sábado, 6 de fevereiro de 2016

Mudanças climáticas e energia

Mudanças climáticas e energia: Diagnóstico e políticas públicas no Brasil

  • O discurso comum sobre desenvolvimento sustentável no Brasil é conceitualmente baseado em três pilares: crescimento econômico, inclusão social e proteção ao meio-ambiente. No entanto, a importância dada ao pilar ambiental é substancialmente limitada em relação aos eixos econômico e social.
Isso se deve à percepção de que este está a serviço dos demais pilares, sendo instrumental ao crescimento econômico e/ou à inclusão social. Em outras palavras, sempre que as mudanças climáticas e a proteção ambiental são vistas como em contradição com as outras duas dimensões do desenvolvimento sustentável, estas terminam sendo “sacrificadas” a serviço das outras supostamente mais importantes e urgentes prioridades nacionais.
  • Os últimos anos têm sido marcados por um processo de mudança na composição do perfil de emissões de gases de efeito estufa no Brasil. O declínio das emissões decorrentes do desmatamento, a expansão econômica que vem acarretando o rápido crescimento na demanda por energia e expansão da atividade agropecuária, aliados a não adoção de padrões sustentáveis na produção agrícola são fatores que impactaram o perfil das emissões de gases de efeito estufa brasileiro. 
Dados recentes, publicados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT)8 evidenciam que enquanto em 2005 a agricultura e o uso da terra/desmatamento eram responsáveis por 20% e 57%9 das emissões de gases de efeito estufa, respectivamente, o agronegócio em 2010 superou o desmatamento e geração de energia na emissão de gases. 
  • Esse fato é explicado tanto pelo significativo declínio no desmatamento nos últimos anos que deve ser comemorado, como em função do aumento substancial das emissões de carbono em virtude da expansão do agronegócio. 
O poder político deste setor não é apenas imenso em função de sua importância econômica para o país (respondendo por mais de 40% das exportações brasileiras e em franco crescimento), como também em razão de sua histórica hegemonia como latifundiários e representantes das elites políticas dominantes. 
  • Assim, além da dependência do governo em relação ao agronegócio ser tanto política como econômica, eles representam o conceito do “Brasil que realizou”, ou seja, seriam modernos e competitivos e, portanto, celebrados e protegidos por serem considerados campeões do “novo” Brasil.
Os dados do MCT sobre emissão de carbono mostram que o agronegócio se tornou o maior emissor de carbono no Brasil, representando 35% de todas as emissões do país. É crucial e urgente que seja dada prioridade e colocados esforços na redução das emissões deste setor que está em grande expansão. Nossa agro-industria é uma das mais poluidoras do mundo e a que mais emite CO2 na atmosfera. 
  • O próprio governo já percebeu que terá que mudar e por isto lançou recentemente o Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono) que tem como objetivo dar incentivos ao agronegócio para diminuir suas emissões de carbono.
Há que se comemorar que os índices de desmatamento tenham sido substancialmente reduzidos na última década; porém o desmatamento na Amazônia brasileira ainda é um grande problema nacional e uma importante fonte de emissões de carbono, representando mais de 22% das emissões decorrentes da destruição das florestas e uso da terra. 
  • O desmatamento em pequena escala ainda é significativo e embora tenham sido implantadas políticas efetivas no combate ao desmatamento, esta questão deve continuar sendo priorizada pelo governo brasileiro e pela sociedade civil, porque os índices de desmatamento ainda são elevados.
Com relação à matriz energética, o Brasil mantém um equilíbrio entre fontes renováveis (44%) e não renováveis (56%). Fontes renováveis incluem hidrelétricas (15%), biomassa de cana de açúcar (16%) e carvão e lenha (10%).  Entre as fontes não renováveis estão petróleo e derivados (39%), gás natural (10%), carvão mineral (6%) e urânio (1,5%). 
  • A matriz brasileira ainda é vista como limpa e entre as mais renováveis do mundo. Contudo, o crescimento na participação do setor energético nas emissões de carbono no país cresceu enormemente de 16% em 2005 para 32% em 2010.  Fica claro que nos últimos anos o Brasil não investiu no uso mais eficiente de energia nem numa matriz energética limpa. 
