segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

As mulheres e o desenvolvimento sustentável

Movimento de mulheres e o desenvolvimento sustentável

  • A Rio-92 destaca-se na literatura feminista no Brasil como o tempo/espaço em que as reflexões sobre gênero e meio ambiente, a estruturação de ações por parte do movimento de mulheres tomaram impulso, em dinâmica sinérgica com o movimento feminista internacional. 
De fato, pela participação de milhares de mulheres, incluiu-se na Agenda 21 dos governos um capítulo especial sobre as necessidades das mulheres e sua importância para um desenvolvimento sustentável e equitativo.
  • No Fórum Global da Rio-92, no Planeta Fêmea, mais que inclusão e chamada por necessidades, a defesa foi por um “olhar feminino” sobre o mundo (Viezzer, 1997). 
Por esse olhar, insiste-se em distintas conferências acerca do combate à pobreza, da importância do local para os recursos naturais, do alerta sobre as relações Norte — Sul, e do caráter predatório dos estilos de consumo vindos do Norte, bem como a respeito da importância de monitoramento da ação das transnacionais sobre o emprego e o uso dos recursos naturais; além de se insistir em frentes contra a violência institucional e doméstica (Soares, 1994).
  • As mulheres tiveram participação destacada no processo da ECO-92. Em nível internacional, formou-se a partir de 1990 uma coalizão composta por ativistas, inserida tanto no setor governamental quanto no não-governamental. O IPAC — Internacional Policy Action Committee — mobilizou ONGs, associações profissionais e grupos comunitários no mundo inteiro. 
Um ano depois, em 1991, esse processo deslanchava no Congresso Mundial de Mulheres por um Planeta Saudável, consolidando a Agenda 21 de Ação das Mulheres, aclamada por mais de 1.500 participantes de 84 países.
  • O “protagonismo das brasileiras no processo da ECO-92” — expressão freqüente em entrevistas de Rosiska Darcy de Oliveira, Thais Corral, Moema Viezzer, Schuma Schumaher, Mariska Ribeiro e Suzana Maranhão, que estiveram à frente das ações das mulheres brasileiras na ECO-92 — enfatizou a relação entre população e meio ambiente, considerando os direitos das mulheres, pobreza e desenvolvimento sustentável, bem como os “ecos” da ECO-92. Segundo Corral et alii (1997b),
no Brasil, o movimento de mulheres formou a Coalizão de Mulheres Brasileiras para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento e escolheu o tema população e meio ambiente como eixo central das discussões e do trabalho conjunto. Essa decisão decorreu de uma vocação intrínseca, considerando o grande número de organizações de mulheres que tratam da temática saúde e direitos reprodutivos.
  • Esses autores consideram que a liderança brasileira na temática populacional justificou a coordenação do Tratado das ONGs sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento durante a ECO-92 e a continuidade de um protagonismo que cresceu também nas Conferências da ONU sobre População e Desenvolvimento, Cúpula de Desenvolvimento Social, IV Conferência Internacional sobre a Mulher e participação em postos-chave da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento, criada pelo Governo Federal para prover uma orientação estratégica no campo de políticas públicas voltadas para a questão da população.
O tema saúde e direitos reprodutivos faz parte do conjunto de ações prioritárias do governo atual, tendo sido objeto de um protocolo que o Ministério da Saúde firmou com o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, em 8 de março de 1996, com o objetivo de implementar a Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial da Mulher, de Beijing. 
  • A questão de gênero e meio ambiente, que até 1992 não constava dos tópicos trabalhados pelas mulheres, tornou-se visível a partir de então, graças sobretudo ao fato de que as mulheres passaram a apresentar muitas das atividades e experiências que desde sempre realizaram sob essa nova perspectiva (Corral et alii, 1997b). Em documento preparado para a Rio+5 (Rio de Janeiro, março de 1997), 
Thais Corral, Sônia Correia, Moema Viezzer e outros integrantes de organizações que lidam com gênero e meio ambiente fizeram um balanço das realizações pós-ECO-92, levadas a efeito pelo movimento de mulheres no Brasil. A seguir uma síntese de suas considerações:

Agenda 21 de Ação das Mulheres: 
  • Cita-se o Projeto Caravana Verde, que surgiu da movimentação das mulheres durante o Planeta Fêmea, evento ocorrido no Fórum Global na Conferência Rio-92. Naquela ocasião, mais de 1.500 mulheres estiveram reunidas para tratar de temas envolvendo a questão ambiental. A Caravana Verde:
[...] iniciou-se em 1993 dentro desse espírito. Foi idealizada por Maria Aparecida Schumaher, uma das organizadoras do Planeta Fêmea. O objetivo era levar ao interior do estado, onde já existiam Conselhos Municipais da Condição Feminina, as discussões que envolviam a questão ambiental sob a ótica das mulheres, que envolviam as administrações na organização dos eventos. Participavam mulheres e homens, idosos e jovens, ambientalistas e empresariado, poder público e esfera privada. As mesas-redondas, em busca de soluções comuns, iniciavam-se com perguntas simples como: “Na sua opinião, o que é uma cidade saudável?”. 
Do município de Mirassol, por exemplo, como ações desencadeadas após a passagem da Caravana Verde, iniciou-se um trabalho com as crianças marginalizadas, a luta pela preservação do horto botânico da cidade, a inclusão de mulheres ambientalistas como conselheiras municipais da condição feminina e da temática feminina no programa de rádio de um grupo ambientalista local (Moreira, Rede Mulher).
  • Esse projeto, que foi acionado em 1992, no interior de São Paulo, estaria sendo replicado hoje, no estado do Rio de Janeiro, segundo Corral.
Desdobramento do Tratado das ONGs: 
Sobre População, Meio Ambiente e Desenvolvimento: 
  • Corral considera que uma alternativa ao controle demográfico teria sido a elaboração do PAISM — Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher. (Note-se que, segundo várias feministas, esse programa não vinha sendo implantado.)
É também ressaltado o papel do Tratado como estímulo para que redes internacionais e nacionais se mobilizassem visando à Conferência do Cairo e à criação da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento em 1996.

