quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

A cidadania e os conflitos sócio-Ambientais

Educação Para a Gestão Ambiental: A cidadania no enfrentamento 
politico dos conflitos sócio-Ambientais

  • A educação ambiental está completando duas décadas de existência. Mas não é nosso propósito avaliar neste capítulo o que foi feito nesses vinte anos. 
Diante da possível ineficácia dessa prática educativa apontada por alguns pesquisadores, e da construção de um cenário estruturado na sociedade de risco, surge o desafio de incorporar novos conceitos na educação ambiental que dêem conta das novas realidades. 
  • Não são, entretanto, tão novos assim: uma das correntes da educação ambiental, a Educação para a Gestão Ambiental, sobressai atualmente como a portadora de determinados conceitos que podem com grande probabilidade responder aos desafios de se trabalhar uma educação ambiental voltada para o exercício da cidadania, no sentido do desenvolvimento da ação coletiva para o enfrentamento dos conflitos sócio-ambientais. 
Sem pretender exaurir a proposta do exame teórico para uma educação ambiental renovada que seja capaz de transcender seu caráter predominantemente conservador, pautado numa prática conteudística, biologicista e pragmática, do qual resulta uma proposta social reformista, tentaremos aqui analisar a importância da ação coletiva no fortalecimento da cidadania, buscando mapear e discutir os principais fundamentos conceituais da Educação para a Gestão Ambiental. 

O que é Educação para a Gestão Ambiental? 
  • Alguns educadores resolveram atualmente renomear aquilo que já era consagrado como “educação ambiental”. Surgiram, então, no Brasil e no mundo, novas nomenclaturas para a prática educativa relativa ao meio ambiente na década de 90: além da educação ambiental, fala-se agora em Educação para o Desenvolvimento Sustentável (Neal, 1995), 
Ecopedagogia (Gadotti, 1997), Educação para a Cidadania (Jacobi, 1997a) e, finalmente, Educação para Gestão Ambiental (Quintas e Gualda, 1995). Esse fato por si só suscita várias indagações. 
Quais são os fatores determinantes do surgimento desses novos termos?
O que essa proliferação pode significar?
Algum deles poderá suceder a educação ambiental?
Trata-se de uma transição equivalente a que ocorreu em relação à substituição da educação conservacionista pela educação ambiental, quando de fato havia diferenças significativas entre elas que então merecessem a distinção?
Poderíamos aqui formular uma série de questões. Contudo, iremos apenas examinar o significado do surgimento da Educação para a Gestão Ambiental e verificar os seus determinantes sociológicos, uma vez que o termo está se disseminando a passos largos nas iniciativas de formação de professores. 
  • O IBAMA promoveu, em 1998 e 1999, Cursos de Introdução à Educação no Processo de Gestão Ambiental, destinado a ONG’s que atuam com o IBAMA e educadores tanto dos Núcleos de Educação Ambiental do órgão como das Unidades de Conservação do país. 
Além disso, uma das atividades do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara consistiu no desenvolvimento do Curso de Especialização em Educação para a Gestão Ambiental, oferecido aos professores da Rede Estadual do Rio de Janeiro dos sete municípios beneficiados com as obras. 
  • Para iniciar nosso exame, é necessário que nos detenhamos um momento no período da transição da educação conservacionista para a educação ambiental, a fim de identificar suas especificidades, o que permitirá demonstrar se a Educação para a Gestão Ambiental difere ou não da educação ambiental. Tanner (1978), que elabora um quadro comparativo entre a educação conservacionista e a educação ambiental, entende que a principal característica da primeira é o foco no ambiente não humano. 
Daí ser também intitulada com freqüência como “o estudo da natureza”. Predominantemente rural, aborda basicamente as ciências naturais como conteúdo a transmitir, e a sua principal mensagem é mostrar ao educando os impactos decorrentes das atividades humanas na natureza, para então enfatizar os meios tecnológicos capazes de enfrentá-los. 
  • Entendendo o problema ambiental como fruto de um desconhecimento dos princípios ecológicos que gera “maus comportamentos”, caberia à educação conservacionista, um instrumento de socialização humana perante a natureza, criar “bons comportamentos”. 
