domingo, 17 de abril de 2016

Sustentabilidade da economia: Paradigmas alternativos de realização econômica

Sustentabilidade da economia: Paradigmas alternativos de realização econômica

Clóvis Cavalcanti 

  • É cada vez mais generalizada, hoje em dia, a consciência de nosso dever com relação às gerações futuras e a limites que a natureza, o meio ambiente nos impõem. 
O assaz citado relatório da Comissão Brundtland (WCED, 1987:43) define desenvolvimento sustentável em termos precisamente da satisfação das presentes necessidades e aspirações do homem sem que se reduza a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas. 
  • Com certeza, intui-se que a base física da qual se retira o sustento do homem não pode ser sobrecarregada impunemente mesmo que não se esteja consciente disso. Afinal, todos sabem que num automóvel não podem viajar cinqüenta pessoas de uma só vez. 
No entanto, o homem é descuidado em relação ao meio ambiente (entendido aqui como o substrato de matéria e energia da vida). As pessoas podem exibir um interesse no verde , nas amenidades ambientais, mas ignoram via de regra as leis fundamentais da termodinâmica, e agem como se não existisse aquilo que se chama de degradação entrópica, à qual tudo na Terra é submetido. 
  • O conhecido economista Lawrence Summers, hoje subsecretário do Tesouro dos Estados Unidos, quando era economista-chefe do Banco Mundial, em carta à revista britânica The Economist (1992:71), declarou que o argumento de que uma obrigação moral para com as gerações futuras demanda tratamento especial dos investimentos ambientais não passa de uma tolice. 
Na opinião dessa autoridade, existe toda razão para se empreenderem os investimentos que dão origem ao maior retorno, desde que os custos ambientais sejam apropriadamente incorporados à avaliação de projetos. Por outro lado, é cada vez mais unânime a percepção de que não se podem atribuir valores monetários adequados a determinadas coisas, como por exemplo habitats naturais e espécies em extinção. 
  • Do mesmo modo, não se tem como avaliar monetariamente a irreversibilidade associada à destruição de certos serviços de ecossistemas. O mesmo se pode dizer da perda de biodiversidade, que, como sublinham Ehrlich & Ehrlich (1992:22), constitui o mais sério perigo ambiental singular que confronta a humanidade . Há dessa forma um conflito claro de sistemas e apreensões da realidade com os anseios de realização material do homem. 
É a atividade econômica que se quer promover, estimular; e é também a existência de freios naturais e éticos para aquilo que se imagina fazer. A teoria da relatividade, de Einstein que é, na verdade, uma teoria de invariantes, de absolutos, segundo o físico A. Dall'Olio (1994) <197>, mostra, por exemplo, que não se pode viajar a uma velocidade superior à da luz. 
  • A segunda lei da termodinâmica diz, por seu turno, que a energia degradada aumenta continuamente, sem retorno. Mas a roda da economia não pode estagnar e até deve ser sempre acelerada, como é implicitamente admitido na idéia de uma taxa de crescimento do produto bruto (PIB) de 5% ao ano, e mesmo de 1%. 
É a matemática dos juros compostos brigando com princípios como o da constância do produto líquido da fotossíntese. Em suma, é o processo econômico, para que seja um mínimo sustentável, esbarrando em parâmetros ambientais rígidos. Aqui reside precisamente o imo do problema ecológico, do desenvolvimento sustentável, da economia da sustentabilidade.
  • Este trabalho é parte de um estudo em andamento que trata da questão do desenvolvimento em um contexto de possibilidades limitadas. De fato, o desenvolvimento não pode ser mais considerado como uma obra desprovida de algum limite físico tal como o definido pelas noções de matéria e energia, governadas como o são pelas implacáveis leis da natureza. 
Se a história do mundo tem sido a da estagnação como regra e do desenvolvimento econômico como a exceção que demanda explanação particular (ver Higgins, 1959:3), o desenvolvimento sustentável tornou-se agora o novo paradigma do progresso. Mas em que medida o desenvolvimento pode realmente ser sustentável? 
  • Não seria mais apropriado abandonar-se a idéia do desenvolvimento e buscar-se uma nova forma de evolução do sistema econômico dentro dos confins fixados pelas leis da termodinâmica? Atingir-se o padrão de crescimento dos países industriais é inegavelmente uma impossibilidade para a maioria dos países do mundo. 
E, se o desenvolvimento é um fenômeno único na história, uma alternativa sólida para ele tem que ser procurada. É nessa direção que este trabalho levanta algumas questões, comparando dois diferentes paradigmas de relação entre recursos e necessidades humanas o paradigma americano e o dos índios da Amazônia. 

Paradigmas de Sustentabilidade:
  • Tem sido salientado, em época recente, o fato de que a economia não pode ser vista em isolamento do meio ambiente de matéria e energia (p. ex., Daly, 1980) do qual depende de maneira crucial. Pode-se igualmente imaginar a economia (sistema econômico) como sustentada por uma pinça cujos braços correspondem a dois parâmetros o ambiental e o ético. 
O parâmetro de meio ambiente mostra o que pode ser feito do ponto de vista biofísico. O parâmetro ético indica o que se é permitido moralmente fazer. Quando uma pessoa vai comer, ela sabe o que é que, fisicamente, pode encontrar na mesa e qual é, moralmente, seu limite. Glutão ou asceta, cada indivíduo sabe como comportar-se em função de suas preferências. 
  • Comer é um fato econômico da vida. Ele representa a satisfação de uma necessidade básica, o que se enquadra no domínio da economia (ciência econômica), implicando escolhas que a pessoa faz. O que pode ser comido é ditado pelo meio ambiente físico. 
