sexta-feira, 25 de março de 2016

A construção de um pensamento crítico

Educação Ambiental: o desafio da construção de um 
pensamento crítico, complexo e reflexivo
Pedro Roberto Jacobi
  • Pensar a sustentabilidade O conceito de desenvolvimento foi objeto de controvérsias, e, até recentemente, a abordagem era de ver desenvolvimento e crescimento econômico como sinônimos. 
O trabalho de Amartya Sen (2004), prêmio Nobel de Economia em 1998, representa um novo momento para a reflexão sobre desenvolvimento como o processo de ampliação da capacidade de os indivíduos terem opções, fazerem escolhas. Relativizando os fatores materiais e os indicadores econômicos, Sen insiste na ampliação do horizonte social e cultural da vida das pessoas. 
  • A base material do processo de desenvolvimento é fundamental, mas deve ser considerada como um meio e não como um fim em si. Além da capacidade produtiva, ao postular a melhoria da qualidade de vida em comum, a confiança das pessoas nos outros e no futuro da sociedade, destaca as possibilidades das pessoas levarem adiante iniciativas e inovações que lhes permitam concretizar seu potencial criativo e contribuir efetivamente para a vida coletiva. 
Sen resume suas idéias sobre o desenvolvimento como as possibilidades que a cooperação e a solidariedade entre os membros da sociedade trazem ao transformar o crescimento econômico de destruidor das relações sociais em processo de formação de capital social ou em “desenvolvimento como liberdade” (Sen, 2004). 
  • Para Sen, a expansão da liberdade é o principal fim e meio do desenvolvimento, e só há desenvolvimento quando os benefícios servem à ampliação das capacidades humanas. Segundo ele, isto requer que sejam superadas as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição total e sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência de Estados repressivos (Sen apud Veiga, 2005, p. 34). 
E como emerge a complexa relação entre desenvolvimento e meio ambiente? A incorporação do marco ecológico nas decisões econômicas e sociopolíticas tem na construção do conceito de desenvolvimento sustentável um referencial que assume visibilidade, e que coloca o desenvolvimento como uma forma de modificação da natureza e que portanto, deve contrapor-se tanto os objetivos de atender às necessidades humanas e de outro lado, seus impactos, e dentre estes, aqueles que afetam a base ecológica. 
  • A incorporação do marco ecológico nas decisões econômicas e políticas implica reconhecer que as conseqüências ecológicas do modo como a população utiliza os recursos do planeta estão associadas ao modelo de desenvolvimento. Isto se explicita segundo Guimarães (2001, p. 51), pela crise que afeta o planeta, “o que configura o esgotamento de um estilo de desenvolvimento ecologicamente predador, socialmente perverso, politicamente injusto, culturalmente alienado e eticamente repulsivo”. 
Apesar dessas premissas básicas terem bastante consenso, o “desenvolvimento sustentável” tem se convertido num conceito plural: não apenas existem diferentes concepções do desenvolvimento em jogo, mas também o que se entende por sustentabilidade. 
  • As tensões entre desenvolvimento e conservação do meio ambiente ainda persistem, e o forte viés economicista é um dos fatores de questionamento do conceito pelas organizações ambientalistas. Há definição de diferentes abordagens que apresentam uma diversidade conceitual, enfatizando, entretanto, as enormes diferenças quanto ao significado para as sociedades do Norte e do Sul. 
As transformações no debate “meio ambiente-desenvolvimento” têm início nos anos de 1970, quando assumem visibilidade publicações que pretendem mostrar a finitude no interior do modo de produção capitalista e seus impactos globais. 
  • A partir desse período, o conceito de desenvolvimento sustentável surge sob diferentes denominações, buscando-se um consenso e sua institucionalização. O objetivo é o de elevar a problemática ambiental a um plano de visibilidade na agenda política internacional e fazer com que a temática penetre e conforme as decisões sobre políticas em todos os níveis (Nobre e Amazonas, 2002). Os projetos de institucionalização encontram no conceito de desenvolvimento sustentável um meio adequado para a disseminação. 