Por outro lado, Tanner (1978) esclarece que a educação ambiental insere o ambiente humano em suas considerações, sobretudo o urbano, promovendo uma maior articulação entre o mundo natural e o mundo social. Com isso, transcende a perspectiva da abordagem de conteúdos meramente biologizantes das ciências naturais e engloba aspectos socioeconômicos, políticos e culturais das ciências sociais e humanas. 
  • Com efeito, a Conferência de Tbilisi, considerada o marco conceitual definitivo da educação ambiental (Dias, 1993), apresenta uma visão crítica da realidade bastante pertinente, demonstrando que a causa primeira da atual degradação ambiental deve sua origem ao sistema cultural da sociedade industrial, cujo paradigma norteador da estratégia desenvolvimentista, pautada pelo mercado competitivo como a instância reguladora da sociedade, fornece uma visão de mundo unidimensional, utilitarista, economicista e a curto prazo da realidade, em que o ser humano ocidental se percebe numa relação de exterioridade e domínio da natureza. 
Evidentemente, essa interpretação rompe frontalmente com a percepção ainda cristalizada por muitos educadores segundo os quais as causas dos impactos ambientais residem, entre outros fatores, na explosão demográfica, na agricultura intensiva e na crescente urbanização e industrialização, como se tais fenômenos estivessem dissociados da visão de mundo instrumental da sociedade na qual foram originados. 
  • Aguilar (1992) acrescenta que a grande relevância de Tbilisi é o seu rompimento com relação aos eventos científicos anteriores, ainda reduzidos ao sistema ecológico, por serem demasiadamente imbuídos de uma educação conservacionista. 
Fortemente atrelado aos aspectos políticos-econômicos e socioculturais, e não mais restrito ao aspecto biológico da questão ambiental, o documento de Tbilisi ultrapassa a antiga concepção das práticas educativas, que eram frequentemente descontextualizadas, ingênuas e simplistas, por buscar apenas a incorporação de novos conhecimentos sobre a estrutura e funcionamento dos sistemas ecológicos ameaçados pelo ser humano, como se isso por si só bastasse para gerar “bons comportamentos”. 
  • O documento de Tbilisi afirma que o processo da educação ambiental deve proporcionar, entre outros fatores, a construção de valores e a aquisição de conhecimentos, atitudes e habilidades voltadas para a participação responsável na gestão ambiental. Tanner (1978) lembra ainda que ela busca um envolvimento público através de programas de ação que ensinem os educandos a serem cidadãos ativos numa democracia. 
Leonardi (1997) esclarece que em vários documentos internacionais de relevo enfatiza-se a importância da educação ambiental, entre outros motivos, por sua relação com o exercício da cidadania, o que demonstra seu compromisso original com a formação da cultura democrática. A autora acrescenta ainda que a cidadania está baseada na consciência do cidadão como pertencente a uma coletividade, antepondo-se esse dado a qualquer interesse individual que porventura exista, decorrendo daí a constatação de uma maior importância ao educador ambiental, como poderemos observar ao longo deste capítulo. 
  • Contudo, persiste ainda no imaginário de muitos educadores, uma confusão conceitual entre o domínio da educação conservacionista e a educação ambiental. Assim, quando pensamos nos impactos ambientais decorrentes das atividades humanas, estamos acostumados a desenvolver atividades educativas que versam sobre questões relativas aos efeitos dos processos erosivos, associados por exemplo ao pastoreio excessivo no campo ou então à expansão urbana descontrolada, seja subindo as encostas dos morros da cidade, ou invadindo as margens dos corpos d’água. 
Dessa forma, desenvolvemos práticas que mostram o processo da erosão dos solos, deslizamentos de encostas, assoreamento dos rios e enchentes nas cidades. Todavia, procedendo assim, estamos dando mais atenção às consequências do que às causas do fenômeno. Cabe então a pergunta: quais são as causas primeiras do uso incorreto dos recursos naturais? 
  • Certamente, diriam alguns, consiste no desconhecimento dos efeitos colaterais danosos de um uso intensivo e errado dos recursos naturais, o que enfatizaria a dimensão da falta da conhecimento ecológico aplicado na atividade produtiva do ser humano. 
