quinta-feira, 31 de março de 2016

Políticas Públicas e Desenvolvimento Sustentável

Políticas Públicas e Desenvolvimento Sustentável

André Luis Scantimburgo

  • A questão ambiental tão propagada nos últimos tempos passou a ser considerada por governos e agências multilaterais questão chave no desenvolvimento de suas políticas. 
Desde o surgimento do movimento ambientalista em meados do século XX e dos diversos estudos que apontavam já nas décadas de 1950/60 os impactos causados pelo homem na natureza, e posteriormente com a publicação do relatório Limites do Crescimento pelo Clube de Roma e da Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Meio Ambiente na década de 1970, o destaque dado para questão ambiental entrou na pauta do dia, pelo menos retoricamente, para a maioria dos países, de agências multilaterais e de grandes corporações. 
  • Questões pertinentes como a degradação e finitude dos recursos naturais que muitas vezes foram considerados inesgotáveis passaram a levantar questionamentos sobre o modelo capitalista de desenvolvimento e consumo vigentes até então. Naquele momento, na década de 1970, o ambientalismo passava a ser institucionalizado alertando o homem sobre sua ação frente à natureza e de certa forma fazendo-o repensar sua relação com o meio ambiente. 
Em 1972 o Relatório Limites do Crescimento apontava que com o aumento intensivo da população mundial, a crescente utilização de recursos naturais juntamente com os danos substanciais causados pela indústria ao meio ambiente, num prazo de aproximadamente 100 anos o mundo chegaria aos seus limites de esgotamento de recursos naturais e níveis alarmantes e praticamente irreversíveis de poluição. 
  • No mesmo ano em Estocolmo na Suécia, ocorreu a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Homem. Abordando problemas relacionados ao crescimento demográfico, industrialização e expansão da urbanização, a ONU proclamou direito do ser humano viver num ambiente saudável e dever do homem proteger e melhorar o meio ambiente para as futuras gerações. Foi criado como resultado desta Conferência a CMMAD (Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento) e o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente)..
As críticas ao modelo de desenvolvimento que surgiam dentro do sistema capitalista buscavam soluções dentro do interior do próprio sistema para a contenção dos problemas ambientais. A situação de degradação ambiental ocasionada pelo modo de produção capitalista que se perpetuou durante o século XX beneficiou em primeira ordem os paises centrais e pequena parcela da população de países considerados subdesenvolvidos. 
  • Longe de querer aprofundar a questão sobre o modelo de desenvolvimento que vigorou a partir dos anos 1950, principalmente nos Estados Unidos e Europa, é importante explicitar que tal modelo, baseado na industrialização e no consumo aos moldes americanos, tinha embutido nesse tipo de desenvolvimento a idéia de progresso. 
Segundo Herculano (1992) o ideário desenvolvimentista tinha como pretensão tirar da penumbra as sociedades consideradas “atrasadas”, “características” da maioria dos países chamados de subdesenvolvidos, e colocar todos sob a influência norte americana. A intenção era clara: bloquear possíveis avanços do bloco soviético nessas regiões. 
  • Países considerados subdesenvolvidos como o Brasil, por exemplo, buscaram durante boa parte dos anos 1930 aos 1970 uma política de desenvolvimento industrial, que por final acabou sendo sufocada pelas crises mundiais da década de 1970 e pelas enormes dívidas contraídas com o financiamento externo a juros flutuantes que jogaram o país na chamada década perdida nos anos 1980. 
No período da ditadura militar, o Brasil deixa o nacionalismo de lado e se abre para a participação do capital estrangeiro de forma mais intensa, o que proporciona um dos períodos de maior crescimento econômico da história do Brasil chamado milagre econômico. 
  • Embora o país tenha ficado entre as 10 maiores economias do mundo no período, tal feito foi conquistado em grande medida com base na exploração do trabalhador através de um intenso arrocho salarial, precarização das condições do trabalho, repressão aos movimentos sociais e sindicais por parte do autoritarismo e violência do regime militar que estava a serviço do grande capital e que levou o Brasil a uma situação de concentração extremada de renda solapando grande parte da população a condições miseráveis. 
O ideal de progresso e desenvolvimento pautados na economia de mercado com base na industrialização a qualquer custo trouxe inúmeros danos ao meio ambiente comprometendo parte dos recursos hídricos, florestas e populações tradicionais. 
  • Tanta devastação e violência em nome de um modelo de Estado e de desenvolvimento não foram capazes de solucionar problemas sociais que se arrastam no país desde que os portugueses aqui pisaram. 
