quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A Ciência, Tecnologia e Sociedade na Educação

O Surgimento da Ciência, Tecnologia e Sociedade na Educação

  • Vivemos uma era histórica em que os desenvolvimentos científicos, técnicos e sociológicos estão cada vez mais em inter-retroações estreitas e múltiplas. Há três séculos, on conhecimento científico, não faz mais do que provar suas virtudes de verificação e de descoberta em relação a todos os outros modos de conhecimento. É o conhecimento vivo que conduz a grande aventura da descoberta do universo, da vida, do homem (MORIN, 2005).
A sociedade moderna fez com que houvesse um repensar dos que dirigem e administram as instituições, quer públicas, quer privadas, no sentido de orientar seus servidores e funcionários para reciclagem de seus conhecimentos, com vistas à maior produtividade e melhor qualidade (SÉRATES, 1998).
  • De acordo com Santos e Mortimer (2002), alfabetizar, portanto, os cidadãos em ciência e tecnologia é hoje uma necessidade do mundo contemporâneo. Não se trata de mostrar as maravilhas da ciência, como a mídia já o faz, mas de disponibilizar as representações que permitam ao cidadão agir, tomar decisão e compreender o que está em jogo no discurso dos especialistas. Essa tem sido a principal proposição dos currículos com ênfase em Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS).
Os estudos CTS têm atribuído um papel importante para os aspectos históricos e epistemológicos da ciência e a interdisciplinaridade na alfabetização em ciência e tecnologia. Eles indicam a necessidade de explorar os conhecimentos sob um caráter mais amplo, tendo uma reflexão crítica, embora vejam a dificuldade disso acontecer na prática. É preciso contrastar as visões oficiais presentes nos sistemas de ensino e constituir uma fonte de visões alternativas para o ensino (ANGOTTI e AUTH, 2001).
  • Na literatura, compreensões de professores sobre interações entre CTS têm sido apontadas como um dos pontos de estrangulamento, emperrando, muitas vezes, a contemplação do enfoque CTS no processo educacional (AULER e DELIZOICOV, 2006b).
Atualmente com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, estão havendo diversas transformações na sociedade contemporânea, onde reflete em mudanças nos níveis econômicos, político, social e também na evolução do homem. Então cada cidadão tem pontos de vista e posturas sobre as questões científico-tecnológicas que, muitas vezes, vão de encontro aos objetivos que elas apresentam. 
  • Assim precisamos de uma imagem de ciência e de tecnologia que possa trazer à tona a dimensão social do desenvolvimento científico-tecnológico, entendido como um produto resultante de fatores culturais, políticos e econômicos (PINHEIRO, 2005). Este artigo tem como objetivo relatar uma breve revisão das definições de ciência, tecnologia, sociedade, CTS e o surgimento de CTS na educação e no Brasil.
Ciência:
  • Para os gregos, ciência é a era do conhecimento verdadeiro, universal, necessário. Conhecimento fundamentado e, por isso também, fundamental. Episteme era só a Filosofia, única ciência que buscava os fundamentos (e nisso residia a sua cientificidade) - autêntica arqueologia no sentido etimológico da palavra - pois a filosofia era ciência das primeiras causas e primeiros princípios (FONSECA, 1997).
Segundo Morin (2005), a ciência é elucidativa, enriquecedora, é fato, e justamente, conquistadora, triunfante. Reis (2004) afirma que, é o conjunto de conhecimentos organizado sobre os mecanismos de causalidade dos fatos observáveis, obtidos através do estudo objetivo dos fenômenos empíricos. E está intimamente ligada ao conhecimento dos fenômenos, à comprovação de teorias (ROSENBAUM, 1997; REIS, 2004).
  • O papel da ciência na atualidade não é mais entendido como a busca de domínio do mundo, mas sim salvaguardá-lo, em um contexto em que o conhecimento científico ainda representa uma forma de poder que é entendido como uma prática social, econômica e política e um fenômeno cultural mais do que um sistema teórico-cognitivo. A ciência está no cotidiano e vem merecendo, cada vez mais, um atento olhar das ciências sociais no sentido de extrair a compreensão de sua extensão e de seu lugar na sociedade e na história (FONSECA, 2007).