Outros acrescentariam que consistem igualmente na ausência de conhecimento de tecnologias modernas que permitam a adequação ou mesmo a intensificação do ritmo produtivo sem o desenvolvimento de consequências negativas ao ambiente. 
  • Outros ainda, poderiam avançar na análise e sugerir que o uso incorreto dos recursos naturais acarreta em degradação ambiental também por causa da ganância individual de determinados agentes sociais na exploração do recurso natural a fim de obter ganhos a curto prazo, maximizando uma atividade produtiva; ou ainda, por causa da incorreta percepção do senso comum de que o patrimônio ambiental não deve ser tratado como um bem da coletividade, pois ele é individual..
O importante aqui é perceber que para os dois primeiros casos, a educação conservacionista bastaria por si só, dando a conhecer aos educandos, por exemplo, a dinâmica dos solos, o ciclo hidrológico e os modos de interação humana com a natureza, ou seja, as possibilidades que o ser humano pode contar para viver e produzir sem deteriorar a base dos recursos. 
  • Conscientizar, aqui, é a palavra-chave. E a conscientização, em última instância, implica o reconhecimento de que o ser humano é uma tábula rasa homogênea e inerentemente bom, bastando ser educado para modificar os seus comportamentos. 
Não cabe aqui discutir se a natureza do ser humano é boa ou má, mas sim partir do princípio de que pode ser ambos, já que a multiplicidade de condicionantes que determinam o comportamento das pessoas permite que umas sejam mais permeáveis que outras a promover mudanças. Mas, para o terceiro caso, são necessárias outras estratégias educacionais complementares. 
  • Onde o educador ambiental deve enveredar-se pela delimitação das relações sociais, pela identificação dos conflitos de uso dos recursos naturais e pela elaboração e implementação de políticas públicas. 
Com efeito, Carvalho (1992) ressalta que se a educação quer realmente transformar a realidade, não basta investir apenas na mudança de comportamentos, sem intervir nas condições do mundo em que as pessoas habitam. A autora esclarece que a ação política – espaço da cidadania e gestão democrática – é na verdade o oposto da tendência conformista e normatizadora dos comportamentos. 
  • Dessa forma, evidencia-se a grande falha da educação conservacionista: uma análise através da perspectiva sociológica revela que o seu pano de fundo é o caráter profundamente tecnocrático, já que confia, mais do que em qualquer outro sujeito social, na solução apresentada pelo especialista técnico que apontará as tecnologias adequadas não nocivas ao ambiente. 
Retomemos brevemente os comentários de Rovère (1992) a respeito da relação entre tecnologia, sociedade e democracia, para compreender melhor o processo. O progresso técnico caminha no rumo estabelecido pela “mão-invisível” de Adam Smith (onde cada indivíduo, perseguindo seu próprio interesse, faz com que o mercado se otimize e atinja um ponto de equilíbrio ótimo), pois avança em função de suas necessidades. 
  • É baseado no valor de troca, e não nas necessidades sociais, fundamentadas em valores humanos. Percebe-se assim, a existência de um limite, de modo que o uso de uma determinada tecnologia pode acabar gerando efeitos colaterais negativos à coletividade, como por exemplo, o clássico caso urbano do elogio ao automóvel, um modelo de transporte individual, em detrimento do modelo de transporte coletivo sobre trilhos.
As opções tecnológicas devem ser controladas pela sociedade, que deve contar com a liberdade de escolha entre as alternativas opções, e não deixar uma decisão tecnocrática ao sabor do critério da eficiência econômica. Já a educação ambiental, na medida em que inclui o ambiente humano em suas práticas, incorpora os processos decisórios participativos como um valor fundamental a ser considerado na proteção ambiental. 
  • Dessa forma, torna-se uma prática que não se reduz à esfera comportamental. Assim, enquanto a educação ambiental engloba a cidadania, a educação conservacionista vincula-se a uma perspectiva tecnocrática e comportamental. Essa é a principal diferença de cunho sociológico que nos interessa mencionar. Talvez essa nova forma de perceber o mundo tenha sido significativa para que a educação ambiental substituísse a educação conservacionista. 