Fica cada vez mais difícil o Brasil sustentar sua posição internacional de ter uma matriz energética limpa, como a perspectiva é de que a participação de fontes não renováveis continue crescendo, sobretudo com a exploração do Pré-Sal. 
  • Conforme foi mencionado acima os problemas relacionados com a construção de grandes hidrelétricas em terras indígenas e de outras populações tradicionais, como Belo Monte, também são ignorados quando se considera que a matriz brasileira é “limpa”. O governo brasileiro não tem colocado muito esforço no apoio ao desenvolvimento de fontes alternativas de energias renováveis como eólica, biomassa e energia solar. 
Esta afirmação é particularmente verdadeira se for levado em conta o imenso potencial que o país possui na exploração destas fontes de energia. O governo vem sinalizando que pretende fazer uso progressivo de termoelétricas para complementar a geração de energia hidrelétrica.
  • As perspectivas de aumento substancial na produção de petróleo na região do Pré-Sal levam a crer que as emissões de carbono no Brasil deverão mudar dramaticamente tanto em termos do perfil como em volume das emissões. 
A tendência é que as emissões não só aumentem substancialmente, como deixem de ser cada vez menos decorrentes do desmatamento para passar a derivar da geração de energia e do agronegócio. Em outras palavras, as fontes renováveis de energia não têm sido a prioridade do governo até agora.
  • Historicamente, o grande ator nos debates sobre mudanças climáticas no Brasil tem sido o governo federal.  O Ministério da Ciência e Tecnologia liderou esta agenda nos primeiros anos de debate sobre o tema. Apenas durante o governo Lula (2003-2010) o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) assumiu o protagonismo no que diz respeito a este assunto. 
Desde então, as decisões e posicionamentos acerca das políticas globais sobre mudanças climáticas têm sido calcadas na política externa brasileira. Nem sempre elas refletem o equilíbrio de poder entre os diferentes setores da sociedade brasileira. Em 2009 o Brasil aprovou a Política Nacional sobre Mudança do Clima - PNMC (Lei 12.187/09).
  • A aprovação desta lei foi vista como um ato de vanguarda pela comunidade internacional, pois ela estabeleceu uma meta voluntária de redução das emissões de carbono entre 36.1% e 38.9% até 2012. 
A lei também estabelece princípios, objetivos e diretrizes para a implantação da Política, além de prever a elaboração de dez planos setoriais para redução das emissões de gases de efeito estufa, entre eles: 
O Plano Setorial de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura, também conhecido como o “Plano ABC”; 
O Plano de prevenção e controle do desmatamento na Amazônia Legal; o Plano Decenal de Energia; 
Plano Setorial de Transporte e de Mobilidade Urbana para Mitigação da Mudança do Clima; 
Plano Setorial da Saúde para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima, dentre outros.
Após a aprovação do novo Código Florestal em 2012, os próximos marcos legais que estão indiretamente relacionados às mudanças climáticas e que, se aprovados, afetarão negativamente o meio ambiente brasileiro são o novo Código de Mineração e a PEC 215. O Código de Mineração, atualmente em discussão dentro do governo e no Congresso Nacional, está previsto para ser votado nos próximos meses. 
  • O projeto de lei em questão visa ampliar as possibilidades de exploração dos recursos naturais minerais, aumentar o volume de recursos públicos estaduais decorrentes dos royalties da mineração e restringir os direitos das comunidades indígenas afetadas em opinar nas consultas relativas à exploração destes recursos em suas terras.
A Proposta de Emenda Constitucional, PEC 215, propõe a transferência do poder decisório do Executivo Federal para o Congresso com relação à demarcação de terras indígenas, a titulação e direito sobre a terra pelas comunidades quilombolas e a criação de Unidades de Conservação Florestal.
  • Esta proposta é interpretada pelos defensores dos direitos das populações tradicionais como uma estratégia para paralisar novos processos de demarcação de terras e ampliar ainda mais o poder dos grandes latifundiários.
Este cenário revela que o modelo de desenvolvimento em curso possui méritos, em especial em relação a inclusão social, porém também traz contradições, principalmente com sua visão de curto prazo que se observa no país e também na região. Nossa inserção internacional reforça este modelo. 