Educação ambiental na ótica das mulheres:
  • Embora não haja estatísticas, considera-se alta a participação das mulheres em educação ambiental em vários espaços, tanto em universidades (cursos de graduação e até de pós-graduação, como na UNAMA — Universidade da Amazônia), escolas, quanto em projetos de base relacionados à conservação do meio ambiente. 
Um exemplo é o caso da ARCA para conservação e recuperação do Parque da Chapada dos Guimarães, “que inclui o cultivo de viveiros ecológicos, organização de passeios ecológicos”. Calcula-se existirem milhares de experiências locais bem-sucedidas de mulheres que teriam voltado a cultivar plantas e ervas alimentícias e medicinais, resgatando o saber popular acumulado, retomando práticas ancestrais de curas por meio de tecnologias apropriadas e inofensivas ao ser humano. 
  • Na linha de educação ambiental via saber popular, por meio de práticas alternativas, destaca-se o caso das mulheres extrativistas, quebradeiras de coco de babaçu. Estas últimas congregam cerca de 300 mil trabalhadoras rurais, que tentam mostrar ao país que a preservação da flores ta também é viável economicamente. 
Das palmeiras que formam um cinturão de 11,5 milhões de hectares, compreendendo partes dos estados do Pará, Maranhão, Piauí, Tocantins, Mato Grosso e Goiás, as quebradeiras extraem óleo, leite e sabão; utilizam a casca nos fogões à lenha e confeccionam artigos artesanais com sua palha. Essas mulheres também têm marcado presença na concepção e realização de atividades educacionais para as populações no que diz respeito ao meio ambiente.

Segurança alimentar sob a perspectiva feminina: 

Faltam estudos no Brasil sobre a presença da mulher na área de segurança alimentar e criação de alternativas alimentares. Mas pela experiência, considera-se que a presença da mulher é majoritária, ilustrando:
  • Na Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria e pela Vida, que mobilizou 30% da população brasileira, estudos do IPEA (instituto vinculado ao Ministério do Planejamento), indicariam a relação entre fome e mulher, por seu papel de guardiã da família. Autoras nessa área também advogam que as mulheres estariam na vanguarda, quer em grupos comunitários, ONGs e órgãos públicos, quer em ações para mudanças na área alimentar.
  • Multimistura (Alternativa alimentar) — iniciativa bem-sucedida, reconhecida em nível nacional e internacional. O aproveitamento integral dos alimentos tem significado uma economia média de 30% nos gastos familiares com a alimentação.
  • Segurança alimentar e políticas públicas — implantadas por algumas prefeituras, como a de Juiz de Fora, em Minas Gerais, onde a Secretaria de Educação teria criado um programa de alimentação e reciclagem; 
Secretarias de Educação e de Saúde no município de Rio Branco, no Acre, onde foi desenvolvido um programa alimentar com complementos nutricionais baseados em produtos alimentícios regionais (castanha, pupunha, gergelim, farelo de arroz, fubá, folha de macaxeira), produzidos por famílias de uma Associação de Produtores e Produtoras Rurais. Cerca de 25 mil famílias teriam sido beneficiadas. Cita-se também a política municipal de segurança alimentar/desenvolvimento local de “Resgate dos Produtos da Floresta” e a implantação de pólos agroflorestais, com a distribuição de kits profissionalizantes para geração de emprego/renda e criação da Feira da Floresta (FLORA).
  • Educação para novas relações de gênero por meio da reeducação alimentar. A ONG Rede Mulher de Educação/SP, após 1992, teria desenvolvido projetos que envolveram 200 lideranças comunitárias em todo o país.
  • Empowerment ou dar condições para o exercício do poder pelas mulheres trabalhadoras rurais e alimentação. Considera-se que tal eixo viria se afirmando nas organizações de mulheres trabalhadoras rurais, haja vista a ênfase dada a tal tema no Primeiro Encontro das Mulheres Trabalhadoras Rurais da América Latina e do Caribe, em Fortaleza (setembro de 1996).
  • Rede de Informação e Cultura Alimentar (criada pelo Instituto Pólis). A alimentação alternativa, segundo as autoras consultadas, viria sendo adotada há mais de dez anos pela Pastoral da Criança da Igreja Católica e por grupos comunitários. Recentemente, estaria sendo empregada em decorrência das políticas públicas municipais, em nível nacional.
Na maioria dos casos, seria ativada por mulheres e estima-se que viria beneficiando cerca de 2 milhões de famílias, além de ser fonte de emprego, considerando o preparo dos complementos nutricionais (pós de folhas, sementes e farelos).

Comunicação:
  • Usar-se-ia o rádio como veículo para voz das mulheres e suas experiências relacionadas ao desenvolvimento sustentável desde 1992, citando-se o Programa Fala Mulher, realizado pela ONG CEMINA. Espera-se a regulamentação das rádios comunitárias, objeto de projeto de lei, para viabilizar a ação de conselheiras municipais da condição e da temática femininas no programa de rádio de um grupo ambientalista local. 
Reuniram-se diferentes visões de mundo (com homens e mulheres) para atuar juntos no sentido da globalidade da vida de uma comunidade (Moreira, Rede Mulher).

Reciclagem do Lixo: 
Cita-se o Movimento de Catadoras de Materiais Recicláveis como importante forma de organização e conscientização. A equação gênero e meio ambiente Controvérsias
  • É interessante destacar como alguns discursos que postulam uma perspectiva globalizada, pelos direitos da mulher e a conjugação gênero e meio ambiente, podem recorrer a figuras de linguagem que não somam, reivindicando territórios institucionais, hierarquias.
Sorj (1992) e Garcia (1992), por exemplo, desconstroem argumentos do que denominam de “ecofeminismo” e de “feminismo da diferença”, ao desvendar possíveis resvalos para a separação entre natureza e cultura, reivindicação de volta ao privado, identificação linear entre feminino e natureza. 
  • Sorj alerta sobre cuidados em relação à equação gênero-meio ambiente, afastando-se de identificações entre mulher e natureza e criticando adjetivações absolutas. Por exemplo, o natural como mais nobre, o telúrico como o onírico, o que é próprio da utopia por outra civilização:
Finalmente, a ênfase na dimensão natural do feminino deve ser tratada com muita cautela, porque foi justamente ao redor desta idéia que se construiu um sistema de discriminações e exclusões, não apenas com relação ao gênero, como também à raça e vários povos.
  • Mas ainda, atribuir ao natural uma dimensão absolutamente virtuosa é partilhar de uma visão romântica que desconhece que a natureza tanto pode ser fonte de vida como de morte, de criação como de destruição, de prazer como de sofrimento (Sorj, 1992).
Garcia (1992) traz de volta à arena dos debates sobre gênero meio ambiente a materialidade das classes sociais, questionando essencialismos. Traz à circulação idéias, representações, valores e crenças, reivindicando olhares sobre experiências e experimentações na relação pessoas específicas e natureza, além de análises sobre poder, produção e acesso a recursos:
Desta forma, existe uma divisão do trabalho, da propriedade e do poder, baseada em classes, etnia, raça, e gênero. Estas categorias estruturam as interações das pessoas com a natureza e, portanto, estruturam os efeitos das mudanças ambientais em pessoas específicas, e as respostas das pessoas a estas mudanças. E mais: onde o conhecimento sobre a natureza é experimental na sua base, as divisões de trabalho, propriedade e poder que moldam essas experiências é que dão forma ao conhecimento. 
Concluindo, as construções ideológicas sobre gênero e natureza, e sobre o relacionamento entre os dois, devem ser vistas como parte interativa desta estrutura, mas não como o todo dela. Em termos de ação, haveria uma necessidade de transformar não só as noções sobre gênero como também a atual divisão de trabalho e de recursos entre os gêneros (Garcia, 1992).
  • A extensão de posturas “eco-feministas” no Brasil é discutida por Arruda (Rede Mulher de Educação e Rede Saúde), que defende a tônica social das ONGs do movimento de mulheres, isto é, a marca da origem dos movimentos sociais no Brasil, na década de 1970, contra a ditadura. 
Talvez por isso a maioria das experiências do movimento das mulheres se concentre na área de saúde, e conte com uma expressiva mobilização por redes, conquistas no plano de programa e legitimidade em nível governamental, ainda que os serviços de saúde sejam precários, apesar da implementação do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM). 