Porém, vale a pena registrar que de acordo com Tanner (1978), a educação ambiental substituiu a educação conservacionista, mas segundo Disinger (1985/6), não a sucedeu. A educação ambiental substituiu a educação conservacionista porque ganhou popularidade no final da década de 60 e conquistou a simpatia dos educadores então intitulados conservacionistas, passando a ser prática dominante. Mas não a sucedeu porque se trata na verdade de dois corpos teóricos com doutrinas diferentes, e portanto há espaço para ambas as práticas atuarem concomitantemente. 
  • A educação ambiental não negou nem explicitou uma contradição entre a educação conservacionista para que a tornasse inviável como uma concepção teórica que não pudesse mais responder à realidade. 
Tendo em vista esse panorama comparativo entre a educação conservacionista e a educação ambiental, iremos agora examinar atentamente o conceito Educação para a Gestão Ambiental, no intuito de discriminar suas características e possibilitar um confronto com os corpos teóricos já analisados. 
  • A Educação para a Gestão Ambiental foi formulada em âmbito governamental no Brasil por José da Silva Quintas e Maria José Gualda, educadores da Divisão de Educação Ambiental do IBAMA. Em julho de 1995, foi realizado um seminário em Brasília para a elaboração de um curso de pós-graduação latu-sensu, no qual se formulou um documento para introduzir o tema aos participantes do evento. 
Nele, Quintas e Gualda (1995) definem meio ambiente como o fruto do trabalho dos seres humanos, relacionando o meio natural ao social. Os autores esclarecem que no processo de transformação do meio ambiente, são criados e recriados modos de relacionamento da sociedade entre si e com a natureza. 
  • O que deve ser destacado é que essa ação, por ser realizada por sujeitos sociais diferentes, está condicionada à existência de interesses individuais e coletivos que muitas vezes podem até ser opostos. É aí que entra em cena a Gestão Ambiental, entendida essencialmente como um processo de mediação de conflitos de interesses. 
Além da diversidade de atores sociais envolvidos em conflitos sócio-ambientais, os autores reconhecem também a assimetria dos poderes político e econômico presente no cerne da sociedade. 
  • Nem sempre o grupo dominante leva em consideração os interesses de terceiros em suas decisões. Dessa forma, uma decisão pode definir a distribuição dos ganhos e perdas; o que é benéfico para uns pode ser prejudicial ou mesmo fatal para outros. 
Diante desse quadro, os autores delineiam o papel da educação no processo de Gestão Ambiental: diante do desafio da criação de condições para a participação política dos diferentes segmentos sociais, tanto na formulação de políticas públicas como na sua aplicação: 
“o educador deve estar qualificado também para agir em conjunto com a sociedade civil organizada, sobretudo com os movimentos sociais, numa visão da educação ambiental como processo instituinte de novas relações entre si e deles com a natureza.” 
Em outras palavras, ela prepara o terreno da tão decantada fórmula do exercício da cidadania, instrumentalizando a sociedade civil para a participação na vida política, distante, portanto, da tendência conformista da mudança de comportamentos individuais. Esse documento teve importantes desdobramentos e acabou influenciando a elaboração das Diretrizes para Operacionalização do Programa Nacional de Educação Ambiental (IBAMA, 1997), em que se detalha seu significado: uma abordagem de conteúdos que levem a caminhos políticos de superação dos conflitos sócio-ambientais. 

Educação Para a Gestão Ambiental: A cidadania no enfrentamento 
politico dos conflitos sócio-Ambientais

  • Torna-se necessário, portanto, para uma prática pedagógica engajada na realidade local o conhecimento dos interesses políticos e econômicos dos diferentes sujeitos sociais e das instituições, dos modos de acesso e usufruto dos recursos naturais, dos regimes de propriedade dos recursos, das opções tecnológicas existentes, dos impasses para a negociação, do conflito que impede o diálogo, dos instrumentos jurídicos à disposição e dos demais aspectos que contribuem para a reflexão das alternativas políticas. 
Na prática, isso requer a apreensão da realidade local, de uma forma que não envolva apenas o estudo ecológico, a exemplo da classificação do tipo de bioma examinado, da descrição de fauna, flora e relações dos problemas ecológicos da realidade considerada. 