Hoje a ciência tornou-se poderosa e maciça instituição no centro da sociedade, subvencionada, alimentada, controlada pelos poderes econômicos e estatais. Segundo Morin (2005), a experimentação científica constitui por si mesma uma técnica de manipulação e o desenvolvimento das ciências experimentais desenvolve os poderes manipuladores da ciência sobre as coisas físicas e os seres vivos. Este favorece o desenvolvimento das técnicas, que remete a novos modos de experimentação e de observação. Assim, a potencialidade de manipulação não está fora da ciência, mas no caráter, que se tornou inseparável, do processo cientifico - técnico. O método experimental é um método de manipulação, que necessita cada vez mais de técnicas, que permitem cada vez mais manipulações.
  • De acordo com Bazzo et al. (2003), a ciência deriva do latim scientia, que quer dizer “saber, conhecimento”. E é uma concepção herdada, como um empreendimento autônomo, objetivo, neutro e baseado na aplicação de um código de racionalidade alheio de qualquer tipo de interferência externa. Sendo um método cientifico basicamente como um método indutivo para o descobrimento de leis e fenômenos.
Conforme Teixeira (1983), a ciência está normalmente associada à publicação de artigos, teses, livros, tratados, e os conhecimentos por ela criados são livremente veiculados, por serem considerado patrimônio da civilização e não objetos de propriedade particular.
  • Nesse sentido, diversas pesquisas têm constatado que a compreensão da natureza da ciência é fundamental para que o aluno possa entender as suas implicações sociais Isso remete à necessidade de que, no currículo, sejam discutidos aspectos relacionados à filosofia, história e sociologia das ciências (SANTOS e MORTIMER, 2002).
Dessa forma, Solomon (1988) propõe que nos currículos dos cursos de Filosofia, Historia e Sociologia, deveriam enfocar a CTS, com o caráter provisório e incerto das teorias científicas. Com tal compreensão, os alunos poderiam avaliar as aplicações da ciência, levando em conta as opiniões controvertidas dos especialistas. Ao contrário, com uma visão de ciência como algo absolutamente verdadeiro e acabado.
  • Alguns autores, como Merryfield (1991) apud Santos e Mortimer (2002), defendem a inclusão, no currículo, de temas globais. Tais temas são caracterizados por afetar a vida das pessoas em várias partes do mundo e por não serem passíveis de compreensão ou tratamento adequado somente em contextos local ou nacional.
No contexto brasileiro, poderiam ser discutidos temas como: 
  1. Exploração mineral e desenvolvimento científico, tecnológico e social. Questões atuais como a exploração mineral por empresas multinacionais, as propostas de privatização da Petrobrás, etc. são alguns exemplos de possibilidades nesse tema; 
  2. Ocupação humana e poluição ambiental, na qual seriam discutidos os problemas de ocupação desordenada nos grandes centros urbanos, o saneamento básico, a poluição da atmosfera e dos rios, a saúde pública, a diversidade regional que provoca o êxodo de populações, a questão agrária; 
  3. O destino do lixo e o impacto sobre o ambiente, o que envolveria reflexões sobre hábitos de consumo na sociedade tecnológica; 
  4. Controle de qualidade dos produtos químicos comercializados, envolvendo os direitos do consumidor, os riscos para a saúde, as estratégias de marketing usadas pelas empresas; entre outros (SANTOS e MORTIMER, 2002).
Tecnologia:
  • A tecnologia pode ser compreendida como o conhecimento que nos permite controlar e modificar o mundo. Atualmente a tecnologia está associada diretamente ao conhecimento científico, de forma que hoje tecnologia e ciência são termos indissociáveis. 
Isso tem levado a uma confusão comum que é reduzir a tecnologia à dimensão de ciência aplicada. A tecnologia consiste em um conjunto de atividades humanas, associadas a sistemas de símbolos, instrumentos e máquinas, visando à construção de obras e à fabricação de produtos por meio de conhecimento sistematizado (VARGAS, 1994). 
