segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Do “turismo predatório” ao “turismo sustentável”

Turismo sustentável

  • Em um contexto internacional, o turismo destaca-se como uma das atividades econômicas mais importantes, se não a mais importante (Trumbic, 1999), dos últimos anos. 
De acordo com SIPRI Yearbook e United Nations (apud Saarinen, 2006), em termos econômicos, só perde para o comércio internacional de armas e provavelmente se equipara ao tráfico internacional de drogas e seres humanos (incluindo a prostituição). Seja em ambientes de montanha, seja em costeiros, insulares, ou mesmo em ambientes urbanos, o fato é que a atividade turística encontra-se, hoje, amplamente difundida pelo globo terrestre, de modo que “não existe praticamente lugar de nossa geografia onde não se observe a influência desse fenômeno em maior ou menor intensidade” (Beni, 2002, p.77). 
  • Durante muito tempo, a ênfase sobre a atividade direcionou-se, quase que exclusivamente, aos aspectos econômicos e aos contributos que o turismo poderia desempenhar no Produto Interno Bruto (PIB). 
No entanto, mais recentemente, observa-se a emergência de um outro tipo de visão para o setor. O turismo, para além de ser associado aos indicadores econômicos, está fortemente ligado a fatores ambientais e sociais. O que se constata, na atualidade, é que vários destinos turísticos em todo o mundo estão fortemente empenhados em alcançar aquilo que se convencionou chamar de “turismo sustentável”. 
  • Mas o que significa exatamente um turismo ser sustentável? 
  • A que, mais especificamente, se refere o termo “sustentável”: ao turismo ou ao destino turístico? 
  • Há diferenças entre os termos “turismo sustentável” e “sustentabilidade do turismo”? 
  • Turismo sustentável e ecoturismo são sinônimos? 
  • Como surgiu este fenômeno e por que ele é tão significativo para o turismo? 
  • Quais as causas que fi zeram com que o paradigma da sustentabilidade alcançasse o setor do turismo? 
  • Quais foram suas influências e conseqüências? 
O que busca o presente artigo é resgatar, através de revisão de literatura, as origens e a evolução deste paradigma, de forma a esclarecer alguns conceitos importantes e melhor compreender como o turismo deixou de ser encarado como uma atividade de massas e meramente econômica e passou àquilo que hoje se costuma chamar de turismo sustentável.

A expansão da atividade turística: 
Dos fatores condicionantes da difusão do turismo às conseqüências do seu desenvolvimento em larga escala 
  • Nos tempos do pós-guerra, com a redução do tempo de trabalho – e o conseqüente aumento do tempo livre – e a instituição das férias remuneradas, foram geradas as condições propícias para o ser humano viajar. A partir deste momento, o planeta Terra passou a ser acessível ao ser humano comum e é neste instante que “nasce” o turista de massas. De acordo com a Organização Mundial do Turismo (OMT, 2003, p.23): 
O século XX trouxe novas tecnologias, tais como aviões mais velozes e confortáveis, computadores, robôs, e comunicações por satélite, que transformaram o modo das pessoas viverem, trabalharem e se divertirem. Credita-se à tecnologia o desenvolvimento do turismo de massa por uma série de razões: ela proporcionou o aumento do tempo de lazer, propiciou renda adicional, intensificou as telecomunicações e criou modos mais eficientes de transportes. 
Para Krippendorf (2003), a necessidade de lazer demandada pelas sociedades pós-modernas constitui uma espécie de válvula de escape; uma “fuga” sistemática (ainda que temporária) da rotina; fuga esta que permite ao trabalhador recompor suas energias, a fi m de que possa desempenhar suas funções a contento. Depois da fuga, ainda segundo o autor, o trabalhador volta de bom grado às condições estáveis e familiares do universo cotidiano. 
  • Neste mesmo sentido, Adorno (2002, p.106) vai afirmar que “o tempo em que se está livre do trabalho tem por função restaurar a força do trabalho”. Assim, embora se possa afirmar que não existe um único motivo na hora de realizar uma viagem (Sousa, 1994; Mattos, 2004), o fato é que, lato sensu, as pessoas viajam para relaxar, fugir do cotidiano estressante e, assim, retornar às atividades laborais do dia-a-dia. 