Nesse sentido, a Conferência Rio 92 pode ser caracterizada como ponto culminante desse projeto de institucionalização e de um novo arranjo teórico e político do debate em torno da problemática ambiental. A sustentabilidade transforma-se no carro-chefe do paradigma de desenvolvimento dos anos de 1990.
  • A expressão “desenvolvimento sustentável” passou a ser usada com sentidos tão diferentes que se tornou uma palavra que serve a todos, e, portanto, adquire um caráter pervasivo. Passa a ser palavra-chave para agências internacionais de fomento, jargão do planejador de desenvolvimento, o tema de conferências, papers e o slogan de ativistas do desenvolvimento e do meio ambiente (Nobre e Amazonas, 2002). 
Duas correntes interpretativas se sobressaem ao longo deste processo. 
  1. Uma primeira — econômica e técnico-científica — que propõe a articulação do crescimento econômico e a preservação ambiental, influenciando mudanças nas abordagens do desenvolvimento econômico, notadamente a partir dos anos de 1970. 
  2. A segunda, relacionada com a crítica ambientalista ao modo de vida contemporâneo, e que se difunde a partir da Conferência de Estocolmo em 1972, momento no qual a questão ambiental ganha visibilidade pública e se coloca a dimensão do meio ambiente na agenda internacional. 
Duas posições diametralmente opostas foram assumidas: os que previam a abundância (cornucopians) e os catastrofistas (doomsayers) (Sachs, 2000, p. 50-51). 
Ambas as posições foram descartadas e surge uma posição intermediária entre o economicismo determinista (prioridade ao crescimento econômico) e o fundamentalismo ecológico (inexorabilidade do crescimento do consumo e esgotamento dos recursos naturais). 
  • O paradigma do caminho do meio – ecodesenvolvimento ou desenvolvimento sustentável – propunha um desenvolvimento que harmonizasse os objetivos sociais, ambientais e econômicos. A idéia ou enfoque do desenvolvimento sustentável adquire relevância num curto espaço de tempo, assumindo um caráter diretivo nos debates sobre os rumos do desenvolvimento. 
Nas décadas de 1980 e 1990, a crescente confluência das duas vertentes – economicista e ambientalista – deveu-se principalmente ao avanço da crise ambiental, por um lado, e ao aprofundamento dos problemas econômicos e sociais para a maioria das nações. 
  • Dentre as transformações mundiais nestas duas décadas, aquelas vinculadas à degradação ambiental e à crescente desigualdade entre regiões assumem um lugar de destaque que reforçou a importância de adotar esquemas integradores. 
Embora ambos os processos fossem concebidos inicialmente de maneira fragmentada, sem vinculações evidentes, hoje se torna mais explícita a sua articulação dentro da compreensão no plano de uma crise que assume dimensões globais. 
  • Articulam-se, portanto, de um lado, os impactos da crise econômica dos anos de 1980 e a necessidade de repensar os paradigmas existentes; e, de outro, o alarme dado pelos fenômenos de aquecimento global e a destruição da camada de ozônio, dentre outros problemas (Jacobi, 1997; Guimarães, 2001; Conca et al., 1995). 
Assim, o que se observa é que, enquanto se agravavam os problemas sociais e se aprofundava a distância entre os países pobres e os industrializados, emergiram com mais impacto diversas manifestações da crise ambiental, que se relacionam diretamente com os padrões produtivos e de consumo prevalecentes. 
  • Os sinais da crescente conscientização podem ser observados a partir de alguns referenciais que agregam propostas de sustentabilidade ambiental, social e de desenvolvimento à dimensão do discurso, como é o caso dos movimentos sociais em defesa da ecologia; as conferências internacionais promovidas pela ONU, principalmente a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972, para debater os temas do meio ambiente e do desenvolvimento; os relatórios do Clube de Roma ; e, mais ou menos diretamente, os trabalhos de autores pioneiros, de diversos campos, que refletiram sobre as mesmas questões. 