  • Segundo Reis (2004), a tecnologia é o conjunto de conhecimentos científicos ou empíricos diretamente aplicáveis à produção ou melhoria de bens ou serviços, está associada a impactos socioeconômicos sobre uma comunidade (MANÃS, 2001, REIS, 2004).
Os autores Covre (1986) apud Manãs (2001), colocam a tecnologia sob o ponto de vista histórico, detalhando a sua função a partir de perspectivas metodológicas que tratam das indagações das ciências humanas.
  • Conforme Thompson (1967) e Perrow (1972) apud Manãs (2001), a tecnologia tem sido definida de diferentes maneiras por grandes números de autores. Se a identificação se fizesse necessária para este trabalho, poderíamos detalhar pelo menos duas correntes. Uma define tecnologia de forma abrangente, compreendendo todo o processo operacional, seja de produção ou de serviço, isto é, todo modo de fazer coisas implica uma tecnologia especifica.
A segunda Woodward (1977) e Coelho (1978) apud Manãs (2001), definem tecnologia de forma mais restrita, entendendo como tecnologia o processo de produção de bens, inerente aos equipamentos utilizados nesta produção.
Hall (1984) apud Manãs (2001) definem o conceito geral de tecnologia em três componentes:
  • Tecnologia de operações, que compreende as técnicas usadas nas atividades do fluxo de trabalho da organização;
  • Tecnologia de materiais, que considera os materiais usados no fluxo de trabalho e estabelece ainda, que é possível que uma técnica altamente sofisticada seja aplicada a materiais relativamente simples;
  • Tecnologia de conhecimento, em que as complexidades variáveis do sistema de conhecimentos usados no fluxo de trabalho são os principais pontos.
Segundo Reis (2004), a tecnologia pode ser definida como um acervo de conhecimentos de uma sociedade, entretanto, relaciona esse acervo de conhecimentos com artes industriais.
  • Fundamenta-se nos métodos e conhecimentos científicos, compreendendo o domínio dos materiais e processos, úteis para a solução de problemas técnicos e para a fabricação de produtos (NETO, 1992). Manãs (2001), relata que a pressão de novas tecnologias sobre o indivíduo no seu local de trabalho não é, de maneira alguma, um fato novo. A história conta que os avanços técnicos sempre têm forçado mudanças no funcionamento das organizações e da sociedade, mas foi desde a Revolução Industrial, com organização de trabalho nas fábricas, que as organizações constituíram-se no foco destas mudanças sociais. 
É no contexto institucional que as novas tecnologias se impingem sobre a natureza das tarefas, trazendo um descompasso entre trabalho e habilidades, mudando as condições de salário e emprego.
  • A tecnologia social começa pela construção de seus próprios instrumentos, suas próprias ferramentas de trabalho, em função do diálogo com a sociedade civil organizada, numa busca conjunta de práticas de intervenção social que possam contribuir para a melhoria das condições de vida da população (HORTA, 2007).
De acordo com Gilad (2004), a vigilância tecnológica é o setor no qual serão coletados dados, informações sobre pesquisa básica e aplicada; desenvolvimento de novos produtos/serviços/novos materiais. Por exemplo, dados ou informações sobre proteção e patentes, novos produtos, novos avanços em transferência de tecnologia dos laboratórios para o mercado.
  • A tecnologia e a técnica são domínios cognitivos mais próximos da ação, ambas tem relação como o saber fazer. Entretanto, pode-se definir a técnica como saber fazer tácito e a tecnologia como saber fazer explícito (REIS, 2004).
Segundo Santos e Mortimer (2002) a tecnologia é reduzida apenas ao seu aspecto técnico. A identificação dos aspectos organizacionais e culturais da tecnologia permite compreender como ela é dependente dos sistemas sócio-políticos e dos valores e das ideologias da cultura em que se insere. É com esse entendimento que o cidadão passa a perceber as interferências que a tecnologia tem em sua vida e como ele pode interferir nessa atividade.
  • Segundo Acevedo (1996), a alfabetização tecnológica no contexto de CTS inclui a compreensão de todos esses aspectos da prática tecnológica. Na perspectiva de formar um cidadão que possa compreender como a tecnologia tem influenciado o comportamento humano e desenvolver atitudes em prol de um desenvolvimento tecnológico sustentável, é essencial que haja uma discussão dos valores envolvidos nas decisões (LAYTON, 1988). 