Conforme aponta Carlos Walter Porto Gonçalves: 
[...]Será justamente sob a égide do capital internacional que o Brasil alcançará o maior desenvolvimento industrial de sua história. Esse desenvolvimento se fazia ainda num país onde as elites dominantes não tinham por tradição respeito seja pela natureza, seja pelos que trabalham. A herança escravocrata da elite brasileira se manifestava numa visão extremamente preconceituosa em relação ao povo, que seria “despreparado”. Quanto ao latifúndio, bastava o desmatamento e a ampliação da área cultivada para se obter o aumento da produção e isto nos levou a uma tradição de pouco respeito pela conservação dos recursos naturais, a não ser nas letras dos hinos e nos símbolos da nacionalidade. A distância entre o discurso e a prática é gritante: o próprio nome do país, Brasil, é o de uma madeira que não se encontra mais, a não ser em museus e jardins botânicos e a nossa bandeira cada vez mais corresponde menos ao verde de nossas matas ou ao amarelo de nosso ouro. O azul de nosso céu é cada vez menos nítido, seja pelas queimadas que impedem que aviões levantem vôo dos aeroportos, seja pela poluição de nossos centros industriais. E o branco, bem... a cor da paz só se compreende como piada diante de uma realidade de conflitos entre a UDR e os camponeses ou da presença de militares no poder quando chegaram no ponto de prender líderes sindicais, em nome da “segurança nacional”, porque estes faziam manifestações contra as empresas multinacionais aqui instaladas para gerar o nosso desenvolvimento. (Porto-Gonçalves, p. 14, 1996). 
O modelo de desenvolvimento difundido principalmente no pós Segunda Guerra, ao invés de levar a prosperidade aos países considerados subdesenvolvidos levou problemas e destruiu em grande parte a forma particular de cultura que existia em cada lugar. 
  • De acordo com Kurz (1992), a maior parte da sociedade foi modernizada no sentido negativo, ou seja, destruíram as estruturas tradicionais sem que nada fosse colocado em seu lugar. Exemplos para isso não faltam. A própria questão indígena e ambiental na Amazônia é exemplo próximo dessa destruição apontada por Kurz (1992). 
Ao passo que uma parcela da sociedade é beneficiada pelo desenvolvimento industrial e econômico, outra parcela, que configura maioria, sofre com os impactos socioambientais trazidos pelo modelo de desenvolvimento adotado, tornando-se vitimas da falta de políticas públicas adequadas que de conta de atender a todos. 
  • Os movimentos ambientais que passaram a contestar tal modelo de desenvolvimento mantiveram de forma intensa os trabalhos visando mudanças na forma do homem se relacionar com a natureza. Em meio as crises políticas e econômicas que assolavam boa parte dos países da periferia do sistema durante a década de 1980, o debate acerca do meio ambiente reforçou-se a nível mundial. 
Em 1987 foi publicado o Relatório Bruntland intitulado de Nosso Futuro Comum e elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente que havia iniciado os trabalhos em 1983. Foi neste documento que se designou o termo Desenvolvimento Sustentável como um desenvolvimento capaz de atender as necessidades presentes sem comprometimento das gerações futuras no cumprimento de suas necessidades. 
  • Naquele momento parecia claro que continuar com um modelo de desenvolvimento baseado principalmente na energia fóssil, emissão de gases poluentes, impactos diretos na natureza, seja com dejetos ou subtração de recursos naturais em larga escala, levaria rapidamente o mundo a um colapso ambiental comprometendo a vida no planeta. O desenvolvimento, contudo, não deixa de ser desejado, pois continua trazendo em si a idéia utópica de progresso. 
Almejava-se a partir de então um novo modelo de desenvolvimento que conseguisse aliar crescimento econômico com sustentabilidade ambiental de modo a reduzir as diferenças sociais. Na década seguinte a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) que ocorreu no Brasil teve como resultado mais expressivo a publicação da Agenda 21 que consolidou o termo Desenvolvimento Sustentável no sentido de buscar um novo paradigma que exigisse maior equilíbrio entre progresso e recursos naturais. 
  • Conforme aponta Montibeller-Filho (2001), este novo paradigma que passa a ser aceito, pressupõe um conjunto de sustentabilidades que podem ser sintetizadas no trinômio: eficiência econômica, eficácia social e ambiental. Contudo o termo desenvolvimento sustentável conforme publicado pelo Relatório Bruntland, e ratificado pela Agenda 21: “desenvolvimento que responde às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades”, permitiu variadas interpretações de acordo com diferentes interesses levando a uma imprecisão do conceito e a problemas de sua adaptação ao modo capitalista de produção. 
De acordo com Montibeller-Filho (2001, p. 53),
“sustentável é mais um rótulo ou adjetivo afixado ao conceito tradicional – desenvolvimento - , e que o deixa, do mesmo modo, polissêmico.” 
Ou seja, é um conceito em aberto que aponta objetivos mas não discute a fundo todos os meios necessários para se conquistá-los e nem mesmo se dispõe a um debate profundo acerca dos modelos atuais de sistema político, social e econômico, permitindo assim que cada um absorva o conceito do modo que lhe interessar. 
  • Assim, a economia capitalista, absorveu o conceito de Desenvolvimento Sustentável a sua maneira - pelo mesmo ser algo impreciso - e o levou a ser universalmente aceito não focando a contradição que há entre crescimento industrial econômico numa sociedade de mercado e sustentabilidade ambiental. Na nossa sociedade, o limite da sustentabilidade ambiental passa a ser a ordem capitalista vigente. 
