Inovação Social e Sustentabilidade
- Não há mais como negar, hoje, a amplitude dos desafios que enfrentamos. Um dos resultados indiretos das tecnologias da informação e da comunicação, aliadas à expansão das pesquisas em todos os níveis, é que emerge com clareza o tamanho dos impasses. Não se trata de discursos acadêmicos ou de empolamentos políticos. São dados nus e crus, e já bastante confiáveis, sobre processos que nos atingem a todos.
Gradualmente, aquela atitude de lermos no jornal as desgraças do mundo e suspirar sobre coisas tristes mas distantes vai sendo substituída pela compreensão de nós mesmos, dos nossos filhos e qual a responsabilidade de cada um de nós. Uma amostra dos relatórios internacionais mais recentes deixa as coisas claras.
Mudança Climática:
- O aquecimento global está na ordem do dia. Não há dúvidas que a mídia frequentemente se apropria das notícias científicas para um alarmismo mais centrado na venda da notícia e da publicidade do que propriamente para informar o cidadão.
Mas indo diretamente à fonte, vemos no IV Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas que «o aquecimento do sistema climático é inequívoco, como se tornou agora evidente a partir de observações do aumento das temperaturas médias globais do ar e dos oceanos, derretimento generalizado da neve e do gelo e a elevação global do nível médio do mar».
- Não entrarei, aqui, em detalhes técnicos. O aquecimento global, particularmente graças à ampla divulgação do filme Uma verdade inconveniente, de Al Gore, tornou--se presente, pela primeira vez, para a massa da população razoavelmente informada.
Os dados científicos saem aos poucos dos laboratórios, penetram entre os formadores de opinião e sobem gradualmente para o nível de quem toma decisões nos governos e nas grandes empresas.
- Neste nível, gera-se gradualmente uma tensão entre os que tomaram consciência dos desafios e os que se satisfazem com o chamado «business as usual», expressão que, entre nós, pode ser traduzida com o popular «empurrar com a barriga».
A Conta do Aquecimento Global:
- A lentidão na mudança de comportamentos no nível das estruturas de poder tem os seus custos. Nicholas Stern, que foi economista-chefe do Banco Mundial e, portanto, pouco propenso a extremismos ecológicos, foi encarregado pelo governo Blair de fazer as contas.
As contas do Relatório Stern referem-se aos dados climáticos mais confiáveis, que ele utiliza para avaliar o impacto propriamente econômico: o que acontecerá, em termos de custos, ao se verificarem as projeções climáticas já razoavelmente seguras, calculando-se os impactos mais prováveis, sem desconhecer o grau inevitável de incerteza. Trata-se da primeira avaliação abrangente da «conta climática».
- O Relatório está tendo um grande impacto mundial, pois veio justamente preencher esta grande necessidade, por parte de pessoas de bom-senso e não especializadas, de entender os pontos centrais da questão. A análise dos dados, segundo Stern, «leva a uma conclusão simples: os benefícios de uma ação forte e precoce ultrapassam consideravelmente os custos.
As nossas ações nas próximas décadas poderiam criar riscos de ampla desarticulação da atividade econômica e social, mais tarde neste século e no próximo, numa escala semelhante à que está associada com as grandes guerras e a depressão econômica da primeira metade do século 20. E será difícil ou impossível reverter estas mudanças».
- Os mecanismos de mercado são simplesmente insuficientes, pois, em termos de mercado, sai mais barato gastar o petróleo que já está pronto no subsolo, queimar a cana no campo, encher as nossas cidades de carros. E os dois principais prejudicados do processo, a natureza e as próximas gerações, são interlocutores silenciosos.
A visão sistêmica e de longo-prazo se impõe, e isto implica mecanismos de decisão e de gestão que vão além do interesse microeconômico imediato. Neste ponto, Stern é direto nas suas afirmações: «A mudança climática apresenta um desafio único à ciência econômica: trata-se da maior e mais abrangente falência do mercado já vista».
É uma declaração forte, que marca a evolução geral das opiniões sobre os nossos processos decisórios por parte de especialistas que pertencem ao próprio sistema, e não mais apenas de críticos externos.
Desigualdade de Renda:
Um outro eixo dramático de transformação está na realidade social que enfrentamos.