A partir da identificação dos valores que se compreendem melhor as necessidades da sociedade e os aspectos éticos que devem ser considerados no uso mais responsável da tecnologia. Será também pelo desenvolvimento de valores que se consolidará o sentimento de solidariedade cósmica, dentro de um novo paradigma em emergência, o da comunidade planetária (BOFF, 1996 apud SANTOS e MORTIMER, 2002).

Sociedade:
  • Sociedade é um corpo orgânico estruturado em todos os níveis da vida social, com base na reunião de indivíduos que vivem sob determinado sistema econômico de produção, distribuição e consumo, sob um dado regime político, e obediente a normas, leis e instituições necessárias à reprodução da sociedade como um todo (SIMON, 1999).
De acordo com Bazzo et al. (2003), a sociedade é como mais um entre diferentes tipos de sistemas. Os sistemas podem ser maquinas organismos, sistemas psíquicos e sistemas sociais. Pode ser classificada em decorrência de múltiplos critérios. Desde a classificação em gregos e bárbaros até o marxista.
  • O desenvolvimento tecnológico tem provocado profundas modificações nos modos de vida da sociedade contemporânea. A cada dia, deparamo-nos com novos aparatos tecnológicos e sistemas, sendo que, em particular, as áreas de telecomunicações e informática têm presenciado avanços até bem pouco tempo inimagináveis. 
Esta revolução tecnológica constitui um elemento essencial para a compreensão da nossa modernidade, na medida em que cria formas novas de socialização e, até mesmo, novas definições de identidade cultural e coletiva. Em função disto, considera-se como responsabilidade dos sistemas educativos, fornecerem, a todos, os meios para dominar a proliferação das informações, de selecioná-las e hierarquizar, dando mostras de espírito crítico (CANTÚ, 2005).
  • Segundo Ramsey (1993), um tema social relativo à ciência e tecnologia deveria ter sua origem nessas atividades e envolver um problema em torno do qual existam diferentes possibilidades associadas a diferentes conjuntos de crenças e valores.
CTS:
  • De acordo com Pinheiro (2005), Ciência, Tecnologia e Sociedade – CTS -corresponde ao estudo das inter-relações entre a ciência, a tecnologia e a sociedade, constituindo um campo de trabalho que se volta tanto para a investigação acadêmica como para as políticas públicas. Baseia-se em novas correntes de investigação em filosofia e sociologia da ciência, podendo aparecer como forma de reivindicação da população para participação mais democrática nas decisões que envolvem o contexto científico-tecnológico ao qual pertence. 
Para tanto, o enfoque CTS busca entender os aspectos sociais do desenvolvimento técnico-científico, tanto nos benefícios que esse desenvolvimento possa estar trazendo, como também às conseqüências sociais e ambientais que poderá causar.
  • Segundo Bazzo et al. (2003), os estudos e programas CTS vêm se desenvolvendo desde o seu início em três grandes direções: no campo da pesquisa, como uma alternativa à reflexão acadêmica sobre ciência e tecnologia; no campo da política pública, promovendo à criação de diversos mecanismos democráticos que facilitem à abertura e processos de tomada de decisão em questões concernentes a política científico-tecnológica; e no campo da educação.
A sociedade, em geral, tende a acreditar que quanto maior for à produção científica, maior a produção tecnológica, o que aumenta a geração de riquezas para o país e, em conseqüência, o bem-estar social. Esse tipo de concepção gera o que Cerezo et al. (2003) apud Pinheiro (2005) chamam de “modelo linear” de desenvolvimento: + ciência = + tecnologia = + riqueza = + bem-estar social.
  • Bazzo (1998) comenta que os anos de 1960 e 1970 foram períodos em que o desenvolvimento científico-tecnológico conseguiu passar de um extremo ao outro, indo do milagre à destruição. Cerezo et al. (2003) confirmam essa posição, ao ressaltar que apesar do otimismo tão prometido no modelo linear, a ciência e a tecnologia começam a entrar em decadência devido aos sucessivos desastres que vinham acontecendo, entre os quais estão os resíduos contaminantes, os acidentes nucleares e a bomba atômica.
