sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

A alfabetização plena e o risco ambiental

O papel da alfabetização plena do risco ambiental na formação da cidadania

  • Verifica-se, assim, que a questão ambiental associa-se fortemente ao conceito de risco ambiental, uma vez que é crescente a percepção de que um dos componentes vitais da qualidade de vida humana é o ambiente ecologicamente equilibrado. De fato, a Constituição Federal de 1988 é bem clara: 
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Daí a inevitável convergência entre a luta em busca de melhores condições de vida e a cidadania ambiental. De fato, Machado (1998) esclarece que o enunciado do artigo 225 da Constituição Federal procura evitar tanto a estatização como a privatização dos bens que fazem parte do meio ambiente. Volta-se à noção do Direito Romano do “bem de uso comum do povo”, estendendo à coletividade a responsabilidade pelo trato da coisa pública. 
  • Nesse sentido, Johnston (1995) afirma que o direito a um ambiente sadio deve ser considerado um direito humano fundamental, pois é na exposição seletiva tanto ao ambiente poluído como ao risco ambiental que se constitui o abuso ao direito por um ambiente ecologicamente equilibrado. 
Considerando que a percepção do risco ambiental não é inata, mas sim aprendida, Riechard (1993) entende que esse tema deveria ser incorporado na prática da educação ambiental, pois enquanto sua finalidade residir na formação de comportamentos ambientais saudáveis, ela depende de uma coerente percepção do risco por parte dos educandos. Riechard compartilha da opinião de outros autores, que afirmam que os indivíduos em geral concebem percepções distorcidas do risco, e assim, caberia à educação ambiental aproximar a percepção equivocada de seu significado real, através da alfabetização do risco.
  • O autor sublinha, porém, que há um entrave para a concretização dessa perspectiva, uma vez que os educadores ambientais em geral desconsideram a abordagem dos riscos ambientais em suas atividades. Para eles, esse tema estaria fora de seu domínio, já que seria de competência exclusiva dos especialistas no assunto. 
Essa conclusão revela a existência de uma percepção do educador ambiental também distorcida, pois ao longo desse capítulo, pudemos verificar que o assunto não necessariamente precisa ser tratado de forma exclusivamente técnica, mas política. Esse dado é particularmente grave pois aprofunda ainda mais a contribuição ao fortalecimento da tecnocracia.
  • Lembrando que é sempre melhor prevenir do que remediar, Rouhban (1997) esclarece que a ação preventiva exige um maior conhecimento dos riscos, o que torna necessário saber avaliar, entre outras coisas, a freqüência, a distribuição geográfica e a intensidade dos fenômenos, como por exemplo, a capacidade de prever o que aconteceu em Cubatão, ou o que pode acontecer em Angra dos Reis, com a usina nuclear lá instalada, ou o que pode acontecer com a generalização do cultivo comercial da soja transgênica por todo território nacional.
Contudo, o autor reforça que a base essencial da estratégia preventiva ainda permanece sendo a informação do público, conferindo à alfabetização do risco uma condição privilegiada para se alcançar o engajamento público.
  • Se concluíssemos a análise aqui, poderíamos cair em contradição. Se não pensarmos na distinção existente entre alfabetização do risco pura e simplesmente da aceitabilidade cultural do risco, toda ênfase educativa poderia ser depositada na alfabetização do risco, e na medida em que ela visa a aproximação da percepção do risco com o risco calculado, valoriza-se a voz técnica do especialista que determina o tipo e nível de risco aceitáveis pela sociedade.
A conseqüência disso é a restrição dos espaços de expressão democrática, já que paulatinamente se cristaliza o poder da tecnocracia como a legítima instância decisória. É fundamental, portanto, que a alfabetização do risco considere a possibilidade de ultrapassar a lógica simplista de aproximação do risco percebido do risco efetivo para desenvolver a capacidade de refinamento da aceitabilidade cultural do risco.
  • Jacobi (1997a) enfatiza corretamente que a administração dos riscos ambientais acaba por gerar a necessidade de ampliar o envolvimento público através de iniciativas que possibilitem uma elevação do nível de consciência ambiental, sobretudo dos sujeitos sociais moradores em áreas de risco ambiental. 