O livro A primavera silenciosa, de Rachel Carson, cientista e ecologista americana, lançado em 1962, apresenta um questionamento, nos Estados Unidos, do modelo agrícola convencional e sua crescente dependência do petróleo como matriz energética. 
  • Ao tratar do uso indiscrimina-do de substâncias tóxicas na agricultura, alertava para a crescente perda da qualidade de vida produzida pelo uso indiscriminado e excessivo dos produtos químicos e os efeitos dessa utilização sobre os recursos ambientais (Martell, 1994; Dobson, 1994).
A contribuição deste livro foi em relação à necessidade de a sociedade se preocupar com problemas de conservação de recursos naturais, o que já era objeto de muitos outros trabalhos que, desde o século XIX, inspiraram políticas públicas conservacionistas adotadas pelos Estados Unidos no início do século XX (Mc Cormick, 1992). 
  • Logo após a publicação de A primavera silenciosa, trabalhos como o de Paul Ehrlich, (The Population Bomb, 1966) e o de Garret Hardin (Tragedy of the Commons, 1968), reforçaram a teoria malthusiana, relacionando a degradação ambiental e a dos recursos naturais ao crescimento populacional. 
Em 1972, com a publicação pelo Clube de Roma do livro Limites do crescimento, os cientistas, liderados por Dennis Meadows, argumentam de forma catastrofista que a sociedade se confrontaria dentro de poucas décadas com os limites do seu crescimento por causa do esgotamento dos recursos naturais. 
  • Para alcançar a estabilidade econômica e ecológica propõe-se o congelamento do crescimento da população global e do capital industrial, mostrando a realidade dos recursos limitados e indicando um forte viés para o controle demográfico. Estes trabalhos estão assentados na premissa de que a utilização de recursos naturais finitos é uma variável fundamental do processo econômico e social. 
A sua leitura é que a finitude no modo de produção de mercadorias só pode significar “catástrofe”. No mesmo ano, a Organização das Nações unidas promoveu a Conferência de Estocolmo, que discute a questão ambiental em âmbito planetário, e inseriu a discussão ambiental na agenda internacional. 
  • Nesta conferência delineiam-se os principais elementos que, conforme Mol (1991), nos levam “da escassez à sustentabilidade”. Em 1973, utiliza-se pela primeira vez o conceito de ecodesenvolvimento, para caracterizar uma concepção alternativa de desenvolvimento, cujos princípios posteriormente viriam a se integrar à chamada Comissão Brundtland. 
Tinham como pressuposto a existência de cinco dimensões do ecodesenvolvimento, a saber: 
  1. A sustentabilidade social, 
  2. A sustentabilidade econômica, 
  3. A sustentabilidade ecológica, 
  4. A sustentabilidade espacial e 
  5. A sustentabilidade cultural. 
Estes princípios se articulam com teorias de autodeterminação defendidas pelos pa- íses não alinhados desde a década dos anos de 1960 (Sachs, 1986; Guzman, 1997; Jacobi, 1997). 
  • Segundo esse conceito, trata-se de estabelecer que o bem-estar aumenta quando melhora o padrão de vida de um ou mais indivíduos sem que decaia o padrão de vida de outro indivíduo e sem que diminua o estoque de capital natural ou o produzido pelo homem. (Nobre; Amazonas, 2002, p. 35) 
O conceito de desenvolvimento sustentável elaborado pela Comissão Brundtland em 1987, ao projetar o termo “desenvolvimento sustentável” o faz, de acordo com Hobsbawn (1995), “convenientemente sem sentido”, baseado num conjunto vago de análises e recomendações e, segundo Brookfield (1988), “intencionalmente um documento político, mais do que um tratado científico sobre os problemas do mundo”. 
  • Daí as críticas dos mais variados matizes que recebeu o relatório, mesmo por parte daqueles que enfatizavam a importância da iniciativa. Para Lélé (1991, p. 613), “o movimento Desenvolvimento Sustentável não foi capaz de desenvolver um conjunto de conceitos, critérios e políticas coerentes ou consistentes tanto do ponto de vista interno como o da realidade social e física”. 