Os diferentes interesses que giram em torno da questão ambiental têm seus limites, ou suas aspirações, impostos pela economia de mercado e pelo modo de produção capitalista. Não se discute a ordem vigente. De acordo com Montibeller-Filho (2001):
“A sustentabilidade é, então, um conceito apropriado diferentemente no seio dos vários grupos sociais de interesse”. 
As críticas e soluções apontadas para contornar os impactos ambientais que partem de dentro do sistema e buscam soluções de modo que não se altere o livre mercado, a sociedade de consumo e a ordem estabelecida, levaram a formulação de teorias ambientais como a chamada concepção ambiental neoclássica, inspiradas no neoliberalismo. Assim, o capitalismo com um discurso de preservação ambiental e bem estar das pessoas, absorve a crise ambiental como forma de se obter novas frentes de acumulação de capital, valorizando economicamente o meio ambiente: 
[...]devido a sua possibilidade de esgotamento, o valor dos recursos naturais tende a crescer no tempo se admitirmos que seu uso aumenta com o crescimento econômico. A maneira de estimar esta escassez futura e traduzi-la em valor monetário é uma questão complexa que exige um certo exercício de futurologia. Assim sendo, alguns especialistas sugerem o uso de taxas de desconto menores para os projetos onde se verificam benefícios ou custos ambientais significativos ou adicionar os investimentos necessários para eliminar o risco ambiental. [...] considera-se que os custos e benefícios ambientais são adequadamente valorados e que cenários com valores distintos para a taxa de desconto devem ser utilizados para avaliar sua indeterminação. (MOTTA, p. 15-16, 2006).
Motta (2006, p.13) acredita que a valorização econômica de um recurso ambiental consiste em determinar o bem estar das pessoas devido a mudanças na quantidade de bens e serviços ambientais, seja na apropriação por uso ou não. 
  • Tal concepção que remete à economia todas as ações visando o desenvolvimento sustentável esta presente no Brasil principalmente nas políticas de gestão de recursos hídricos. Esse modelo de gestão ambiental pautada no conceito de externalidades segue recomendações do Banco Mundial e aparentam não levar em consideração aspectos da realidade das sociedades que nem sempre, ou raramente, comportam tais modelos. 
O conceito de externalidade em economia remete a Arthur Cecil Pigou, economista que criou o termo para indicar falhas que afetam o mercado e a sociedade. As externalidades podem ser tanto negativas quanto positivas. Poderíamos citar como externalidades positivas a produção tecnológica e a criação de vacinas, as quais seriam internalizadas pelo governo através de subsídios. 
  • Por outro lado, a externalidade negativa, segundo Costa (2005), ocorre quando a ação de um agente econômico afeta negativamente o bem estar da sociedade, ou o lucro de outro agente, sem que não haja nenhum instrumento de mercado que faça com que ocorra uma compensação a quem sofreu o dano. 
Para Costa (2005), a poluição pode ser colocada como um exemplo de externalidade negativa ao passo que a emissão de CO² na atmosfera pode trazer inúmeros danos à saúde das pessoas e a poluição de recursos hídricos pode aumentar o custo do tratamento da água e prejudicar atividades agrícolas e de pesca. 
"As externalidades poderiam ser definidas, segundo Costa (2005): A externalidade é um fenômeno que pode acontecer entre consumidores, entre firmas ou entre combinações de ambos. Quando as externalidades são positivas, os recursos são sublocados à fonte da externalidade, ou seja, os agentes passivos nunca ficam satisfeitos, preferindo sempre mais a menos externalidade. Já quando são negativas, os recursos são sobrealocados à fonte, ou seja, o agente que sofre a externalidade prefere sempre menos a mais." (COSTA, p. 307, 2005). 
A proposta de Pigou para contornar as externalidades negativas seria a criação de impostos por parte dos governos para internalizar as externalidades ao mercado até que suas causas sejam reduzidas e chegue a um nível considerado aceitável. 
  • Tal proposta ficou conhecida como Principio do Poluidor Pagador ou taxa pigouviana. Resta saber até que ponto essas taxas resultariam efeitos que induzissem um agente econômico poluidor a mudar sua postura ao passo que ele pode repassar o custo dos impostos ao consumidor final de seus produtos, não alterando sua relação com o meio ambiente. Outra proposta de viés mercadológico nos remete a Ronald Coase e os direitos de propriedade. 
Segundo Montibeller-Filho (2001), Coase defendia a atribuição de direitos de propriedade sobre o meio ambiente e as externalidades, pois os problemas a que estavam sujeitos os recursos naturais e as externalidades ambientais eram resultados da falta de ausência de propriedade particular sobre os bens comuns. Montibeller-Filho (2001) destaca: 
Coase propõe, então, a atribuição de direitos de propriedade sobre o meio ambiente. Desta forma, seria possível haver uma negociação entre as partes, uma negociação coaseana. Atribuindo direitos de propriedade sobre os recursos e serviços ambientais, seus proprietários poderiam comercializá-los a “bom preço” com o agente explorador do recurso ou serviço, fazendo com que a externalidade fosse internalizada e o nível de atividade econômica de controle ambiental cheguem ao ponto “ótimo”. A forma como se estabelece este nível é através da negociação entre agentes. (MONTIBELLER-FILHO, p. 93, 2001) 
Nesta concepção coaseana conforme exposta por Montibeller-Filho (2001), a questão ambiental fica submetida em primeira ordem às circunstâncias e interesses da economia de mercado, o que não significa que a solução dos problemas a que a natureza e mesmo a sociedade estão expostas serão equalizados. O agente de maior poderio econômico pode manter um nível de poluição ao passo que conseguir arcar com seus custos. 