Conforme o autor verificou em outra ocasião (Jacobi, 1997c), em uma pesquisa para identificar a percepção do risco ambiental por parte das populações que habitam áreas de risco, não só a maioria das pessoas aceita conviver com o risco, como também assume uma atitude passiva diante dele, esperando uma solução unilateral por parte do Poder Público. Fica então registrada a relevância da ação governamental como controladora e responsável pela qualidade ambiental.
  • Fuks (1996), por sua vez, atesta que grande parte dos processos jurídicos que visavam á defeso do meio ambiente, realizados entre 1985 a 1993, no Rio de Janeiro, foram promovidos por sujeitos provenientes das classes média e alta. O autor ressalta que nas áreas habitadas por populações carentes, mesmo situadas próximas a locais com problemas clássicos de poluição urbana industrial e doméstica, há ausência total de litígios ambientais.
Há, de acordo com o autor, uma espécie de renúncia, por parte dessa camada social mais atingida pelo risco ambiental, em fazer uso do instrumento jurídico que lhe garante a lei, o que evidentemente induz-nos a repensar a associação entre a questão ambiental, o nível de aceitabilidade do risco, o acesso à informação e o exercício da cidadania.
  • De acordo com Oliveira (1993), na história política do Brasil, tem sido uma constante a tese da imaturidade e do despreparo das camadas populares para a participação na vida pública, basicamente por desinformação. 
Nesse sentido, Machado (1991) e Hazen (1997) sublinham que o acesso à informação deve ser entendido como um importante componente da democracia ambiental, pois ela é vital para dotar a sociedade em geral, e as camadas populares em particular, de instrumentos para o exercício da cidadania. De outra forma, cairíamos numa democracia fictícia. 
  • Tudo leva a crer na existência de uma grande lacuna a ser preenchida pelo rol de atribuições da educação ambiental, quando verificamos que, de acordo com Ribeiro (1995), as camadas de baixa renda, além de mais expostas aos riscos ambientais, não têm mobilidade espacial para contornar a situação de risco, não dispõem de informação que lhes possibilite tanto entender a conjuntura que lhes impõe esse padrão de vida, como encontrar meios para se engajar na mudança de status quo. 
Pastuk (1993) entende que cabe à educação ambiental contribuir para a participação pública, com o grau de informação pela população afetada pelos riscos ambientais, no sentido de poder entender e avaliar de que forma e em que medida está sendo afetada.
  • A participação pública não só é considerada um dos princípios fundamentais da democracia (Hogan, 1994), como também é um fator estratégico na proteção ambiental (Backer, 1991). Evidentemente, a participação do indivíduo nas decisões que afetam interesses que lhe dizem respeito ocorre mediada por formas coletivas de reivindicação e por instâncias institucionalizadas de participação. Daí a importância dos movimentos sociais, sobretudo do movimento ambientalista em nosso caso, e dos órgãos colegiados consultivos ou deliberativos para a implementação de políticas públicas.
Argento (1995) recorda o fato de que nos atuais modelos de gestão ambiental não participativos, há um expressivo hiato entre as aspirações e necessidades comunitárias, com relação às decisões técnicas distantes da realidade local. 
  • O autor reconhece, ainda, que são poucos os esforços realizados para que haja um verdadeiro engajamento comunitário e entende que a saída está na conscientização da necessidade de se criarem espaços participativos democráticos. 
Nesse sentido, concorda que a educação ambiental deva ser vista como um agente propulsor da gestão ambiental, buscando a mobilização social. Backer (1991) ressalta que a sociedade conta com uma multiplicidade de formas coletivas de participação, entre elas, há o direito de ser consultado antes de uma decisão do Poder Público, a negociação e mediação, a participação na decisão propriamente dita; transcendendo-se, assim, a perspectiva puramente individualista de participação como uma contribuição em pequenas questões cotidianas, como por exemplo, participar reduzindo o consumo conspícuo, eliminando o desperdício, reciclando o lixo, mantendo o veículo bem regulado, consumindo verde, etc.
  • Mas para que este seja um projeto frutífero, determinados requisitos devem ser preenchidos. Um deles, talvez o mais importante, é o caráter coletivo da formação do espaço público, entendido como a arena do processo de participação democrática. 