Na busca de entender a ciência e tecnologia na era histórico, social e cultural, começam a aparecerem alternativas, na Europa e nos Estados Unidos, para o desenvolvimento científico-tecnológico, por meio dos primeiros indícios do movimento CTS, conforme nos afirma Pinheiro (2005).
  • A tradição européia originou-se, por volta de 1979, na Universidade de Edimburg, no chamado “Programa Forte”, cujos autores foram Barry Barnes, David Bloor e Steven Shapin. Caracteriza-se como uma tradição de investigação acadêmica, mais que educativa ou de divulgação, tendo como principais conhecimentos formadores de sua base as ciências sociais, dentre elas a sociologia, a antropologia e a psicologia. Coloca ênfase na dimensão social antecedente ao desenvolvimento científico-tecnológico, centrando-se na explicação da origem das teorias científicas e, portanto, da ciência como processo (PINHEIRO, 2005).
Conforme Bazzo et al. (2003), o desenvolvimento tecnológico, não é um processo linear de acumulação de melhorias, e sim um processo multidirecional e quase-evolutivo de variação e seleção. Com o objetivo analisar a variabilidade da interpretação nos dados no caso da ciência, ou a variabilidade na interpretação dos projetos tecnológicos no caso da tecnologia.
De acordo com Bazzo et al. (2003), a origem norte-americana, recorre à reflexão ética, à análise política e, em geral, a um referencial compreensivo de caráter humanístico. A onde as preocupações centram-se mais nas conseqüências sociais e ambientais que o desenvolvimento

O Surgimento da Ciência, Tecnologia e Sociedade na Educação

O Surgimento CTS na Educação:
  • O movimento CTS surgiu por volta de 1970 e trouxe como um de seus lemas a necessidade do cidadão de conhecer os direitos e obrigações de cada um, de pensar por si próprio e ter uma visão crítica da sociedade onde vivem, especialmente a disposição de transformar a realidade para melhor. Apesar de esse movimento não ter sua origem no contexto educacional, as reflexões nessa área vêm aumentado significativamente, por entender que a escola é um espaço propício para que as mudanças comecem a acontecer (PINHEIRO, 2005).
O agravamento dos problemas ambientais pós-guerra, a tomada de consciência de muitos intelectuais com relação às questões éticas, a qualidade de vida da sociedade industrializada, a necessidade da participação popular nas decisões públicas, estas cada vez mais sob o controle de uma elite que detém o conhecimento científico e, sobretudo, o medo e a frustração decorrentes dos excessos tecnológicos propiciaram as condições para o surgimento de propostas de ensino CTS. Estudos na área da epistemologia da ciência, que incorporaram questões relativas aos aspectos econômicos e políticos da ciência, também contribuíram para o aparecimento dessa ênfase (SANTOS e MORTIMER, 2002).
  • Os trabalhos curriculares em CTS surgiram, assim, como decorrência da necessidade de formar o cidadão em ciência e tecnologia, o que não vinha sendo alcançado adequadamente pelo ensino convencional de ciências. O cenário em que tais currículos foram desenvolvidos corresponde, no entanto, ao dos países industrializados, na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália, em que havia necessidades prementes quanto à educação científica e tecnológica (LAYTON, 1994 apud SANTOS e MORTIMER, 2002).
Desde a década de 60 do século passado, em países do hemisfério norte, no campo educacional, o denominado movimento CTS tem buscado contemplar a participação do estudante em discussões de temas que envolvem Ciência e Tecnologia. Na América Latina, no campo educacional, tal encaminhamento está apenas iniciando, havendo poucas ações institucionalizadas (AULER e DELIZOICOV, 2006a).