Quanto comer supondo-se plena liberdade de opção constitui uma escolha moral. A ingestão de alimentos talvez seja o campo de realizações humanas em que possibilidades tanto em um sentido físico quanto moral adquirem maior nitidez no que concerne àquilo que o indivíduo sente vontade de fazer. Dois paradigmas extremos de estilos de vida podem ser descritos na atitude que um ser humano estabelece com a natureza e o meio ambiente quer de uma perspectiva ecológica, quer de uma ótica moral. 
  • O primeiro paradigma corresponderia, no meu entender, a uma situação de máxima parcimônia termodinâmica e de reverência pela natureza. É o paradigma dos índios brasileiros aquele que foi encontrado em 1500 quando o Brasil foi descoberto (ou invadido) e que se pode testemunhar ainda em áreas remotas da Amazônia. 
O segundo paradigma, que conduziria a um extremo de estresse ambiental e que não contém atributos intrínsecos de respeito pela natureza, é o que se percebe nos padrões de consumo de recursos dos Estados Unidos. 
  • No exemplo do primeiro paradigma, não existe acumulação de capital. Feedbacks negativos são a norma, muito em sintonia com os padrões da natureza. No segundo caso, a idéia de se alargarem continuamente as dimensões da economia prevalece, com suas implicações no tocante a desequilíbrios cumulativos à maneira dos feedbacks positivos. 
O estilo de vida dos índios da Amazônia baseia-se exclusivamente em fontes renováveis de energia fundamentalmente, fotossíntese. Combustíveis fósseis não são usados de forma alguma, e a lenha se emprega sustentavelmente. Não ocorre destruição visível do meio ambiente entre os índios e sua forma de conhecimento depende da experiência, a qual se transmite oralmente por meio da tradição. 
  • Um ponto a se sublinhar aqui é a importância da ciência indígena como uma referência para o homem moderno. Este ponto é ressaltado por Reichel Dolmatoff (1990:14), que observa: a respeito eu me refiro não somente ao conhecimento prático dos índios, ao tipo de coisa que um camponês conhece ou qualquer colono da Amazônia domina. 
O que estou tentando dizer é que o modo de vida dos índios revela para nós a possibilidade de uma opção, de uma estratégia à parte de desenvolvimento cultural; em outras palavras, ele nos apresenta alternativas em um nível intelectual, filosófico. 
  • Deveríamos guardar na mente esses modelos cognitivos alternativos. É preciso coragem para fazer uma opção e se nós olhamos para o presente estado de coisas em nosso mundo moderno, devemos admitir que, em algum momento, em algum lugar ao longo da estrada do progresso, fizemos opções erradas. 
Agora, frente à Amazônia, estamos em face de opções, de alternativas. Em abril de 1500, quando os portugueses desembarcaram no Brasil, liderados por Pedro Álvares Cabral, encontraram aqui o mesmo tipo de gente que ainda habita algumas seções perdidas da Amazônia. 
  • A impressão dos portugueses, registrada pelo escrivão da frota Pero Vaz de Caminha em carta ao rei de Portugal, indica que eles haviam achado uma terra de beleza luxuriante, com uma vegetação rica e diversificada, povoada de nativos vivendo primitivamente (de acordo com as regras de vida da Europa). 
Tal gente não usava roupa, embora exibisse delicados adornos de penas de pássaros. Parecia saudável, não fazia pedido de comida, de presentes ou de moedas de ouro. E mostrava-se em tão boa condição que surpreendeu os experimentados membros da frota de Cabral. 
  • Algumas das observações de Caminha (ver Cortesão, 1943) merecem ser lembradas. Por exemplo, sobre os índios: andam muito bem curados e muito limpos; os corpos seus são tão limpos, tão gordos e tão formosos, que não pode ser mais; todos são dispostos, tão bem feitos e galantes com suas tinturas, que pareciam bem; andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos. 
E sobre a nova terra: 
os arvoredos são mui muitos e muito grandes; não duvido que por esse sertão haja muitas aves; esse arvoredo [...] é tanto, tamanho, tão basto e de tantas prumagens, que homem as não pode contar; de ponta a ponta, é tudo praia-palma, muito chã e muito formosa. Entretanto, apesar de encantado pela descoberta, Caminha concluiu seu relato ao rei dizendo que os índios eram gente bestial, de pouco saber e por isso tão esquiva , sugerindo que os portugueses deveriam salvá-los. 
A mesma perspectiva, incidentalmente, baseada na visão moderna e refinada pelo Iluminismo, foi exprimida por José Bonifácio, que, em 1823, assinalou (citado em Pádua, 1987:34): 
O homem no estado selvático e mormente o índio bravo do Brasil, deve ser preguiçoso; porque tem poucas, ou nenhuma necessidade; porque vagabundo, na sua mão está arranchar-se sucessivamente em terrenos abundantes de caça ou de pesca, ou ainda mesmo de frutos silvestres, e espontâneos; porque vivendo todo dia exposto ao tempo, não precisa de casas e vestidos cômodos, nem dos melindres do nosso luxo; porque, finalmente, não tem idéia de propriedade, nem desejos de distinções e vaidades sociais, que são as molas poderosas, que põem em atividade o homem civilizado. Bonifácio advogava que se aumentasse a riqueza nacional através do uso do conhecimento científico e defendia a necessidade de se removerem os índios de sua preguiça e ignorância , a fim de levá-los ao progresso. 
É o mesmo raciocínio que induziu John Locke, mais de cem anos antes, a condenar os índios da América do Norte como um punhado de gente preguiçosa que se recusava a explorar seus recursos (cf. Rifkin & Howard, 1980:26-27). 
  • Se um economista ou sociólogo treinado com as categorias atuais do conhecimento das ciências sociais fosse solicitado a avaliar as condições dessa gente primitiva, a que conclusões chegaria? Seriam os índios considerados ricos, pobres, da classe média? Torna-se difícil conceber uma resposta a essa indagação. Pelo menos, os nativos brasileiros pareciam bem nutridos, robustos, alegres. Mas não estavam vestidos (talvez por isso mesmo...). 