Sugestivamente, Pádua (1992) constata que a questão ambiental evidencia, no final do século XX, a necessidade do redescobrimento do sentido e destino da coisa pública, o que nos induz a refletir sobre a árdua tarefa que a educação ambiental tem pela frente, sobretudo quando lembramos um importante mas pouco valorizado trecho da obra do Clube de Roma, “Os Limites do Crescimento”, na qual os autores salientam que:
“Embora as perspectivas dos seres humanos variem no espaço e no tempo, todo interesse humano se localiza em algum ponto no gráfico do espaço-tempo. 
A maioria da população mundial preocupa-se com questões que afetam somente a família ou os amigos, em períodos curtos de tempo. Outros, olham mais à frente, ou tem visão mais ampla – uma cidade ou nação. Apenas muito poucas pessoas têm uma perspectiva global que se projeta em um futuro distante.” (Meadows et al, 1978: 16).
  • Com essa assertiva, os autores do relatório do Clube de Roma, evidenciando que a maioria da população possui uma preocupação determinada pelo interesse individual, implicitamente reconhecem que o interesse individual não tem sido benéfico para a coletividade. 
Não por acaso Herculano (1995) ressalta que o cotidiano nos educa para a indiferença, para o individualismo, e o mote educar para a cidadania procura reverter essa lógica perversa, pois se a terra é considerada como um espaço de ninguém, o sentido de responsabilidade coletiva fica submerso, e esse espaço comum acaba sendo sujo, poluído, destruído, explorado. 
  • Segundo a autora, “uma pessoa educada para ser cidadã (...) é a que pensa, reflete, recebe e transmite informações e aprende a se pôr em ação juntamente com os outros e com eles organiza-se para alcançar o bem comum.”
Os argumentos até aqui apresentados não pretendem simplesmente justificar que basta deslocar-se o eixo das preocupações humanas dos interesses individuais para os coletivos.Contudo, podemos constatar que a partir do momento em que a preocupação humana deslocar-se do curto para o longo prazo e, sobretudo, do interesse individual para o coletivo, teremos criado uma conjuntura cultural favorável à criação de espaços políticos de negociação que não fiquem emperrados no conflito sócioambiental explícito. 
  • Essa perspectiva é o patamar que propicia a possibilidade de se instaurar os acordos mútuos, através da participação, do diálogo, do exercício da cidadania, da construção da democracia. Sem dúvida este é o desafio da Educação para a Gestão Ambiental.
No entanto, a cidadania não pode ser concedida como um presente que se recebe gratuitamente. Da mesma forma, a política ambiental não é um conjunto de princípios listados no papel pelo Poder Público, mas sim, o fruto dos embates travados no universo da participação em busca de autonomia e emancipação política, que só será institucionalizado caso a permeabilidade do Estado tenha sido rompida pela força vencedora da sociedade organizada na luta contra os interesses contraditórios. O direito ao meio ambiente, conforme frisa Aguiar (1994), não é uma dádiva, é uma conquista. 
  • Não vem, portanto, de cima para baixo, mas é construído de baixo para cima. É importante salientar a existência dos inúmeros obstáculos existentes para a construção de espaços públicos de participação que viabilizem a emancipação política da sociedade capaz de possibilitar a efetiva responsabilização para a gestão ambiental. 
Entre eles, podemos citar:
  • (a) a resistência tanto do Poder Público como das elites, que se apropriaram do poder em abrir mão do privilegiado espaço conquistado;
  • (b) a cultura assistencialista, paternalista e clientelista persistente entre a população e reforçada pelo Poder Público;
  • (c) a difícil aceitação das diferenças no seio de uma sociedade desigual;
  • (d) a carência de produção de informações quantitativas e qualitativas sobre os problemas ambientais e respectiva disseminação na sociedade para instrumentalizar os diversos grupos na tomada de decisões;
  • (e) a dificuldade de se considerar a defesa do meio ambiente como a defesa de um patrimônio coletivo que interessa à qualidade de vida da população de um modo geral;
  • (f) a fragilidade das associações civis, particularmente das organizações não-governamentais ambientalistas.