- A ONU realizou, dez anos após o «Social Summit» de Copenhague, um balanço da situação no Planeta. A apresentação vai muito além do conceito de pobreza, envolvendo amplamente «indicadores não econômicos de desigualdade».
No plano da desigualdade econômica, o resultado é que «as análises dos padrões de desigualdade sugerem que a desigualdade de renda e consumo entre países se manteve relativamente estável durante os últimos 50 anos», o que em si é impressionante, dados os imensos avanços nos meios técnicos disponíveis neste período. Houve, sem dúvida, um avanço na situação da parte mais pobre da população. No entanto, «aprofundando a análise, a imagem que emerge não é tão positiva.
- Primeiro, a maior parte da melhoria na distribuição de renda no mundo pode ser explicada pelo rápido crescimento econômico da China e, em menor proporção, da Índia, com boa parte da mudança refletindo os ganhos dos
- segmentos mais pobres da sociedade às custas dos grupos de renda média nestes dois países. Segundo, a participação dos 10% mais ricos da população mundial aumentou de 51,6% para 53,4% do total da renda mundial.
- Terceiro, quando tiramos a China e a Índia da análise, os dados disponíveis mostram um aumento da desigualdade de renda, devido ao efeito combinado de disparidades mais elevadas de renda dentro dos países e do efeito distributivo adverso do aumento mais rápido da população nos países mais pobres. Quarto, ‘gap’ de renda entre os países mais ricos e os mais pobres aumentou nas décadas recentes» (ONU, p. 44).
A desigualdade de renda interna dos países diminuiu durante os anos 1950, 1960 e 1970 na maior parte das economias desenvolvidas, em desenvolvimento e de planejamento central. Desde os anos 1980, no entanto, este declínio se tornou mais lento ou se estabilizou, e dentro de numerosos países a desigualdade está crescendo de novo. É, igualmente, novo o crescimento da desigualdade em países desenvolvidos:
«Um estudo da evolução da desigualdade econômica em nove países da OCDE confirma, em geral, a visão de que ocorreu um deslocamento significativo na distribuição de renda em todos os países analisados, com a possível exceção do Canadá» (ONU, p. 48).
A América Latina continua bem representada:
«Uma característica que distingue o padrão de desigualdade interna na América Latina das outras regiões é a participação dos 10% das famílias mais ricas na renda total. (...). O fosso mais profundo situa-se no Brasil, onde a renda per capita dos 10% mais ricos da população é 32 vezes a dos 40% mais pobres. Os níveis mais baixos de desigualdade de renda na região podem ser encontrados no Uruguay e na Costa rica, países onde as respectivas rendas per capita dos 10% mais ricos são 8,8 e 12,6 vezes mais elevadas do que as dos 40% mais pobres» (ONU, p. 50) .
Onde progressos foram constatados foi graças a programas de combate à pobreza:
«No nível global, um progresso considerável foi feito na redução da pobreza durante as últimas duas décadas, em grande parte como resultado de programas e políticas anti-pobreza mais focados (...). Os avanços feitos na China e na Índia contribuíram substancialmente para uma imagem positiva no nível global. Como estes dois países representam 38% da população mundial, a rápida expansão das suas economias levou a uma redução significativa do número de pessoas que vivem em pobreza absoluta no mundo; entre 1990 e 2000 este número baixou de 1,2 bilhão para 1,1 bilhão.
Na China, a proporção de pessoas vivendo com menos de 2 dólares por dia caiu de 88% para 47% entre 1981 e 2001 e o número de pessoas que vivem com menos de 1 dólar por dia caiu de 634 milhões para 212 milhões. Na Índia, a proporção dos que vivem com menos de 2 dólares por dia baixou de 90% para 80% e o número dos que vivem em extrema pobreza baixou de 382 para 359 milhões» (ONU, p. 51).
- O impacto positivo principal, portanto, é claramente devido à China e, no conjunto, a imensidão do drama se mantém.O nosso interesse principal aqui não está apenas nas cifras e nos respectivos dramas, mas no fato que elas representam claramente a necessidade de intervenções positivas, organizadas para enfrentar a pobreza.
E como a desigualdade constitui o principal problema hoje, ao lado da destruição do meio-ambiente, temos de concentrar esforços muito mais amplos na compreensão das políticas ativas de combate à pobreza e de resgate da sustentabilidade.