  • Ou seja, transcende-se definitivamente a perspectiva biologizante na abordagem dos conteúdos a serem trabalhados na prática educativa. Enfim, pelo exposto acima, ao contrário da educação conservacionista, podemos verificar que a educação ambiental não difere da Educação para a Gestão Ambiental. Esta última apenas avança no detalhamento de uma das dimensões da educação ambiental, já sinalizada desde Tbilisi, no que se refere ao desenvolvimento da cidadania e da democracia ambiental. 
Assim sendo, ela deve ser entendida como um subconjunto da educação ambiental, pois das quatro correntes de práticas educativas voltadas para a questão ambiental no Brasil, identificadas por Sorrentino (1993) – conservacionista, educação ao ar livre, economia ecológica e gestão ambiental – tudo indica que esta última tenha adquirido maior projeção entre os educadores, sobressaindo-se dentre as demais. Se houve a criação de novos termos para a definição de outra prática educativa relacionada ao meio ambiente, teriam mudado também os enfoques da questão na prática pedagógica?
  • Apesar de a Educação para a Gestão Ambiental não corresponder a um corpo teórico essencialmente diferente da educação ambiental, acreditamos que exista um processo interno à educação ambiental – uma crise de descrédito que favorece o surgimento desta multiplicidade de novos termos – o qual determina um afastamento do antigo conceito; e um processo externo a ela – a conjuntura histórica, como a redemocratização latino-americana, o eixo da redefinição do conceito – o qual determina uma aproximação de novos conceitos. 
Tem-se intensificado, nos últimos anos, o descrédito da educação ambiental no cenário internacional, tanto pela ausência de resultados concretos, quanto pela fragilidade metodológica de sua prática. Apesar de ela sempre ser lembrada como uma ferramenta vital para o enfrentamento das questões ambientais, não se nota ainda total reconhecimento de sua eficácia, resultando numa onda de desqualificação entre os profissionais dessa atividade. 
  • Em mais de vinte anos de existência, ela não tem conseguido provar resultados na reversão da crise ambiental no tocante às suas atribuições. Dietz (1994) reforça a necessidade de mostrarmos resultados concretos, enfatizando por exemplo a importância do uso de instrumentos consistentes de avaliação; 
Gigliotti (1990, 1992) afirma que a meta não foi atingida simplesmente porque as pessoas ainda acreditam que as inovações tecnológicas sempre conseguirão solucionar os problemas ambientais, não sendo necessário, assim, que o cidadão transforme seu estilo de vida.
  • Soma-se a isso a confusão existente entre as práticas educativas relativas ao meio ambiente. Muitas vezes são consideradas atividades de educação ambiental que na verdade poderiam ser entendidas como atividades de educação conservacionista, uma vez que são desenvolvidas, conforme verifica Brügger (1998), de forma reducionista, enfocando apenas as dimensões natural e técnica, apesar do consenso discursivo de que a educação ambiental deve ser trabalhada sob uma perspectiva integral e holista. 
Há ainda que se reconhecer uma divergência incontestável a respeito das metodologias para a educação ambiental. Ainda não se conhece a correta dosagem entre o domínio afetivo e cognitivo; com relação ao domínio afetivo, tampouco se sabe a correta dosagem entre a abordagem positiva e negativa; com relação ao domínio cognitivo, a correta dosagem entre os conteúdos reducionistas biologizantes ou abrangentes e sócio-ambientais. 
  • Há dúvidas sobre o melhor momento para a sensibilização dos educandos em relação à causa ambiental e ao engajamento no enfrentamento dos problemas, considerando-se as múltiplas especificidades do público-alvo, o que acaba por se constituir numa enorme quantidade de variáveis, corretamente enumeradas por Mandel (1992). 
Embora os princípios e objetivos da educação ambiental estejam razoavelmente esclarecidos, se desconhecem os meios para implementá- los. Essas incógnitas contribuem para seu descrédito, e diante da insatisfação, popularizam-se novos termos que passam a se constituir como referências mais seguras e atualizadas. Sabe-se que a América Latina provém de um contexto político autoritário recente, centralizado no poder do Estado. 