O papel da alfabetização plena do risco ambiental na formação da cidadania

  • A respeito desse último obstáculo, merece nota a obra de Demo (1992). O autor enfatiza que o Brasil ainda está muito distante de uma “riqueza política”, pois os dados recolhidos pelo IBGE e por ele examinados indicam que a sociedade brasileira é tipicamente desmobilizada. 
Com o seu baixo poder associativista, ou seja, com sua fraca capacidade de pensar e gerir coletivamente a causa pública, a população brasileira não detém o poder emancipatório minimamente suficiente para se pensar em partir para uma gestão ambiental que não seja cooptada pelos grupos hegemônicos no poder. 
  • De fato, o autor esclarece que as políticas sociais brasileiras tendem a desenvolver uma tutela sobre a população economicamente desfavorecida, tornando-a dependente dos benefícios do Poder Público e minando, assim, a possibilidade da mobilização social. Diante desse fato, não há como negar a expressiva responsabilidade dos educadores ambientais, sobretudo dos que estão voltados para a prática da gestão ambiental.
Nesse sentido, merecem destaque, ainda, alguns comentários a respeito da obra de José Murilo de Carvalho (1995). Realizando um apanhado histórico sobre o desenvolvimento da cidadania no Brasil, o autor pôde identificar em primeiro lugar que a herança colonial escravocrata de modo algum contribuiu positivamente para a formação de futuros cidadãos.
  • Negava-se aos primeiros brasileiros o direito civil mais básico, que é a liberdade. O Estado Novo foi outro período histórico extremamente desfavorável, com a mescla da repressão do autoritarismo com o paternalismo populista, limitando os direitos civis e políticos. 
A seguir, com o governo militar e a supressão dos direitos civis, sociais e políticos pela ditadura, apresenta-se mais um momento histórico fortemente contrário ao desenvolvimento da cidadania plena no país. 
  • O resultado dessa situação foi a estratificação da sociedade brasileira em três categorias de cidadãos: os que estão acima da lei, ou seja, a elite privilegiada; os que não percebem claramente seus direitos, ou se os percebem, não se vêem em condições de fazê-los valer; e finalmente os marginalizados, que não conhecem seus direitos ou os vêem constantemente violados pelo governo ou pela polícia.
Uma outra consequência direta da cultura política historicamente desenvolvida no Brasil foi a supervalorização do Poder Executivo. Com isso, o governo se apresenta como o ramo mais importante do Poder Público, em detrimento do Poder Legislativo ou do Judiciário e da própria sociedade, o que faz com que se crie a “estadania”, a antítese da cidadania, quando a população espera passivamente a intervenção do governo para a solução de seus problemas.
  • Nesse cenário, devemos acrescentar ainda uma pertinente indagação levantada por Carvalho e Scotto (1995) sobre a recente onda de privatização dos recursos naturais que acompanha a onda de privatização na economia: “em que medida um Estado cada vez mais reduzido no seu papel de intervenção e regulação será capaz de limitar os efeitos degradadores dos interesses privados?”
Finalmente, cabe constatar que de acordo com Leis (1997), os espaços coletivos de participação social em defesa do meio ambiente no Brasil ainda não se constituíram verdadeiros canais de negociação pública. 
  • O autor enfatiza que uma negociação requer a existência de mecanismos que permitam a realização de ações de caráter preventivo, prévias à definição final de uma política ou de um projeto que apresente repercussão de ordem ambiental. 
A negociação pressupõe a existência de diferentes atores sociais que detenham capacidades e recursos relativamente equivalentes para de fato influenciarem no processo decisório. Negociação não pode ser entendida como tal quando reduzida à esfera corretiva, sem condições de gerar alternativas para a proposição original da definição de uma política ou projeto. 
  • O autor verifica com pesar que nenhum dos três instrumentos de participação dos cidadãos no Brasil – Avaliação de Impacto Ambiental, Ação Civil Pública e órgãos colegiados – tem apresentado esta característica preventiva.
Outras Considerações:
limites e possibilidades da Educação para a Gestão Ambiental:
  • Há que se atentar finalmente para uma implicação de ordem ética decorrente da prática da Educação para a Gestão Ambiental. Na medida em que recorre à concepção do risco ambiental para o ser humano devido, sobretudo, à perda dos serviços dos ecossistemas, a Educação para a Gestão Ambiental encontra-se circunscrita a motivações de características antropocêntricas. 