Os movimentos sociais:
Buscam movimentar-se no plano da recusa das exclusões:
  • Contudo, há que se reconhecer diversidades também na apreensão de quem são os excluídos e o que compõe o social. Segundo Arruda, a combinação entre gênero e meio ambiente traz uma perspectiva mais libertária, de igualitarismo e diversidade.
Por sua vez, um entrave para esse tipo de discussão são os centrismos, o ecocentrismo ou o centrismo de gênero. A visão da ciência é complicada, quer para gênero, quer para meio ambiente. Observa Arruda:

O ecofeminismo e a perspectiva biocêntrica: 
Não têm força no Brasil:
  • Estão ligados às origens comuns (os movimentos sociais). Os movimentos sociais surgem de pessoas vinculadas a resistência à ditadura, uma perspectiva ligada ao paradigma do socialismo. 
Esta é uma das dificuldades do feminismo: como ele vai separar os explorados em homens e mulheres? O ambientalismo também tem esse tipo de colocação, se bem que para ele fica mais fácil se liberar dessas referências.

Mas o ambientalismo brasileiro é mais social:
  • E Arruda conclui, localizando no Brasil o “feminismo da saúde”, que recebeu muito financiamento, porque interessava que as questões dos direitos reprodutivos, do ponto de vista do planejamento familiar, avançassem, o que não ocorreu: 
“Felizmente, tais diretrizes não foram respeitadas pelas ONGs — gênero-e-saúde tem uma reflexão bastante aprofundada com uma série de realizações”. (Arruda, Rede Mulher de Educação e Rede Saúde).
ONGs e plasticidade do conceito de meio ambiente:
  • A diversidade de concepções sobre ONGs pode ser percebida. Leila Linhares, da CEPIA (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação), ilustra um tipo de definição sobre o lugar das ONGs na sociedade e nas relações com o Estado, no Brasil dos anos 90. Ela também reflete acerca das dificuldades de ONGs que insistem na linha da solidariedade, da advocacia e da denúncia e a fragilidade das políticas específicas quanto ao quadro de orientação macropolítica.
Também pondera sobre limites de um dos termos “abre-te, Sésamo” dos discursos sobre políticas. Linhares, implicitamente, trabalha com a perspectiva de Estado do bem-estar social:
Parceria significa pessoas ou elementos que têm o mesmo peso, a mesma força. E nós [ONGs] não temos a força do Governo. Podemos sugerir políticas públicas, mas não temos força para implementá-las.
Enquanto ONG, em geral, temos mais capacidade de denunciar que de implementar. Na área de saúde da mulher, até hoje não conseguimos implementar o PAISM (Programa de Ação Integrada de Saúde da Mulher) e não é por falta de denúncias. Há um processo de privatização da saúde e nós mulheres, querendo que o sistema de saúde seja público, de boa qualidade e universal. Há 20 anos, o movimento de mulheres faz um fantástico lobby junto ao Congresso pela descriminalização do aborto (Linhares, CEPIA).
  • Thais Corral (coordenadora da ONG REDEH, assessora do CNDM e vice-presidente da ONG norte-americana WEDO) também insiste na importância do movimento das mulheres, tendo como referência o “protagonismo” das mulheres, via comunicação e parceria com os homens, na vida pública, e com lugar no poder de tomada de decisões. 
Sobre temas afins aos comentados por Linhares, Corral apresenta um outro olhar, defendendo parceria entre ONGs,
  • Estado e setor empresarial. Ela admite que haverá um processo de seleção das ONGs, e a sobrevivência destas deverá estar ligada à funcionalidade instrumental e ao pragmatismo na conjuntura histórica, apostando na eficiência gerencial e na comunicação como requisitos básicos para uma sobrevida. 
Reconstrói o conceito de cidadania, privilegiando a responsabilidade dos cidadãos (e cidadãs), mas sem referência aos desequilíbrios de poder e às exclusões, ou às assimetrias que comprometeriam parcerias, como sugere Linhares. O lugar das ONGs, segundo leitura que se pode fazer dos depoimentos de Corral, seria quase de locus pensante, investindo em inovações como força auxiliar.
  • Se as mulheres assumirem, e obtiverem condição para tal, o seu papel de protagonistas principais e essenciais no processo de desenvolvimento sustentável, o movimento ecológico poderá “converter-se em movimento de massa”, apostando, para tanto, na “sociedade civil organizada” (Corral, 1997b).
Contudo, as referências principais ainda são ações locais, no plano municipal, como a implementação da Agenda 21 local, por comunicação e diálogo entre várias agências e entidades, o que teria sido tentado quando havia a Caravana Verde em 1993, iniciativa das mulheres pós-ECO-92. O modelo implícito, hoje, é o do Estado mínimo do projeto neoliberal, em que o papel desse Estado é cada vez menor. O Estado é meio empresa, meio gestor; e as políticas, efetivamente, vão estar acontecendo em nível local.
  • Corral afirma que nos processos de parceria se trabalha via única, e não se fazem as reuniões para pedir ao prefeito o que falta, mas para discutir as idéias ou prioridades. Olha-se o governo como ineficiente, e quem está no governo somos nós. 
Há pessoas como nós que saíram da sociedade civil e estão no governo, e as dificuldades são imensas, porque há até mesmo problemas de postura dos diferentes parceiros. Isso se modifica colocando todos em contato, mudando mentalidades por meio do contato com a postura do outro, do diálogo, da negociação.
  • Deve haver uma gerência eficaz, no sentido de fazer com que os recursos que estão postos na mesa dêem algum resultado. Corral acredita que há duas questões importantes: os recursos e a gerência efetiva.
É importante ajudar o governo a dar alguns parâmetros para que haja efetivamente um processo de participação, de gestão coletiva articulada, e que produza resultados. Nessa perspectiva, o papel das ONGs é mais em nível de idéias, recorrendo a recursos que sejam pontuais para acelerar os processos.
  • Diz Corral, finalmente, que as ONGs que vão sobreviver estão assumindo a dianteira, sem substituir o setor público e as universidades (locus de processo de conhecimento). 
Temos um papel de detectar alguns canais que acelerem o processo social na identificação dos atores principais do movimento que envolve a filantropia, a sedução, a mobilização do setor empresarial.
  • Os conceitos de meio ambiente e de desenvolvimento sustentado, quando relacionados a gênero, indicam certa plasticidade no uso, bem como reapropriações, priorizando-se áreas específicas, em especial ligadas à atividade dos/das que as nomeiam e as reterritorializam no papel social.
Arruda (Rede Saúde e Rede Mulher de Educação) sugere uma tipologia sobre vertentes no tratamento de meio ambiente pelo movimento feminista no Brasil, que também indique a variedade de temas objetos dos debates e ações, a diversidade na escala e, em particular, a transversalidade com diversas áreas, o que nos sugere a complexidade de mapeamento. 
  • Se o campo de coleta de informações se restringe ao que formalmente estaria na rubrica de meio ambiente, mais que temas, seriam tipos de enfoques, perspectivas, operacionalização de programas, que indicariam sensibilidade ecológica e preocupação com sustentabilidade ecológica e social.
Considerando o que chama ecofeminismo, quatro vertentes são apresentadas por Arruda, as quais estão desaguando, ou podem desaguar, nas preocupações ambientais, segundo ela:
  1. Movimentos populares, que não obrigatoriamente percebem o saneamento como uma questão ambiental.
  2. Feminismo da Saúde, que levanta a questão da sexualidade e do corpo da mulher, chegando à questão ambiental pela via da população, o que nem sempre é um contato harmonioso.
  3. Feminismo que nasce com uma perspectiva ecológica. No Brasil, o exemplo é a ONG REDEH, que surge com essa preocupação a partir da bioenergética e da biogenética.