Os resultados ao início do século XXI, estão muito aquém das expectativas e decorrem da complexidade de estabelecer e pactuar limites de emissões e proteção de biodiversidade, notadamente pelos países mais desenvolvidos. 
  • Apesar das críticas a que tem sido sujeita, a noção de “sustentabilidade” pode se tornar quase universalmente aceita porque reuniu sob si posições teóricas e políticas contraditórias e até mesmo opostas (Nobre; Amazonas, 2002, p. 8). 
Trata-se de delimitar um campo bastante amplo em que se dá a luta política sobre o seu significado, sendo que a institucionalização da noção de desenvolvimento sustentável sempre esteve permeada por diferentes interpretações, além de servir como instrumento de ancoragem da política ambiental internacional, por meio das agências das Nações Unidas. 
  • Num sentido abrangente, a noção de desenvolvimento sustentável remete à necessária redefinição das relações entre sociedade humana e natureza, e, portanto, a uma mudança substancial do próprio processo civilizatório. Entretanto, a falta de especificidade e as pretensões totalizadoras têm tornado o conceito de desenvolvimento sustentável difícil de ser classificado em modelos concretos, operacionais e analiticamente precisos. 
Por isso, ainda é possível afirmar que não se constitui num paradigma no sentido clássico do conceito, mas numa orientação ou enfoque, ou ainda numa perspectiva que abrange princípios normativos (Jacobi, 1997; Ruscheinsky, 2004; Guimarães, 2001). 
  • Assim, a noção de sustentabilidade implica a prevalência da premissa de que é preciso determinar uma limitação definida nas possibilidades de crescimento e um conjunto de iniciativas que levem em conta a existência de interlocutores e participantes sociais relevantes e ativos por meio de práticas educativas e de um processo de diálogo informado, o que reforça um sentimento de co-responsabilização e de constituição de valores éticos (Noorgard, 1997; Daly, 1997; Goulet, 1997; Sheng, 1997; Floriani, 2003; Boff, 1999, 2002). 
Redclift, observa de forma arguta e questionadora que as ligações entre o meio ambiente, a justiça social e a governabilidade têm se tornado crescentemente vagas em alguns discursos de sustentabilidade, e que as relações estruturais entre o poder, a consciência e o meio ambiente têm sido gradualmente obscurecidas. (2003, p. 48).
  • Os obstáculos são imensos, na medida em que existe uma restrita consciência na sociedade a respeito das implicações e impactos destrutivos do modelo de desenvolvimento em curso. Também devem ser destacadas as diferenças sociais e as desigualdades econômicas e as enormes assimetrias entre os países do Norte e do Sul. 
Os anos de 1990 marcam mudanças significativas no debate internacional sobre os problemas ambientais. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – Rio 92 – constitui-se um momento importante para a institucionalização da problemática ambiental, sendo que os temas da sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável foram adotados como referenciais que presidiram todo o processo de debates, declarações e documentos formulados. 
  • Apesar de o objetivo ter sido a institucionalização da problemática ambiental, os resultados da Conferência foram aquém dos pretendidos pelos organismos proponentes, e a discussão ambiental sofreu “uma refração em que, de um lado, se consagra a separação entre negociações em torno de acordos ambientais globais e aquelas referentes à implementação de projetos de desenvolvimento sustentável de âmbito nacional, notadamente a Agenda 21” (Nobre e Amazonas, 2002, p. 68). 
A noção de desenvolvimento sustentável perde gradualmente o seu caráter totalizante que o marcou desde os primeiros momentos, e se torna “deliberadamente vaga e inerentemente contraditória” (O’ Riordan, 1993, p. 7). 
  • O debate internacional, segundo Guimarães (2001, p. 17), que teve início em Estocolmo e se ampliou na Rio-92, transcende a perspectiva tecnocrática no tratamento da crise ambiental, a ilusão ingênua de que os avanços do conhecimento científico seriam suficientes para permitir a emergência de um estilo sustentável de desenvolvimento. 