Dessa forma, recorre-se à manutenção e melhoria da qualidade de vida do ser humano como estratégia para proteger o ambiente, e não ao reconhecimento do direito à vida para todos os seres vivos. É nesse sentido que Fuks (1992) também reconhece que enquanto a natureza representar um meio para garantir a satisfação das necessidades humanas, tal perspectiva forçosamente circunscreverá uma postura antropocêntrica. 
  • Afinal de contas, no limite, o argumento central aqui utilizado é a necessidade pragmática de se proteger a natureza apenas porque ela assegura as condições de existência do ser humano, e não pelo valor intrínseco do direito à vida.
Valer-se do conceito do serviço ambiental na educação ambiental pode representar uma abordagem antropocêntrica e utilitarista, na medida em que se parte do princípio da necessidade do ser humano proteger a natureza por motivações não biocêntricas, ou seja, para que os desequilíbrios ambientais não provoquem efeitos colaterais que porventura possam ameaçar a sobrevivência humana. A natureza aparece aqui destituída de valor intrínseco; ela só adquirirá valor quando cumprir papel decisivo para a manutenção da qualidade de vida do ser humano.
  • Contudo, apesar do caráter explicitamente antropocêntrico da Educação para a Gestão Ambiental, pudemos verificar que sua prática limita-se à conjugação de um componente da educação para a cidadania com a educação ambiental, unindo demandas sociais por melhores condições de vida e por melhores condições ambientais. 
Além disso, a Educação para a Gestão Ambiental, por definição, carrega implicitamente o potencial da formação e exercício da cidadania de uma determinada classe social – a mais afetada pelos riscos ambientais – no âmbito do fortalecimento do espaço público, quando ele está relacionado ao meio ambiente entendido como local de vida cotidiana. 
  • Portador da ação coletiva, através da participação democrática no destino da sociedade como principal instrumento pedagógico, superpõe, portanto, o interesse coletivo ao direito individual. Essa talvez seja a maior lição que deva ser aqui registrada.
Nesse sentido, Carvalho (1998a, b) sustenta que não se pode minimizar a relevância do valor da emancipação política, que talvez seja um dos elementos principais da construção da ponte entre a questão ambiental e a luta popular. Há que se reconhecer, contudo, que o ambientalismo que se pauta pela defesa de valores emancipatórios representa atualmente apenas uma força entre tantas outras e encontra-se numa tendência decrescente diante das forças hegemônicas conservadoras. 
  • A idéia da existência de um consenso em torno da necessidade de se proteger o meio ambiente induz ao deslocamento da problemática da regulação sócioambiental para um plano distante dos conflitos sócioambientais. 
E, assim, o peso conferido ao consenso pode acarretar uma diluição das divergências entre os múltiplos interesses sociais em questão, camuflando-os. Nesse cenário, a Educação para a Gestão Ambiental desponta como uma recente e estratégica oportunidade para o educador lançar-se no desafio da construção de uma cidadania ainda não consolidada no país. 
  • Considerando que só é possível enfrentar a problemática sócioambiental combatendo concomitantemente os conflitos sociais, confirma-se aqui a natureza política do conceito Educação para a Gestão Ambiental.
Leis e D’Amato (1995) desenvolveram uma tipologia das vertentes da ética ecológica, cruzando eixos que combinam características úteis para um enquadramento do conceito da Educação para a Gestão Ambiental: o primeiro faz referência a valores e práticas orientadas numa direção que enfatiza aspectos individualistas e antropocêntricos (alfa); o segundo privilegia uma perspectiva antropocêntrica e coletiva (beta); o terceiro direciona-se prioritariamente para um modo biocêntrico, ainda que individualista (gama); finalmente, o quarto prioriza aspectos biocêntricos e coletivos (delta).
  • A Educação para a Gestão Ambiental encontra uma forte similaridade com a vertente beta por combinar o tom antropocêntrico com a diretriz coletiva da formação do espaço público. De acordo com os autores, a tendência que se identifica com beta reivindica a mudança dos valores associados à hierarquia, desigualdades, individualismo e competição, alguns males considerados como responsáveis pela atual crise ambiental. 
