sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

O Desequilíbrio do Consumo

O Desequilíbrio do Consumo

  • Segundo as Nações Unidas (Informe sobre o Desenvolvimento Humano, 1998), há um consumo desigual no mundo, onde 80% da população mundial (que corresponde aos países menos desenvolvidos, principalmente os países pobres do hemisfério sul) utiliza 20% dos recursos naturais. São 2,8 bilhões de pessoas que mal sobrevivem com menos de US$ 2 diários. 
Já os países desenvolvidos, com somente 20% da população mundial (principalmente os países do hemisfério norte), consomem 80% dos recursos naturais e energia do planeta e produzem mais de 80% da poluição e da degradação dos ecossistemas.
  • Essa mesma fonte informa que os países ricos consumiam, na década de 1990, 85% do alumínio e químicos sintéticos, 80% do papel, ferro e aço, 80% da energia comercial, 75% da madeira, 65% da carne, dos pesticidas e do cimento, 50% dos peixes e grãos e 40% da água doce.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, uma criança nascida em um país industrializado contribuirá mais para o consumo e poluição do que 30 a 50 crianças nascidas em países em desenvolvimento (Unesco, 2003).
  • De acordo com o Relatório das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Humano (RDH, 2006), entre os países que apresentam um desenvolvimento humano elevado quanto ao consumo estão Noruega, Islândia, Austrália, Irlanda, Suécia, Canadá, Japão, Estados Unidos e Suíça. Já na outra ponta, como países com desenvolvimento humano baixo nesse quesito temos Nigéria, Ruanda, Eritreia, Senegal, Gâmbia, Haiti, Mauritânia e Quênia. 
O Brasil situa-se na classe de Desenvolvimento Humano Médio com relação ao consumo.
  • Na questão sobre energia e meio ambiente, há um contraste entre os mais consumistas em eletricidade per capita, como Islândia, Noruega, Canadá, Luxemburgo, Suécia e Estados Unidos em relação aos que consomem muito pouco, como Chade, Ruanda, Burundi, Etiópia, Burquina Faso e Mali (idem).
O Relatório Estado do Mundo 2004 do Worldwatch Institute (WWI) apontou algumas constatações e tendências que mostram a carência da maior parte da população com relação ao saneamento básico e ao consumo de alimentos e de energia:
  • Dos 6,2 bilhões de habitantes do planeta, apenas 1,7 consegue consumir além de suas necessidades básicas. Enquanto isso, 65% da população americana é considerada obesa;
  • O consumo atual dos recursos naturais supera em 20% a capacidade da terra de se regenerar;
  • Um terço da população não tem acesso à energia, como eletricidade e combustíveis fósseis;
  • Em 2004, a falta de água limpa matava quase 1,7 milhão de pessoas por ano; em 2005, se nada fosse feito, quatro milhões de pessoas estariam sem acesso a saneamento básico.
Grandes faixas da humanidade situam-se abaixo do limiar das necessidades básicas no que diz respeito ao acesso à água, quer permanente quer intermitente. Segundo o RDH (2006), para cerca de 1,1 mil milhões de pessoas que residem a mais de um quilômetro de uma fonte de água, o consumo é frequentemente inferior a 5 litros diários de água imprópria para consumo. 
  • Isso significa que uma em cada cinco pessoas no mundo em desenvolvimento tem falta de acesso à água suficiente para garantir até mesmo os requisitos básicos para o bem-estar e o desenvolvimento infantil. Nessa situação estão incluídas as regiões áridas da Índia Ocidental, do Sael e da África Oriental.
No Brasil, ao lado de uma parcela significativa de consumidores com um padrão de consumo dispendioso, comparável ao dos países ricos, temos uma maioria que, para sobreviver, consome pouco, mas que também persegue hábitos de consumo insustentáveis. 
  • Dessa forma, as políticas de consumo sustentável no Brasil devem estar relacionadas, em primeiro lugar, com a eliminação da pobreza, ou seja, elevar o piso mínimo de consumo daqueles que vivem abaixo de um padrão de consumo que garanta uma vida digna. Ao mesmo tempo, é necessário mudar os padrões e níveis de consumo, evitando a concentração de renda, e promover um novo estilo de vida mais sustentável.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) informa que 24,7 milhões de brasileiros são considerados indigentes, vivendo com menos de R$ 75 de renda familiar por mês (2004). E o RDH (2006), destaca que, em 2004, o Brasil era o quarto país em desigualdade de renda no mundo, depois da Namíbia, Lesoto e Serra Leoa.
  • Dados do relatório do WWI de 2004, mostram o consumo doméstico de água, onde é nítida a disparidade entre países como os Estados Unidos e nações do continente africano como Quênia e Uganda.Como exemplo, os habitantes do Reino Unido consomem apenas cerca de 70% da água utilizada pelo norte-americano mais poupador.
