sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Sustentabilidade do Desenvolvimento no Brasil

Bonito – Mato Grosso do Sul

  • Ao longo da última década o Brasil e a América do Sul realizaram amplos processos de inclusão social de dezenas de milhões de pessoas, o que se tornou possível graças a um novo ciclo de governos progressistas que priorizaram o papel do Estado e a erradicação da pobreza, combinada com uma conjuntura internacional de forte alta no preço de commodities e de crescente demanda por matérias primas e recursos naturais abundantes no país e na região. 
A pobreza e as desigualdades foram reduzidas, embora a região e o Brasil sigam mantendo os maiores padrões de concentração de renda e riqueza no planeta. Ao mesmo tempo, o perfil do PIB e da pauta de exportações latino-americanas demonstra uma tendência à desindustrialização, crescente dependência do extrativismo (caracterizado pela exploração de minérios, petróleo, monocultivos intensivos e em larga escala, ou seja, exploração de grandes volumes de recursos naturais), reprimarização das economias da região e, portanto, de uma crescente dependência econômica e política do setor primário exportador para a manutenção das taxas de crescimento e, por conseguinte, dos programas de inclusão social.
  • Este cenário tem levado amplos setores da opinião pública e inclusive forças no campo progressista a enxergarem uma falsa polarização entre a necessária prioridade a ser dada à manutenção dos programas de inclusão social por um lado e a sustentabilidade socioambiental do desenvolvimento por outro. 
Os argumentos correntes tendem a apresentar como inexorável a intensificação da exploração dos recursos naturais e do extrativismo como a única alternativa para a manutenção das conquistas sociais da última década.
  • Este texto visa desmontar esta polarização e problematizar a trajetória do desenvolvimento brasileiro na última década do ponto de vista de sua insustentabilidade estrutural, econômica, social, política, ecológica, estratégica e de inserção internacional.
Pretende demonstrar que a opção pela super exploração dos recursos naturais como aproveitamento da vantagem comparativa da região e marca de inserção dos países no mercado externo condena o país e a região a uma perigosa dependência de grupos rentistas nacionais e estrangeiros, e gera maior vulnerabilidade em relação a flutuação dos preços das commodities. 
  • No plano interno, este caminho leva a uma submissão aos interesses dos setores que concentram a propriedade da terra ou que dominam os recursos naturais, como minérios e petróleo, ao mesmo tempo em que nos setores extrativos gera pouco emprego e precariza o trabalho, perpetua desigualdades, concentra a renda da exploração e exportação ao mesmo tempo em que entrega para as maiorias os conflitos e injustiças sociais e ambientais.
O modelo de desenvolvimento em curso baseado na exploração intensiva e ineficiente de uso de recursos naturais em breve chegará ao fim. Os limites de nossas reservas de recursos naturais minerais, florestais e petrolíferos, as futuras mudanças físicas, sociais, políticas e econômicas causadas pelas mudanças climáticas e a persistência das desigualdades demandam que o campo progressista reflita sobre o nosso modelo de desenvolvimento e se pergunte como queremos nos posicionar no futuro neste contexto e se e qual deve ser nossa posição quanto ao debate nacional e internacional sobre a sustentabilidade.
  • Se hoje a agenda de sustentabilidade é ainda vista por muitos na sociedade brasileira como uma agenda supérflua ou conservadora, e por setores empresariais como oportunidade para elevarem a lucratividade de seus negócios, a eficiência no uso de recursos naturais, a diminuição da emissão de gases do efeito estufa, a diversificação da produção agrícola, a valorização dos sistemas de produção que mantém a floresta em pé, a preservação dos rios e da biodiversidade podem se tornar a chave da nossa competitividade econômica e da justiça social no futuro próximo.
No plano regional, a dinâmica de integração impulsionada pelo novo ciclo de governos progressistas e pós-neoliberais também é caracterizada por uma forte orientação voltada à exploração dos recursos naturais – em especial nos setores de mineração, petróleo e gás. 
  • Este arranjo pode constituir um obstáculo à consolidação de uma nova identidade regional e uma nova forma de inserção da região no sistema internacional, que tenha como base a vontade política constituída pelo ciclo pós-neoliberal inaugurado nos últimos anos.
No plano multilateral, a realização em 2012 da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio+20) desafia os governos a se posicionarem sobre o tema e a estabelecerem compromissos de longo prazo, demandando que as organizações e movimentos sociais se engajem e disputem os rumos desta agenda, sob pena de verem a mesma ser capturada por interesses empresariais e privatistas.
  • O texto visa, portanto, apresentar elementos que demonstrem que o ciclo de exploração intensiva dos recursos naturais como opção de inserção global do país e da região é insustentável e se esgotará.
O campo progressista precisa reunir elementos de análise e de perspectivas de futuro de modo a poder incidir nos rumos desta agenda. Brasil na encruzilhada: o modelo brasileiro e a agenda da sustentabilidade
  • O Brasil tem muito a comemorar. A redução das desigualdades de renda e da pobreza é fruto não só de uma ação coordenada do governo na última década de garantir valores mínimos de renda aos mais pobres através de programas de transferência de renda como o Bolsa Família, mas principalmente devido a expansão econômica e a expansão do mercado de trabalho com a garantia de um patamar mínimo de remuneração através do aumento do salário mínimo.