E viviam em habitações toscas de palha e madeira. Seus artefatos eram primitivos. Eles não conheciam as armas de fogo, a roda, a propriedade privada. Uma condição insólita. Estima-se que 8 milhões de pessoas nesse estado vivessem então no território brasileiro (Ribeiro, 1970). 
  • Seu conhecimento científico não possuía a dimensão escrita, nem eles se guiavam pelas regras da lógica aristotélico-tomista. Os índios brasileiros, contudo, não ignoravam princípios para o tratamento e cura de certas doenças (as comuns entre eles), e obedeciam a normas descobertas e desenvolvidas por si próprios com respeito a agricultura, silvicultura, caça, pesca, manejo ambiental, anticoncepção etc. 
Ou seja, eram pessoas que sabiam como viver nos limites de sua realidade. Numa palavra, tinham aprendido a se adaptar ao meio ambiente e como viver sustentavelmente. Na verdade, depois de séculos ocupando a terra que seria conhecida pelo nome de Brasil, os índios conservavam a ecologia do país, em 1500, em estado prístino. 
  • Tal ponto foi de alguma forma traduzido por um indígena da tribo macoxi em julho de 1980, numa declaração ao papa João Paulo II, em Manaus, ao dizer (transcrição literal): Nós caminhava numa felicidade, mas ao chegar nossos irmãos, a nação que era feliz transformou-se em confusão (Cortez, 1985:171). 
Constitui uma ironia e um fato simbólico que a luta dos índios para sobreviver tornou-se mais extenuante como conseqüência da presença do chamado homem civilizado, e não como decorrência de limitações impostas pelo ambiente ou de seu decaimento. Que o último nunca foi um fator de restrição com relação ao modo sob o qual os índios têm vivido há séculos pode ser exemplificado pelo caso da tribo yanomami. 
  • Tal grupo indígena compreende 30 mil pessoas que ocupam secularmente seu território até hoje numa área cobiçada abrangendo partes da Venezuela e do Brasil, sem consideração para fronteiras políticas estabelecidas
A Busca de Sustentabilidade:
  • Com o conhecimento científico disponível, é impossível entender a verdadeira natureza do desejo moderno do homem por desenvolvimento econômico. Nenhuma espécie viva, com efeito, à exceção do homem, empreende esforços de desenvolvimento no sentido de crescimento material. 
Este crescimento, sob as formas em que é compreendido, conduz sempre a algum tipo de agressão contra o meio ambiente. Mesmo o conceito de desenvolvimento sustentável é contraditório (uma contradição de palavras). 
  • Qualquer melhoria econômica, sob a égide do que o homem procura, significa acumulação de capital e o esgotamento de alguma categoria de recursos não-renováveis como os combustíveis fósseis. A expansão de áreas urbanas unicamente, junto com a construção de estradas, consome cada ano, em todo o mundo, em torno de 6 mil quilômetros quadrados de terra arável, em geral as mais preciosas. 
Dessa maneira, o desenvolvimento, tal como vivenciado pelo planeta, não pode ser literalmente sustentável. Um modo de realização econômica aparentemente muito mais sustentável é o dos índios brasileiros não aculturados, com resultados que parecem ser satisfatórios em termos de bem-estar humano, como se depreende já em 1500 do relato proporcionado por Pero Vaz de Caminha, a que se fez alusão anteriormente. 
  • Os esforços presentes visando o progresso material, e mesmo a maneira de satisfação das necessidades básicas do homem no mundo de hoje, revelam-se simplesmente insustentáveis. O
 uso, para esse fim, de matéria e energia em doses excessivas e crescentes, exaurindo recursos ambientais acima de sua capacidade de regeneração, obviamente tende a torná-los menos disponíveis para as futuras gerações, anulando assim a idéia de que desenvolvimento sustentável é o processo que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de satisfazer as suas próprias. 
  • No caso dos Estados Unidos, existe claramente um processo em que se toma emprestado capital ambiental das gerações futuras sem qualquer intenção ou perspectiva de pagamento (ver Daly & Cobb, 1989). 
Para que o desenvolvimento seja sustentável e menos vulnerável a crises, princípios mínimos de austeridade, de sobriedade, de simplicidade e de não-consumo de bens suntuários têm que prevalecer. Este é o único meio efetivo de se tentar suavizar a operação da segunda lei da termodinâmica no processo econômico com sua implacável degradação entrópica (Georgescu-Roegen, 1980). 
  • Os sistemas que interagem em harmonia com a natureza seguem regras de sobriedade, simplicidade e austeridade: são eles que respeitam instintivamente os limites dos recursos ambientais. Um sistema dessa ordem existia no continente americano quando os ibéricos nele desembarcaram. 
Não se trata de oferecer aqui uma visão idílica da vida na América pré-colombiana, mas simplesmente de assinalar que as populações nativas do continente não dilapidaram os recursos que lhes eram oferecidos pela natureza. 
  • O fato de não existirem mecanismos de mercado operando no Brasil antes de 1500 tal como os concebemos hoje não impediu que alguma regra econômica fosse observada quanto ao uso de recursos. Na caça e na pesca, por exemplo, o que se sabe é que os índios capturavam apenas aquilo de que precisavam. 
A geração de escassez era assim evitada. Ao contrário, as práticas modernas demonstram que os preços estabelecidos para bens que resultam da transformação de recursos esgotáveis não impedem a sobre utilização dos últimos. Dito de outra forma, os preços não refletem corretamente os custos ambientais que incidem sobre a base de recursos. 
  • É importante notar aqui a diferença que separa a visão moderna da qual o paradigma americano é uma ilustração extrema daquela que os índios brasileiros representam, acerca não somente do desenvolvimento, mas do processo econômico por inteiro. No caso dos índios, a organização econômica está direcionada a prover o sustento do grupo (e a proporcionar bem-estar dentro do contexto da visão de mundo do índio). 