  • Por outro lado, bens naturais, essenciais à vida humana como a água, podem adquirir propriedade particular e servir de fonte de lucro para empresas que se apoderarem de seus direitos particulares, controlando assim a oferta e o acesso da água no planeta ao passo que grande parte da população mundial sofre com a escassez. 
Contudo, observando as políticas ambientais como vem sendo delineadas por agências multilaterais e acatadas por grande parte dos países, verificamos que a lógica de direitos de propriedade de Coase e o Principio Poluidor Pagador de Pigou, parecem ser o paradigma que norteia a maior parte das ações oficiais no que se refere ao trato com a questão ambiental. 
  • Ou seja, a visão que parte de órgãos como o Banco Mundial, a ONU, o FMI, e que exercem grande influência sobre a maioria dos Estados no mundo, aparenta não dar outro caminho a não ser esse, no caso, um desenvolvimento sustentável adaptado às leis do livre mercado e que não altere as relações sociais de modo de produção capitalista. Fica a questão da eficácia dessas políticas para a solução dos problemas que afetam o meio ambiente. 
Diversos estudiosos apontam a incompatibilidade de um desenvolvimento sustentável dentro de uma economia capitalista. Longe de ter a pretensão de esgotar o tema, vale destacar os estudos de Altvater (1995), Foladori (2001) e do próprio Montibeller-Filho (2001) a respeito da questão. Para Altvater (1995), a interiorização de efeitos ambientais externos a economia equivale apenas à ampliação do espaço regulado pelo mercado para o mundo das relações contratuais interindividuais. 
  • Essa situação pode ser usada, segundo Altvalter (1995), como argumento para fundamentar a privatização dos bens públicos e assim a conversão de uma propriedade comum em direitos individuais de propriedade para posterior aplicação do sistema de regras daí resultantes. 
Neste sentido a crise ambiental é vista como um novo meio de acumulação de capitais ao passo que o domínio privado sobre recursos naturais pode gerar enormes fontes de lucro para o setor privado. Foladori (2001) aponta para o papel das relações sociais na crise ambiental afirmando que não discutir a forma social de produção num momento atual de grave crise ambiental é também uma atitude em defesa de uma classe, pois se supõe que a organização capitalista é a única possível, mesmo que a história diga o contrário. 
  • Montibeller-Filho (2001) ressalta que a economia ambiental neoclássica, que tem no mercado o melhor orientador para todos os processos, não conseguiu atingir sua pretensão teórica de internalizar as externalidade sociais e ambientais para promoção do desenvolvimento sustentável. No seu entender, Montibeller-Filho (2001) coloca que apesar de útil para finalidades práticas, a abordagem neoclássica não produziu pensamento novo a partir da problemática ambiental tendo apenas incorporado o tema nos seus tradicionais esquemas analíticos. 
As afirmações feitas pelos estudiosos citados podem ser constatadas a partir de uma análise da conjuntura contemporânea em escala global. Embora haja nos dias atuais um discurso que indica uma preocupação acentuada com o meio ambiente, não raro vemos navios petroleiros jorrando óleo em costas litorâneas, falta de condições sanitárias adequadas para a maior parte da população mundial, comprometimento das águas, baixas quedas nos índices de emissão de gases poluentes entre outros problemas que demonstram em grande medida a ineficácia das medidas tomadas e a impossibilidade de concretização de um Desenvolvimento Sustentável nos moldes econômicos atuais. 
  • Dessa forma, a discussão sobre a possibilidade de obtenção de um desenvolvimento econômico com sustentabilidade ambiental, geração de renda e erradicação da pobreza dentro do sistema capitalista coloca em dúvida a viabilidade do conceito de Desenvolvimento Sustentável conforme criado pelas conferências da ONU sobre meio ambiente a partir dos anos 1980. 
Passados quase 40 anos da publicação do relatório “Limites do Crescimento” e da Conferência de Estocolmo, verificou-se poucas mudanças no relacionamento do homem com a natureza e fica difícil constatar uma transformação significativa nas desigualdades geradas pela apropriação dos recursos naturais. 
  • Para exemplificar tal afirmação, objetivamos no presente artigo demonstrar de forma geral a situação preocupante que se encontra os recursos hídricos de água doce no planeta, tanto no que se refere à poluição e degradação quanto no acesso de boa parte da população a este recurso natural indispensável à vida, bem como, destacar a forma como o Banco Mundial vem tratando a questão e influenciando as políticas públicas de gerenciamento e preservação dos recursos hídricos de países como o Brasil. 
Buscamos assim apontar problemas relacionados às políticas públicas no setor hídrico brasileiro indagando até que ponto é possível o desenvolvimento sustentável virar uma realidade e atender as necessidades socioambientais. 