  • Nossas escolhas no curto prazo podem nos levar ao aprisionamento de médio e longo prazos a um modelo de desenvolvimento insustentável ecologicamente, economicamente, socialmente e politicamente. 
Por isto é fundamental que o campo progressista se aproprie do debate sobre a sustentabilidade e formule alternativas de longo prazo viáveis para a população brasileira e latino-americana.

Mudanças climáticas e energia

Perspectivas e bloqueios: 
Ao projeto de região:
  • A primeira década dos anos 2000 foi marcada por decisivas transformações políticas na América Sul que resultaram em um impulso a um novo regionalismo.
Até 2003 a região encontrava-se prisioneira dos planos dos EUA de estender o NAFTA (North American Free Trade Agreement) por meio da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) para o restante do continente. Uma inflexão decisiva passou a ser feita a partir daquele ano, quando um conjunto de países sul-americanos passou a atuar de forma coordenada a favor do esvaziamento das negociações para a criação da ALCA.
  • Ao mesmo tempo em que a região reduzia o peso do projeto dos EUA em sua agenda, os norte-americanos passaram a dar forte prioridade em sua política externa à chamada “Guerra ao Terror”. 
Este contexto contribuiu para a ampliação do espaço necessário ao fortalecimento da concertação política regional. A região criou novas instâncias, e ampliou e tentou dar novo sentido à institucionalidade criada no período anterior. 
  • A Unasul (União de Nações Sul-Americanas) avançou, o Mercosul adotou novas pautas e diretrizes, como a ampliação do FOCEM (Fundo Para a Convergência Estrutural do Mercosul), o fortalecimento da dimensão social e a inclusão de novos membros. Mais recentemente a CELAC (Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos) foi criada. Uma nova vontade política passou a vigorar, inaugurando uma identidade baseada em um sentido renovado para a integração regional e no chamado pós-neoliberalismo. Este novo ciclo, entretanto, apresenta bloqueios estruturais e limitada perspectiva de futuro. 
Ele combina duas frentes: crescimento econômico, redução das taxas de desemprego e amplos programas de inclusão social em diversos países, e ao mesmo tempo, forte intensificação da exploração dos recursos naturais – em especial nos setores de energia e mineração - favorecida pela demanda da China por matérias primas abundantes na região. Este modelo traz riscos tanto do ponto de vista do padrão de desenvolvimento adotado e de inserção internacional como também para a consolidação da concertação política regional e do novo regionalismo.
  • A opção pela super exploração dos recursos naturais estimulada pela demanda chinesa por matérias primas está pressionando a região a vivenciar um race to the bottom em direção à flexibilização e rebaixamento da legislação sobre padrões de regulação socioambiental e de direitos de trabalhadores e de populações e comunidades tradicionais. 
A falta de diálogo sobre os instrumentos normativos, legais e econômicos que possam vir a promover uma agenda regional de sustentabilidade pode levar em breve a uma competição injusta dentro da própria região. Isso já está ocorrendo, por exemplo, com empresas brasileiras que estão cruzando fronteiras e transferindo suas operações para países vizinhos a fim de evitar padrões mais altos de legislação de proteção social, trabalhista e ambiental e de se beneficiar de salários mais baixos.
  • Outro exemplo é a priorização à importação de produtos chineses aos brasileiros pela Argentina, o que é ilustrativo de uma ação desfavorável à integração regional. O fator China está levando os países da região a responderem a demanda daquele país de forma individual e sem tentativa de coordenação que possa apontar alternativas coletivas como região.
Eduardo Gudynas faz uma importante diferenciação entre o extrativismo adotado por governos conservadores da região, cuja marca é a associação com empresas multinacionais e a ausência de esquemas de redistribuição da renda, e o extrativismo levado a cabo por governos progressistas – que garantem ao Estado um papel chave na captação e redistribuição da renda da exploração extrativa (em alguns casos realizam inclusive nacionalizações), convertendo-a em importante fonte de financiamento de programas de combate a pobreza. 
  • Nestes países, portanto, a associação dos programas de inclusão social com a intensificação da exploração dos recursos naturais acaba se constituindo em forte base de legitimação das atividades extrativas, deixando os programas sociais reféns de um modelo extrativista que depende da exportação de matéria prima e da alta dos preços no mercado externo.