Uma outra iniciativa marcante e que teve ampla repercussão foi a Carta da Terra, resultado da mobilização e articulação da sociedade civil que se inicia a partir da publicação de Nosso futuro comum, em 1987, e cuja primeira versão foi discutida na Eco 92, durante o Fórum Global de ONGs. Apenas em março de 2000, e após amplos processos públicos de debates em quarenta e seis países durante oito anos, foi ratificada pela Unesco. 
  • Trata-se de uma declaração de princípios globais que orienta as ações individuais e coletivas rumo ao desenvolvimento sustentável e sugere parâmetros éticos globais. Boff (2002, p. 54-55) destaca três pontos relevantes: resgate de valores da solidariedade, da inclusão e da reverência; superação do conceito fechado de desenvolvimento sustentável; e ética do cuidado. 
As expectativas geradas com os avanços na Rio-92 se reduzem significativamente antes e após a mais recente Cúpula do Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Rio + 10, realizada em 2002 em Johanesburgo, onde não se concretizaram os objetivos de aprofundar o debate em torno do desenvolvimento sustentável e praticamente não foram acordados novos passos nem no plano teórico, nem nas medidas práticas. 
  • Apesar dos avanços ocorridos em vários setores, os princípios de proteção ambiental e de “desenvolvimento sustentável” continuam a ser considerados um entrave para o crescimento econômico, e os resultados estão à mostra: perda de biodiversidade, degradação da qualidade ambiental nas grandes cidades dos países em desenvolvimento, redução dos recursos não renováveis. 
O quadro atual, claramente demonstrado por estudos científicos, indica que os ecossistemas continuam sentindo o impacto de padrões insustentáveis de produção e de urbanização. Além disso, durante a última década, muitos países aumentaram sua vulnerabilidade a uma série mais intensa e freqüente de fenômenos que tornam mais frágeis os sistemas ecológicos e sociais, provocando insegurança ambiental, econômica e social, minando a sustentabilidade e gerando incertezas em relação ao futuro. 
  • Prevalece ainda a ideologia do progresso, que rejeita ou minimiza as questões ambientais, seja no discurso ou na prática. Apesar deste quadro de problemas, não devem ser desconsideradas as “boas práticas de sustentabilidade” em escala local, que dependem da capacidade empreendedora de atores locais ou regionais. 
Cabe ressaltar que a proliferação de posições sobre a sustentabilidade é um sintoma positivo de dinamismo, já que os debates atuais eram impensáveis há alguns anos. Isto mostra que as mudanças são possíveis, e que a questão da sustentabilidade tem muitas leituras, algumas contraditórias e outras convergentes, apesar de apropriadas de forma diferenciada pelos grupos e pessoas que atuam numa perspectiva de propor uma sustentabilidade articulada a novas realidades materiais e novas posições epistemológicas. 

Educação Ambiental: o desafio da construção de um 
pensamento crítico, complexo e reflexivo

Sociedade de risco, reflexividade e complexidade:
  • A multiplicação dos riscos, em especial os ambientais e tecnológicos de graves conseqüências, é elemento chave para entender as características, os limites e as transformações da modernidade. Os riscos contemporâneos (Beck, 1997, p. 16-17) explicitam os limites e as conseqüências das práticas sociais, trazendo consigo um novo elemento, a “reflexividade”. 
A sociedade, produtora de riscos, torna-se cada vez mais reflexiva, o que significa dizer que ela se torna um tema e um problema para si própria. A sociedade torna-se cada vez mais autocrítica, e, ao mesmo tempo em que a humanidade põe a si em perigo, reconhece os riscos que produz e reage diante disso. A sociedade global “reflexiva” se vê obrigada a auto-confrontar-se com aquilo que criou, seja de positivo ou de negativo. 
  • O conceito de risco passa a ocupar um papel estratégico para entender as características, os limites e as transformações do projeto histórico da modernidade (Beck, 1997, p. 16-17). Os grandes acidentes envolvendo usinas nucleares e contaminações tóxicas de intensas proporções, como os casos de ThreeMile Island (1979), Love Canal (1979), Bhopal (1984) e Chernobyl (1986), além de outros de menor porte, mas com impactos locais significativos, aumentam o debate público e científico sobre a questão dos riscos nas sociedades contemporâneas. 