A Situação dos Recursos Hídricos:
No Mundo e no Brasil: 
  • Nunca se falou tanto sobre a situação da água doce no planeta como nas duas últimas décadas. Diversos fóruns, conselhos, reuniões, estudos, etc... dedicaram atenção especial ao tema. 
Com os mais variados interesses, diversos atores governamentais e econômicos a nível mundial e local, bem como pesquisadores das mais variadas áreas, vem apresentando preocupações com a situação dos recursos hídricos no que refere à possível escassez e a poluição que afeta diretamente o acesso da população seja para uso doméstico, na agricultura ou na indústria. Embora a maior parte da extensão do planeta chamado Terra seja composta de água, apenas 2,5% dessa água é considerada ideal para o consumo humano. 
  • De acordo com um relatório da Unesco (2003), cerca de 97,5% da água disponível no planeta Terra é salgada e se encontra em mares e oceanos. Dos 2,5% restantes, cerca de dois terços se encontram em geleiras e aqüíferos subterrâneos de difícil acesso. 
As águas de fácil acesso ao consumo humano que são encontradas em rios e lagos configuram apenas 0,007% do total de água doce do mundo. Segundo dados da ONU publicados nos seus relatórios de desenvolvimento humano, é constatado que estamos vivendo atualmente uma crise de abastecimento de água com pioras ano a ano. 
  • O Relatório de 2006 foi dedicado exclusivamente à questão da escassez hídrica, alertando que se mantido os padrões de consumo atuais, estima-se que por volta do ano 2025 cerca de 3 bilhões de pessoas sofrerão com dificuldades de acesso a água potável. 
Atualmente, segundo o relatório, estima-se que 1,2 bilhões de pessoas não tem acesso a águas com qualidade de consumo adequadas e 2,6 bilhões de pessoas não dispõem de coleta de esgoto adequada. Nos relatórios de 2007/08/09 as previsões da ONU se mantêm, alertando que se continuar a situação atual de mudança climática, aumento populacional, proliferação indiscriminada do lixo e mau uso dos recursos, o mundo caminha para uma catástrofe. 
  • Embora a ONU ressalte o consumo e o aumento da população como os principais vilões pela situação apresentada, torna-se essencial no entendimento do problema em questão voltarmos à atenção para o que o sistema político e econômico vigente que ampara grandes corporações vem fazendo com a água. 
Ou seja, como já apontamos, passados quase quarenta anos dos primeiros alertas da comunidade internacional sobre a situação dos recursos naturais do planeta verificamos que as medidas propostas dentro do sistema não surtiram os efeitos desejados. Contudo, é bom ressaltar que a água do mundo não vai acabar: 
A água do planeta Terra não vai acabar e não está diminuindo. Apenas aquela que se pode recolher com a mão em concha para beber é que está ficando um pouco escassa pela imprudência humana, de não preservá- la (NOGUEIRA, p. 22, 2006). 
Nogueira (2006) afirma que a idéia de que água no planeta pode acabar não passa de “marquetagem” das corporações transnacionais que desejam ter a água própria para o consumo humano como uma mercadoria, e para isso tentam impor a idéia de escassez e falta da água. 
  • O real problema, no entanto não é a água acabar, mas sim, o que o homem vem fazendo com os recursos existentes: poluição, apropriação da água por empresas privadas com finalidades econômicas e falta de serviços adequados de abastecimento e saneamento. Marquetagem ou não, o fato é que grandes corporações do setor de água vem forçando através de agências multilaterais como Banco Mundial, a abertura do setor hídrico de países como o Brasil para o gerenciamento e controle privados dos recursos hídricos sem resolver, no entanto, os problemas de abastecimento e preservação. 
O Brasil pode ser considerado um país privilegiado quanto a sua capacidade hídrica. De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), o Brasil possui em seu território 13,8% do total de águas doces superficiais do mundo, 34,9% do total de águas das Américas e 56,9% das águas da América do Sul. 
  • No que tange a distribuição geográfica destas águas, o país apresenta ao longo de seu território algumas disparidades. Não há uma uniformidade na distribuição das águas brasileiras: 
Tabela 1
Distribuição dos Recursos Hídricos no Brasil Região Porcentagem 
  • Norte 68% 
  • Nordeste 3% 
  • Sudeste 6% 
  • Sul 7% 
  • Centro-Oeste 16% 
Fonte: Agência Nacional de Águas. 
  • Levando em consideração a população que habita as regiões descritas no quadro acima, percebe-se um desequilíbrio entre oferta e demanda. A região Norte do Brasil possui apenas 7% da população brasileira, enquanto o nordeste, região do país que mais sofre com a escassez hídrica, detém 29% da população e a sudeste 43%. 
Embora haja certa desigualdade geográfica na distribuição hídrica do Brasil, não há como negar a situação privilegiada do país. Por outro lado, toda essa abundância hídrica não significa necessariamente que a população brasileira seja amplamente beneficiada com acesso aos serviços de água tratada e sistemas de saneamento de esgotos. 
