segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Terra Urbanizada para Todos

Terra Urbanizada para Todos:
Reflexões sobre trechos do texto de apresentação 
da página web da Secretaria Nacional de Programas Urbanos

Ana Margarida Koatz
Arquiteta e Urbanista, Assistente Técnica do Departamento de Planejamento Urbano da Secretaria Nacional de Programas Urbanos
"O modelo de urbanização brasileiro produziu nas últimas décadas cidades caracterizadas pela fragmentação do espaço e pela exclusão social e territorial. O desordenamento do crescimento periférico associado à profunda desigualdade entre áreas pobres, desprovidas de toda a urbanidade, e áreas ricas, nas quais os equipamentos urbanos e infraestruturas se concentram, aprofunda essas características, reforçando a injustiça social de nossas cidades e inviabilizando a cidade para todos. (Secretaria Nacional de Programas Urbanos em http://www.cidades.gov.br)"
A urbanização é uma realidade irreversível e tendência universal, cujas consequências não precisam ser necessariamente negativas. A cidade tradicionalmente cristaliza as vantagens da aglomeração e da economia de escala, facilitando o acesso a bens e serviços, inexistentes ou dispersos, no meio rural e ao mercado de trabalho, exercendo grande poder de atratividade. 
  • O que se pode desejar é que na busca da cidade, esta seja efetivamente uma cidade para todos, sendo no direito à cidade que se encontra o principal ponto de convergência entre o desenvolvimento urbano e a saúde ambiental. 
No bojo do direito à cidade e à terra urbanizada, encontra-se não só o reconhecimento do direito à moradia, mas, principalmente, à moradia digna, bem construída, em local ambientalmente seguro e dotado de saneamento ambiental (água, esgoto, drenagem e recolhimento de resíduos sólidos), com pavimentação e iluminação públicas, bem como suprida dos serviços e equipamentos sociais básicos: creches, escolas, posto de saúde, áreas de esporte e lazer. 
  • Uma moradia bem construída é aquela que é edificada com materiais adequados, que busca um local de implantação geologicamente seguro e ecologicamente correto, longe de áreas de preservação de mananciais ou ecossistemas. É também aquela cuja implantação consegue garantir condições mínimas de salubridade, deixando áreas de iluminação e ventilação necessárias à garantia das condições de salubridade de um espaço de moradia. 
Num assentamento precário, a escassez da terra bem localizada a torna cara, e, em geral, se sucumbe à tentação de uma ocupação predatória, que leva, ao extremo, o aproveitamento da terra disponível na tentativa de fazer render ao máximo o tempo, trabalho e dinheiro ali investidos, sem tomar consciência da importância dos vazios e aberturas necessários à circulação de ar e luz, elementos fundamentais da saúde. 
  • Há que acreditar que a possibilidade de oferecer condições de moradia dignas não é uma posição ingênua e inviável. Há que fomentar políticas de acesso à terra urbanizada e bem localizada. Há que suprir a demanda reprimida por habitação, pelo mercado e pelo governo (nos três níveis), devendo este priorizar a habitação social e, concomitantemente, oferecer assistência técnica profissional e capacitação profissional à mão de obra da autoconstrução, valorizando o saber popular empírico, mas alertando-o com relação à tentação da densificação excessiva, da ocupação até o limite do lote de terra disponível, cujas consequências são diretas no nível de insalubridade da habitação. E, finalmente, há que, até mesmo, pagar o preço de conseguir a remoção das áreas de risco, com a participação das próprias populações envolvidas. 
Não permitir a ocupação irregular é função do poder público, embora muitas prefeituras não tenham os meios e o pessoal para a fiscalização, e nem sequer o próprio mapeamento de suas áreas de risco. Porém, onde for possível, as prefeituras devem investir em urbanização, infraestrutura e serviços de saúde básica e educação, que sirvam de alternativa viável à população de mais baixa renda. Os dividendos são imediatos, inclusive com a redução dos ní- veis de violência urbana. 
  • Há custos envolvidos, há necessidade de mudança de mentalidade (coisa difícil!) e premência de materializar estes conceitos numa política de estado, e não mais meramente uma política pública (mais uma!) de vida efêmera. E, além de planejar, há que implantar esta política, sendo a participação popular fator preponderante em sua elaboração e gestão. Pois a melhoria da saúde pública e da qualidade de vida repousam em todas e em cada uma das causas citadas.
"Grande parcela das cidades brasileiras abriga algum tipo de assentamento precário, normalmente distante, sem acesso, desprovido de infraestruturas e equipamentos mínimos. Na totalidade das grandes cidades essa é a realidade de milhares de brasileiros, entre eles os excluí- dos dos sistemas financeiros formais da habitação e do acesso à terra regularizada e urbanizada, brasileiros que acabam ocupando as chamadas áreas de risco, como encostas e locais inundáveis."
O número total de famílias e domicílios instalados em favelas, loteamentos e conjuntos habitacionais irregulares, loteamentos clandestinos, cortiços, casas de fundo, ocupações de áreas públicas sob pontes, viadutos, marquises e nas beiras de rios é estimado, mas é possível afirmar que o fenômeno está presente na maior parte das cidades que compõem a rede urbana brasileira.
  • "A pesquisa IBGE 2000 nos municípios revela a presença de assentamentos irregulares em quase 100% das cidades com mais de 500.000 habitantes e também, ainda que em menor escala, nas cidades médias e pequenas. Excluídos do marco regulatório e dos sistemas financeiros formais, os assentamentos irregulares se multiplicaram em terrenos frágeis ou não passíveis de urbaniza- ção, como encostas íngremes e áreas inundáveis. São as chamadas “ocupações em áreas de risco” - frequentes cenários de tragédias em períodos chuvosos."
Trata-se talvez do aspecto mais visível de uma relação inadequada entre urbanização e saúde ambiental, que se traduz em enchentes e deslizamentos a cada estação de chuvas, numa tragédia anunciada, pois em geral só se desenvolvem ações pontuais de prevenção de risco e se trabalha mais efetivamente a partir da tragédia instalada. Segundo declara o diretor de Planejamento Urbano do Ministério das Cidades, Celso Carvalho, em entrevista à revista do IPEA,