Os riscos estão diretamente relacionados com a modernidade e os ainda imprevisíveis efeitos da globalização, como uma radicalização dos princípios da modernidade (Beck, 1997, p. 18). O desenvolvimento do sistema industrial criou um mundo pautado pela incerteza e a “modernização reflexiva” da alta modernidade. 
  • Na sociedade de risco, o impacto da globalização, as transformações do cotidiano e o surgimento da sociedade pós-tradicional se caracterizam pela sua instantaneidade, embora contraditória, que inter-relaciona o global e o local e configura novas formas de desigualdades. 
O progresso gerado pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia passa a ser considerado como fonte potencial de autodestruição da sociedade industrial, a partir do qual se produzem, por sua vez, novos riscos, de caráter global — afetando o planeta, atravessando fronteiras nacionais e de classes (Guivant, 1998, p. 18). A nova realidade pós-tradicional da modernidade radicalizada gera crescente incerteza, mutabilidade e reflexividade. 
  • O progresso pode se transformar em autodestruição, na qual um tipo de modernização destrói o outro e o modifica. Coloca-se, portanto, a possibilidade de se reinventar, ou repensar, a civilização industrial, ao se sugerir uma (auto)destruição criativa (Beck, 1997, p. 12-13). 
Observa-se uma transformação da sociedade industrial, originando a sociedade de risco. Nesse sentido, para Beck (1997, p. 28), a “subpolítica” resulta de um renascimento não institucional do político, paralelo ao vazio político das instituições. 
  • Beck assim explicita a “subpolítica” como disseminação de um engajamento político e de um ativismo derivado da política que migrou do parlamento para grupos de pressão uni direcionados na sociedade (ecologismo, movimento de mulheres, movimento homossexual etc.). 
É cada vez mais notória a complexidade desse processo de transformação de uma sociedade crescentemente não só ameaçada, mas diretamente afetada por riscos e agravos socioambientais. 
  • Num contexto marcado pela degradação permanente do meio ambiente e do seu ecossistema, a problemática envolve um conjunto de atores do universo educativo em todos os níveis, potencializando o engajamento dos diversos sistemas de conhecimento, a capacitação de profissionais e a comunidade universitária numa perspectiva interdisciplinar. 
Vive-se, no início do século XXI, uma emergência que, mais que ecológica, é uma crise do estilo de pensamento, dos imaginários sociais, dos pressupostos epistemológicos e do conhecimento que sustentaram a modernidade. 
  • Uma crise do ser no mundo que se manifesta em toda sua plenitude: nos espaços internos do sujeito, nas condutas sociais autodestrutivas; e nos espaços externos, na degradação da natureza e da qualidade de vida das pessoas. A essência da crise ambiental é a incerteza, e isto terá maior ou menor impacto de acor- 4. 
Subpolítica para Beck (1997, p. 35) significa “moldar a sociedade de baixo para cima”.do com a forma como a sociedade, segundo Beck (1997, p. 17) “levanta a questão da auto-limitação do desenvolvimento, assim como da tarefa de re-determinar os padrões (de responsabilidade, segurança, controle, limitação do dano e distribuição das conseqüências do dano) atingidos aquele momento, levando em conta as ameaças potenciais”. 
  • O tema da sustentabilidade confronta-se com o paradigma da “sociedade de risco”. Isto implica a necessidade de se multiplicarem as práticas sociais baseadas no fortalecimento do direito ao acesso à informação e à educação em uma perspectiva integradora. 
Observa-se a necessidade de se incrementar os meios e a acessibilidade à informação, bem como o papel indutivo do poder público nos conteúdos educacionais e informativos de sua oferta, como caminhos possíveis para alterar o quadro atual de degradação socioambiental. 
  • Trata-se de promover o crescimento de uma sensibilidade maior das pessoas face aos problemas ambientais, como uma forma de fortalecer sua co-responsabilidade na fiscalização e no controle da degradação ambiental (Jacobi, 2003). 