  4. Religiões e todo o terreno das teólogas cristãs, numa discussão interna sobre a liturgia, a face feminina de Deus, o lugar da mulher na Igreja. (Adaptado de tipologia elaborada por Arruda.)
Há consenso, reconhecimento na sociedade brasileira, sobre as conferências internacionais das Nações Unidas, se entendidas em termos de processo, ou seja, envolvendo a etapa de preparatórias para as conferências e suas realizações para a legitimidade social de temas emergentes da contemporaneidade, e para o fortalecimento de agências orientadas por temas como gênero, meio ambiente, direitos humanos, e outras dimensões na interface entre população, meio ambiente, gênero e qualidade de vida, como saúde reprodutiva.
  • Esse é um ponto de consenso entre as pessoas entrevistadas, tanto de movimentos sociais diversos como de outras agências da sociedade brasileira. A referência é das conferências integrantes do Ciclo Social da ONU: Conferência Internacional sobre Meio Ambiente (ECO-92 ou Rio-92); 
Conferência Internacional de População e Desenvolvimento, 1994 (CIPD-Cairo), IV Conferência Internacional sobre a Mulher, 1995 (Beijing).
  • O papel de agente-estímulo das conferências da ONU viria mesmo em um crescendum, o que poderia estar associado tanto a um fortalecimento de agências de representação temática, na sociedade civil brasileira, como também à globalização da economia política e da cultura, ainda que não necessariamente as distintas conferências se pautem por conceitualização unívoca sobre sentidos sociais da globalização. Ou que o país se relacione com tais tendências de igual forma, segundo classes sociais, regiões e outros agrupamentos conforme interesses e lugares em divisões de poder, na economia e na cultura.
De fato, já nas décadas de 1970 e 1980, o feminismo no Brasil teve um estímulo à sua estruturação como movimento social, quando se deram as discussões prévias da Conferência Internacional sobre a Mulher no México, em 1975, o mesmo ocorrendo no plano de meio ambiente, quando houve um boom de formação de ONGs para a ECO 1995. As feministas destacam que de fato o envolvimento do movimento das mulheres com as conferências se fortaleceu a partir da ECO-92. 
  • Também, antes da estruturação dos documentos oficiais da Conferência de População, mobilizou-se por vários fóruns o debate de temas populacionais em todo o país. Tal papel, no caso da IV Conferência/Beijing, foi bastante acentuado, constituindo-se uma Articulação de Mulheres Brasileiras-Beijing 95, integrada por 26 fóruns e associações (pró-articulação) de movimentos de mulheres de 25 Estados. 
A Articulação garantiu a ampla participação de movimentos de mulheres de distintos cortes, organizações de base, ONGs de grande, médio e pequeno porte, participação essa consubstanciada em documentos sobre experiências e reivindicações, assistência a fóruns locais, nacionais, regionais e internacionais, e um razoável acervo documental. Foram realizados 91 eventos, com a participação de mais de 800 organizações. (In: Articulação de Mulheres Brasileiras, setembro, 1995, IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher. Igualdade, Desenvolvimento e Paz).
  • Há testemunhos favoráveis ao significado das conferências da ONU, inclusive para auto-estima e legitimidade social das organizações de base, assim como para estimular a mobilização do governo, em vários níveis, para assumir programas há muito reivindicados por grupos de mulheres.
Di Pierra, conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, em seu depoimento, referiu-se à Conferência de Beijing e aos vários programas de rádio realizados. Considera que houve um grande avanço, porque a Conferência fez com que o governo brasileiro agilizasse e assinasse os protocolos que resultaram nas Estratégias da Igualdade. 
  • Na área de trabalho já existe uma linha de crédito para as mulheres se profissionalizarem; na saúde, ações mais consequentes contra o câncer, como a implementação de exames. A Conferência de Beijing foi positiva na iniciativa de ter levado as mulheres trabalhadoras organizadas na área rural, proporcionando uma imensa troca de experiência. 
Para d. Raimunda, por exemplo, que é membro do Conselho Nacional dos Seringueiros e fundadora da Associação de Mulheres Quebradeiras de Coco/Tocantins,
[...] poder mostrar o babaçu, o fruto do seu trabalho, o sabão que ela faz, para uma platéia internacional, é um acontecimento, e isso dá uma auto-estima, prova de valor daquele trabalho, que contamina toda a população das quebradeiras que tão aí cantando cada vez mais: “Ei, não derruba essas palmeiras; ei, não derrube os palmeirais; tu já sabe que não deve derrubar; precisamos preservar os recursos naturais” (Di Pierra, CNDM).
  • Em termos da ECO-92, os acordos são recomendações e dependem da força da sociedade civil para que possam vigorar. Muitas vezes, as questões que estão sendo discutidas não se resolvem nem em um ano nem em cinco, pois implicam mudança de mentalidade, o que é um trabalho de longo prazo.
Outro ponto de consenso entre os entrevistados diz respeito à sinalização de que as ONGs viriam enfrentando dificuldades de sustentabilidade no período pós-conferências, a maioria das entrevistadas indicando problemas no acesso a fundos internacionais.Em grande medida, os financiamentos são destinados a campanhas para programas específicos por um período determinado, o que arriscaria investimentos de longo prazo, para a realização de pesquisas, dedicação em reflexão teórica, trabalhos de avaliação, enfim, para a própria garantia de vida das ONGs de médio e pequeno porte, ou para as que não contam com legitimidade já firmada junto a agências financiadoras.
  • Os testemunhos de Maranhão (CIM — Centro de Informação da Mulher) e de Araújo (Coletivo Feminista da Sexualidade e Saúde) sobre dificuldades de financiamento são similares aos expressados pela maioria das entrevistadas em ONGs, como também o são as referências à migração dos financiamentos internacionais para outros países, resultando em solução de continuidade de trabalhos iniciados ou a perda do estímulo e da mobilização desencadeada por todo um trabalho relativo à temática de uma conferência, o que teria ocorrido no caso da ECO-92.
Segundo Maranhão, o financiamento tem sido dramático. Consegue-se para as publicações uma dotação pequena, anual, para manutenção. O voluntariado é grande, trabalha com muitas associadas, que participam com uma pequena anuidade simbólica e doações de livros (os voluntários vêm para mutirões, mas são reduzidos). É preciso ter um quadro de funcionários maior, porque as organizações não atuam apenas em São Paulo, os pedidos chegam de todo o Brasil e as tarifas postais são altas.
  • Nesse momento, quem nos financia é a McArthur e a IAF. A Global nos financiou um seminário no fim do ano. Eventualmente, para equipamentos, vamos contar com outro financiamento. Para tanto, estamos fazendo um novo projeto para a Global Fund. Depois da ECO-92, não se conseguia mais verba [para temas de meio ambiente e gênero] para prosseguir, e as pessoas começaram a ser atraídas para outras Conferências (Maranhão, CIM).
Araújo afirma que o principal problema no Coletivo são os baixos salários. Havia 18 mulheres, e atualmente são apenas 11. Muitas saíram por estarem sempre dependendo de recursos de projetos.
[...] avaliamos que as ONGs feministas estão com muita dificuldade de receber dinheiro, e não só no Brasil. A cooperação internacional está participando de um processo de discussão. Os parceiros das agências relacionadas à Comunidade Européia, por exemplo, onde essa questão é colocada o tempo todo, indicam que o dinheiro da cooperação está sendo colocado na África e na Europa do Leste. Escutamos de uma financiadora que ela só daria dinheiro se a mulher fosse negra, rural e aidética (Araújo, Coletivo Feminista da Sexualidade e Saúde).