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Reflexões sobre trechos do texto de apresentação 
da página web da Secretaria Nacional de Programas Urbanos

“O ideal seria evitar que as famílias se instalassem em áreas de risco ou inadequadas para moradia. Nas localidades com declividade forte, é natural a ocorrência de desabamentos de encosta em época de chuva. Quando as pessoas cortam a vegetação e fazem ruas para instalar a área onde pretendem morar, a probabilidade de acidentes aumenta. 
O risco é ainda maior quando se trata de ocupação irregular ou favela, porque as construções são mais frágeis e não há coleta de lixo nem esgoto, fatores que agravam a situa- ção. (...)A ocupação não regulada do solo é predominante nas cidades brasileiras. (...)A falta de controle está institucionalizada no país, e uma ação mais severa da prefeitura pode agravar o problema social: Se a prefeitura olhar a legalidade, expulsa os pobres, o pobre não cabe no mercado formal.”
  • Segundo Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista, relatora especial da Organização das Nações Unidas para assuntos de moradia e ex-secretária nacional de Programas Urbanos, a solução passa através de planejamento do uso e ocupação do solo, com políticas efetivas de habitação social que assegurem à popula- ção o direito à moradia, conforme está previsto na Constituição e no Estatuto da Cidade
"Por outro lado, às ocupações irregulares soma-se, em muitas cidades, o problema da subutilização do espaço e dos equipamentos, expressa na grande quantidade de imóveis vazios, inclusive residenciais. São imóveis ociosos ou subutilizados, instalados em trechos urbanizados inteiros – geralmente, áreas centrais e dotadas de infraestrutura, uma massa enorme de imóeis reforçando a exclusão e a criação de guetos, tanto de pobres que não dispõem de meios para se deslocar, quanto de ricos que temem os espaços públicos –, realidade que contribui para a violência e para a impossibilidade de surgimento da cidadania."
Fica claro que o ordenamento e o planejamento territorial urbano têm de ser retomados com seriedade, de modo a evitar que a situação de caos se instale definitivamente, com efeitos nocivos sobre a qualidade de vida nas cidades e consequentes prejuízos para a saúde ambienta
"O Estatuto das Cidades, que regulamenta os artigos da Constituição Federal referentes à Política Urbana, constitui um dos maiores avanços da legislação urbanística brasileira"
O Estatuto, Lei Federal 10.257/2001, fruto de 13 anos de luta da sociedade pela reforma urbana, é o instrumento legal que fornece instrumentos para combater a ocupação desordenada, direcionar e priorizar a ocupação das áreas infraestruturadas, conter a especulação imobiliária e direcionar o aproveitamento das melhorias feitas pelo investimento público em prol de todos, e não apenas de uma minoria, com transferência de recursos da União e ações de mobilização e capacitação.
"Ele apoia os municípios na execução da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, com base em princípios que estimulam processos participativos de gestão territorial e ampliam o acesso à terra urbanizada e regularizada, principalmente beneficiando grupos sociais tradicionalmente excluídos."
Dentre seus vários objetivos estão: promover o reconhecimento de maneira integrada dos direitos sociais e constitucionais de moradia e preservação ambiental, qualidade de vida humana e preservação de recursos naturais, além da busca pela remoção dos obstáculos da legislação federal fundiária, cartorária, urbanística e ambiental, de modo que as ações planejadas não se percam no cipoal da burocracia instalada, e que a função social da cidade e da propriedade sejam asseguradas sobre o direito absoluto de propriedade e de construção, democratizando o acesso à cidade e à sua gestão participativa. 
  • A efetiva implementação do Estatuto da Cidade, dos Planos Diretores e dos Conselhos Locais das Cidades se refletirá numa cidade mais justa, ordenada, sustentável e acessível para todos, com reflexos imediatos na qualidade de vida e melhoria da saúde ambiental

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