas.
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