Movimento de mulheres e o desenvolvimento sustentável Reciclados

Contudo, as vozes se diversificam quanto a posições e parâmetros para argumentação quando se focaliza o impacto institucional das conferências do ciclo 80/90 da ONU sobre meio ambiente, população e sobre a mulher, tanto no âmbito governamental como no da sociedade civil. São pontos de controvérsia, segundo as entrevistadas:
  • Forma e grau com que o governo brasileiro assume os compromissos firmados, por convenções ou por força das Plataformas de Ação, ressaltando-se em particular deficiências quanto à alocação de fundos em rubricas relativas ao social, e falta de políticas públicas relacionadas a gênero e meio ambiente, em que se pese a visibilidade retórica, nos discursos oficiais, em particular de algumas dimensões das áreas de população e de gênero. 
Questiona-se a possibilidade de parcerias entre governo e ONGs, se não houver investimento para mudanças de perspectiva ao nível mais operativo de programas, ressaltando-se a maior potencialidade do nível local, municipal, em alguns casos. 
  • Contudo, há reconhecimento, entre alguns entrevistados, de que a perda de investimento no plano advocacional, como grupo de pressão por parte de movimentos sociais e ONGs, contribuiria para alguma inércia ao nível do governo, bem como a ambiguidade entre parceria e alinhamento, na relação entre ONG e Estado, diluindo-se o caráter de agência de denúncia, e de pressão, na afirmação de direitos particulares e na prestação de serviços específicos.
Para Guilhón, do CEMINA, as medidas dessas conferências da ONU só saem do papel quando há realmente um movimento forte que pressione em direção à implementação, senão a maioria delas fica no papel. 
  • A ECO-92 definiu medidas acerca da questão ambiental que não foram específicas sobre a mulher, e agora, após uma avaliação, cinco anos depois [Rio+5], concluiu-se que o Governo Federal pouca coisa fez. Quem realmente implementou alguma coisa foram as instâncias locais, alguns municípios, porque tinha alguém consciente sobre os problemas ambientais. 
O CNDM fez convênios com algumas secretarias, ministérios, para poder implementar ações, mas ainda não se viu quase nada. O PAISM, por exemplo, é um Programa de Ação Integrada da Saúde da Mulher que existe há anos, e
[...] nunca saiu do papel. Seria o atendimento à coisa da mulher, que foi feito por feministas. Algumas recomendações do PAISM podem estar obsoletas, já tem muito tempo, mas a filosofia dele nos interessa, a saúde integral da mulher, de não ver a mulher só como um útero, ser para procriação. 
O PAISM vem sendo implementado em alguns locais, onde as prefeituras são mais progressistas, chamando mulheres que têm essa visão para as Secretarias de governo, e aí conseguem implementar minimamente, como foi em São Paulo, no governo da Prefeita Erundina (Guilhón, CEMINA). Oliveira diz que, em termos das políticas públicas, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) vem lutando bastante, inclusive atuando para que os protocolos (saúde, trabalho, educação e violência) sejam assinados com municípios e estados, e que sejam cumpridos. Contudo, há que se analisar essa questão de maneira mais global. Houve uma concentração de renda nos últimos anos no Brasil, e isso significa maior exclusão social. 
  • Em contrapartida, há boa intenção por parte da atual direção do CNDM. O Conselho tem realmente reivindicado ao governo que atenda a questões das mulheres, propostas em algumas leis, como fazer com que o estupro deixe de ser crime contra os costumes e passe a tornar-se crime contra a pessoa. Mas Oliveira considera que o modelo econômico inviabiliza uma série de possibilidades que estão colocadas, como o acesso de todas as mulheres a serviços de saúde de boa qualidade. 
É muito válido lutar, mas existe uma grande diferença entre o que está escrito no papel, que são as reivindicações e propostas, e o que na prática está se fazendo. As prioridades do governo não mudaram muito em relação às verbas da saúde. Grande parte do dinheiro vai para pagar hospitais privados conveniados com o SUS (Sistema Único de Saúde), e os hospitais universitários e os públicos estão em péssimas condições. De fato, a maioria das entrevistadas, no âmbito de ONGs feministas, considera que os investimentos dos vários atores e atrizes institucionais, quanto a gênero e meio ambiente, deixam a desejar.
  • Mas, como alertam algumas, o que se passa em relação ao meio ambiente indicaria o mais alto grau de retrocesso, considerando-se o espaço na mídia e a mobilização da sociedade civil, quando foi realizada a ECO-92, o que também refletiria certa transferência de interesses das agências internacionais para outros temas.
Há uma falta de sensibilidade: 
Dessa gestão quanto ao meio ambiente.
  • A prova mais cabal é que teve que se improvisar um Comitê de Desenvolvimento Sustentável em um mês (quando da Rio+5, 1997). Houve retração na área do meio ambiente. A Agenda é uma proposta interessante.
No entanto, não foi estimulada e o governo não tomou maiores iniciativas (Arruda, Rede Saúde e Rede Mulher de Educação). Corral analisa a boa repercussão do processo de implementação da Agenda 21 em Macaé, Búzios etc. Criou-se uma Comissão pró-Agenda 21 no Rio, com 21 membros e secretaria rotativa. 
  • Nesse momento, a secretaria está na REDEH, e isso revela importância, pelo reconhecimento de uma organização de mulheres como um setor importante dentro de uma articulação da Agenda 21.
Uma das informações que obtivemos de todos os projetos foram as parcerias. Creio que até pela característica da sociedade brasileira, que é muito dinâmica, muito criativa, improvisada, essas coisas não são difíceis de acontecer. Mas é preciso, da parte do Ministério do Meio Ambiente e das gestões locais, vontade política (Corral, REDEH, CNDM, Reunião Rio+5).
  • Reconhece-se que, no plano do governo, na criação de órgãos específicos para tratamento de cada temática em si, houve vontade política, mas seriam débeis as articulações entre gênero e meio ambiente.
O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), localizado no Ministério da Justiça, viria sendo prestigiado pelo Poder Executivo em atos de representação pública, datados e por apoio a programas específicos. 