Os riscos da opção por um padrão de desenvolvimento fortemente ancorado na exploração dos recursos naturais há muito são conhecidos. O pensamento cepalino dedicou-se a analisá-los. Celso Furtado escreveu sobre o caso da Venezuela em “Subdesenvolvimento com Abundância de Divisas”, de 1947. 
  • Na atualidade o caso da Venezuela nos ensina que na última década o país fez uma distribuição muito significativa da renda do petróleo (tendo atingido em 2012 o menor índice de desigualdades na região), sem ter contudo alterado a persistente dependência que tem deste recurso em sua economia. 
A chamada maldição dos recursos naturais e do petróleo é avaliada como risco de que a abundância de recursos naturais possa ter um efeito adverso sobre o desenvolvimento, produzindo consequências negativas sobre a produtividade da economia, a deterioração dos termos de troca e especialização em bens primários intensivos em recursos naturais nos países subdesenvolvidos. 
  • Apesar da retórica de diversos países sobre a importância de se usar as oportunidades de exploração dos recursos naturais para fomentar inovação e novas tecnologias, este fenômeno vem estimulando na América Latina um processo de desindustrialização precoce, que ocorre quando há perda de participação do setor industrial na economia, antes mesmo do país ter alcançado um nível de desenvolvimento econômico em que a produção industrial ultrapassa a produção de bens primários em relação ao PIB. 
O que tem acontecido é que “pulamos etapas” e o deslocamento da mão de obra vem se dando diretamente do setor primário para o setor de serviços de baixo valor agregado, perpetuando o problema da exclusão social do campo na cidade.Na mesma linha recentemente Joseph Stiglitz escreveu sobre a maldição dos recursos naturais em países da África: 
  • “Os recursos naturais serão uma bênção que trará prosperidade e esperança ou uma maldição política e econômica, como tem sido o caso em tantas nações? Países ricos em recursos têm tido pior desempenho do que os carentes. Têm crescido mais vagarosamente e com maior desigualdade. 
A infraestrutura (rodovias, estradas de ferro e portos) foi construída com apenas um objetivo em mente: tirar os recursos do país ao menor preço possível, sem qualquer esforço para processá-los no lugar de origem, muito menos para desenvolver indústrias locais baseadas neles.” As evidências parecem indicar que a demanda da China por matérias primas tende a levar a América Latina e a África a adotarem padrões semelhantes no que se refere a tendência a primarização de suas exportações. Isso é precisamente o que está ocorrendo em nossa região. 
  • Do ponto de vista dos desafios que este cenário coloca ao novo regionalismo, Marcelo Saguier argumenta que a integração guiada pelo modelo extrativista e pela intensiva exploração dos recursos naturais tem produzido bloqueios à coordenação política regional, à legitimidade do novo regionalismo junto a amplos setores dos movimentos sociais, e em especial a possibilidade de construção de uma perspectiva de transformação estrutural da região.
A multiplicação de conflitos socioambientais e territoriais indica que a distribuição dos benefícios do extrativismo é muito assimétrica e é cada vez mais questionada por diversos setores sociais. 
  • Somado a isso as instâncias democráticas de governança do novo regionalismo não têm aberto espaço ao processamento de tais conflitos, fazendo com que as importantes conquistas no campo da participação social alcançadas no novo regionalismo não se traduzam na prática em espaços substantivos de processamento dos interesses e visões em conflito.
Este cenário aponta portanto importantes limites inerentes ao ciclo construído na última década. Rio+20 e a trajetória multilateral de formação da agenda de desenvolvimento pós-2015:

a) O Brasil e a agenda da sustentabilidade no âmbito multilateral:
  • O Brasil tem sido um ator central na trajetória de constituição de regimes e outros arranjos multilaterais relacionados à sustentabilidade. O país foi anfitrião da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio 92) – que aprovou tratados e convenções estruturantes para o sistema multilateral na agenda do desenvolvimento sustentável – e vinte anos depois sediou a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), cujos resultados foram o documento final “O Futuro que Queremos” e o estabelecimento de um processo que leva à definição dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – importante agenda que substituirá os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio a partir da ancoragem na chamada Agenda de Desenvolvimento Pós-2015. Ou seja, apesar das críticas de que a Rio+20 não teria gerado resultados, ela foi capaz de definir o processo que norteará o tema da sustentabilidade nas negociações multilaterais nos próximos anos.