  • Quanto ao surgimento do movimento CTS, no Hemisfério Norte, por exemplo, destacam que, a partir de meados do século XX, nos países capitalistas centrais, foi crescendo um sentimento de que o desenvolvimento científico, tecnológico e econômico não estava conduzindo, linear e automaticamente, ao desenvolvimento do bem-estar social. Nestes contextos, Ciência e Tecnologia passaram a ser objeto de debate político. Houve um movimento reivindicando um redirecionamento tecnológico, contrapondo-se à idéia de que mais Ciência e Tecnologia irão, necessariamente, resolver problemas ambientais, sociais e econômicos. Passou-se a postular algum controle da sociedade sobre a atividade científico-tecnológica (AULER e DELIZOICOV, 2006a).
Referindo-se especificamente ao campo educacional, Auler e Delizoicov (2006a) situam como uma nova orientação, para a educação em Ciências, o que denomina de “Ensino de Ciências na Pós-Mudança Conceitual”. Esta, segundo ele, não se limita à construção de conceitos. O ponto de partida para a aprendizagem devem ser “situações-problemas”, de preferência relativas a contextos reais. O surgimento desta orientação aponta para uma educação em Ciências valorizando orientações do tipo Ciência/Tecnologia/Sociedade/Ambiente (CTSA).
  • Os pressupostos educacionais de Paulo Freire, enraizados em países da América Latina e do continente africano, apontam para além do simples treinamento de competências e habilidades. A dimensão ética, o projeto utópico implícito em seu fazer educacional, a crença na vocação ontológica do ser humano em “ser mais” (ser sujeito histórico e não objeto), eixos balizadores de sua obra, conferem, ao seu projeto político-pedagógico, uma perspectiva de “reinvenção” da sociedade, processo consubstanciado pela participação daqueles que, hoje, encontram-se imersos na "cultura do silêncio", submetidos à condição de objetos ao invés de sujeitos históricos. No entender de Freire e de seguidores que adaptaram a sua proposta para a educação em Ciências na escola, como, por exemplo, a alfabetização não pode configurar-se como um jogo mecânico de juntar letras. Alfabetizar, muito mais do que ler palavras, deve propiciar a “leitura do mundo”. Leitura da palavra e “leitura do mundo” devem ser consideradas numa perspectiva dialética (AULER e DELIZOICOV, 2006a, 2006b).
A partir de meados do século XX, nos países capitalistas centrais, foi crescendo o sentimento de que o desenvolvimento científico, tecnológico e econômico não estava conduzindo, linear e automaticamente, ao desenvolvimento do bem-estar social. Após uma euforia inicial com os resultados do avanço científico e tecnológico, nas décadas de 1960 e 1970, a degradação ambiental, bem como a vinculação do desenvolvimento científico e tecnológico à guerra (as bombas atômicas, a guerra do Vietnã com seu napalm desfolhante) fez com que a ciência e a tecnologia se tornassem alvo de um olhar mais crítico (AULER e BAZZO, 2001).
  • Além disso, a publicação das obras A estrutura das revoluções científicas, pelo físico e historiador da ciência Thomas Kuhn, e Silent spring, pela bióloga naturalista Rachel Carsons, ambas em 1962, potencializaram as discussões sobre as interações entre CTS (AULER e BAZZO, 2001).
Dessa forma, a Ciência e a Tecnologia passaram a ser objeto de debate político. Nesse contexto, emerge o denominado movimento CTS, Luján Lópes et al. (1996) apud Auler e Bazzo (2001), também destacam os dois aspectos anteriormente apontados como desencadeadores de uma politização sobre ciência e tecnologia. Assinalam a emergência de um questionamento sobre a gestão tecnocrática de assuntos sociais, políticos e econômicos, denunciando as conseqüências negativas da Ciência e Tecnologia sobre a sociedade. Esse movimento reivindica um redirecionamento tecnológico, contrapondo-se à idéia de que mais Ciência e Tecnologia vão, necessariamente, resolver problemas ambientais, sociais e econômicos.
  • No final da década de 70, esses dois aspectos contribuíram para uma mudança de mentalidade, uma transformação na visão sobre Ciência e Tecnologia. Houve um fenômeno de mudança, em determinadas sociedades, na compreensão do papel da Ciência e da Tecnologia na vida das pessoas. Essa nova mentalidade/compreensão da Ciência e da Tecnologia contribui, na análise dos autores, para a “quebra do belo contrato social para a Ciência e Tecnologia”, qual seja, o modelo linear/tradicional de progresso/desenvolvimento (AULER e BAZZO, 2001).