  • A década de 80 foi marcada como o período da redemocratização no continente, e nesse sentido, Quiroga (1998) ressalta que se a democracia representa a promoção de condições igualitárias de ação na sociedade e se a sociedade se encontra fragmentada por desigualdades e dividida entre cidadãos plenos e parciais, há que se questionar o espaço político destinado aos excluídos. 
Dessa indagação constata-se a necessidade imperativa de se construírem no continente as bases da autonomia política, para a construção de uma democracia verdadeira. Apesar da herança cultural paternalista e autoritária ainda viva na população, 
Sorrentino (1991) julga que essa cultura política foi o terreno fértil que no Brasil possibilitou o florescimento da sensibilização por valores participativos e democráticos, de modo que a educação popular, em contato com a questão ambiental, percebeu que o desafio maior estava na tarefa de disseminar o ideal da participação no enfrentamento da questão ambiental. 
Isso porque, conforme esclarecem Loureiro et al (1992), no processo de redemocratização do Brasil, a criação de leis e instrumentos para a gestão ambiental ainda não implicou a efetiva implementação de políticas que desemboquem na melhoria da qualidade de vida e a proteção dos recursos naturais. 
  • Ferreira (1992) acrescenta que a criação dessas leis, instrumentos e políticas ambientais não foi decorrente de um processo democrático como consequência da interação entre o Poder Público e a sociedade, mas o fruto do poder decisório da tecnocracia. 
Há, portanto, um longo caminho a ser percorrido para que a cultura democrática se instale definitivamente na sociedade brasileira. É nesse contexto que emerge o componente da educação ambiental mais expressivo no Brasil, a Educação para a Gestão Ambiental, de crescente destaque entre os educadores. 
  • Não é por acaso que 50,2% dos programas analisados pelo Levantamento Nacional de Projetos de Educação Ambiental adotam a elaboração de projetos de participação comunitária como método utilizado (MMA, 1997); também não é por acaso que o novo universo vocabular ambientalista apontado por Crespo et al (1998), conta com termos como cidadania ativa, descentralização ou gestão participativa. 
Da mesma forma, não é por acaso que um dos consensos da comunidade ambientalista brasileira é de que só a democracia levará à sustentabilidade, através da criação de espaços de negociação e do fortalecimento dos instrumentos já existentes, como os órgãos colegiados, a exemplo dos Conselhos de Meio Ambiente e as instâncias participativas consultivas, como as Audiências Públicas.
  • Reigota (1997) confirma que a maior contribuição brasileira ao debate internacional diz respeito à priorização de conceitos políticos e filosóficos, como autonomia, cidadania, justiça, participação e democracia. 
Os educadores ambientais brasileiros tem corretamente insistido em afirmar, ao menos discursivamente, que esta é também uma educação política que visa à participação do cidadão, não deixando o poder decisório para a tecnocracia do Poder Público. De fato, publicou-se em março de 1998, no número 17 do boletim Educador Ambiental: 
“Enquanto as experiências em educação ambiental européias mantém uma forte marca naturalística, os trabalhos dos países latino-americanos aproximam-se cada vez mais do viés sócioambiental. Esta é uma das conclusões trazidas pela educadora Lúcia Helena Manzochi da Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Sociedade: Educação e Conscientização Pública para a Sustentabilidade, promovida pela UNESCO e pelo Governo da Grécia entre 8 e 12 de dezembro de 1997, em Tessalonique”. 
Embora ainda exista claramente a necessidade de realização de estudos empíricos que comprovem se a prática da educação ambiental desenvolvida no país de fato está voltada ao exercício da cidadania 3 , tudo indica que pelo menos na esfera discursiva o que se discute no Brasil e América Latina é diferente da prática historicamente realizada na Europa e na América do Norte. 
  • Enquanto lá a abordagem é predominantemente naturalista, buscando-se o conhecimento dos aspectos ecológicos da questão ambiental, enfatizando-se campanhas em favor da preservação de espécies ameaçadas de extinção (ao estilo da educação conservacionista), aqui, ao contrário, apesar de também existirem práticas educativas com caráter comprovadamente naturalista, procura-se promover uma maior integração entre os aspectos econômicos, sociais e culturais com os aspectos ecológicos, configurando-se, portanto, uma abordagem integradora e sócioambiental. 