Na Rio+20, o Brasil apresentou uma posição inovadora em relação a um dos temas centrais da agenda – Economia Verde – propondo a abordagem dos três pilares Crescer- Incluir- Proteger (ou seja, o econômico/social/ambiental) que define o conceito de desenvolvimento sustentável para o país - e que se desdobrou, no caso da agenda da Rio+20, na tese da Economia Verde Inclusiva - e que tem sido a tônica da posição brasileira nos fóruns multilaterais sobre sustentabilidade. 
  • Apesar desta importante vitória diplomática, o Brasil não tem claro o que na prática é, ou propõe que seja, a economia verde e inclusiva, e como isto redireciona seu modelo de desenvolvimento.
O Brasil também tem tido um importante papel em outros espaços multilaterais relacionados à sustentabilidade, como é o caso das negociações sobre mudanças climáticas no âmbito da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (sigla em inglês UNFCCC). 
  • Na COP 15, em especial, frente à incapacidade e/ou falta de vontade política de liderança por parte das potências tradicionais, o Brasil adotou postura pró-ativa, apresentou metas de redução de suas emissões voluntárias com o objetivo de tirar o processo negociador do estado de impasse no qual se encontrava. O enfraquecimento do Protocolo de Kyoto e a falta de metas para a redução de emissão de carbono pós-2015 podem não só enfraquecer o multilateralismo, mas também e principalmente afetar de maneira negativa a economia mundial.
É importante ressaltar que de acordo com o último relatório do IPPC o Brasil, depois das regiões dos polos, foi o país mais foi afetado pelas mudanças climáticas. 
  • Neste sentido é importantíssimo para o Brasil, não só por questões de política externa, mas para sua sustentabilidade ambiental e econômica, encontrar maneiras de garantir um acordo eficaz nas negociações climáticas das Nações Unidas. 
Apesar de um consenso quase absoluto sobre a necessidade de todos os países, desenvolvidos e em desenvolvimento, caminharem para uma economia de baixo carbono há, entre os muitos impasses, duas grandes questões em jogo: 
  1. Como tratar as chamadas “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” dos países em relação as mudanças climáticas? Como estabelecer as metas de cada país? Com base no perfil de emissões históricas, de emissões per capita ou de emissões por dólar gerado, ou uma combinação destes? 
  2.  Quem e como se paga pela transição para uma economia de baixo carbono? Até o momento a posição brasileira, em conjunto com outros países em desenvolvimento, vem defendendo o critério da medição histórica, mas ainda estão considerando as vantagens e desvantagens de outras opções.
Como o relatório evidencia, os efeitos das mudanças climáticas afetarão nossas regiões mais pobres e vulneráveis, aumentando as secas no Nordeste e elevando a intensidade das chuvas e inundações no Sul e Sudeste. Os níveis de produção agrícola brasileira também poderão ser substancialmente afetados, conforme mostra o mesmo relatório. 
  • Neste sentido, incluir a reflexão sobre como o modelo de desenvolvimento brasileiro está preparado para lidar com estas questões é fundamental não somente do ponto de vista da sustentabilidade econômica do modelo de crescimento baseado em exploração de recursos naturais, como no que diz respeito aos efeitos políticos e sociais que vêm se colocando em virtude dos efeitos negativos de eventos naturais extremos como secas e inundações.
Apesar de muitos dos esforços brasileiros e da região estarem concentrados na mitigação das emissões de carbono - que se traduzem na grande vitória brasileira na diminuição de emissões de carbono decorrente da política de redução dos desmatamentos e o recente plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono) que visa adequar nossa agricultura à economia de baixo carbono - é fundamental que também tenhamos políticas robustas de adaptação, cujo custo envolvido é muito inferior ao custo de remediar os danos após eventuais catástrofes ambientais.
  • Embora o Brasil se apresente como um ator de peso na agenda da sustentabilidade no sistema multilateral, são frequentes as críticas sobre a inconsistência ou incompatibilidade entre as posições do país nos fóruns de caráter normativo e o comportamento observado em instâncias onde os interesses econômicos, financeiros e estratégicos do país estão em jogo. As posições negociadoras na OMC, por exemplo, são pautadas pela visão dominante entre os países emergentes de que a agenda ambiental seria meramente um artifício protecionista dos países do Norte contra as exportações agrícolas brasileiras.