  • Em 8 de março de 1996, o Presidente da República assinou protocolos de intenção sobre direitos da mulher, visando à implementação de propostas das Plataformas de Ação da Conferência de Beijing, protocolos esses preparados pelo CNDM, relativos à saúde, ao trabalho, à violência e à educação, encaminhados para as respectivas pastas ministeriais.
Em 8 de março de 1997, o Presidente da República, assinou outro documento, também preparado pelo CNDM — “Estratégias da Igualdade: Plataforma de Ação para Implementar os Compromissos Assumidos pelo Brasil na Quarta Conferência Mundial da Mulher” —, que teria como áreas prioritárias, segundo índice do documento, o combate à pobreza, educação, saúde, combate à violência doméstica e sexual, acesso ao poder, mecanismos institucionais, mulheres e direitos humanos, e comunicação.
  • O vazio quanto a gênero e meio ambiente na agenda do CNDM é reconhecido. Segundo Oliveira, presidente do CNDM e diretora da ONG IDAC (Instituto de Ação Cultural), que teve destacada atuação na ECO-92, na coordenação do Planeta Fêmea e em outros empreendimentos feministas relacionados a meio ambiente:
O tema do meio ambiente não é um tema prioritário: 
[do CNDM].
  • Além do que não é um tema prioritário para o governo. O discurso do presidente Fernando Henrique Cardoso na Rio+5 foi um discurso muito autocrítico, ele mesmo admitiu que a política deixava a desejar (Oliveira, CNDM).
Tendo como referência as recomendações da Conferência do Cairo, foi constituída em 1996, por decreto presidencial, a Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD), integrada por representantes dos vários ministérios públicos e pessoas ligadas às universidades e ONGs (“sociedade civil”). 
  • A CNPD viria prestando assessoria ao Governo, refletindo sobre o estado da arte e elaborando propostas relativas ao quadro de informações demográficas do país, políticas públicas sobre populações específicas, incluindo os jovens, e articulando-se com as organizações internacionais para melhor efetivar a colaboração internacional no campo populacional.Assim, a CNPD elabora em 1996 o documento “Prioridades na Área de População e Desenvolvimento: Subsídios para o Programa do Fundo de População das Nações Unidas para o Brasil no Período 1997-2000”. 
Na declaração de princípios desse documento, explicita-se orientação identificada com princípios de desenvolvimento sustentado à indissolubilidade entre população e desenvolvimento, numa perspectiva de equidade, com especial atenção à redução da pobreza e à erradicação da pobreza absoluta; à ocupação produtiva e à renda; à sustentabilidade e à qualidade ambiental e à estrutura e à dinâmica populacional brasileira, nos planos global, regional e local (CNPD, 1996)
  • O governo viria também acionando a criação de Comissões e Conselhos, com a participação de membros dos ministérios públicos e de entidades da sociedade civil, ou entidades com reconhecimento social por seus trabalhos. O formato sugere vontade de parceria e de participação. No entanto, faltaria mais investimento em capacitação, informação e também critérios para indicação de representações legítimas, por consultas amplas, quando a referência são movimentos sociais ou grupos locais.
A qualidade da participação melhora. Foram criados vários Conselhos. Instaura-se o Conselho, as mulheres começam a ir e depois não funciona, por várias razões: porque a paridade é indicada, os órgãos governamentais indicam quem vai e não conseguem participar daquela discussão porque não estão preparados para aquilo, se desmotivam. 
  • Há questões sobre o que é participação. É um trabalho para fazer, temos que ser mais técnicos, mais profissionais, mais competentes. É um trabalho de todas as instâncias do movimento e de informação ao público (Arruda, Rede Saúde e Rede Mulher de Educação).
Quanto à dinâmica da sociedade civil, reconhecidas feministas apontam para o desequilíbrio dos ritmos de atuação de cada área, gênero, meio ambiente e população. Alerta-se para a relativa perda de vigor, após a ECO-92, do trabalho das ONGs no equacionamento de gênero e meio ambiente, ainda que no plano local das organizações de base, ao nível de associações comunitárias ou de classe, como em sindicatos, viriam acionando uma rica gama de experiências em bairros, municípios, comunidades rurais. 
  • Poucas ONGs de grande ou médio porte explicitariam entre seus objetivos tal equação. Por sua vez, adverte-se também sobre a falta de condições ou de investimento das ONGs para monitorar o cumprimento dos acordos internacionais, na opinião de Linhares, da CEPIA.
Linhares continua suas reflexões lembrando que as conferências das Nações Unidas dão um impacto, mas não utilizam os mecanismos internacionais. No máximo, os acordos são cumpridos. Formalmente, faz-se uma lei para dizer que a mulher tem direito ao serviço. As ONGs têm capacidade de denunciar, mas não de monitorar o Brasil inteiro.
  • Muitas vezes, os conselhos estaduais e municipais da mulher, ou grupos localizados, conseguem monitorar uma parte da política. Não há, portanto, mecanismos de monitoramento interno eficientes, e também não são usados os mecanismos de denúncia às cortes internacionais, como a OEA. Um dos projetos da CEPIA aciona a OEA e os mecanismos das Nações Unidas.
As conferências são importantes, pelo impacto, estímulo à mobilização, ao movimento de mulheres, embora também tenham um lado negativo, qual seja o de que, no momento de mobilização para as conferências, deixa-se o trabalho cotidiano. A Constituição Federal criou mecanismos de controle popular do Estado, por exemplo, ação civil pública, e se usa muito pouco o Judiciário no Brasil.
  • Fala-se mal do Judiciário, mas na realidade não se sabe usá-lo bem. E as conferências, paralelamente, resultam em documentos ou em normas de direito internacional, que na maioria das vezes não são cumpridas nem cobradas. É como se a cada conferência, depois daquele grande esforço, houvesse um certo refluir.
Mas a questão do monitoramento das convenções internacionais e das Plataformas de Ação das Conferências Internacionais passaria também pela maleabilidade, pela generalidade e pela pouca referência a metas (qualitativas, porém de clara operacionalização) da linguagem das Plataformas de Ação, tendendo, em muitos casos, à declaração de princípios e ao apelo a uma vontade política difusa.