Pelo relatório do WWI, estima-se que o consumo interno nos lares dos Estados Unidos é de uma média de 262 litros per capita, por dia (lpcd). Outro dado importante é que conforme cresce a renda, as pessoas obtêm acesso a outros bens de consumo que não apenas alimentos.
  • Segundo o Relatório do WWI, o uso de papel, por exemplo, tende a aumentar à medida que as pessoas tornam-se mais alfabetizadas e aumentam os elos de comunicação (2004).
A prosperidade crescente também dá acesso a bens que asseguram novos níveis de conforto, conveniência e entretenimento para milhões de pessoas.
  • Os gastos familiares em consumo referente a energia elétrica, aparelhos de televisão, linhas telefônicas, celulares e computadores. Observa-se que países como Estados Unidos e Alemanha gastam e consomem pelo menos cem vezes mais que um país menos desenvolvido como a Nigéria.
Outros levantamentos mostram que nos países pobres os gastos com alimentação são maiores que nos países ricos e desenvolvidos, quando considerados em relação às despesas domésticas per capita. 
  • Isso não significa que essa população se alimente bem e melhor, mas sim demonstra que, para os menos favorecidos, o grande desafio é mesmo a sua sobrevivência, ou seja, a alimentação em primeiro lugar, onde não restam condições para as outras necessidades consideradas “supérfluas”.
Proporção das despesas domésticas em alimentação:
  • País Despesa doméstica per capita, 1998
  • Parcela gasta em alimentação (Dólares)¹ (percentual)
  • Tanzânia 375 67
  • Madagascar 608 61
  • Tajiquistão 660 48
  • Líbia 6.135 31
  • Hong Kong 12.468 10
  • Japão 13.568 12
  • Dinamarca 16.385 16
  • Estados Unidos 21.515 13
  • 1 Paridade em poder aquisitivo.
A Organização das Nações Unidas para Alimento e Agricultura (FAO) divulga que a presença da fome frente à oferta recorde de alimentos reflete a realidade de seu alto custo para a grande parcela da população pobre mundial, que não dispõe de renda suficiente para adquiri-los.
  • Na Tanzânia, por exemplo, onde os gastos per capita domésticos foram de US$ 375 em 1998, 67% das despesas familiares destinavam-se à alimentação. No Japão, as despesas domésticas per capita foram de US$ 13.568 naquele ano, porém apenas 12% foram gastos em alimentação. (Gardner, Assadourian & Sarin, 2004, p.9).
Para reduzir essas disparidades sociais, permitindo aos habitantes dos países do sul atingir o mesmo padrão de consumo material médio de um habitante do norte, seriam necessários, pelo menos, mais dois planetas Terra. Os Estados Unidos, com menos de 10% da população mundial, consomem 25% da energia fóssil e produzem 25% da poluição do mundo. Temos que imaginar o mesmo modelo de consumo e desperdício que existe nos Estados Unidos para os 1,3 bilhão de chineses, por exemplo. Isso bastaria para que a humanidade caminhasse para um grande caos no planeta.
  • O Brasil é um dos países que apresenta as maiores contradições em todo o mundo, não só devido às suas dimensões e a ocupação desordenada de seus espaços, mas também porque ainda temos uma boa parcela de nossa população formada por sociedades simples que são impelidas pela força humana e animal, e movidas a madeira e carvão vegetal. 
Mas também temos uma parte de nossa população formada pelas denominadas sociedades industriais, nas quais a produção e o uso de energia e combustíveis tornam-se muito mais sofisticados. Assim, pela existência de situações tão opostas, são notórias as desigualdades sociais. O desperdício e as desigualdades também são observados na indústria de energia comercial e no uso de seus produtos. 
  • Muitos processos industriais ainda utilizam energia muito além do necessário para seu funcionamento. Um exemplo muito emblemático de desperdício são as perdas superiores a 50% de energia nos sistemas de refrigeração dos prédios comerciais, nos quais não são racionalizados os seus usos e utilizados equipamentos adequados.
O uso final e a eficiência de serviço são particularmente importantes na economia da energia e na redução dos custos ambientais e econômicos. As principais formas de reduzir a demanda são:
  • Mudanças de comportamento: exercendo atividades que exijam o uso de pouca ou nenhuma energia comercial, redução do desperdício por meio de seu uso racional e eficaz;
  • Investimento em educação e treinamento;
  • Alterações na estrutura dos sistemas urbanos e de transporte, a exemplo da cidade de Curitiba;
  • Utilização de mais engenharia: utilizar equipamentos e processos industriais que consumam menos energia, aumentar a eficiência do uso de energia.