Apesar destas importantes conquistas, a luta pela redução da desigualdade de renda está longe de estar concluída. Uma das maiores desigualdades que ainda enfrentamos são as desigualdades regionais, onde os embates e conflitos em torno da exploração de recursos naturais são maiores. 
  • A realidade de exclusão social é muito mais severa nas regiões Norte e Nordeste, de onde grande parte das commodities brasileiras para exportação são extraídas, do que nas regiões Sul e Sudeste.
Apesar do modelo de desenvolvimento adotado pelos partidos progressistas no Brasil e na América Latina ter dado passos importantíssimos na redução de pobreza e desigualdade de renda, sabemos que ele fez pouco para superar as altas disparidades de riqueza regionais e de acesso a serviços públicos de qualidade, como educação, saúde, moradia e transporte.
  • Sabemos também que o atual modelo de desenvolvimento criou um ciclo vicioso que faz com que as políticas sociais dependam direta ou indiretamente de um crescimento econômico baseado na exploração e exportação de recursos naturais e commodities, levando-as a estar cada vez mais dependentes da alta dos preços destes produtos no mercado externo.A vinculação dos futuros orçamentos da área de educação e saúde aos royalties do Pré-Sal é uma clara evidência disto.
Algumas perguntas que temos que enfrentar são:
  • Como podemos avançar nas mudanças sociais já em curso em um eventual contexto econômico global menos favorável à região? 
Deveríamos deixar os avanços sociais dependentes de um modelo de desenvolvimento pautado em fatores externos como o preço das commodities e recursos naturais no mercado externo?

Agricultura Sustentável

Recursos naturais:
Um dos mais importantes ativos brasileiros:
  • O Brasil tem a maior área de floresta protegida do mundo: 2,4 milhões de quilômetros quadrados, 28% do seu território ou 28.3% das florestas originais remanescentes do planeta. A biodiversidade brasileira é reconhecida mundialmente por sua riqueza extraordinária e contamos com 12% da água doce superficial no mundo.
No que se refere a energia, o Brasil sempre se apresenta como o grande campeão em termos de matriz energética limpa, desde que se considere a energia hidrelétrica enquanto tal, já que os impactos sociais, violações de direitos de populações tradicionais, massivos reassentamentos e desestruturação de dinâmicas territoriais e regionais levam muitos analistas a questionarem se as hidrelétricas devem ser incluídas no rol das energias limpas. 
  • O país continua sendo líder mundial na proporção do uso de fontes renováveis em sua matriz energética, com 47,3% de sua produção proveniente destas fontes (cana-de-açúcar, hidrelétricas, lenha, carvão e outros), contra uma média mundial de 18,6%. 
Apesar de estar aumentando rapidamente, a contribuição do Brasil para o efeito estufa pela emissão de CO2 ainda é relativamente pequena, 1,4% pelo período de 2005 e 20085. 
  • As mudanças na matriz energética brasileira vêm ocorrendo rapidamente e já há projeções de que nos próximos cinco anos ela passe a ser responsável por 40% de nossas emissões de carbono, acima das emissões relacionadas ao desmatamento ou agricultura. Hoje ela representa 32% do total das emissões brasileiras.
O Brasil tem também um arcabouço institucional e legal e de políticas públicas na área de sustentabilidade avançado quando comparamos com outros países emergentes. Nossa Constituição assegura importantes direitos às populações tradicionais, determina que a proteção do meio ambiente recai sobre todos os entes federativos, estabelece a necessidade de licenciamento ambiental com a realização de estudos de impacto ambiental (também conhecido como EIA/RIMA) previamente à realização de empreendimentos, e possui um órgão federal fiscalizador com poderes concretos (IBAMA).
  • Apesar da riqueza de nossos recursos naturais e de uma razoável legislação é necessário esmiuçar as enormes contradições do nosso modelo de desenvolvimento em relação à utilização destes recursos e, em particular, as mazelas que a visão de curto prazo adotada pode trazer para o país. Qualquer modelo econômico dependente da exploração intensiva de recursos naturais finitos é logicamente insustentável no médio e longo prazos. 
Apesar de ainda abundantes, estes valiosos ativos nacionais estão sendo explorados de maneira ineficiente, irracional e insustentável no médio e longo prazos. 
  • As terras, minérios, petróleo ou mesmo as águas doces dos rios brasileiros são recursos escassos e economicamente deveriam ser tratados como tal. O presente modelo de desenvolvimento parece ignorar a necessidade de um plano que assegure nossa competitividade no futuro próximo quando estes recursos terminarem ou considerando possíveis novos mercados que poderiam valorizar ainda mais nossos ativos naturais.
Um modelo de desenvolvimento realmente inclusivo e sustentável no médio e longo prazos deve se calcar na premissa de que estes recursos naturais, embora disponíveis, não devem ser usados até a exaustão, sob a pena de reproduzir a lógica colonialista adotada no passado que esgotou tantos recursos na região e em outros continentes. 