Em suma, pode-se afirmar que os grandes fluxos turísticos da atualidade despontam como reflexo das características do capitalismo industrial, o qual criou as condições necessárias à “fuga temporária em massa”. 
  • Nesse sentido, ressalta Krippendorf (2003, p.15) que “a sociedade forneceu simultaneamente aos seus membros os meios de realizar tal evasão: dinheiro, sob a forma de salários mais elevados e tempo, graças a horários de trabalho cada vez mais reduzidos.” Segundo Nicolás (apud Rodrigues, 2006, p.248) “na fase fordista, o espaço turístico foi o que apresentou maior expansão no processo de globalização da economia”. 
Dentro dessa perspectiva, Cavaco (2006, p.310) descreve o cenário no qual a função turística começou a se difundir: As condições de vida foram alteradas com a expansão da revolução industrial e o assumir o trabalho como valor universal: no início desta o tempo livre era apenas consagrado à recuperação quotidiana da força de trabalho (dormir, descansar); depois deu lugar a férias, tempo anual contínuo realmente livre e remunerado como o de trabalho, mas não necessariamente turístico, já que a maioria dos trabalhadores fi cava em casa e limitava-se a passear nos arredores, pelo campo e beira-mar próximas, ou a visitar familiares e amigos, com retorno às regiões de origem quando acessíveis. 
  • Nos anos 30 ocorreram mudanças que tiveram grande impacto na democratização do turismo, em particular a difusão das férias pagas e a programação de viagens para esse tempo novo, por organizações sindicais ou com orientação patronal quanto às boas formas e aos destinos, descanso físico, formação social e política, desporto, excursionismo, conhecimento de outros lugares e de outros países; bilhetes pagos pelas empresas, colônia de férias do patronato, parques de campismo. Cavaco (2006, p.310) se refere, ainda, ao desenvolvimento do setor de transportes como um fator condicionante da expansão do turismo pelo globo: 
Os novos transportes colectivos possibilitaram a difusão espacial e social dos fluxos de férias e favoreceram as primeiras massificações ao nível da classe média que dispunha de tempo livre (mães domésticas, crianças e avós), pela baixa dos custos das deslocações. A comercialização intensa de pacotes turísticos favoreceu o desenvolvimento do turismo, enquanto atividade econômica, devido aos baixos preços praticados. A partir desse momento, a viagem de lazer não estaria mais restrita unicamente aos mais abastados, mas às diversas classes sociais. 
  • Dessa forma, nos últimos anos, o turismo tem se mostrado uma atividade econômica em franca expansão, assumindo importante papel enquanto fonte de renda para diversos países. De acordo com dados da Organização Mundial do Turismo (OMT, 2003), o turismo internacional possui uma taxa de crescimento anual de 4 a 4,5%, estimando-se um número de 659 milhões de chegadas de turistas internacionais e prevendo-se para até 2020 que esse total seja de 1,6 bilhão de chegadas, podendo atingir uma receita de cerca de 2 trilhões de dólares. 
Contudo, uma análise mais apurada remete para reflexões que vão além do simples crescimento econômico. Ao analisar a atividade turística de forma qualitativa, constata-se que, ao mesmo tempo em que o turismo é capaz de trazer benefícios, sobretudo econômicos, para as localidades onde se desenvolve, também tem a capacidade de provocar conseqüências negativas nesses locais, principalmente do ponto de vista ecológico. 
  • O contraponto do discurso economicista-otimista observa que, dependendo da área visitada e do comportamento do visitante, o turismo pode apresentar acentuados níveis de degradação do meio natural que não compensam o retorno financeiro percebido. 
Ainda de forma mais pormenorizada: considerando que o turismo se desenvolve sobre o próprio comprometimento da dinâmica territorial poderá reduzir os benefícios econômicos a médio/longo prazo. Mire-se, por exemplo, o caso de Galápagos . 
  • Deve-se levar em consideração que, para a efetivação do turismo, há a deslocação do “consumidor” (o turista) até o “produto” (a destinação) (Cunha, 1997; Beni, 2002), o que implica num contato do turista com os habitantes locais (mesmo que seja de forma indireta). 
Essa característica inerente à atividade turística necessariamente causará alterações no cotidiano da localidade visitada, seja através de contatos dos visitantes com os autóctones, seja pela geração de divisas, seja pela interferência no ambiente natural. 