Já em coalizões como o G20 e os BRICS o Brasil se posiciona pelo bloqueio da pauta e por evitar a abordagem da sustentabilidade. Uma evidência disso é a ausência de qualquer proposta de inclusão da sustentabilidade entre as iniciativas dos BRICS.
  • O Brasil e demais membros do bloco, exceto a China, parecem se sentir confortáveis com a adoção de uma postura defensiva que não os coloque frente a compromissos que possam limitar seus objetivos de perseguir altas taxas de crescimento econômico. O caso da China é interessante e merece ser estudado com mais profundidade, pois o país vem desenvolvendo mecanismos de inclusão da sustentabilidade em suas políticas públicas sem que isso imponha limitações a suas metas de crescimento econômico.
Outra evidência no âmbito dos BRICS é a insustentabilidade estrutural das relações comerciais entre Brasil e China, que são condizentes com a opção pela especialização primária das exportações brasileiras. Segundo Marcio Pochmann“as relações comerciais Brasil-China, entre 2000 e 2010, tiveram crescimento superior à elevação do comércio entre o Brasil e o mundo. 
  • Entre 2000 e 2010, as exportações brasileiras para a China elevaram-se de US$ 1,1 bilhão – 2% do total das exportações do Brasil – para US$ 30,8 bilhões – 15% do total, ao passo que as importações brasileiras da China cresceram de US$ 1,2 bilhão – 2% do total – para U$ 25,6 bilhões – 14% do total. Ao longo desse período, o saldo foi positivo para o Brasil em seis anos. (...) Todavia, a pauta de exportações brasileiras vem se concentrando em produtos básicos. Entre 2000 e 2009, os produtos básicos passaram de 68% para 83% da pauta. 
Os produtos que apresentaram a maior participação nas exportações, em 2010, foram minérios (40%), oleaginosas (23%) e combustíveis minerais (13%), que juntos responderam por 76% das exportações brasileiras.” Em outras palavras, a dependência do Brasil em relação às demandas de produtos primários daquele país é tão grande que a eventual perda dos mercados chineses pode comprometer seriamente a estratégia de crescimento brasileiro.
  • Por fim, como é apontado por muitos quando se coteja as posições externas brasileiras nos fóruns normativos multilaterais, há grande inconsistência da posição do Brasil ao querer ser reconhecido como um líder internacional na agenda da sustentabilidade, mas que continua bloqueando ou sendo pouco propositivo em buscar soluções de como avançar na agenda multilateral nos temas de sustentabilidade. Sem uma consistência maior das políticas nacionais de sustentabilidade, o Brasil dificilmente conseguirá manter sua liderança internacional. 
Mais do que o tamanho de nossa economia ou nosso arsenal bélico, o protagonismo e autonomia internacional brasileira dependem dos nossos ativos de recursos naturais e sociais, nossos mais valiosos ativos e que precisam ser preservados.

b) O processo de construção da Agenda de Desenvolvimento pós-2015
  • Frente a este cenário há que se perguntar se a trajetória de constituição da agenda multilateral sobre o desenvolvimento sustentável pode ou não contribuir para reforçar compromissos dos países com uma perspectiva de futuro ancorada na transição para a sustentabilidade e a economia de baixo carbono.
A Conferência Rio+20 estabeleceu em seu documento final “O Futuro Que Queremos” que em 2015 os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) serão sucedidos pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs). Diferentemente dos ODMs, os ODSs serão compromissos não só de países em desenvolvimento, mas também de países desenvolvidos. Para tal o documento final apontou a criação de duas instâncias:
  1. O Painel de Alto Nível Sobre a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015, criado em julho de 2012 pelo Secretário Geral da ONU Ban Ki-moon. O Painel substitui a Comissão das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CSD), que concluiu seus trabalhos desenvolvidos ao longo dos últimos vinte anos. 