Nessa direção, a problemática ambiental constitui um tema muito propício para aprofundar a reflexão e a prática em torno do restrito impacto das ações de resistência e de expressão das demandas da população das áreas mais afetadas pelos constantes e crescentes agravos ambientais. 
  • Mas representa também a possibilidade de abertura de estimulantes espaços para implementar alternativas diversificadas de participação social, notadamente a garantia do acesso à informação e a consolidação de canais abertos. 
A postura de dependência e de não responsabilidade da população decorre principalmente da desinformação, da falta de consciência ambiental e de um déficit de práticas comunitárias baseadas na participação e no envolvimento dos cidadãos, que proponham uma nova cultura de direitos baseada na motivação e na co-participação na gestão do meio ambiente, nas suas diversas dinâmicas. 
  • Nesse contexto, as práticas educativas devem apontar para propostas pedagógicas centradas na mudança de hábitos, atitudes e práticas sociais, desenvolvimento de competências, capacidade de avaliação e participação dos educandos. Isto desafia a sociedade a elaborar novas epistemologias que possibilitem o que Morin (2003) denomina de “uma reforma do pensamento” (apud Floriani, 2003, p. 116). 
No novo contexto do conhecimento do qual emergem as novas epistemologias socioambientais, plurais e diferenciadas, Capra (2003) representa a busca da unificação do conhecimento com a natureza e a sociedade, Morin (2003) pensa a complexidade como referencial principal para explicar os novos sentidos do mundo, e Leff (2001), uma nova racionalidade ambiental, capaz de subverter a ordem imperante entre as lógicas de vida e o destino das sociedades (Floriani; Knechtel, 2003, p. 16). 
  • Assim, o conceito de ambiente situa-se numa categoria não apenas biológica, mas que constitui “uma racionalidade social, configurada por comportamentos, valores e saberes, como também por novos potenciais produtivos” (Leff, 2001, p. 224). 
Uma mudança paradigmática implica uma mudança de percepção e de valores, e isto deve orientar de maneira decisiva para formar as gerações atuais não somente para aceitar a incerteza e o futuro, mas para gerar um pensamento complexo e aberto às indeterminações, às mudanças, à diversidade, à possibilidade de construir e reconstruir num processo contínuo de novas leituras e interpretações, configurando novas possibilidades de ação (Morin, 2001; Capra, 2003; Leff, 2003). 
  • Embora os primeiros registros da utilização do termo “educação ambiental” datassem de 1948 num encontro da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) em Paris, os rumos da educação ambiental são definidos a partir da Conferência de Estocolmo, na qual se recomenda o estabelecimento de programas internacionais. 
Em 1975, lança-se em Belgrado o Programa Internacional de Educação Ambiental, no qual são definidos os princípios e as orientações para o futuro. Desde então, três momentos marcam a trajetória do processo de institucionalização e pactuação da necessidade da inserção da educação ambiental no nível planetário. 
  • Cinco anos após Estocolmo, em 1977, acontece em Tbilisi, na Geórgia, a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental. Isto inicia um processo global orientado para criar as condições para formar uma nova consciência sobre o valor da natureza e para reorientar a produção de conhecimento baseada nos métodos da interdisciplinariedade e os princípios da complexidade. 
Esta aponta nesse momento para a Educação Ambiental como um meio educativo pelo qual se podem compreender de modo articulado as dimensões ambiental e social, problematizar a realidade e buscar as raízes da crise civilizatória. (Loureiro, 2004, p. 71) 
  • Durante a Rio-92 foi redigido o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, que estabelece dezesseis princípios fundamentais da educação para as sociedades sustentáveis, enfatizando a necessidade de um pensamento crítico, de um fazer coletivo e solidário, da interdisciplinariedade, da multiplicidade e diversidade. Estabelece igualmente um conjunto de compromissos coletivos para a sociedade civil planetária. 