  • Pensar um modelo de desenvolvimento que não dependa tanto destes recursos, mas sim de outros tipos de atividades econômicas menos intensivas em recursos naturais e concentradoras de renda deveria estar na pauta de todos aqueles que desejam combater a manutenção dos elevados níveis de desigualdade ainda característicos no país e na América Latina.
Apesar de nossos grandes ativos naturais e ambientais, as escolhas que fazemos hoje em relação a nossa política industrial e energética estão nos aprisionando num modelo de desenvolvimento arcaico e não competitivo num cenário de uma economia global de baixo carbono. Um exemplo claro neste sentido é a política de incentivos fiscais à aquisição de automóveis no Brasil, que vem resultando em graves problemas de mobilidade para as cidades brasileiras e em aumento das emissões de gases de efeito estufa deste setor no Brasil.
  • Devemos também questionar a justificativa comumente adotada de que a exploração intensiva de nossos recursos naturais no curto prazo é essencial para suprir necessidades sociais e econômicas imediatas. Infelizmente, a verdade é que a insustentabilidade ambiental do modelo desenvolvimentista brasileiro caminha de mãos dadas com a reprodução das desigualdades no Brasil, pois o mesmo favorece a acumulação de capital daqueles que possuem recursos naturais e não a distribuição da riqueza oriunda de sua exploração entre toda a população. Explorar estas contradições é fundamental para que possamos ultrapassar a polarização do debate social e ambiental no campo progressista.
Segundo Guilherme Delgado, “dada a atual configuração da inserção do Brasil no comércio mundial, os recursos naturais passaram a figurar como vetor principal de competitividade externa. O pressuposto dessa competitividade, baseada em estoques finitos de recursos naturais, é preocupante por varias razões. 
  • As matérias-primas aí produzidas apresentam baixa agregação de trabalho humano; há forte pressão por super exploração dos recursos naturais em curto prazo; e a inovação técnica de ponta do sistema industrial fica relativamente relegada ao segundo plano, (exceto no caso do Petróleo – Pré-sal), porque os ganhos de produtividade do subsistema exportador estão muito mais ligados às chamadas vantagens comparativas naturais. 
Temos uma armadilha grave nesse quadro estratégico. Competitividade externa de “commodities” agrícolas e minerais, apoiada no argumento da produtividade da terra e das jazidas minerais disponíveis, sustenta um fluxo de transações correntes com o exterior dependente de capital estrangeiro. 
  • A resultante inevitável é super exploração de jazidas e terras novas e também intensificação do pacote técnico agroquímico nas zonas já exploradas, para obter maior fatia do mercado externo de produtos primários. Esse arranjo não é sustentável, em médio prazo, econômica e ecologicamente. 
Os tais ganhos de produtividade das exportações de minerais, petróleo, carnes, grãos, etanol etc., deixados a critério estritamente mercantil, tendem a se extinguir no tempo com a dilapidação paulatina dos recursos naturais não renováveis. Por outro lado, o perfil distributivo deste modelo não é menos perverso. 
  • Os ganhos de produtividade na fase expansiva das “commodities” viram renda da terra e do capital, capturadas privadamente pelos proprietários das terras, das jazidas e do capital; mas os custos sociais e ambientais da super exploração desses recursos e do trabalho precarizado aí envolvido são da sociedade como um todo. 
Compensações se tornam necessárias, mas não seriam remédio suficiente para suprir os custos sociais degradantes do trabalho e do meio ambiente. Este quadro econômico de produção e repartição do excedente econômico não se compraz com democracia política e social. Não está claro que o governo atual tenha clareza de sua não sustentabilidade em médio prazo. 
  • O sistema tributário e a política social provavelmente teriam que extrair e redistribuir uma parcela muito grande da renda da terra e do capital para suprir necessidades básicas; e ainda que o fizesse não resolveria o problema de fundo. Mas como fazê-lo se esse sistema estiver sob controle político dos donos da riqueza fundiária?”.
É importante notar que o contexto internacional de forte alta no preço de commodities permitiu que os amplos programas de inclusão social, elevação do valor do salário mínimo e redução nos índices de desigualdades pudessem ocorrer sem perdas para os setores que mais concentram renda. Ao contrário, ganharam: dados da PNAD 20127 demonstram que o ganho de renda do trabalho foi mais forte entre os 1% do topo da pirâmide. Apenas 93 mil pessoas concentram 12,5% de toda a renda do trabalho no Brasil. 
  • Os dados mostram também uma desaceleração do ritmo de queda da desigualdade. Ou seja, o Brasil segue sendo extremamente desigual e o enfrentamento da desigualdade em um contexto internacional desfavorável a um modelo dependente da exploração intensiva dos recursos naturais talvez abra a possibilidade de se incluir na agenda a necessidade de perdas aos que se situam no topo da pirâmide.
Churrasqueira solar pode substituir lenha e carvão nos 
países em desenvolvimento