  • Caubet (2006, p 31) aponta que as desigualdades de rendimento da população brasileira, onde “1% da população brasileira acumula o mesmo rendimento dos 50% mais pobres, e os 10% mais ricos ganham 18 vezes mais que os 40% mais pobres [...], fazem com que “80% dos domicílios dos 10% mais ricos têm saneamento adequado, contra um terço dos 40% mais pobres[...]”. 
No que se refere aos serviços de saneamento básico, estes se concentram em sua maioria nas regiões sul e sudeste. A região norte que possui a maior bacia hidrográfica do mundo é, segundo o IBGE, a região do país que menos possui domicílios atendidos por redes de abastecimento de água, com índices abaixo dos 60%; as regiões sul e sudeste mantém índices acima de 80%, o que por sua vez reflete também a disparidade regional e econômica do Brasil.

  • Na região centro-sul/sudeste se encontra a maior parte da população brasileira. De acordo com o censo demográfico do IBGE de 20009 , somente a região sudeste possui mais habitantes que as regiões norte e nordeste juntas. No que se refere ao PIB, dos 9 municípios que representam juntos 25% do PIB Nacional, 6 se encontram na região sudeste. 
Tabela 2
Municípios que representam juntos 25% do PIB Nacional10 
1999 /2002 
1 - São Paulo
1 – São Paulo
2 - Rio de Janeiro
2 – Rio de Janeiro
3 – Brasília
3 – Brasília
4 – Belo Horizonte
4 – Manaus
5 – Manaus
5 – Belo Horizonte
6 – Curitiba
6 – Duque de Caxias
7 – Porto Alegre
7 – Curitiba
8 – Guarulhos
9 – São José dos Campos 
Fonte: IBGE, Produto Interno Bruto dos Municípios, 1999 – 2002 
  • Dada as características hídricas existentes no Brasil, tanto a idéia de desperdício devido à abundância, quanto interesses financeiros no controle das reservas de água, foram ao longo dos anos dando a base das políticas públicas. 
A primeira legislação significativa sobre águas no Brasil, o Código de Águas, data de 1934, período do primeiro governo de Getúlio Vargas em que teve início de forma mais intensa no Brasil o processo de industrialização. 
  • A indústria passou a ser o principal responsável pelo crescimento do emprego e da renda. O elemento decisivo para explicar a industrialização nesse período é a interferência do Estado na economia, sendo este o coordenador e fomentador do processo de industrialização. 
De acordo com Corsi: 
[...]O Brasil começava a deixar de ser uma sociedade fundamentalmente agrária para se tornar uma sociedade urbano industrial. A indústria passou a ser o setor dinâmico da acumulação de capital, e as classes ganharam maior complexidade, com o crescimento acelerado do proletariado e do outros setores urbanos. A burguesia industrial ganhou maior peso econômico e político. Além disso, o clima da época era marcadamente nacionalista. (CORSI, p. 57, 2000). 
O Código de Águas surge no contexto descrito, sendo a Constituição de 1934 fundamental para que o governo pudesse regulamentar o uso não só da água como de todos os minérios encontrados no subsolo, separando através do artigo 11811 a propriedade do solo da propriedade dos recursos minerais. 
  • O governo de Getúlio Vargas deixava claro que a intenção principal do Estado com essa legislação era controlar e incentivar o uso industrial das águas. Reconhecendo que a utilização das águas no Brasil haviam sido efetuadas até então de forma obsoleta, em desacordo com as necessidades e interesses da coletividade nacional e propondo mudar tal estado de coisas, o Código de Águas dava condições ao poder publico para controlar e incentivar o aproveitamento industrial das águas estabelecendo uma mudança nos conceitos de uso e propriedade definindo que a água brasileira poderia ser de uso público, comum ou particular. 
No que se refere ao acesso da população para satisfação de suas necessidades básicas o Código de Águas foi claro ao garantir tais direitos, mas não houve prioridade quanto ao abastecimento urbano.
  • A nova legislação foi fundamental para que o capital industrial transformasse um bem natural como a água em meios necessários para sua expansão e consolidação. Através da ação intervencionista e centralizadora do Estado Varguista, o capital industrial obteve as condições e a liberdade necessária para usufruir das águas com vistas à acumulação de capital. 
O setor de águas no Brasil passou assim a ficar centralizado no governo federal e diretamente vinculado ao setor de energia elétrica. Tal situação permaneceu no Brasil por mais de cinqüenta anos e só foi sofrer alterações significativas na década de 1990 com a implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos com a lei 9433 de 1997. 
  • O fato é que a enorme capacidade hídrica existente no Brasil sempre serviu de desculpa para justificar a falta de investimentos adequados em saneamento e propagar uma cultura de desperdício não suscitando em governos ou na sociedade em geral preocupações sérias no que diz respeito a problemas de poluição e quadros de escassez. 
Os principais problemas relacionados à falta de acesso a recursos hídricos no Brasil provêm da combinação de fatores como crescimento demográfico e industrial elevado, aliado à falta de políticas de saneamento adequadas. 
  • Este problema acentuou-se principalmente a partir dos anos 50, período de intenso processo de industrialização que gerou no país quadros de elevado crescimento urbano desordenado. 