  • Diante do exposto, pode-se afirmar que o turismo interfere e altera as dinâmicas locais, produzindo impactos ora positivos, ora negativos. Por impactos do turismo, entende-se que seja o conjunto de intervenções e modificações decorrentes do desenvolvimento turístico nos núcleos receptores; ou como define Ruschmann (1997, p.34): “são a conseqüência de um processo complexo de interação entre os turistas, as comunidades e os meios receptores”. 
Os impactos podem ser de duas naturezas: positivos e negativos (Partidário & Jesus, 2003). Entre os principais impactos positivos estão: geração de empregos, desenvolvimento local, construção de infra-estruturas e dinamização da economia local. 
  • Já entre os efeitos negativos, segundo a OMT (2003), os mais relevantes são: pressões especulativas; ocupação desordenada do espaço; práticas incompatíveis com a utilização do solo; conflitos com valores tradicionais consolidados e estandardização dos padrões de consumo. Pode-se citar, ainda, como impactos da atividade turística desordenada: desagregação social, perda de identidade cultural das comunidades autóctones, prostituição, além das alterações no equilíbrio dos ecossistemas. 
Assim, fica evidente a necessidade em se trabalhar no sentido de minimizar os impactos negativos e maximizar os positivos. É neste contexto que surge e se afirma a idéia de turismo sustentável. 

A questão do desenvolvimento sustentável: 
Na atividade turística:
  • O conceito de turismo sustentável deriva do de Desenvolvimento Sustentável introduzido pelo Relatório Brundtland em 1987 (Saarinen, 2006; UNWTO, 2004; Hardy & Beeton, 2001; Tosun, 1998). 
De acordo com Bell & Morse (2000), nem mesmo a ampla gama de definições acerca do que é desenvolvimento sustentável foi capaz de reduzir a popularidade do conceito, de modo que, segundo Sadler (1999), o paradigma transformou-se no grande tema da atualidade e tem sido aplicado em todos os campos da atividade econômica (Farsari & Prastacos, 2000). 
  • O turismo, enquanto uma das atividades humanas mais marcantes do séc. XXI, não foi exceção (Hunter, 2002). Contudo, o entendimento do que vem a ser turismo sustentável passa necessariamente pelo entendimento do que é o desenvolvimento sustentável que, por sua vez, está em estreita associação com a emergência das preocupações relativas ao meio ambiente (Guattari, 1990). 
Tendo em vista este encadeamento, faz-se a seguir uma breve reflexão sobre a evolução do pensamento ambientalista. 

Das concepções ocidentais de natureza: 
À emergência do paradigma ambiental:
  • Ao longo da história da humanidade, a relação entre o homem e a natureza passou por diversas transformações. A relação primitiva de não-separação homem-natureza , passou  (com as mudanças sociais, econômicas e culturais) a estar cada vez mais dissociada e distante. 
Assim, o homem começou se ver de fora da natureza. A oposição entre o homem e a natureza, entre o sujeito e o objeto, se consolida com René Descartes (1596-1650), o qual vê a natureza como um recurso a serviço do homem, como ressalta Gonçalves (2004, p.33):
 “O homem, instrumentalizado pelo método científico, pode penetrar os mistérios da natureza e, assim, torna-se ‘senhor e possuidor da natureza’”. 
O homem, acreditando que todas as coisas existem para servi-lo, passa a ver a natureza, não como algo sagrado, mas como algo para ser usado, como coloca Passmore (1974, p.93): 
A visão de que todas as coisas existem para servir o homem encorajou o desenvolvimento de um modo particular de ver a natureza, não como algo a ser respeitado, mas sim como algo a ser utilizado. A natureza não é, em sentido nenhum, sagrada. (...) o cristianismo ensinou aos homens que não havia sacrilégio nem em analisar, nem em modificar a natureza. 
Afirma Montibeller Filho (2005) que, principalmente com Descartes, cria-se uma visão científica antropocêntrica, já que só o homem tem matéria e intelecto ao mesmo tempo. Não sendo mais vista como divina, a natureza passa a ser um mecanismo orientado por leis, como as da física e da matemática. Montibeller Filho (2005, p.37) fala, ainda, sobre a visão marxista da natureza, segundo a qual o uso dos recursos naturais se embasou na propriedade privada e na economia, e não na religião: 
Segundo a interpretação marxista, não foi a religião – em sua concepção de que o Universo foi criado por Deus para servir ao homem –, mas sim o surgimento da sociedade fundamentada na propriedade privada e na economia monetária, à qual se subjuga o conhecimento científico, que conduziu à exploração ilimitada do mundo natural. 