Em Tessalonika, no ano de 1997, o documento resultante da Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Sociedade: Educação e Consciência Pública para a Sustentabilidade reforça os temas colocados na Eco-92, e chama a atenção para a necessidade de se articularem ações de educação ambiental baseadas nos conceitos de ética e sustentabilidade, identidade cultural e diversidade, mobilização e participação, além de práticas interdisciplinares. 
  • O que os pesquisadores observam é que as recomendações são vagas e sem maiores efeitos práticos, sendo que muitas delas apenas servem para alimentar a lógica de mercado e as políticas liberais. As iniciativas planetárias para pactuar práticas de educação ambiental explicitam o desafio de construção de uma formulação conceitual que estabeleça uma comunicação entre ciências sociais e exatas. 
Morin (2003) define que o paradigma da complexidade corresponde à irrupção dos antagonismos no seio dos fenômenos organizados — uma visão complexa do universo por meio de certos princípios de inteligibilidade unidos uns aos outros. Para Morin (2003), o pensamento complexo — distinção, conjunção e implicação — se contrapõe às operações lógicas que caracterizam o pensamento simplificador — disjunção e redução — que “tem gerado a inteligência cega, que destrói os conjuntos e as totalidades, isola e separa os objetos de seus ambientes”. 
  • Na argumentação sobre o pensamento complexo, enfatiza três princípios norteadores: o dialógico — mantendo a dualidade no seio da unidade; o da recursividade organizacional — uma sociedade que, ao produzir-se, retroage sobre os indivíduos; e o hologramático — a parte está no todo e o todo está na parte. 
E assim reconhece a complexidade que permeia os sistemas/organizações (Floriani, 2003, p. 114). Esta reforma do pensamento permite a integração do contexto e do complexo, compreendendo as inter-relações, multidimensionalidades, dinâmicas que respeitem e assimilem a unidade e a diversidade, baseadas em princípios éticos e no reconhecimento das diferenças (Morin, 2002; Morin et al., 2003). 
  • O paradigma da complexidade coloca o desafio do diálogo entre certeza e incerteza, propiciando que os indivíduos vivenciem uma realidade marcada pela indeterminação, a interdependência e a causalidade entre os diferentes processos. 
Entretanto, isto não deve se transformar numa camisa de força conceitual e metodológica, mas numa articulação entre os processos subjetivos e objetivos que estão presentes na produção de conhecimento e de sentidos. 
  • Refletir sobre a complexidade ambiental abre um estimulante espaço para compreender a 5. Nessa ocasião redige-se a Carta de Belgrado, assinada pelos representantes de 65 países.gestação de novos atores sociais que se mobilizam para a apropriação da natureza, para um processo educativo articulado e compromissado com a sustentabilidade e a participação, apoiado numa lógica que privilegia o diálogo e a interdependência de diferentes áreas de saber. 
Mas também questiona valores e premissas que norteiam as práticas sociais prevalecentes, isto implicando uma mudança na forma de pensar, uma transformação no conhecimento e nas práticas educativas. 
  • É cada vez mais notória a complexidade do processo de transformação de um planeta não apenas cada vez mais ameaçado, mas também diretamente afetado pelos riscos socioambientais e seus danos. Floriani (2003, p. 81-132), mostra como Morin e Leff, apontam, cada um ao seu modo, para matrizes alternativas de integração do conhecimento que superem o paradigma dualista, e enfatizam a complexidade e a interdisciplinaridade como elemento constitutivo de um novo pensar sobre as relações sociedade-natureza. 
A premissa que norteia o paradigma proposto é o diá- logo de saberes que permita construir espaços de fronteiras (Sauvé, 1999, p. 19-20) que nos confrontem com os diversos reducionismos e pragmatismos conceituais. 
  • A necessidade de abordar o tema da complexidade ambiental decorre da percepção quanto ao incipiente processo de reflexão sobre as práticas existentes e as múltiplas possibilidades que estão colocadas para, ao pensar a realidade de modo complexo, defini-la como uma nova racionalidade e um espaço no qual se articulam natureza, técnica e cultura. 

Educação Ambiental: o desafio da construção de 
um pensamento crítico, complexo e reflexivo