  • A perda de dinamismo do movimento de mulheres quanto à equação gênero e meio ambiente não implicaria somente menor agressividade de mobilização de cunho advocacional por agenda de serviços, programas e direitos, mas também desbote de bandeiras criativas, coloridas, como as que teriam acento na crítica ao “consumismo” (Correia, IBASE), no “telúrico” (Oliveira e Corral, CNDM), em questionamentos de modelos de desenvolvimento e de civilização e no investimento em “mudança de mentalidades” (Arruda, Rede Saúde e Rede Mulher de Educação).
Oliveira (CNDM) considera que a própria modelagem das conferências internacionais, o sequenciamento e o deslocamento de enfoques passando por temas que permitiriam competições por prioridades, influenciariam relativo esvaziamento do tema meio ambiente, em sua conjugação com gênero, levando-se a priorizar temas designados como da área de população, no campo de direitos reprodutivos.
  • A tese é de que teria havido transferência de esforços e de interesses da ECO para a do Cairo, e se perdido o potencial de crítica ao “modelo civilizatório” que as feministas relacionadas ao Planeta Fêmea teriam imprimido à ECO, bem como o papel de “protagonistas” de tal perspectiva das brasileiras.
Correia (IBASE), em contrapartida, ressalta que o movimento de mulheres viria gradativamente se envolvendo com o processo das conferências, com a vantagem da transversalidade, somando referências de cada uma, ressaltando o papel de estímulo para tal tendência da ECO-92. 
  • Não identifica competências de temas, conferências, institucionalizações, mas a potencialidade de perspectiva acumulativa, globalizante, inclusive nas ações locais. E reconhece dificuldades em traduzir as Plataformas de Ação em políticas públicas, em especial, não-setorizadas. Em que pesem a visibilidade e a “criatividade” (Oliveira) das feministas quando da ECO-92, o tema meio ambiente se entrelaça a gênero mais de forma indireta, no plano das ONGs de mulheres.
Para algumas das feministas, como Correia, e pessoas relacionadas a ONGs feministas, como Oliveira, as orientações de cada um desses campos não estimulariam trânsitos entre ambientalistas e feministas, se o objeto é a “questão ambiental” (termo ambiguamente usado em nível genérico).
  • Não existe interação com os ambientalistas. As ONGs de mulheres não estão tratando da questão ambiental ou se estão é de maneira local. Na época da ECO, as posições eco-feministas tiveram um peso que não têm mais. O discurso perdeu apelo. É paralisante. As pessoas dos movimentos sociais não estão precisando de argumentos paralisantes (Correia, IBASE).
Já Ribeiro, do IDAC, sugere que os problemas de adoção das plataformas de ação, como as de Beijing, estariam mais no plano do cultural, e que inclusive as feministas precisariam investir mais em acertos e eficiência para defesa de posições, e que de positivo, nesses tempos, seria a visibilidade e a aceitação da mulher como pessoa pública, a ponto de serem ouvidas pelos poderes constituídos. Paraela, não há dúvida de que estamos em um momento de transformação muito difícil. São séculos de um certo tipo de comportamento.
  • Não se pode esperar da Plataforma de Beijing a solução. A reflexão de Correia passa também por outro ponto de controvérsia no momento atual brasileiro, sobre o conhecimento e a prática dos movimentos de mulheres, qual seja, a ênfase em saúde reprodutiva, válida, mas, para alguns, tendendo a reificações, uma vez que outras dimensões da saúde seriam secundarizadas, e que, por outro lado, tomariam espaços de outros temas que não viriam se impondo por falta de advocacia e de constituintes mobilizados, informados e preparados.
Falta no plano global, e sobretudo no Brasil, teorização e base de pesquisa mais consistente para firmar premissas de que a desigualdade de gênero é de fato um fator de não-sustentabilidade social.
  • Em uma perspectiva de convergência ambiental e social, há campo para desenvolver as implicações das desigualdades de gênero. Precisamos de estudos de caso e investimento em teorização. Faltam análises, em tal perspectiva, sobre meios rurais, relacionando sustentabilidade social e ambiental.
O debate está enclausurado — gênero centrado na política, nas questões reprodutivas de saúde, ainda que abrindo para trabalho e economia. Mas a reflexão ambiental é débil, porque não se tem argumentação adequada; não é à toa que o campo de direitos reprodutivos é sólido, são dez anos:
 “Há conflitos, mas hoje se transita entre essas questões com um debate intelectual sólido, o que me parece que no campo ambiental não está configurado. É um campo fragmentado, as visões são parciais, têm marcações ideológicas” (Correia, IBASE).
É voz comum entre as feministas que a área de saúde é hoje a mais bem estruturada no movimento. Segundo Schumaher (REDEH):
O Estado não tem cumprido a sua função na área da saúde. A saúde é grave em todos os sentidos, em um país em que nunca foi implantado um sistema de saúde eficiente. É como se estivéssemos falando de uma questão menor. Os melhores grupos [do movimento de mulheres] estruturados no Brasil hoje estão na área da saúde, em direitos reprodutivos. É a rede mais forte que se tem no Brasil.
  • Sobre as parcerias entre ONGs e Estado, tema de controvérsias que viria galvanizando debates entre feministas, Schumaher apresenta um olhar sobre o percurso do movimento feminista e sugere que não necessariamente as negociações com o Estado derivariam em abdicar do papel de denunciar. Afirma ainda que, antigamente, o movimento de mulheres tinha uma atuação mais no campo da crítica que evolui para o campo da negociação, sendo sempre demorada. 
As mulheres têm conseguido discutir muito bem nessa área, e como têm estabelecido essa relação de negociação, acabam por fazer denúncias mais concretas. Considera que é preciso ser mais contundente nas denúncias.
  • Em relação a estas e, principalmente, sobre a crítica político-cultural, teria havido nos anos 80 certa euforia com a relação feminismo e ecologia — e para várias entrevistadas, certo arrefecimento —, quer porque o modelo de ONGs exige pragmatismo e relação com o poder, quer porque envolve instâncias de saber críticos por excelência, como a universidade, que não viria correspondendo a essa identidade, entre outros motivos pela própria crise das universidades públicas.
Quanto ao campo da interface gênero/meio ambiente, Arruda (Rede) chama a atenção para a secundarização do debate sobre mudanças de mentalidades. Seu pensamento é de que foi fundamental que as ONGs crescessem, mas o modelo que existia antes não existe mais. 