No caso da moderna perspectiva, o que se visa antes de tudo é o lucro imediato, preferentemente naquelas atividades onde é mais fácil obtê-lo. É a procura de lucros a todo transe que atropela a adoção de estilos de vida austeros, sóbrios, impedindo que o desenvolvimento genuinamente sustentável seja alcançado. Muitos bens que são produzidos por nossa sociedade industrial poderiam perfeitamente inexistir. 
  • Mas sua produção é determinada pelos lucros que ela concede aos que a empreendem. Ao mesmo tempo, o apelo do consumismo é muito forte. Ninguém quer renunciar à possibilidade de, algum dia, comprar um novo videocassete, um carro mais avançado, um forno de microondas. 
O desenvolvimento alternativo à maneira dos índios pré-colombianos é absolutamente inimaginável. O desenvolvimento sustentável é desejado, desde que ineficientes aparelhos de ar condicionado, complicados aparelhos sintetizadores e toda sorte de bugigangas que povoam um domicílio afluente continuem a ser produzidos. 
  • Nossa vida pessoal é um contínuo processo de aquisição de bens de consumo, comprados muitas vezes por hábitos consumistas e esbanjadores automáticos, que adotamos em virtude de esquemas persuasivos de marketing lançados maciçamente sobre nós. 
A busca de sustentabilidade resume-se à questão de se atingir harmonia entre seres humanos e a natureza, ou de se conseguir uma sintonia com o relógio da natureza cuja influência algumas pessoas gostariam de eliminar (ver, por exemplo, Carvalho 1991, que emprega a expressão relógio da natureza. Nesse sentido, o caso dos índios da Amazônia nos oferece um caminho para a sustentabilidade. 
  • De acordo com estudos levados a cabo por Reichel-Dolmatoff (1990), os índios consideram rios e florestas como organismos vivos, assim mantidos graças à energia cósmica provinda do sol em contínua troca com a terra. 
Entre esses dois (a energia solar e o potencial de fertilidade da terra), segundo os índios, existe um circuito, de tal forma que tudo o que o homem subtrai daí para seu sustento, seja pescando, caçando ou coletando, deve retribuir poupando energia por intermédio de sacrifício pessoal. Este princípio de poupança consiste na conservação consistente e planejada dos recursos naturais. 
  • É óbvio que, dentro do esquema ambientalmente consistente, sustentável, dos índios, ninguém jamais imaginaria um conjunto de instrumentos para eliminar a influência do relógio da natureza sobre a atividade humana. Tal relógio, na realidade, é para ser respeitado e incluído nos cálculos que o homem faz (ver, a propósito, Fukuoka, 1978). 
Essencialmente, trata-se de um dispositivo para ditar o que pode ser feito. Ainda sobre os índios brasileiros não somente os que habitavam o país no tempo do descobrimento, mas os que ainda vivem em isolamento, ameaçados de extinção cultural e mesmo física , não é demais salientar sua enorme habilidade para lidar com o meio ambiente. 
  • De fato, pesquisa recente de etnoecologia mostra um conhecimento impressionante e sofisticado de processos ecológicos da parte dos índios. Entre os Mebengokre, do estado do Pará, só para citar um exemplo, pesquisadores do Museu Goeldi, de Belém, classificaram mais de cinqüenta tipos de diarréias/disenterias, cada qual com seus remédios específicos de ervas (Posey, 1987:24). 
Um desenvolvimento que implica o desaparecimento de grupos como esse causa perda irreparável para a sociedade como um todo, levando à alienação de culturas que aprenderam a conviver harmoniosamente com o ambiente natural, sem degradá-lo deliberadamente e sabendo como extrair dele recursos essenciais para a sobrevivência. Importa se nesse ambiente humano o progresso material era diminuto ou desprezível? 
  • A resposta a essa questão é fundamental. Se o fato de que não havia conquista material significativa não significa muito, então o que se tem é que lamentar que culturas primitivas como as dos índios brasileiros estejam sendo ou tenham sido destruídas e isto por razões não apenas de cuidados ambientais, mas de índole humana também. 
Voltando outra vez a Reichel-Dolmatoff (1990), vale a pena mencionar que a bacia amazônica tem sido habitada por milhares de anos por indígenas que construíram uma ordem altamente estruturada (ver também Beckerman, 1991). 
  • Suas múltiplas sensações, experimentadas no contato diário com a natureza, suas percepções, seus sentimentos estão consistentemente codificados e contêm significados específicos, de que a mensagem total é a vida, uma vida bem adaptada (Reichel-Dolmatoff, 1990:13). 
Essa aptidão do homem primitivo não ocorre por acaso. Trata-se do resultado de um processo longo de aprendizado que envolve acumulação de conhecimento e informações mediante métodos não necessariamente informais e aleatórios. 
  • Muito pelo contrário, para a compreensão da natureza fazer sentido e produzir resultados, é necessário que os índios classifiquem, ordenem, sistematizem os dados que a experiência diária lhes oferece. Por esse mesmo princípio, é necessário que tal material não se perca de uma geração para outra. O efeito de tudo isso é aumentar a admiração que a etnociência causa àqueles que dela se aproximam com humildade. 
Vale a pena enfatizar aqui o que Reichel-Dolmatoff (1990:12) tem a oferecer como testemunho sobre tal visão, apoiado por mais de meio século dedicado ao estudo dos índios da Colômbia, especialmente a tribo tukano: 
A maioria das pessoas adultas [entre os índios] tem muita noção [do princípio da conservação consistente e planejada dos recursos naturais], mas o poder real de planejar e tomar decisões nesses assuntos cai nas mãos dos pajés e dos antigos.