- Um segundo ponto é que não basta olhar para os mecanismos econômicos, pois a desigualdade constitui um processo muito mais amplo. «Talvez ainda mais importante do que os crescentes níveis de pobreza é a emergência e encrustamento (entrenchment) de novos padrões de pobreza em numerosos países.
Mudanças dignas de nota incluem uma tendência crescente para a rotação das pessoas para dentro e para fora da pobreza, um aumento da pobreza urbana e a estagnação na pobreza rural, bem como aumento na proporção de trabalhadores informais entre os pobres urbanos e em grande número dos pobres desempregados.
(...). De todas as desigualdades dentro e entre nações, a impossibilidade de uma parcela crescente da população do mundo que busca emprego de encontrá-lo constitui talvez o fato de implicações mais profundas» (ONU, pp. 54-55).
Não só precisamos olhar para as dinâmicas sociais de maneira mais ampla, como temos de voltar a dar uma importância central para a organização de processos decisórios participativos:
«A agenda do trabalho decente visa enfrentar numerosos desafios que surgem da globalização, inclusive a perda de emprego, a distribuição desigual dos benefícios e a desorganização (disruption) que foi causada na vida de tantas pessoas. Responder a estes desafios exigirá a participação de atores em todos os níveis» (ONU, p. 58).
Assim, a agenda nos leva para a elaboração de propostas políticas pro-ativas e a intervenção organizada dos diversos segmentos sociais, enfrentando as duas principais macro-tendências do sistema, que são a deterioração ambiental e a desigualdade, aliás fortemente articuladas.
Inovação Social e Sustentabilidade
A Quem Pertence o Planeta?
- A pesquisa do WIDER (World Institute for Development Economics Research), da Universidade das Nações Unidas, aponta para outro drama, que é o da concentração da riqueza acumulada. Na realidade, as duas metodologias estão vinculadas, pois a renda maior dos mais ricos permite que acumulem mais propriedades, mais aplicações financeiras, enquanto os pobres estagnam.
Assim, a riqueza acumulada («net worth: the value of physical and financial assets less debts», o que equivale ao que o relatório define como «a comprehensive concept of household wealth») ou patrimônio familiar acumulado, tende a polarizar ainda mais a sociedade e leva, em particular, à formação de gigantescas fortunas que pouco têm a ver com a contribuição que estas pessoas ou famílias deram para a produção da riqueza social.
A acumulação de riqueza dentro dos países reforça, naturalmente, a mesma tendência, pois famílias mais ricas tendem a poder acumular mais patrimônio. O fosso interno dos países agrava-se portanto:
«A parte dos 10% mais ricos varia de 40% na China a 70% e mais nos Estados Unidos e alguns outros países (...). Nossos resultados mostram que o decil superior de riqueza era dono de 85% da riqueza global no ano 2000. Os 2% de adultos mais ricos do mundo tinham mais da metade da riqueza global e o 1% mais ricos detinha 40% de toda a riqueza familiar. Em contraste, a metade de baixo da população adulta mundial detinha meramente 1% da riqueza global. O valor Gini para a riqueza global foi estimado em 89, sendo que o mesmo valor Gini seria obtido se 100 dólares fossem distribuídos entre 100 pessoas de tal maneira que uma pessoa recebesse 90 dólares e os 99 restantes 10 centavos cada».
A riqueza familiar acumulada é estimada em 125 trilhões de dólares para o ano 2000, equivalendo a 144 mil dólares por pessoa nos EUA, 181 mil no Japão, 1.100 dólares na Índia, 1.400 na Indonésia, o que dá uma dimensão deste outro tipo de polarização.
- Curiosamente, quando se fala em distribuição de renda, em imposto sobre a fortuna, em imposto sobre herança, a mídia fala em populismo e demagogia. Não ver os dramas que se avolumam com as dinâmicas atuais é ser perigosamente cego.
Os Deixados Por Conta da Globalização:
O IFC (International Finance Corporation) do Banco Mundial analisa a concentração da renda e da riqueza pelo prisma do potencial empresarial. Tradicionalmente, o Banco Mundial apresenta os dados que se referem aos pobres avaliando a dimensão do drama.