Dessa forma, alguns entendem que por causa disso ela é mais realista, já que busca, através da interação com o cidadão, o aprimoramento da democracia e a construção de modelos de desenvolvimento sustentável. Enfim, acompanhando os movimentos sócioambientalistas, a educação ambiental pensada e refletida no Brasil e América Latina apresenta como meta o deslanchar da ecocidadania, com a ampliação do espaço político de participação na defesa dos interesses coletivos de bem-estar e de proteção ambiental. 
  • Há os que afirmam que em vista dessa diferença estamos mais avançados do que nossos companheiros dos países do hemisfério Norte. Mas outros discordam, porque ainda estamos demasiadamente presos às demandas sociais a serem conquistadas, como a autonomia civil e emancipação política. 
Segundo esses divergentes, isso na verdade representaria uma barreira existente em nossos países que inviabiliza o projeto autenticamente ecológico, pois não situa a necessidade da preservação da natureza em primeiro plano. A pauta social, sob essa ótica, estaria em primeiro lugar, como se não pudessem estar intimamente articuladas entre si. 
  • Contudo, deixando de lado a polêmica sobre possíveis atrasos ou avanços, o que importa é que a questão ambiental nos países do hemisfério Sul converge para a demanda da pauta social e se complementa com ela, e isso decididamente não pode passar despercebido. Avançado ou não, o que ocorre é que as demandas sociais e ambientais do Sul são diferentes do Norte. 
A questão ambiental surge aqui como um instrumento que confere um novo fôlego ao exercício da cidadania, e os educadores ambientais não podem desperdiçar essa oportunidade. Essa é uma especificidade da América Latina e deve ser enfatizada em nosso meio. 
  • A questão ambiental, em última análise, carrega consigo um componente revelador das diferenças sociais na sociedade brasileira, promovendo, assim, uma frutífera parceria entre a demanda por um quadro de vida socialmente justo e ambientalmente saudável. Em grande medida, essa perspectiva foi influenciada pelo desenrolar do debate internacional da sociologia ambiental, referente aos mecanismos de regulação ambiental. 
Ferreira (1992) esclarece que o debate que se iniciou no final da década de 60 e seguiu pelos anos 70 e 80 esteve polarizado na escolha entre processos decisórios centralizados e autoritários ou participativos e democráticos. Sua tônica diz respeito à permeabilidade do Estado frente ao processo de formulação e implementação de políticas públicas, na busca de um novo modelo de gestão ambiental. William Ophuls, representante dos centralizadores, acreditava que a crise de escassez de recursos naturais só poderia ser equacionada mediante uma força política significativa que regulasse seu uso. 
  • A instituição mediadora seria o Estado, já que o patrimônio comum era entendido como inevitavelmente mal cuidado pela coletividade em geral. Como os seres humanos na sociedade moderna tendem, em geral, a maximizar seus ganhos individuais usurpando do coletivo, apenas uma instituição autoritária teria força política e capacidade tecnológica para evitar a catástrofe planetária. 
Veremos com maiores detalhes o significado dessa postura quando analisarmos mais adiante os regimes de propriedade dos recursos naturais. Uma série de outros pensadores anti-centristas, como E.F. Schumacher, Ivan Illich, André Gorz, Johan Galtung, Cornelius Castoriadis, entre outros, apontavam como alternativa a esse enfoque a autonomia e mobilização da sociedade civil, com a conquista de espaço político através dos movimentos sociais contestatórios, buscando uma verdadeira emancipação da tutela do Poder Público. 
  • Trata-se de uma radical negação do princípio de que a ciência pode substituir a política, visando reduzir a capacidade do poder decisório da tecnocracia. Conforme lembra Schwartzman (1981), um dos pressupostos mais defendidos no século XIX e herdado pelo século XX, era o de que, graças à ciência, a humanidade poderia enfim libertar-se da política. Se a ciência estava contida no domínio da razão, e a política no domínio da emoção, então as disputas necessariamente irracionais deveriam ser eliminadas e tratadas cientificamente. 