Eu tenho visto pajés cuidadosamente medirem o volume adequado de veneno de peixe para ser posto num riacho; 
eu os tenho ouvido interpretar sonhos em termos da conservação de caça [...] Os pajés controlam a derrubada de árvores, o fogo das queimadas; controlam a construção de casas, a confecção de canoas, a fermentação de cerveja, o processo de preparação diária de comida, e uma multiplicidade de outras atividades [...] Na mente dos pajés toda [...] informação [coletada a cada dia] será organizada sob a forma de conhecimento estruturado, o qual daí por diante [...] determina suas atividades. 

Sustentabilidade da economia: Paradigmas alternativos de realização econômica

A Busca do Desenvolvimento:
  • A distinção entre desenvolvimento e crescimento é bem conhecida. Todavia, existe uma tendência, quando falamos sobre progresso, a igualar crescimento e desenvolvimento. 
Isso é o que se quer dizer quando propostas de desenvolvimento são discutidas nos países menos desenvolvidos ou quando se alude, como no Brasil, à necessidade da retomada do desenvolvimento . Ninguém se arrisca a propor que o PIB permaneça constante enquanto mudanças estruturais estejam tendo lugar. Portanto, parece-me uma forma de escapismo sublinhar as diferenças de concepção que há entre desenvolvimento e crescimento. 
  • Talvez para o cientista social isto deva prevalecer. Mas se grudar a isto significa nadar contra a maré geral. O que está em jogo nesse contexto é a busca de melhoria na qualidade de vida. Todo indivíduo deseja ser feliz, viver uma longa vida, alcançar a plena realização de si próprio. 
O desenvolvimento pode levar a tais objetivos. No entanto, não é necessário se aumentar a posse de bens para que uma pessoa se sinta mais feliz. Sem embargo, a possibilidade de se ter mais e mais de cada coisa converteu-se no fim supremo do progresso. Pobreza, porém, não é sinônimo de felicidade. Em princípio, a felicidade pode ser alcançada com afluência. 
  • O que é importante notar aqui é que nosso módulo, a natureza, é austero, sóbrio, balanceado. Não é possível para todo mundo ser afluente simultaneamente em um planeta de 5,6 bilhões de pessoas. Naturalmente, é preciso definir a idéia de riqueza que cada um tem na cabeça. 
Mas se ela significa ter casas com ar-condicionado em toda parte, equipadas com todo tipo de bens modernos, veículos velozes etc., tem-se que reexaminar tal idéia. Nenhum organismo vivo aspira ao desenvolvimento. 
  • Contudo, todo ele produz degradação entrópica. Se o desenvolvimento no sentido de tornar as pessoas mais ricas fosse uma coisa natural, não seria necessário empreender tantos esforços, lutar tão denodadamente para conquistá-lo. Não seria tão penoso divisar a estratégia apropriada para se lograr aquilo que se costumava chamar nos anos 60 de crescimento auto-sustentado (Rostow, 1956). 
Com efeito, qualquer percalço nesse afã muito freqüentemente gera uma tendência cumulativa para longe do caminho estável. A economia equilibra-se sobre um fio de navalha. No caso das economias de mercado, por exemplo, quando, por um ano ou dois, não há crescimento ou uma recessão moderada, os economistas logo falam de uma crise e são requisitados para fazer todo o possível para se reaquecerem os motores de crescimento do sistema econômico. 
  • No momento atual, virtualmente todos os países do Primeiro Mundo estão enfrentando problemas graves de déficits fiscais, desemprego, um hiato crescente entre ricos e pobres, altas taxas de juros e incerteza crescente com relação à sustentabilidade do processo econômico. 
A saída dessas dificuldades, por sua vez, é considerada simplesmente em termos de ajustamentos no nível econômico, implicando mais crescimento (ver, p. ex, Bergsten, 1992). Não se dá nenhuma atenção às limitações que o meio ambiente determina como conseqüência da influência pervasiva da segunda lei da termodinâmica. 
  • De acordo com Georgescu-Roegen (1974), o pré-requisito mais importante de uma vida boa é uma porção substancial de lazer usada de maneira inteligente . Isto se pode alcançar quando uma vida héctica não é a regra, quando se tem tempo livre para admirar um pôr-de-sol dourado ou para se dançar durante doze horas seguidas, como os nordestinos rurais fazem na festa de São João.
Nesses casos, certamente as pessoas estão realizando seu potencial, mas não se pode afirmar que estejam ficando ricas de um ponto de vista material. Para sustentar-se dado nível ou ritmo de desenvolvimento econômico, enormes esforços são sempre requeridos. 
  • Os motores do crescimento não funcionam por si mesmos, de maneira automática. O desenvolvimento, de fato, não é tão fácil de conseguir como a reprodução, por exemplo, de um sistema de vida como o dos índios do Amazonas, os quais, aliás, não buscam a acumulação de bens ou de ativos monetários. 
Ficar rico o mais rápido possível constitui o atributo par excellence da noção prevalecente de desenvolvimento. Este atributo é aceito implicitamente, e mesmo explicitamente, como se a função de bem-estar social se reduzisse à perseguição da afluência material e como se conhecêssemos quais são os objetivos sociais corretos. Isto não é certamente o caso. 
  • Princípios não monetários de gestão (bem-estar) existem e são mais fundamentais para a sobrevivência do homem nesta terra do que qualquer um dos princípios monetários que dominam os hábitos de pensar de tantos líderes de negócios, políticos e peritos de vários tipos (Söderbaum, 1986:152). 
O meio ambiente é um valor em si próprio a ser devidamente considerado. Preservar a biodiversidade está na essência de um paradigma ecologicamente saudável: seu valor é incomensurável e uma pré-condição para um planeta em que se possa viver (cf. Ryan, 1992). 