Concluindo sobre a questão do domínio do homem sobre a natureza, esse autor (2005, p.36) ressalta que “tendo alicerces morais na teologia, em determinado período histórico, ou na ciência quando esta passa a predominar, o homem todavia jamais deixou de buscar o domínio sobre a natureza”. 
  • Nesse sentido, a separação homem-natureza, característica marcante do pensamento ocidental, conduziu a humanidade à exploração desenfreada dos recursos naturais. E as conseqüências da degradação ambiental já se fazem sentir. 
Foi em meados dos anos 70 do século passado que fatores como o grande crescimento populacional, o maciço desenvolvimento das indústrias e os consequentes efeitos negativos na natureza – poluição atmosférica, destruição da camada de ozônio, aquecimento global, desmatamento, entre outros problemas ambientais – fizeram despertar na sociedade uma maior preocupação com os rumos da exploração dos recursos naturais e suas conseqüências nos ecossistemas. 
  • Estudos pioneiros como os de Rachel Carson (“Primavera Silenciosa”, 1962) e de Dennis & Donella Meadows (“Os Limites do Crescimento”, 1972) associaram o nível de degradação ambiental às conquistas tecnológicas e à ânsia do lucro em curto prazo das sociedades industriais. 
Como pontua Santos (2004, p.62):
Em sua versão contemporânea, a tecnologia se pôs ao serviço de uma produção à escala planetária, onde nem os limites dos Estados, nem os dos recursos, nem os dos direitos humanos são levados em conta. Nada é levado em conta, exceto a busca desenfreada do lucro, onde quer que se encontrem os elementos capazes de permiti-lo. 
O documento “Os Limites do Crescimento”, preparado por um grupo interdisciplinar do Massachusetts Institute of Technology (MIT) em 1972, a pedido do Clube de Roma, já alertava para o crescimento populacional e consumo insustentável dos recursos naturais. 
  • Tal relatório afirmava que, mantidos os níveis de industrialização, da exploração dos recursos naturais e das taxas de poluição, em um período de cem anos seria atingido o limite de desenvolvimento da Terra, acarretando numa brusca diminuição da capacidade industrial. 
Ainda em 1972, outro acontecimento marcou decisivamente a história do movimento ambientalista: a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano (CNUMAH), realizada em Estocolmo (Suécia). Ao discutir os direitos da humanidade a um ambiente saudável, tal evento tornou-se o marco do ambientalismo contemporâneo. 
  • Ao compreender a necessidade de mudar a visão dos recursos naturais como infinitos, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu, em 1984, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, sob coordenação da então Primeira-Ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland. 
E, em 1987, este comitê apresentou o relatório final, intitulado “Nosso Futuro Comum” (Our Common Future). Tal documento delineou a noção de sustentabilidade ao apresentar o termo “desenvolvimento sustentável”, o qual é definido como o “desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras atenderem às suas próprias” (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1991, p.46).
  • Essa idéia baseia-se na prerrogativa de que a existência de uma ética intra e intergeracional é fundamental para o desenvolvimento humano. Segundo o relatório, o crescimento econômico deveria acontecer de forma ecológica e socialmente igualitária, ou seja, centrado no tripé: crescimento econômico, proteção dos recursos naturais e equidade social. Foi realizada em 1992, no Rio de Janeiro (Brasil), a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) que, dentre outros documentos, apresentou a Agenda 21 Global. 
Trata-se de um plano estratégico de ação com o intuito de promover um novo padrão de desenvolvimento – entenda-se sustentável –, de modo a garantir a qualidade de vida das atuais e futuras gerações. 
  • A Agenda 21 surge como marco conceitual norteador para líderes políticos interessados em elaborarem modelos sustentáveis de gestão. Na seqüência dos grandes eventos mundiais sobre meio ambiente, seguiram-se: a Cúpula da Terra em 1997 (Nova Iorque), a Cúpula do Milênio em 2000 (Nova Iorque) e a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável (RIO +10, em Joanesburgo, 2002). 