Porém, concretizado também no ambientalismo, o desenrolar desse debate culminou num somatório de forças em direção à democratização, expressão da legitimidade política sobre a tecnocracia, até mesmo porque cada vez mais as inovações tecnológicas geram efeitos negativos e imprevisíveis, criando riscos mais perigosos do que a “carga emocional e irracional” contida no debate político. 
  • É importante ressaltar que de acordo com o Vocabulário Básico de Meio Ambiente (FEEMA, 1990), o conceito de Gestão Ambiental, apesar de ser interpretado diferentemente do considerado por Quintas & Gualda (1995), significa a tentativa de conciliar o uso produtivo dos recursos naturais com um mínimo de abuso, assegurando-se assim, a produtividade a longo prazo. 
E dos quatro conceitos utilizados no documento para explicar o vocábulo – todos formulados na década de 70 e início dos anos 80 – apenas um deles considera o sujeito social responsável pelo processo da Gestão Ambiental, justamente o Poder Público. 
  • Verifica-se portanto, que a perspectiva democrática da Gestão Ambiental é recente e provavelmente introduzida em definitivo no Brasil com a Constituição Federal de 1988, que no capítulo sobre o Meio Ambiente, o legislador afirma caber tanto ao Poder Público como à coletividade o dever de defender o meio ambiente. Mas, de fato, o uso de novos termos definidores não é fortuito. 
Ele se constitui no esforço para definir a especificidade do momento histórico o qual a sociedade atravessa. E não poderia ser diferente: Ecopedagogia, Educação para a Cidadania ou para a Gestão Ambiental são o reflexo da tendência política de democratização da sociedade brasileira e o fruto do debate autoritarismo versus democracia no controle ambiental. Nossa cultura sempre valorizou a evolução, e aí, vale até mesmo cunhar novos termos para demonstrar a contemporaneidade da sintonia com as mudanças de um mundo perpetuamente instável. 
  • Mas, em última instância, esses termos devem ser entendidos como componentes da educação ambiental, e não equivalentes ou substitutos, já que são englobados por ela. A substituição ou sucessão da educação ambiental pela Educação para a Gestão Ambiental seria um retrocesso, pois para a prática da educação voltada para o exercício da cidadania não é necessário que se altere o nome de uma prática consagrada, já que ela contempla teoricamente essa dimensão. 
A educação ambiental pode com isso ser alvo de um processo reducionista que enfatiza apenas uma de suas dimensões, o desenvolvimento da cidadania e democracia ambiental. Com efeito, Reigota (1997) lembra que ela não deve perder de vista os desafios políticos, ecológicos, sociais, econômicos e culturais que tem pela frente. 
  • A autonomia, emancipação, participação, cidadania, justiça social não são metas a serem atingidas, mas meios que devem ser construídos em nosso cotidiano. A tecnocracia já demonstrou que seu projeto civilizatório não contempla o respeito ao meio ambiente. 
Mas a democracia não está a salvo da manipulação ideológica resultante da mediação de forças na gestão ambiental, que se sabe ser historicamente desequilibrada. Seu sucesso vai depender em grande parte do nível tolerado para o risco ambiental aceito culturalmente pela sociedade em geral e pelos setores sociais diretamente atingidos em particular, o que nem sempre corresponde ao nível desejado. A capacidade humana de adaptação é um importante dado a considerar na educação ambiental. 
  • É importante salientar, ainda, que o conceito de Educação para a Gestão Ambiental foi formulado e vem sendo utilizado pelo Poder Público, e isso pode estar sinalizando uma permeabilidade à sociedade até então não experimentada no país. 
Resta saber se haverá vontade política para garantir a existência das instâncias de intervenção social legítimas, representativas, autônomas e transparentes, na formulação e implementação de políticas, que agreguem amplos setores da sociedade e não permitam o surgimento de posturas clientelistas, ou seja, a definição de critérios inquestionáveis de representação, nas palavras de Jacobi (1997b), que é o maior desafio para a construção de uma nova institucionalidade.  
  • Em todo caso, essa é uma tarefa da educação voltada para a prática da gestão ambiental. 

Educação Para a Gestão Ambiental: A cidadania no enfrentamento 
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