  • Os índios da Amazônia possuem essa percepção. Em seu ambiente, matéria e energia são dissipadas a um ritmo muito baixo e a biodiversidade se mantém integralmente. Observa-se aí a situação descrita por Boulding (1966) de menos atividade (throughput) i.e., menos produção e consumo como meio para se causar menos estresse ambiental. Sustentabilidade significa a possibilidade de se obterem continuamente condições iguais ou superiores de vida para um grupo de pessoas e seus sucessores em dado ecossistema. 
Numa situação sustentável, o meio ambiente é menos perceptivelmente degradado, embora, como saibamos, o processo entrópico nunca cesse, procedendo invisível e irrevogavelmente e levando ao declínio inflexível do estoque de energia disponível na terra. 
  • Esta é essencialmente a natureza do problema ecológico. Por isso, é muito difícil imaginar como a queima de combustíveis fósseis pode ocorrer no âmbito de um contexto sustentável. O conceito de sustentabilidade equivale à idéia de manutenção de nosso sistema de suporte da vida. 
Ele significa comportamento que procura obedecer às leis da natureza. Basicamente, trata-se do reconhecimento do que é biofisicamente possível em uma perspectiva de longo prazo. O desenvolvimento econômico não representa mais uma opção aberta, com possibilidades amplas para o mundo. 
  • A aceitação geral da idéia de desenvolvimento sustentável indica que se fixou voluntariamente um limite (superior) para o progresso material. Adotar a noção de desenvolvimento sustentável, por sua vez, corresponde a seguir uma prescrição de política. 
O dever da ciência é explicar como, de que forma, ela pode ser alcançada, quais são os caminhos para a sustentabilidade. Uma noção agora largamente admitida é a de que o tipo de desenvolvimento que o mundo experimentou nos últimos duzentos anos, especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, é insustentável. 
  • Maximizar-se o valor abstrato da produção global como meio para combater-se a pobreza não é uma proposta sensata, embora sintamos que não se podem condenar os pobres do mundo a permanecer para sempre sitiados pela miséria. 
O relatório Brundtland advoga uma elevação de cinco a dez vezes no nível da atividade econômica global num esforço para eliminar-se a pobreza. Se este for o único processo para derrotar-se a pobreza, então podemos estar certos de que o problema não tem solução como Daly (1991) e Ehrlich & Ehrlich (1992) demonstram. 
  • A defesa da idéia de crescimento constante não passa de uma filosofia do impossível (Guerreiro, 1979:16), ainda que se possa encontrar quem argumente que o planeta Terra não é uma `nave finita de recursos limitados', imagem tão cara aos ecologistas (Benjamin, 1990:10). 
Nosso desafio é como reduzir substancialmente ou eliminar a miséria, sem desrespeitar os limites da capacidade de sustentação da Terra. Podemos querer empurrar o crescimento além desses limites. Mas devemos ter consciência do fato de que, mais cedo ou mais tarde, teremos que confrontar a nêmesis da natureza. 
  • Se tentássemos elevar a renda nos países em desenvolvimento nos próximos trinta anos à metade do nível dos países industriais, a produção mundial teria que crescer dez vezes, supondo-se que a taxa de crescimento dos últimos permanecesse a 2% a.a. (Hauchler, 1992:4). 
Isto já se provou ser uma impossibilidade, tal como Herman Daly (1991) evidencia em termos da escala ótima da economia, o que pede uma nova consciência a respeito do desenvolvimento. Não é simples, contudo, comportar-se e pensar diferentemente do que se tem feito. 
  • Um país como o Brasil, por exemplo, necessita desesperadamente crescer para criar o volume de emprego que sua força de trabalho subutilizada demanda. Ao mesmo tempo, não é mais possível lograrem-se as altas taxas de crescimento dos anos 70 (bem acima de 10% anualmente), como se admite nas propostas que procedem de todos os setores da sociedade brasileira. 
Se o país se expandisse a 6% a.a. nas próximas cinco décadas, só para exemplificar, o Brasil atingiria um patamar do PIB, em 2044, de um trilhão de dólares a mais do que o valor do PIB americano atual. Isto é claramente inviável, a menos que todos os outros países do mundo concordassem em renunciar a qualquer intenção de subir a ladeira do PIB, o que não é uma hipótese razoável. 
  • É bem possível, entretanto, ter-se crescimento alto durante uns poucos anos no Brasil não sustentavelmente, mas de modo espasmódico, e não como uma tendência firme de longo prazo. Ainda assim, o padrão de desenvolvimento dos Estados Unidos é muito mais atraente para se usar como referência de desempenho econômico do que o paradigma dos índios da Amazônia. 
Em um sistema globalizado, integrado, com efeito, são os líderes na consecução do crescimento que devem ser copiados, o que quer dizer Estados Unidos, Europa Ocidental, Japão. Implicitamente, isto significa escolher mais degradação entrópica do que parcimônia termodinâmica. Mais processos homogeneizantes do que diversidade (tanto biológica quanto cultural). 
  • Mais feedbacks positivos do que negativos. Mais fragilidade diante do estresse do que capacidade de resistir. Mais combustíveis fósseis do que biomassa. Este é o momento de se lembrar que o processo econômico não se auto-sustenta. 
Ele não existe em um vácuo, nem se dá isoladamente em relação ao meio ambiente no qual repousa e que aparenta ser uma entidade auto-regulável, com a capacidade de manter a saúde do sistema pelo controle dos fenômenos físicos e químicos relacionados com a biosfera (Lovelock, 1987:xii). 
  • Como resultado, qualquer mudança na ordem natural do meio ambiente conduz a outras alterações de caráter muitas vezes inesperados. Levar adiante projetos de desenvolvimento engendra estresse ambiental que a natureza está a todo momento tentando corrigir do mesmo modo que faz com respeito a estados mais caóticos (um furacão, uma inundação, um terremoto, um escapamento de gás como o de Bhopal). 