Destes encontros mundiais, o consenso foi sempre o mesmo: o ser humano está degradando o planeta e, caso o desenvolvimento sustentável não for efetivamente adotado em escala planetária, a tendência é o caos, decorrente de um colapso nas fontes de energia e da poluição global. 
  • Mais recentemente, a “Avaliação Ecossistêmica do Milênio” (ONU, 2005), documento elaborado a pedido do então Secretário Geral das Nações Unidas (Kofi Annan), que reconhece que as alterações provocadas pelos seres humanos nos ecossistemas “ajudaram a melhorar a vida de bilhões de pessoas”, ao mesmo tempo em que comprometeram a qualidade dos ecossistemas que as suportam. 
O estudo conclui que “as atividades humanas estão exaurindo as funções naturais da Terra de tal modo que a capacidade dos ecossistemas do planeta de sustentar as futuras gerações já não é mais uma certeza” (ONU, 2005, p.36). 
  • Diante de um cenário alarmante de degradação do meio ambiente (escassez de recursos naturais, sobrecarga na capacidade dos ecossistemas de se auto-regularem, emissões maciças de poluentes atmosféricos, contaminação dos recursos hídricos etc.), a utilização parcimoniosa dos recursos naturais deixa de ser uma possibilidade para ser uma necessidade. E para tanto, governos, sociedade civil e empresariado devem pensar em ações que promovam a sustentabilidade na Terra.

O turismo predatório

O turismo no contexto da questão ambiental: 
E da sustentabilidade:
  • Desde meados das décadas de 80 e 90 do século passado, a questão ambiental tem  exercido influência em diversos segmentos e, com o turismo, não foi diferente. No momento em que a atenção do mundo volta-se para a delicada situação de degradação ambiental do planeta, novas formas de pensar e praticar a atividade turística começam a surgir. Eis a idéia de turismo sustentável. 
Embora esteja hoje estreitamente associado ao turismo, o conceito de desenvolvimento sustentável não foi objeto de nenhuma referência significativa à indústria turística no Relatório Brundtland (SREA/DREM/ISTAC, 2006, p.8). 
  • Apesar do seu peso nas trocas comerciais internacionais, o turismo não aparecia como uma preocupação aos olhos dos que iniciaram a reflexão em torno da “sustentabilidade”. Para remediar esta omissão, a OMT decidiu investir na preparação da Cimeira da Terra no Rio de Janeiro, em 1992, conseguindo inscrever o turismo na Agenda 21. Em 1995, nas Ilhas Canárias (Lanzarote – Espanha), é celebrada a Conferência Mundial de Turismo Sustentável, durante a qual foi elaborada a Carta do Turismo Sustentável (Charter for Sustainable Tourism).
Entre outras coisas, o documento chamava a atenção para o fato de que: 
  • O desenvolvimento da atividade turística não deve ultrapassar os limites do ambiente natural, deve ser economicamente viável e equitativo para as comunidades locais; 
  • Deverá haver a participação dos atores sociais envolvidos nos níveis local, regional, nacional e internacional; 
  • O planejamento do turismo deve ser elaborado por governos e autoridades competentes, contando com a participação das comunidades locais e de organizações não governamentais, de forma integrada; 
  • Defende a adoção de códigos de conduta; 
  • Promoção de formas alternativas de turismo. 
Posteriormente, por iniciativa da Organização Mundial do Turismo (OMT), do World Travel & Tourism Council (WTTC) e do Earth Council, é elaborada a “Agenda 21 para Viagens e Turismo: Rumo ao Desenvolvimento”, a qual estabelece áreas e ações prioritárias para o desenvolvimento sustentável do turismo. 
  • Trata-se de uma iniciativa voltada à promoção da prática do turismo sustentável ao definir objetivos distintos para os diversos atores da sociedade. Tais objetivos podem ser observados no quadro 1 (OMT, 2003). Mais tarde, o Sétimo Encontro da Comissão da União Européia sobre Desenvolvimento Sustentável, em 1999, foi exclusivamente dedicado aos desafios da sustentabilidade no setor do turismo. 
Ainda em outubro de 1999, em Santiago do Chile, a OMT adotou o Código Mundial de Ética do Turismo, largamente inspirado na lógica do desenvolvimento sustentável. Todo este trabalho culminou com a inclusão do turismo nas preocupações da Cimeira Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável de Joanesburgo e do Ano Internacional do Ecoturismo, ambos realizados em 2002. 