Setti (2001) aponta: 
O crescimento demográfico brasileiro associado às transformações por que passou o perfil da economia do país refletiu-se de maneira notável sobre o uso de seus recursos hídricos na segunda metade do século. A migração da população do campo para a cidade e a industrialização além de exercerem significativo aumento da demanda das águas dos mananciais também exigiram o crescimento do parque gerador de energia elétrica, que, por sua vez, implicou na necessidade de construção apreciável de aproveitamentos hidrelétricos. (SETTI, 2001, p. 77) 
Embora o IPEA tenha divulgado em 2008 que o Brasil conseguiu atingir a marca de 91,3% de domicílios com água encanada, cerca ainda de 13,8 milhões de pessoas, de acordo com o próprio IPEA, ainda não dispõem do serviço. 
  • O IPEA considerou também que o alto número de domicílios atendidos por redes de água encanada pode mascarar a existência de importantes desigualdades sociais e regionais. Contudo, a questão central para solucionar problemas de acesso a água potável no Brasil está relacionado à forma como os governos gerem suas políticas para o setor, bem como, os interesses que o controle político e econômico da água traz consigo. 
Em meio à crise ambiental conforme alertada por pesquisadores e órgãos internacionais desde meados do século passado, a água despertou inquietação significativa por parte da sociedade. O possível aumento de grande porcentagem da população sem acesso e a degradação da água doce gerou em governos e agências multilaterais preocupações e interesses no que diz respeito ao gerenciamento e controle dos recursos hídricos. 
  • No entanto, governos como o do Brasil se renderam as influências do Banco Mundial criando uma Política Nacional de Recursos Hídricos que embora reconheça a água como bem público, aponta a mesma como um recurso dotado de valor econômico. Desde os anos 1930 até final dos anos 1980 as políticas econômicas adotadas no Brasil tiveram um caráter desenvolvimentista, caracterizadas pelo processo de construção de um Estado Nacional. 
A crise da dívida externa, a crise inflacionária e fiscal do Estado no início dos anos 1980 marcou a crise do desenvolvimentismo. No Brasil, o último suspiro do desenvolvimentismo foi o plano Cruzado no governo Sarney. A abertura comercial promovida pelo governo Collor em 1990 através da extinção de barreiras tarifárias e da redução das alíquotas de importação pode ser considerado o marco inicial das políticas neoliberais no país. 
  • Vale ressaltar que quando Collor assumiu o poder, o desenvolvimentismo já se encontrava em crise. Contudo, a entrada do neoliberalismo no Brasil é tardia se comparado a outros países da Europa ou mesmo da América Latina como Chile, Argentina, México, Bolívia e Uruguai. (BOITO, 1999; LESBAUPIN, 1999).
Tomando por base a análise de Boito Jr. (1999) que coloca que o objetivo do neoliberalismo na América Latina foi em primeiro lugar aumentar a exploração financeira da região, enquadrando suas economias às novas exigências do imperialismo e restringindo a autonomia política dos Estados periféricos, pode-se dizer que as políticas de desregulamentação de serviços e bens, antes geridos pelo Estado, passam a configurar dentro desta lógica uma nova frente de acumulação de capital para as empresas que operam em escala internacional.
  • Estas empresas embora operem em diversos países, são multinacionais que tem a maior parte dos seus ativos e do seu mercado no próprio país de origem. Neste sentido, para que sejam aplicadas tais políticas de desregulamentação dos serviços geridos pelo Estado para posterior concessão privada é necessário uma forte intervenção estatal no que diz respeito a modificações e implementações de novas legislações que permitam a objetivação do projeto neoliberal. 
Tais modificações começaram a ser realizadas no Brasil durante o governo Collor que sofreu impeachment em 1992, mas se proliferou de forma mais ampla logo no primeiro mandado do presidente Fernando Henrique Cardoso. 
  • Assim, conforme passou a ocorrer com outros setores da economia, as políticas públicas direcionados ao setor hídrico no Brasil caminharam durante a década de 1990 para um quadro de profundas modificações. 
O Banco Mundial e a Água:
  • As agências multilaterais passaram a se interessar pelo setor ambiental de forma mais aguçada a partir dos anos 1990, momento em que há uma mudança no direcionamento das políticas de investimento do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no Brasil (Viola, 1998). 
A influência de agências multilaterais no desenvolvimento das políticas de recursos hídricos no Brasil teve início de forma mais acentuada a partir do início dos anos 1990. Embora investimentos do Banco Mundial já estivessem presentes aqui desde meados da década de 1980, a cooperação no desenvolvimento de novos estatutos jurídicos para regulamentação do setor de águas, não só no Brasil, mas como em toda América Latina, começa a se fazer presente de forma mais concreta a partir dos anos 1990. 
  • Ao divulgar em 1992, o documento intitulado Governance e Development, o Banco Mundial apontou como critério fundamental para um Estado implementar e operacionalizar suas políticas o modo como o controle e o poder do governo são exercidos na economia e na administração dos recursos necessários para o desenvolvimento configurando assim a chamada boa governança, ou seja, cooperação entre as esferas públicas e privadas, descentralização do âmbito local e participação social. 