Em vários países (EUA, Inglaterra, Países Baixos, entre outros) a mudança cultural em curso, a “politização” da Ciência e Tecnologia, produziu desdobramentos curriculares nos ensino superior e secundário. Em outro trabalho, constituído a partir de uma revisão bibliográfica sobre o movimento CTS, Auler (1998) enfocou o seu surgimento histórico, a tradução dos seus objetivos em novas configurações curriculares, os problemas e as perspectivas encontradas, bem como os desafios que se colocam para o ensino de Ciências (formação de professores) no contexto educacional brasileiro. 
  • Entre esses problemas e desafios, situados como possíveis questões de investigação, destacou-se: formação disciplinar dos professores incompatível com a perspectiva interdisciplinar presente no movimento CTS; compreensão dos professores sobre as interações entre ciência, tecnologia e sociedade; não contemplação do enfoque CTS nos exames de seleção; formas e modalidades de implementação; produção de material didático-pedagógico; e redefinição de conteúdos programáticos.
O Surgimento CTS na Educação no Brasil:
  • Ao discutir a evolução da inovação educacional dos currículos de ciências no Brasil no período de 1950 a 1985, assinala-se que, na década de setenta, os mesmos começaram a incorporar uma visão de ciência como produto do contexto econômico, político e social. Já na década de oitenta, a renovação do ensino de ciências passou a se orientar pelo objetivo de analisar as implicações sociais do desenvolvimento científico e tecnológico (SANTOS e MORTIMER, 2002).
Vários materiais didáticos e projetos curriculares brasileiros foram elaborados, incorporando elementos dessa perspectiva. Dentre os materiais didáticos, podemos citar: o projeto Unidades Modulares de Química, as propostas pedagógicas de LUTFI, a coleção de livros do Grupo de Pesquisa em Ensino de Química da USP – GEPEQ, a coleção de livros de física do GREF, o livro Química na Sociedade e o livro Química, Energia e Ambiente. Dentre as recomendações curriculares, podem ser destacadas a Proposta Curricular de Ensino de Química da CENP/SE do Estado de São Paulo, as recomendações para o currículo do magistério de CISCATO e BELTRAN, e a Proposta Curricular de Química para o Ensino Médio do Estado de Minas (SANTOS e MORTIMER, 2002).
  • Ainda sobre trabalhos de CTS no Brasil, pode-se citar a realização, em 1990, da “Conferência Internacional Ensino de Ciências para o Século XXI: ACT – Alfabetização em Ciência e Tecnologia”, cuja temática central foi à educação científica dos cidadãos. 
Pode-se considerar, também, que a atual reforma curricular do ensino médio incorpora, em seus objetivos e fundamentos, elementos dos currículos com ênfase em CTS (SANTOS e MORTIMER, 2002). Motoyama (1985) discute vários aspectos decorrentes do nosso passado colonial. Para ele, os países do “terceiro mundo”, quase todos de passado colonial, não presenciaram um crescimento científico e tecnológico próprio. Assim, Ciência e Tecnologia não estão integradas harmoniosamente nas suas estruturas sócio-econômicas.
  • Referindo-se a esse passado colonial, destaca que, aparentemente, nos três séculos após o descobrimento do Brasil, praticamente não houve evolução em Ciência e Tecnologia. Enquanto os países do centro avançavam de modo marcante, encontrando os seus espaços durante a ascensão do capitalismo, em nosso território, CT marcavam passo “sob o implacável jugo da metrópole portuguesa” (AULER e BAZZO, 2001).
Motoyama destaca ainda que a eficiência dessa política colonial, traduzida em medidas como a proibição da instalação de oficinas tipográficas ou a apreensão do livro de Antonil sobre as técnicas industriais e de engenho, mereceria um estudo mais aprofundado. Para o autor, essa política deve ter sido muito eficiente, pois passou praticamente despercebida aqui a revolução científica dos séculos XVI e XVII, responsável pela disseminação do espírito científico na Europa, uma das características mais marcantes da chamada modernidade.