  • Na esfera privada, também houve a preocupação em desenvolver iniciativas de promoção da sustentabilidade no turismo, principalmente no que diz respeito à implantação de Sistemas de Gestão Ambiental (SGA) nos estabelecimentos hoteleiros. Turismo sustentável: origem e evolução 
De acordo com Saarinen (2006), as origens do termo turismo sustentável estão relacionadas com o interesse acadêmico sobre os impactos negativos do turismo no início dos anos 60 e as pesquisas relacionadas à capacidade de carga. No decurso de duas décadas, a idéia de capacidade de carga formou a base da abordagem e da gestão dos impactos negativos da atividade, porém, após este período, tornou-se um conceito problemático tanto em termos operacionais como teóricos. 
  • Das diversas contestações sobre a capacidade de carga e sua utilidade enquanto conceito, amadurece, durante as décadas de 80 e 90, o conceito de turismo sustentável. Assim, de forma sintética, tal como Swarbrooke (2000), pode-se dizer que o conceito de turismo sustentável é o ápice de um amadurecimento teórico que tem início na década de 1960, com o reconhecimento dos impactos potenciais do turismo de massa; segue-se através da década de 1970, com as primeiras preocupações com a gestão de visitantes; e culmina com a emergência do conceito de turismo verde (green tourism), na década de 1980. 
No entanto, tal como o termo que lhe deu origem, a definição de “turismo sustentável” também está longe de ser algo consensual (Cernat & Gourdon, 2005; Trumbic, 1999), mesmo apresentando uma aparente harmonia entre acadêmicos e instituições governamentais (McCool & Moisey, 2001). Com efeito, podem-se encontrar várias interpretações para o termo “turismo sustentável”, a começar pela OMT (2003), para quem o turismo sustentável é aquele que atende às necessidades dos turistas de hoje e das regiões receptoras, ao mesmo tempo em que protege e amplia as oportunidades para o futuro. 
  • É visto como um condutor ao gerenciamento de todos os recursos, de tal forma que as necessidades econômicas, sociais e estéticas possam ser satisfeitas sem desprezar a manutenção da integridade cultural, dos processos ecológicos essenciais, da diversidade biológica e dos sistemas que garantem a vida. 
Para Butler (apud Partidário, 1999, p.81): Turismo sustentável é o turismo que se desenvolve e mantém numa área (ambiente, comunidade) de tal forma e a uma tal escala que garante a sua viabilidade por um período indefinido de tempo sem degradar ou alterar o ambiente (humano ou físico) em que existe e sem pôr em causa o desenvolvimento e bem-estar de outras atividades e processos. 
  • Para Swarbrooke (2000), trata-se daquele tipo de turismo que é economicamente viável, mas que não destrói os recursos dos quais a atividade no futuro dependerá, principalmente, o ambiente físico e o tecido social da comunidade local. No Acordo de Mohonk (Instituto ECOBRASIL, 2000) lê-se que é aquele que busca minimizar os impactos ecológicos e socioculturais, enquanto promove benefícios econômicos para as comunidades locais e países receptores. 
Já Pearce (apud Beni, 2002, p.61) entende turismo sustentável como: Maximização e otimização da distribuição dos benefícios do desenvolvimento econômico baseado no estabelecimento e na consolidação das condições de segurança com as quais serão oferecidos os serviços turísticos, para que os recursos naturais sejam mantidos, restaurados e melhorados.  O Relatório Commonwealth of Australia de 1991 (apud Driml & Common, 1996, p.4) não busca uma definição do termo, mas aponta para uma série de princípios e características que um turismo sustentável deve atender, tais como: 
  • Melhoria do bem-estar material e não material; 
  • Equidade intra e inter-geracional; 
  • Proteção da diversidade biológica e manutenção dos sistemas e processos ecológicos. 
Também sem apontar para uma definição conceitual, Partidário (1999) destaca que, no conceito de desenvolvimento sustentável, está expressa uma filosofia fundamentada em três princípios: 
  • Respeito pelo ambiente natural, cultural e social das áreas de destino;
  • Desenvolvimento econômico e social das comunidades locais; 
  • Satisfação das necessidades (materiais e imateriais) dos visitantes e da população local. 