Por essa característica, ela se diferencia do realismo da vertente alfa que, em vista do caráter individualista, torna-se a expressão ideológica dominante ao recair na proposição de projetos sociais reformistas mantendo inalterada a lógica da competição na sociedade. 
  • Diferencia igualmente da vertente gama e delta por sua suposta incapacidade de reconhecer que a harmonização do ser humano com a natureza não pode ocorrer de forma independente da harmonização das relações sociais.
Leis e D’Amato (1995) sustentam ainda que a expansão do ecologismo expressa um ressurgimento ético que tenta evadir-se da postura individualista e antropocêntrica para atingir a postura coletiva e biocêntrica. 
  • Parece ser razoável entender a Educação para a Gestão Ambiental como uma estratégia educativa que parte do princípio de que é necessário proceder avanços cautelosos, progressivos, passo a passo em direção à utopia ecológica, sem abandonar radicalmente o realismo pragmático da sociedade moderna.
Finalmente, é necessário enfatizar que esse pragmatismo do tom predominantemente antropocêntrico detém o propósito exclusivo de criar o instante de sensibilização e engajamento do educando para a questão ambiental: uma etapa necessária. 
  • Pudemos verificar anteriormente que pesquisas recentes apontam para um relativo fracasso da educação ambiental, pois nos últimos vinte anos, as atividades educativas relativas ao meio ambiente, em geral, não têm conseguido mobilizar os indivíduos para um engajamento efetivo na luta pela proteção ambiental. 
Um dos argumentos que procura explicar essa relativa “falência” da educação ambiental é que ela esteve tradicionalmente calcada sobre uso de valores afetivos positivos, isto é, sempre se priorizou o desenvolvimento da afetividade pela natureza, posta na condição de sujeito, e não objeto de apropriação humana. Por outro lado, alguns estudos concluem haver um engajamento ativo na proteção ambiental por parte de sujeitos afetados após episódios de perda de serviços ambientais. 
  • Isso significa que há um significativo potencial de mobilização para a questão ambiental através do desenvolvimento de valores afetivos negativos, enfatizando-se a relação de causalidade entre as ações antrópicas na natureza e suas decorrências para a vida humana.
Brüseke (1997) entende que o movimento ambientalista ganha força na consciência do risco ambiental, como também da possibilidade de a sociedade reagir e evitar o que líderes ambientalistas prognosticam catástrofe ecológica. Em última análise, essa constatação significa que, conforme salientamos em outra oportunidade (Layrargues, 1998b), a abordagem dos conteúdos transmitidos na educação ambiental, que tradicionalmente foi desenvolvida pelo domínio afetivo positivo, despertando-se os valores de apego, amor e laços afetivos com a natureza, deve sofrer uma adequação, priorizando ou talvez equilibrando o domínio afetivo negativo, que como sugere Mandel (1992), revela um poder maior de mobilização social diante da problemática ambiental. 
  • Trata-se também - e sublinho o também para indicar que não proponho uma outra alternativa, uma substituição, mas sim uma complementação entre ambos - de se considerar o domínio afetivo negativo.
Essa perspectiva tem uma implicação muito simples mas importante, conforme atesta Beck (1992): o maior desafio da democracia na sociedade moderna é decidir se os tecnocratas continuam com o controle decisório ou se tomaremos a competência para fazer nosso próprio julgamento, através da criação de uma percepção cultural do risco mais acurada que propicie a formação de instâncias sociais participativas para a gestão ambiental democrática. 
  • A alfabetização plena do risco ambiental é um instrumento valioso para capacitar a coletividade para a participação na gestão ambiental democrática, uma vez que ela se funda no poder de mobilização social. 
Nesse sentido, portanto, devemos reconhecer que a prática da Educação para a Gestão Ambiental tem sua eficácia limitada e não poderá, sob hipótese alguma, ser reduzida a uma prática substituta da educação ambiental. 
  • Sua eficácia encontra-se circunscrita ao universo da sensibilização dos indivíduos e engajamento coletivo na questão ambiental, devendo ser praticada em consonância como um componente da educação ambiental, a partir da qual se abrem perspectivas para o aprofundamento da problemática, no sentido de questionar os valores culturais e paradigmas científicos dominantes na civilização ocidental e refletir sobre eles.

O papel da alfabetização plena do risco ambiental na formação da cidadania