O estresse ecológico básico degradação entrópica é intensificado quanto mais próximo se chega do paradigma dos Estados Unidos, quanto maior for a sede de ouro. Esta é uma característica inevitável de tudo o que o homem faz. Lamentavelmente, uma larga proporção da degradação entrópica é invisível, quase abstrata. 
  • Como se pode notar, com efeito, que se tem menos energia disponível devido à aceleração das tendências de crescimento? O prejuízo que se causa às futuras gerações em virtude da rápida exaustão de certos recursos não-renováveis não pode ser visto com nitidez, como o fog da poluição. Por outra parte, nosso conhecimento do meio ambiente é muito imperfeito. 
Não se pode avaliar com precisão o preço que poderemos ser chamados a pagar, por exemplo, pela perda da biodiversidade. Por conseguinte, tendo dificuldade de entender o ecossistema, somos impedidos de apreender o impacto real de nossas ações, muito embora estejamos certos de que a segunda lei da termodinâmica seja um princípio supremo da vida, uma regra fundamental da natureza. Estamos esperando por quê? 

Saídas para a Sustentabilidade:
  • Se considerarmos que, efetivamente, a pobreza parece muito mais sustentável do que a afluência (cf. Daly, 1991:15) e se recordarmos que um paradigma frugal de vida, como o dos índios da Amazônia, é muito mais sustentável do que a versão americana a qual, a despeito disso, serve de modelo para o mundo <197>, duas recomendações básicas no que concerne à direção de um processo econômico sustentável deveriam ser: 
(a) austeridade de vida e
(b) renúncia ao desenvolvimento.
Sei que é vergonhoso querer ditar austeridade para quem vive na penúria. Mas essa recomendação é para ser encarada como uma orientação macroeconômica com respeito ao uso geral de recursos. 
  • Austeridade nesse sentido seria a segurança de que o bem supremo, ou a felicidade, seja alcançado com sacrifício mínimo da base biofísica da natureza. Isto corresponde à adoção de uma ética não necessariamente de ascetismo, mas uma que refreie a sede do homem pela acumulação de riqueza material. 
Ela é equivalente à idéia de uma economia budista, proposta por Schumacher (1975:parte I, cap. 4), a qual não visa a maximização da produção de bens e serviços, mas simplesmente a aquisição daqueles bens e serviços necessários a uma existência gratificante. 
  • Cada indivíduo deseja viver plenamente, sentir-se bem e realizado. Não quer, na essência de sua busca íntima, uma existência sobrecarregada de responsabilidades, obrigações e bugigangas. As necessidades não têm que ser multiplicadas, principalmente se isto é feito por manipulação artificial. 
A tarefa que o homem confronta é aprimorar o caráter humano, e o que importa para isso é o fato de que bens e serviços são um meio na direção da satisfação de necessidades, o que, por sua vez, é um meio para a realização do bem supremo (o nirvana dos hindus, o summu bonum de S. Tomás de Aquino). 
  • Consumir mais como medida de um padrão de vida mais alto é poderosa convenção da sociedade moderna que reflete uma ética de concupiscência. Novas regras econômicas são uma necessidade, se o desenvolvimento sustentável for confirmado como um objetivo econômico mais consensual. Em lugar de pedir sempre mais consumo, o que se deve ter em vista é o consumo que pode ser levado adiante sustentavelmente. 
O espelho que deve orientar o homem com esse propósito é a natureza, a homeostase, a parcimônia termodinâmica, as quais correspondem a um estilo de vida severo, austero, sóbrio. 
  • A um estilo de vida que libera o homem da tarefa de cuidar de bugigangas ou de ficar aprendendo como fazer funcionar novos produtos eletrônicos, de modo a ter mais tempo livre para conversar com familiares e amigos, para meditar, para ler poesia ou ouvir Mozart, para dançar e fazer amor. 
A austeridade, como modo de vida societal, está mais habilitada do que a concupiscência para permitir uma existência decente a cada indivíduo ou mais satisfação social à custa de menos fluxos de atividades. 
  • Trata-se de um paradigma que se recusa a excitar o desejo humano além de limites razoáveis um meio de colocar freios éticos no comportamento econômico dos indivíduos. Já que valores individuais induzem a mudança social, as pessoas podem aprofundar seu senso de responsabilidade com relação à Terra e a futuras gerações ao adotar um modo austero de vida. 
Provavelmente isto facilita a realização do objetivo de se chegar a uma comunidade global mais ambientalmente sadia (cf. Brown et al., 1990:175). Os índios da Amazônia não são o único grupo que se pode identificar como ilustração de uma vida sustentável. No Brasil mesmo, algumas formações sociais campesinas seguem estilos de vida a seu modo sustentáveis. 
  • Os habitantes do sertão nordestino, os sertanejos da saga da caatinga, certamente possuem um modo de vida severo, baseado em recursos que a natureza lhes provê uma natureza que é áspera para eles, especialmente nos longos períodos de estiagem tão comuns à região. Euclides da Cunha retrata muito bem isso em Os sertões (1901), servindo para uma narrativa igualmente épica de Mario Vargas Llosa em A guerra do fim do mundo (1981). 
Não se pode esquecer o relato das características severas do sertanejo oferecido por Ariano Suassuna, como no seu Romance da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1972). Suassuna, na verdade, tem se singularizado, no plano da literatura, por mostrar como, sobriamente, o sertanejo vive com dignidade. 
  • Buscando um exemplo do próprio Primeiro Mundo, é possível dizer que os padrões de consumo japoneses são muito mais austeros do que sua contrapartida americana, apesar do fato de as rendas per capita dos dois casos serem praticamente as mesmas, monetariamente falando, ou até mais altas no Japão. 