O Desequilíbrio do Consumo

  • Não há dúvida de que a otimização do uso da energia e a preservação da poluição decorrente da queima de combustíveis fósseis é uma prioridade para todos os países do mundo. As preocupações são produzir mais energia e administrar a demanda de tal modo a reduzir o consumo e assegurar ações eficazes que evitem o seu desperdício.
Assim, se o consumo ostensivo já indicava uma desigualdade dentro de uma mesma geração (intrageracional), o ambientalismo veio mostrar que o consumismo indica também uma desigualdade intergeracional, já que esse estilo de vida ostentatório e desigual pode dificultar a garantia de serviços ambientais equivalentes para as futuras gerações.
  • Essas duas dimensões, a exploração excessiva dos recursos naturais e a desigualdade inter e intrageracional na distribuição dos benefícios oriundos dessa exploração, conduziram à reflexão sobre a insustentabilidade ambiental e social dos atuais padrões de consumo e seus pressupostos éticos. 
Torna-se necessário associar o reconhecimento das limitações físicas da Terra ao reconhecimento do princípio universal de equidade na distribuição e acesso aos recursos indispensáveis à vida humana.
  • Se considerarmos o princípio de que todos os habitantes do planeta (das presentes e das futuras gerações) têm o mesmo direito a usufruir dos recursos naturais e dos serviços ambientais disponíveis, enquanto os países desenvolvidos continuarem promovendo uma distribuição desigual do uso dos recursos naturais, os países pobres poderão continuar reivindicando o mesmo nível elevado nesse uso, tornando impossível a contenção do consumo global dentro de limites sustentáveis. 
Assim, os riscos de conflitos por recursos naturais, fome, migrações internacionais e refugiados ecológicos tenderão a aumentar. E, para reduzir a disparidade social e econômica, seria necessário tanto um piso mínimo quanto um teto máximo de consumo.
  • No entanto, é importante lembrar que cada povo tem o direito e o dever de estabelecer padrões próprios de estilo de vida e consumo, não necessariamente copiando os estilos de vida de outras culturas.
Como destaca Zanetti (2003), a produção dos resíduos é o resultado de uma sociedade de consumo, que gera não apenas o rejeito material, como também o social, como é o caso dos catadores de lixo, que se alimentam e sobrevivem do resto e das sobras daqueles que consomem e descartam o que se considera inútil. 
  • Assim, no caso do sistema de gestão de resíduos, observam-se níveis de realidade diferentes: de um lado a riqueza, o consumo, o desperdício, o descarte e, de outro, a miséria, a inclusão perversa de um grupo de atores sociais (catadores de lixo de rua) que ainda vivem à margem do sistema.
Essas situações extremas de inclusão/exclusão são traduzidas pela questão de como lidar com os resíduos que representam um problema que tende a agravar-se gerando a sobra de um consumo exacerbado da modernidade e, ao mesmo tempo, significam profundas desigualdades simbolizadas pela chamada sombra social. 
  • Não obstante os avanços e conquistas no que se refere à integração do sistema nos seus mais diversos níveis, na prática o que se observa é a existência de uma série de conflitos e contradições que se estabelecem no cotidiano, a “sombra do sistema” (sob a ótica do conceito de sombra de Carl Gustav Jung).
Para remover aquilo que está à sombra é necessário o uso de uma forte iluminação. A Educação Ambiental surge nesse contexto como uma fonte de luz capaz de iluminar e proporcionar meios de diminuir os danos sociais e ambientais causados pela sombra do sistema. Para que a gestão dos resíduos seja sustentável, a educação deve ser compreendida como eixo integrador que favorece a necessária mudança cultural. Ela deverá ser o elemento de articulação das dimensões técnicas, políticas, teóricas, simbólicas e afetivas que fazem parte da trajetória humana no planeta.
  • Como o consumo faz parte do relacionamento entre as pessoas e promove a sua integração nos grupos sociais, e a mudança nos seus padrões é muito difícil, esse tema vem fazendo parte também de programas de Educação Ambiental.
Em suma, há problemas (superexploração dos recursos naturais e resíduos), há uma causa (o modelo de desenvolvimento econômico), há um objetivo a ser atingido (a sustentabilidade), há uma necessidade (mudança de paradigma), há um instrumento dentre outros que contempla uma ação transdisciplinar (Educação Ambiental).