  2. O Painel possui 27 membros, entre eles a Ministra brasileira do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Estão previstas reuniões dos chefes de Estado e de governo a cada quatro anos e reuniões ministeriais anuais com o apoio do ECOSOC. O painel assessorará o Secretário Geral da ONU sobre como os ODSs se relacionarão com a agenda mais ampla do desenvolvimento pós-2015. O Grupo Aberto de Trabalho Intergovernamental sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, cuja atribuição é elaborar uma proposta de ODSs, que por sua vez entrarão em vigor em 2015, no lugar dos ODMs. 
Alguns avaliam que esta foi uma saída encontrada para o fracasso no cumprimento dos ODMs cujo prazo expira em 2015. Um rascunho dos ODSs foi apresentado em maio de 2013, a saber: 
  1. Fim da pobreza extrema e da fome; 
  2. Alcançar o desenvolvimento global;
  3. Garantir aprendizado eficaz às crianças e jovens;
  4. Alcançar a igualdade de gêneros, inclusão social e direitos humanos; 
  5. Alcançar o bem-estar e garantir a saúde em todas as idades; 
  6. Melhorar os sistemas agrícolas e aumentar a prosperidade rural; 
  7. Capacitar as cidades, tornando-as inclusivas, produtivas e resistentes; 
  8. Controlar as mudanças climáticas e garantir energia limpa a todos;
  9. Assegurar serviços ambientais, biodiversidade e bom gerenciamento dos recursos naturais e 
  10. Transformar a governança para o desenvolvimento sustentável.
Adicionalmente a ONU também desencadeou um processo de consultas nacionais e globais visando subsidiar a montagem da Agenda de Desenvolvimento Pós-2015. Está prevista a realização de uma cúpula em 2015 para adoção do conjunto de metas.
  • Este processo toma como base o frágil documento “O Futuro Que Queremos”, criticado por muitos analistas por não ter a força necessária para alavancar uma nova vontade política. Por outro lado tem alguns méritos como a afirmação sobre a necessidade de indicadores de desenvolvimento mais amplos do que o PIB. 
No entanto, a erradicação da pobreza é a narrativa principal, deixando-se de lado o desafio da distribuição da riqueza e os problemas estruturais que asseguram a reprodução das desigualdades sociais, econômicas e de acesso a recursos naturais. Em sua abordagem sobre a governança global necessária ao desenvolvimento sustentável, o documento enfatiza a importância da participação dos atores não-governamentais e o papel do setor privado como motor de inovação e geração de riqueza.
  • Há ainda muita controvérsia e desconhecimento quanto ao que chamamos de Economia Verde, que foi uma das principais propostas da conferência oficial. 
De um lado do debate e apoiada principalmente pelos países europeus a ideia de que a economia mundial pode e deve seguir perseguindo altas taxas de crescimento, agora financiada por novas tecnologias ancoradas na eco-eficiência e em processos produtivos com baixa emissão de carbono. 
  • A tese do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) mantém intocada toda a dinâmica do atual modelo, reiterando a manutenção dos atuais padrões de produção e consumo desde que sejam convertidos de tecnologias “marrons” em “verdes”. Não trata as crescentes desigualdades sociais, econômicas e de acesso aos recursos naturais vigentes no mundo.
Este posicionamento foi objeto de forte crítica em especial pelos países em desenvolvimento, que viram na proposta a iminência de terem que pagar a conta da transição para as novas tecnologias “verdes” sob o risco de serem penalizados com medidas protecionistas e punitivas às suas exportações.
  • Do outro lado da controvérsia, mas também contra a chamada Economia Verde, estão as empresas “sujas” e que exploram recursos naturais, como a agricultura extensiva, as mineradoras, as siderúrgicas, e as grandes empresas de energia. 
Estas empresas normalmente dependem de grandes subsídios públicos e não querem ter que incorporar os custos socioambientais de suas operações ou ter o recebimento de subsídios públicos vinculado a condicionantes socioambientais.
  • Infelizmente o debate sobre a incorporação de custos socioambientais, inicialmente presente nas discussões de economia sustentável, foi totalmente sequestrado pelos interesses privados tanto dos países do Norte como das elites do Sul. 
Voltar a este debate podendo identificar as armadilhas de interesses privados e as necessidades de interesse público e comum é vital e, para isto, precisamos nos preparar para um debate onde as questões de equidade e sustentabilidade sejam priorizadas.

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