  • O ponto de reflexão a que se chegou deixou vínculos com as agendas internacionais, abdicando-se das discussões internas. O eixo de discurso no movimento são as políticas públicas, o que considero correto, mas ao mesmo tempo tal tendência esteriliza o movimento feminista, porque só política pública não resolve e a vocação não é somente conseguir influenciar as políticas públicas, mas sim mudar mentalidades.
Não temos mais tempo de discutir questões interessantes, aprofundar coisas. Os ensaios e o debate teórico ficaram delegados às instâncias acadêmicas, ou não ficaram delegados a lugar nenhum. Não estou querendo uma volta ao passado, mas tem coisas que a gente precisaria fazer. Por que você tem que dar toda a tua energia em função de uma agenda internacional? Por outro lado, as vozes autônomas não têm por onde se expressar (Arruda, Rede Saúde e Rede Mulher de Educação).
  • Já Schumaher, da REDEH — que participou ativamente da preparação da participação das mulheres brasileiras no Fórum da IV Conferência Internacional das Mulheres em Beijing (Huaurou, no caso do Fórum), na coordenação do coletivo Articulação das Mulheres, que reunia ONGs, organizações de base e feministas —, apresenta testemunho sobre a mobilização das mulheres e conquistas pós-Beijing. 
Schumaher considera que a Conferência de Beijing e a do Cairo incorporaram, na etapa de preparação, os grupos que trabalham na área da Rede de Saúde, Estado, instâncias governamentais, mas a de Beijing atingiu 800 grupos de mulheres, presentes nesse país. O documento (das ONGs e organizações de base) foi elaborado coletivamente, com todos os segmentos e categorias.
  • As mulheres sabem o significado que essa conferência tem e de que modo elas podem utilizá-la, em nível local, para uma negociação ou para tentar valer seus direitos. No plano do movimento de mulheres, cada estado está fazendo algo à sua maneira, e há muitas iniciativas. Em São Paulo está se trabalhando na questão da mulher e do poder (Schumaher, REDEH).
Seguindo-se à Conferência do Cairo, surgiram no Brasil os projetos favoráveis e desfavoráveis ao aborto. Há cinco capitais onde está tudo legalizado com relação ao aborto previsto pelo Código Penal; antes do Cairo, o único lugar era São Paulo. “A maioria da mobilização nos municípios passa pela saúde e pelo combate à violência, que são as primeiras coisas que as mulheres estão querendo” (Schumaher, REDEH).
  • Direitos reprodutivos têm lugar secundário do social nos orçamentos nacionais, tendência considerada internacional, com mudanças nas prioridades dos países, o que tem alterado a eleição do recebimento de fundos, por parte das agências internacionais. Este fato estaria produzindo efeitos negativos em relação à própria implementação das resoluções das conferências.
Grande parte das orientações da Conferência de População não estaria sendo implementada no país. Se analisarmos os dados de saúde da mulher no Brasil, vamos concluir que não houve melhoria em questão de saúde. 
É uma contradição. Ao mesmo tempo que tem uma plataforma para ação, do Cairo, da Conferência de Copenhague, de Beijing, existe também um modelo político (no plano nacional e internacional) que inviabiliza essas reivindicações. Na medida em que se reduziram os recursos para a área social, que é o que está ocorrendo no mundo inteiro, diminuiu o acesso das mulheres ao serviço de saúde. É uma questão profundamente contraditória (Schumaher, REDEH).
  • Segundo Araújo, do Coletivo Feminista da Sexualidade e Saúde, na Conferência do Cairo, a maior parte do dinheiro foi alocada para a questão populacional. Araújo pondera que o FNUAP (Fundo de População das Nações Unidas) não é considerado mais uma prioridade — tem dificuldade de fundos — para os grupos de mulheres porque o Brasil já apresenta uma baixa taxa de fecundidade [considerada de acordo com os padrões esperados, segundo critérios de controle de população]. Ora, o fato de a fecundidade das mulheres ter diminuído não significou absolutamente uma melhoria da saúde destas. 
Em contrapartida, não há concordância sobre um controle do corpo das mulheres. Elas devem receber todas as informações para poderem decidir o que querem. Com a diminuição da fecundidade no Brasil, não houve uma melhoria da qualidade de vida e da saúde.
Araújo afirma que,
[...] quando apresentamos projetos para o FNUAP, somos informadas de que as Nações Unidas diminuíram as verbas para o Brasil, porque não é mais um país onde a questão populacional seja uma preocupação, porque a taxa de fecundidade das mulheres baixou a ritmos mais intensos que no restante da América Latina. Então, existe uma profunda contradição entre o que está colocado na Plataforma de Ação e o que na realidade está acontecendo (Araújo, Coletivo Feminista da Sexualidade e Saúde).
Viezzer (Rede Mulher de Educação) também apóia as observações anteriores sobre “recursos e necessidades” e conjuntura internacional, sobre o paradoxo entre a globalização da economia e o retraimento do quadro de solidariedade internacional e de cooperação externa, e alerta para a importância de um capital cultural em administração e contabilidade por parte das mulheres, socializando-se com o mercado financeiro, apostando também na aproximação ao poder público, postura que pediria mais análises sobre viabilidade e eficácia, considerando o retraimento de tais ambiências, no plano de crédito social ou a fundo perdido. 
Segundo Viezzer, as ONGs passam por um momento difícil.
  • Houve uma etapa em que as ONGs mais militantes, ligadas aos movimentos sociais, conseguiam o apoio das ONGs solidárias no Canadá, Suécia, Holanda etc. Agora, essas ONGs solidárias estão tendo problemas em seus países, que exigem que se apoie a pobreza no próprio país. Faz falta aprender como se relacionar com bancos, com a empresa privada e também com os ministérios. 
Experiências e representações sobre gênero e meio ambiente, por agências Esta parte do estudo tem como orientação os seguintes pontos:
  • Perspectivas das diversas agências em relação à equação gênero e meio ambiente;
  • Experiências locais atuais que objetivam a mudança nas relações de gênero e meio ambiente.
No registro de experiências selecionadas e do ideário dos entrevistados, destacam-se indicadores sobre gênero e meio ambiente, sinalizando para a diversidade de concepções sobre cada uma das dimensões e relações entre elas.

Movimento de mulheres e o desenvolvimento sustentável