Em busca da sustentabilidade:
A Mudança dos padrões de consumo:
  • A necessidade de construir uma sociedade mais sustentável começou a se fortalecer principalmente a partir da crítica ao consumismo e da percepção de que os atuais padrões de consumo estão nas raízes da crise ambiental.
Enquanto os paradigmas vigentes nas sociedades industrializadas de consumo são apontados pelos grupos ambientalistas originais como a causa primeira da problemática ambiental, o setor empresarial postula exatamente o contrário, ou seja, que o mercado e o capital serão capazes de resolver todos os constrangimentos ambientais, dentro do atual e hegemônico modelo de desenvolvimento econômico, sobretudo por meio da competitividade empresarial que estimularia o uso de tecnologias limpas, o desenvolvimento de produtos “verdes” e “ecologicamente corretos” e a visão de meio ambiente como nova possibilidade de negócio. 
  • A conscientização ecológica e a consequente pressão exercida pelos consumidores que buscam produtos “verdes” também são apontadas como exemplos de autorregulação do mercado, assumindo quase “naturalmente” os constrangimentos ambientais. Paradoxalmente, se para alguns a civilização industrial tecnológica de consumo é apontada como determinante da crise ambiental, para outros, essa é justamente a solução.
A partir da Rio-92 o tema do impacto ambiental do consumo surgiu como uma questão de política ambiental relacionada às propostas de sustentabilidade, ficando cada vez mais claro que estilos de vida diferentes contribuem de forma diferente para a degradação ambiental. Como salienta Portilho (2004), a crise ambiental é reflexo dos estilos de vida de uso intensivo de recursos naturais, principalmente das elites dos países do hemisfério norte.
  • Os impactos dos indivíduos em suas tarefas cotidianas começaram a ser considerados por diversas organizações ambientalistas como responsáveis pela crise ambiental e por meio de estímulos e exigências para que mudem seus padrões de consumo, começou-se a cobrar sua corresponsabilidade. 
Dessa maneira, atividades simples e cotidianas como “ir às compras”, seja de bens considerados de necessidades básicas, seja de itens considerados luxuosos, começaram a ser percebidas como comportamentos e escolhas que afetam a qualidade do meio ambiente.
  • Dessa forma, muitos cidadãos tornaram-se mais conscientes e interessados em reduzir sua contribuição pessoal para a degradação ambiental, participando de ações a favor do meio ambiente na hora das compras.
Mas é preciso estar consciente de que essa ênfase na mudança dos padrões de consumo não deve nos levar à ilusão de que os problemas ambientais decorrentes da produção industrial capitalista já tenham sido solucionados com sucesso. As lutas por melhorias e transformações na esfera da produção estão relacionadas e têm continuidade nas ações por melhorias e transformações na esfera do consumo, já que os dois processos são interdependentes.
  • Nesse contexto, uma das primeiras questões que é preciso fazer é se não estaria havendo uma espécie de transferência da responsabilidade, do Estado e do mercado para os consumidores. 
Frequentemente, governos e empresas buscam suavizar sua responsabilidade, transferindo-a para o consumidor, que passou a ser considerado o principal responsável pela busca de soluções. Muitas vezes o consumidor assume sozinho essa responsabilidade que, na verdade, deve ser compartilhada por todos, em cada esfera de ação.
  • O destaque na mudança dos padrões de consumo deve ser visto como uma forma de fortalecer a ação política dos cidadãos. 
Dessa maneira, quando os consumidores lidam com dificuldades e dilemas diários relacionados ao seu papel, ao seu poder e à sua responsabilidade pela melhoria ambiental pelas suas escolhas e comportamentos, estão aprendendo a posicionar-se sobre quem são os atores e quais são as instituições que devem ser responsáveis por cada problema e cada solução. 
  • É uma nova forma de percepção e definição da questão ambiental que estimulou o surgimento de uma série de estratégias, como “consumo verde”, “consumo responsável/consciente/ético” e “consumo sustentável”.

O Desequilíbrio do Consumo