  • Para Sant’Anna (1978) apud Auler e Bazzo (2001), a exploração colonial no Brasil teve sempre um caráter predatório, sem voltar maiores atenções aos aspectos técnicos, mesmo rudimentares, da atividade econômica.
Motoyama (1985) reforça que, com a exploração colonial, marcada pela exacerbação da escravidão, por um lado formou-se uma tradição prático-imediatista; por outro a divisão entre atividades manuais e intelectuais contribuiu para conformar uma cultura retórico-literária.
  • Já o século XIX é caracterizado pela institucionalização da ciência e pela profissionalização do cientista em outros contextos. Os países líderes do capitalismo começam a investir decisivamente em Ciência e Tecnologia. Contudo, apesar de algumas iniciativas isoladas, como, por exemplo, o programa de saneamento sob a direção de Oswaldo Cruz, a monarquia brasileira estava satisfeita com a sua condição de país primário exportador. Dos investimentos em Ciência e Tecnologia que ocorriam muitos não conseguiram escapar aos longos tentáculos do imediatismo ou da cultura retórico-literária, configurada, muitas vezes, no positivismo (AULER e BAZZO, 2001).
Para Angotti (1991), enquanto na Europa não-ibérica vivia-se um século de “luz” após a reforma e a revolução científica, nas metrópoles ibéricas, mas principalmente nas colônias, vivia-se ainda no século na “escuridão”. A ciência entra muito tardiamente no Brasil. 
  • Os reflexos da formação de homens “cultos”, bacharéis e liberais até hoje impregnam nossa sociedade. Para o autor, nos dias conturbados da década de 1960, ocorreram alguns eventos de grande importância para o desenvolvimento de CT no país: a fundação da Universidade de Brasília (1961), a concretização da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o início do primeiro curso da Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia (Coppe) e a criação do Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico (Funtec) em 1964, no seio do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE).
Motoyama salienta que a Funtec nasceu como conseqüência das preocupações dos técnicos do BNDE que – analisando os resultados do Programa de Metas do governo de Juscelino Kubitschek, no qual tiveram papel de destaque – teriam percebido a importância de absorver as inovações tecnológicas para o futuro crescimento da economia nacional. Para minorar a dependência, perceberam que seria necessária uma participação mais ativa da empresa nacional no processo de geração e de absorção de tecnologias “forâneas”.
  • Na segunda metade da década de 60 medidas contraditórias no que se refere à Ciência e Tecnologia refletiam as lutas entre as forças realmente interessadas no desenvolvimento científico e tecnológico e as suas oponentes. Assim, a partir de 1967, por intermédio do Ministério das Relações Exteriores, colocou-se em prática a “operação retorno”, visando trazer de volta os cientistas brasileiros que estavam trabalhando no estrangeiro. Por isso, foram tomadas várias medidas para melhorar suas condições de trabalho e remuneração (AULER e BAZZO, 2001). Carvalho e Martins (1998) apud Auler e Bazzo (2001) assinalam que, no Brasil, o relacionamento entre o governo e a comunidade científica tem sido freqüentemente difícil.
Considerando o episódio dos acordos nucleares, escrevem: “Se a comunidade científica não foi ouvida pelos governos em questões para as quais a opinião dela era essencial, não se poderia esperar que ela o fosse quando se manifestasse sobre questões sociais e políticas”.

Outras Considerações:
  • A ciência, então, é considerada como um conhecimento verdadeiro, para a descoberta de novas leis e fenômenos; a tecnologia, um conjunto de conhecimentos científicos aplicáveis à produção ou melhoria de bens ou serviços; e a sociedade um grupo de indivíduos que vivem em um determinado sistema.
Assim podemos perceber a importância do enfoque CTS na educação, sendo inserido nos currículos escolares, para proporcionar a formação de indivíduos críticos, não só conhecendo seus direitos e deveres, mais tendo uma visão crítica da sociedade em que vivem, trazendo amplos seguimentos sociais, culturais, religiosos e políticos com as novas imagens da ciência e da tecnologia, melhorando sua realidade neste contexto.

O Surgimento da Ciência, Tecnologia e Sociedade na Educação