Da mesma forma, Cater (apud Liu, 2003), identifica três objetivos-chave para o turismo sustentável: 
  • Observar os interesses das populações locais em termos de melhoria dos padrões de vida, tanto em curto como em longo prazo; 
  • Satisfazer as demandas de um crescente número de turistas; 
  • Salvaguardar o patrimônio natural. 
Por fim, segundo Saarinem (2006), vários autores têm insistido na idéia de que não existem definições exatas acerca do que seja turismo sustentável; ao passo que Clarke (1997) afirma tratar-se de um conceito ainda em evolução. 
  • Tal como McCool & Moisey (2001), o que se pode depreender das várias definições apresentadas é a existência de três diferentes interpretações para o conceito. 
A primeira delas refere-se à sustentabilidade da atividade propriamente dita, no sentido de como manter funcionando e gerando lucros indefinidamente as empresas que trabalham com o turismo. Uma segunda interpretação relaciona-se com a idéia de sustentabilidade das condições que dão suporte à atividade, nomeadamente ao meio ambiente e às condições culturais das comunidades receptoras. 
  • Por fim, uma última interpretação identificada pelos autores tem a ver com a sustentabilidade dos recursos, ou seja, entende o turismo como uma ferramenta para proteger o capital natural e social sobre o qual a atividade se sustenta. 
O que estas interpretações suscitam é a existência de dois conceitos que também devem ficar esclarecidos: “turismo sustentável” e “sustentabilidade do turismo”. Turismo sustentável, conforme já discutido, é um modelo de se desenvolver a atividade turística que utiliza o tripé da sustentabilidade como pressuposto. Mantido o equilíbrio entre estes três pilares, estão, ao menos em tese, assegurados os meios para a perpetuação da atividade e o contínuo recebimento de benefícios daí decorrentes. 
  • A sustentabilidade do turismo, por sua vez, relaciona-se com a garantia da prática da atividade no longo prazo, o que não necessariamente implica que seja de forma sustentável, nos termos do Relatório Brundtland. Em determinadas realidades como Las Vegas, por exemplo, a sustentabilidade do turismo está relacionada não com a proteção do meio ambiente ou com a justiça social, mas com a capacidade de manter uma boa estratégia de marketing e de imagem de um destino de luxo e prazer. 
Independentemente do tipo de sustentabilidade em causa (se da atividade, se das condições que dão suporte à atividade, se dos recursos), entende-se, tal como Partidário (2004), que o turismo sustentável não é uma tipologia de turismo (como o são o turismo  rural, ecoturismo, turismo de aventuras etc.), mas, sim, uma forma diferente de promover turismo. 
  • Isso significa que o ecoturismo, costumeiramente associado à sustentabilidade, não é o mesmo que turismo sustentável; o que, por sua vez, significa que o ecoturismo (se não for baseado nos princípios da sustentabilidade) pode se constituir numa prática turística insustentável (Gössling et al., 2002). 
Em muitas das vezes, o termo “ecoturismo” é utilizado como uma forma de chamar atenção para o destino. Em sentido estrito, o ecoturismo significa o turismo em contacto com a natureza (Swarbrooke, 2000) e não necessariamente tem a ver com a sustentabilidade. 
  • A sustentabilidade de uma prática turística está, isto sim, relacionada com o atendimento aos critérios de justiça social, crescimento econômico e proteção do patrimônio natural. Aliás, até mesmo planos e programas de turismo autodenominados sustentáveis, que inclusive reconhecem e mencionam explicitamente este tripé da sustentabilidade, acabam por falhar na hora da aplicação, conforme evidenciado por Ruhanem (2004) e Simpson (2001). 
Isto é um indicador claro da dificuldade e complexidade em se trabalhar com o conceito de turismo sustentável; dificuldades e complexidades estas que se ampliam se não se tiver claro o que o conceito representa de fato. 
  • Mas, assumindo que todos os entraves teóricos relativos ao turismo sustentável tenham sido superados, a que, efetivamente, se refere o termo “sustentável”: ao turismo ou ao destino turístico? Antes de qualquer coisa, é preciso ter claro que o turismo é um fenômeno, ao passo que o destino turístico é um espaço geográfico. 
Segundo Santos (2004), o espaço é um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações e propõe quatro categorias de apreensão do espaço: forma, função, estrutura e processo. De certa forma, a estrutura é composta pelas relações entre as formas e suas funções; ao mesmo tempo, estas estruturas são alimentadas por processos que lhes atribuem vida e dinamismo.