- São os dados que nos dizem, por exemplo, que na virada do século tínhamos 2,8 bilhões de pessoas com menos de 2 dólares por dia para viver, dos quais 1,2 bilhão menos de 1 dólar. No presente estudo, avalia-se a imensa massa dos «mal inseridos» no desenvolvimento econômico do Planeta e busca-se a forma de gerar oportunidades.
Trata-se dos 4 bilhões de pessoas cuja renda per capita está abaixo de 3 mil dólares por ano, e que constituem um mercado de 5 trilhões de dólares. Não se fala mais em tragédia social, fala-se em oportunidades econômicas.
«Os 4 bilhões de pessoas na base da pirâmide econômica (Base Of the Pyramid - BOP), todos aqueles cuja renda é inferior a 3 mil dólares em poder de compra local, vivem em relativa pobreza. A sua renda em dólares correntes dos EUA é inferior a $3,35 por dia no Brasil, $2,11 na China, $1,89 no Ghana e $1,56 na Índia. No entanto, juntos eles têm uma capacidade de compra significativa: a base da pirâmide constitui um mercado consumidor de $5 trilhões».
O enfoque já gerou um entusiasmo passageiro com os estudos de De Soto sobre a capitalização dos pobres dando-lhes títulos de propriedade e navega, hoje, nas visões de Prahalad sobre a possibilidade de se transformar os pobres se não em empresários, pelo menos em consumidores.
- Para nós, que buscamos a inclusão produtiva desta imensa massa da população mundial, os dados apresentados, com a força de penetração das visões do Banco, não deixam de ser interessantes, ao explicitarem a constatação de que a imensa maioria da população mundial está ficando fora do chamado progresso. Na realidade, o mundo corporativo está gerando muito mais do que pobreza, está reduzindo a capacidade desta população de se apropriar do seu desenvolvimento.
Trata-se da exclusão econômica de mais de dois terços da população mundial.
Segundo o relatório, «the BOP population segments for the most part are not integrated into the global market economy and do not benefit from it» («Os segmentos de base da pirâmide da população, na sua maior parte, não estão integrados na economia de mercado global e dela não tiram proveito.»).
Aparentemente, a ironia do fato de se qualificar 4 bilhões de pessoas de «segmentos da população», quando se trata de quase dois terços da população mundial, escapou aos autores do relatório.
O estudo confirma, também, que há uma consciência crescente da necessidade de se gerar um ambiente propício à inclusão produtiva deste «andar de baixo» da economia:
«There is growing recognition of the importance of removing barriers to small and medium-size businesses and a growing toolbox for moving firms into the formal economy and creating more efficient markets»
(«Há um reconhecimento crescente da importância de se remover barreiras às pequenas e médias empresas e uma gama mais ampla de ferramentas para levar as empresas para a economia formal e para gerar mercados mais eficientes.»).
A filosofia, portanto, consiste aqui em criar um «bottom-up market approach», literalmente um «capitalismo vindo de baixo». O que é óbvio, na verdade, é que o «capitalismo de cima» gera as tendências inversas.
- A plantação de soja utiliza 1 só trabalhador por 200 hectares de plantio; a pesca industrial oceânica está reduzindo à miséria mais de 300 milhões de pessoas, que vêem desaparecer o peixe nas regiões costeiras que sustentavam a pesca tradicional; a especulação financeira está descapitalizando as comunidades; o abuso do registro de patentes para tudo e qualquer coisa (97% pertencem a países ricos) trava cada vez mais as iniciativas locais de criação de valor.
A Coca-Cola, na Índia, lançou garrafas pequenas cujo preço corresponde ao valor de uma moeda: trocar as últimas moedas dos pobres por Coca-Cola foi apresentado como «inclusão comercial». Estamos aqui muito longe da sabedoria e eficiência do Grameen Bank de Yunus.
- Mas o documento é importante, pois mostra indiretamente o grau de tensões que o sistema está gerando no Planeta e a necessidade de processos alternativos. A idéia de que «um outro mundo é possível» não se apoia apenas numa visão mais humana e em ideais sociais: trata-se cada vez mais de uma condição necessária da nossa viabilidade econômica.
Dinâmicas Convergentes:
- Um último enfoque, que vale a pena citar nesta nossa apreciação fria e realista das dificuldades em que nos metemos, é a análise de como os dramas ambientais e sociais se articulam.