Convém sublinhar que não é fácil pensar-se em renunciar ao desenvolvimento, pois crescer é apontado sempre como a via para combater-se a pobreza e a miséria. A questão é que a pobreza também pode ser enfrentada por outros meios tais como, por exemplo, a redistribuição da renda e da riqueza e o planejamento familiar. 
  • Se existem pessoas em um país que só contam com um dólar por dia, ou menos, para sobreviver, e a renda per capita média, aí, está acima da marca dos 2.000 dólares, então alguma espécie de crescimento deve ser contemplada, mas uma política distributivista não se pode excluir da estratégia. 
O desenvolvimento sustentável significando alguma forma de crescimento pode ser advogado em tal país, mas certamente ele não deve constituir um objetivo global. Com efeito, é necessário identificar o que se deve sustentar no desenvolvimento a vida na terra, o crescimento contínuo, um dado nível de bem-estar médio? 
  • Se considerarmos que sustentabilidade quer dizer respeito à capacidade de sustentação da Terra, um modo de vida sustentável envolve viver-se dentro dos limites do possível, o que se pode interpretar também em termos de desaceleração do ritmo de utilização de matéria e energia (para reduzir-se a tendência da degradação entrópica inexorável). 
Claramente, o desenvolvimento sustentável hoje em dia está se transformando em uma finalidade econômica de ampla aceitação muito embora seja acentuada a tendência da retórica. Contudo, pode-se admitir uma razoável concordância entre diferentes atores sociais no mundo inteiro visando alcançar processos econômicos sustentáveis. 
  • O crescimento puramente quantitativo, obviamente, não cabe em tal entendimento. Não cabe porque não é indefinidamente sustentável. A literatura sobre desenvolvimento econômico no período 1945-1970 dá a impressão de que o tipo de mudança econômica experimentado pelos países que lideraram a revolução industrial poderia ser universalizado (Furtado, 1974:16). 
A questão a se perguntar é o que teria acontecido se tal premissa se materializasse. Sabemos agora que a resposta é que o sistema econômico mundial entraria em colapso. Isto foi denunciado por Celso Furtado, que escreveu importante livro no momento exato em que o Brasil causava admiração como milagre de crescimento. 
O livro intitula-se O mito do desenvolvimento (1974) e nele afirma Furtado (p. 75): o estilo de vida criado pelo capitalismo industrial sempre será o privilégio de uma minoria [...] o desenvolvimento econômico a idéia de que os povos pobres podem algum dia desfrutar das formas de vida dos atuais povos ricos é simplesmente irrealizável. 
Isto levou Celso Furtado a concluir que a noção moderna de desenvolvimento econômico não passa de um mito. Ou seja, trata-se de algo que tem a função de servir como um estereótipo não-falado que determina a todo instante comportamento, expressando-se através de costumes e hábitos que auxiliam a reforçá-lo (Rist, 1990:13); de algo que provê uma planta baixa para a ação que dispensa reflexão adicional ou elaboração (Ferreira, 1966:87). 
  • Os mitos sempre exerceram uma influência inegável na mente das pessoas que tentam compreender a realidade social. No caso do desenvolvimento, uma poderosa crença nas dimensões ilimitadas do crescimento tomou corpo algo que Mishan (1973:cap. 1) chama de crescimentomania ( growthmania no original). 
Georgescu (1974) não somente desfaz esse mito, mas trata-o como uma tautologia sem graça, ou seja, a de que o crescimento exponencial é impossível em um meio finito . É essa espécie de mito a que se deve renunciar. 
  • Pois, se continuamos aderindo ao mito, ao invés de reduzir-se o estresse ambiental como fazem os índios da Amazônia quando eles vão de um lugar para outro ao perceberem sinais de exaustão onde estão vivendo <197>, o que se faz é intensificá-lo. 
Essa acentuação é a norma no que toca ao paradigma americano, no qual se presencia hoje o meio ambiente tornando-se mais sufocante e o processo de extração e de fluxo de energia através do sistema acelerando-se devido aos avanços tecnológicos de porte (cf. Rifkin & Howard, 1980:64-67). 
  • O resultado de tal comportamento é apressar-se o processo de dissipação de energia e desordem no mundo. O fenômeno pode ser medido para os Estados Unidos com o estudo de Daly & Cobb (1989), o qual revela que os americanos têm estado trabalhando duas vezes mais, apenas para permanecer onde se encontravam vinte anos atrás em termos de bem-estar per capita! (Clark, 1992:170). 
Em outras palavras, comparando-se dados de PNB per capita com os Índices de Bem-Estar Econômico Sustentável por pessoa, usados por Daly & Cobb, referentes ao período de 1950-1986, demonstra-se que, nos Estados Unidos, o crescimento custa mais do que vale. 
  • Ou que uma ilusão de desenvolvimento se cria às expensas da exaustão do capital natural. Parece óbvio que a continuidade do sistema econômico não pode ser assegurada se as atividades econômicas põem em risco a persistência ou a reprodução da biosfera. 
Reconhecer que o desenvolvimento tem que ser virado de baixo para cima, de sorte a que um novo conceito tome seu lugar, significa que estamos sendo chamados a descartar o mito seguro e familiar do desenvolvimento que tem governado nossas mentes. 
  • Desenvolvimento sustentável constitui um passo na direção de tal conceito, mas, certamente, não representa o fim da jornada. E, para lográ-lo, a alternativa do paradigma americano tem que contrapor-se à sobriedade e ao balanceamento ecológico da forma de realização econômica ameríndia. 
Reconhecimentos:
O projeto de pesquisa por detrás deste trabalho tem sido apoiado pela Fundação Joaquim Nabuco. Ajuda financeira lhe foi dada em alguns momentos pela Metal Leve (por intermédio de seu presidente, José Mindlin) e pela FACEPE (órgão de amparo à pesquisa do Estado de Pernambuco). 
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Sustentabilidade da economia: Paradigmas alternativos de realização econômica