  • O turismo pode ser classificado como um destes processos que alimentam e criam diálogos entre as formas e funções existentes. Disto se pode concluir que, se os processos que se desenrolam no espaço não forem sustentáveis, este último, ao menos em tese, dificilmente também o será. Ou seja, para se falar em destino turístico sustentável é necessário que a atividade turística seja, ela mesma, também sustentável. 
Assim, o que se pode afirmar é que o termo “sustentável” pode tanto ser aplicado ao destino quanto à atividade, mas só se pode falar em destino sustentável em acordo com uma prática turística sustentável. 

Outras Considerações:
  • Ao longo desse ensaio, verificou-se que o turismo de massas, baseado em um enfoque estritamente econômico (entenda-se numérico), traz uma série de conseqüências negativas para os respectivos destinos turísticos. 
Isso porque é praticado em larga escala, sem limites ao crescimento, sem respeito às capacidades de suporte das destinações receptoras, com vistas essencialmente ao lucro e incapaz de contemplar os anseios da própria comunidade residente na destinação. 
  • Neste cenário insatisfatório emerge o conceito de turismo sustentável, baseado nas mesmas premissas do desenvolvimento sustentável. A idéia de sustentabilidade no turismo passa então a se afirmar como condição sine qua non à manutenção da atividade em um longo prazo. 
Não obstante, o conceito surge em meio a outro conceito igualmente em voga: o ecoturismo. O que se buscou deixar claro ao longo deste estudo foi que o ecoturismo não constitui, necessariamente, um turismo sustentável; ou seja, turismo sustentável e ecoturismo não são sinônimos. Apenas sob determinadas circunstâncias é que o ecoturismo pode ser considerado como uma forma de turismo sustentável. 
  • Se determinada prática ou empreendimento  ecoturístico auxilia, por exemplo, na proteção do ambiente e no crescimento econômico do PIB de uma região, mas, por outro lado, oprime ou marginaliza comunidades locais sobre a qual a atividade se desenvolve, não se pode falar, a rigor, que seja sustentável. 
O mesmo é válido para outras denominações igualmente difundidas como: turismo alternativo, turismo ecológico, turismo verde, turismo rural etc. As raízes dessa confusão entre turismo sustentável e ecoturismo não são claras na literatura especializada. Dado que a afirmação do conceito de sustentabilidade trouxe a questão ambiental para um nível onde antes ela não existia (a esfera política), o que pode ter ocorrido é que o florescimento do conceito de sustentabilidade coincidiu com o leitmotiv do ecoturismo: a preocupação com o meio ambiente. 
  • Em outras palavras, o que se pode especular é que aconteceu com o conceito de turismo sustentável o mesmo que ocorreu com o próprio conceito de desenvolvimento sustentável: foi mal interpretado; maximizou-se a dimensão ambiental em detrimento dos aspectos sociais e econômicos. Haja vista a vocação do ecoturismo para a preocupação ambiental, tão logo o que ocorreu foi uma confusão entre os dois termos e, em alguns casos mais extremos, foram interpretados como sinônimos. 
Defende-se, pois, que qualquer tipo de turismo ou qualquer destino turístico pode ser considerado sustentável desde que adotem o mesmo tripé do desenvolvimento sustentável, qual seja: justiça social, proteção dos recursos naturais e eficiência econômica. 
  • Neste sentido, discorda-se daqueles que relacionam o turismo sustentável ao turismo praticado em áreas naturais. Não obstante a discussão empreendida no presente artigo, restam outras lacunas relacionadas sobre turismo e desenvolvimento sustentável que se apresentam como sugestões para pesquisadores interessados no tema: 
A hipótese apresentada neste artigo pode, por exemplo, servir como ponto de partida a) para se interrogar: por que o termo turismo sustentável está tão associado à questão ambiental? Por que a dimensão social (em particular) é tão negligenciada? Ainda que a discussão teórica sobre turismo sustentável seja deveras importante e significativa, é preciso desenvolver mecanismos que atestem se a sustentabilidade está de fato acontecendo. 
  • Neste sentido, seriam relevantes pesquisas que se ocupassem em discorrer sobre instrumentos de avaliação da sustentabilidade do turismo.

Do “turismo predatório” ao “turismo sustentável”