O estudo de Thomas Homer-Dixon, cientista político canadense, organiza os diversos relatórios e informes setoriais e apresenta uma visão de conjunto muito bem documentada. A idéia forte que o autor demonstra com clareza é que as grandes ameaças estruturais convergem e se tornam sinérgicas.
- A prosperidade artificial e o consumo predatório que a concentração de renda e de riqueza familiar permite no pólo rico do Planeta gera uma pressão mundial por consumo e estilo de vida semelhantes. Homer-Dixon cruza os dados das polarizações econômicas com a evolução da pressão demográfica.
Temos, hoje, 6,4 bilhões de pessoas no mundo, aumentando num ritmo de algo como 75 milhões a cada ano e com um perfil de consumo crescentemente surrealista, nas duas pontas, na escassez e nos excessos, na desnutrição e na obesidade. Cerca de 2/3 do crescimento populacional se dão na área da miséria. Não estamos mais na era das populações pobres e isoladas.
O Planeta é um só:
Encolhendo dia-a-dia, e os pobres sabem que são pobres.- O modelo de consumo do Planeta é o dos ricos. Porque razão não teriam todos os chineses e todos os indianos direito a ter também cada um o seu carro? A pressão coletiva que resulta é desastrosa, simplesmente porque os ricos se dotaram de um perfil de consumo cuja generalização é inviável. Esta política se traduz numa pressão sobre recursos não-renováveis que o Planeta não pode suportar.
Os dados sobre o esgotamento da vida nos mares, a erosão dos solos, a redução das reservas de água doce nos lençóis freáticos, a destruição acelerada da bio-diversidade, o desmatamento e outros processos estão, hoje, sendo acompanhados em detalhe, numa demonstração impressionante do que podemos chamar de capacidade técnica e impotência política, pois todos vemos as coisas acontecer e ficamos passivos, pois não há correspondência entre os mecanismos políticos e a realidade que temos que enfrentar, entre a dimensão dos desafios e os mecanismos de gestão. As dinâmicas atuais sobrevivem temporariamente apoiando-se numa matriz energética que sabemos ser insustentável.
- A nossa pequena espaço-nave terra veio com tanques de combustível, o petróleo, que se acumularam durante milhões de anos, e que teremos liquidado em menos de duzentos. Achamos normal mobilizarmos um carro de duas toneladas para levar o nosso corpo de 70 quilos para postar no correio uma carta de 20 gramas.
O homo economicus do século XXI joga nas nossas cidades modernas cerca de um quilo de produtos no lixo por dia, e ainda paga por sua remoção. Não nos damos conta do desperdício. Todos sabemos que vivemos um sistema insustentável a prazo, conhecemos a dimensão dos impasses, e apenas esperamos que apareçam tecnologias milagrosas que abram novos caminhos na última hora.
- E que alternativa resta ao cidadão? Se não tiver carro, nas dinâmicas ditas modernas, como sobrevive?
- E alguém vai eleger um político que assume que vai aumentar o preço dos combustíveis?
- Esta lógica vale também para as reservas de água doce, a vida nos mares, e assim por diante. Pessimismo?
Não, apenas bom senso e informação organizada. Os desafios principais do Planeta não consistem em inventar um chip mais veloz ou uma arma mais eficiente: consistem em nos dotarmos de formas de organização social que permitam ao cidadão ter impacto sobre o que realmente importa, em gerar processos de decisão mais racionais. Com a globalização, o processo se agravou.
- As decisões estratégicas sobre para onde caminhamos como sociedade passaram a pertencer a instâncias distantes. As reuniões dos que mandam, em Davos, lembram vagamente as reuniões de príncipes brilhantes e inconscientes na Viena do século XIX. A ONU carrega uma herança surrealista, onde qualquer ilhota do pacífico com status de nação tem um voto, tal como a Índia que tem um sexto da população mundial.
As grandes empresas transnacionais tomam decisões financeiras, fazem opções tecnológicas ou provocam dinâmicas de consumo que afetam a Humanidade, sem que ninguém tenha como influenciá-las. Democracia econômica ainda é uma noção distante. Somos cidadãos, mas a realidade nos escapa.
- Pensar de maneira inovadora sobre os processos decisórios que regem o Planeta e o nosso cotidiano não é mais uma questão de estar à esquerda e protestando ou à direita e satisfeito: é uma questão de bom senso e de elementar inteligência humana.
Inovação Social e Sustentabilidade