A influência do Banco Mundial no setor de águas na América Latina, especialmente no Brasil, se fez sentir por meio de investimentos e cooperação em programas de desenvolvimento de gestão e despoluição. 
  • Em 1995, o Banco Mundial alegava que os serviços públicos de gerenciamento de recursos hídricos nesta região eram insuficientes e não possuíam capacidade para manter adequadamente sistemas de água e saneamento. 
Previa assim que os países teriam de investir cerca de 5 bilhões de dólares ao ano em serviços de abastecimento de águas e cerca de 7 bilhões de dólares ao ano em serviços de saneamento básico durante uma década para sanar os problemas existente. 
  • Considerava também que os setores públicos destes países não possuíam capacidade financeira para arcar com os serviços necessários, sendo que nessas circunstâncias, os estados deveriam se afastar do papel de financiadores e prestadores de serviços de água. 
A conclusão a que chegará o Banco Mundial acerca da incapacidade financeira dos países da América Latina em gerir os programas necessários para suprir a demanda de água e saneamento foi em grande medida ocasionada pelas próprias políticas impostas pelo Banco e pelo FMI. 
  • A política almejada pelo Banco Mundial para o setor de águas no Brasil e na América Latina centrou-se no discurso de sustentabilidade ambiental e abastecimento das demandas necessitadas, apontando para uma política de gerenciamento que privilegiasse a elaboração e desenvolvimento de projetos técnicos a partir de uma base institucional com instrumentos favoráveis a atuação do setor privado e mecanismos que valorizassem a água economicamente. 
O objetivo principal foi criação de um mercado de águas na América Latina onde os papéis dos setores públicos dos Estados se resumiriam apenas a criar aparatos jurídicos para atuação do setor privado garantindo através de um sistema de regulação as responsabilidades dos serviços: 
As in any market system, there is an opportunity for abuse or imperfection in water markets. For a market o develop, buyers must feel confident that they will receive and be able to use the right purchased. The level of such confidence is reflected in the value of the right. For example, in capital stock markets, this confidence takes the form of an elaborate system of regulation, registration, and oversight. The stock xchanges are regarded as some of the most open markets in the world but still require a great deal of egulatory oversight. This is also the case with water use rights. For a market to exist in water use rights, here must be a system of allocation, permits, licenses, or property titling that is respected by the market. There must also be an adrninistrative system that registers the ownership and title transfer of those rights nd that polices and measures their use. Without a sufficiently strong system of regulation and dministration through either a peer process or a governmental agency, buyers will not have ufficient confidence in their ability to receive the product for which they are paying. (WORD BANK, 1997, p. 6). 
Na visão do Banco Mundial, a água inserida numa economia de mercado seria a forma racional de se resolver os problemas de escassez, poluição e sustentabilidade. 
  • Os aspectos primordiais para o estabelecimento de um mercado de águas na América Latina, conforme aponta o Banco Mundial (1997), seria a garantia que os consumidores deveriam ter em relação ao direito que estão adquirindo, e para que isso ocorresse deveria haver um sistema de atribuições de licenças, autorizações, titularidades e propriedades respeitados pelo mercado e amparados num sistema de regulação suficientemente forte que garantisse que os consumidores recebam o produto pelo qual estão pagando.
Assim, o Banco Mundial justificava a importância dada para as questões institucionais e jurídicas no gerenciamento dos recursos hídricos, ou seja, o requisito prévio para inserir a água numa regulação financeira através do mercado se pautaria na criação de um sistema jurídico e administrativo que desenvolvesse informações sobre alocação da água, medição, transferibilidade, liberdade de mercado e cobrança de tarifas.
  • A justificativa apontada para defender a ação da iniciativa privada na gestão do setor hídrico é o discurso de ineficiência das empresas públicas de abastecimento e saneamento. Embora em seus documentos o Banco Mundial reconhecesse a existência de empresas públicas que apresentam bom desempenho no setor de águas, a maioria era reconhecida pelo Banco por apresentarem fracos resultados devido a ingerências e políticas financeiras desorientadas.
Basicamente com este discurso, o Banco Mundial (1995) passou a realizar uma série de seminários regionais pela América Latina, organizados por sua equipe técnica. Nestes seminários, houve, segundo seus técnicos e consultores, grande interesse dos países em cooperar com o setor privado de águas visando assim implementar arranjos institucionais para facilitar tais medidas.
  • Há uma série de documentos elaborados pelo Banco Mundial sobre o gerenciamento e a sustentabilidade dos recursos hídricos do planeta. Todos baseados numa visão mercantilista e tecnicista conforme já discutimos no início do artigo. 
Barlow (2009) aponta que entre os documentos do Banco Mundial, um deles chamado Water Resources Management declara que a água deveria ser tratada como uma commodity econômica, com ênfase na eficiência, na disciplina financeira e na recuperação total dos custos.
  • Entre 1990 e 2006, de acordo com estudos de Barlow (2009), o Banco Mundial financiou mais de 300 projetos privados de água nos países em desenvolvimento, de modo que os empréstimos para projetos públicos passaram a ser rejeitados em favor de um modelo privado sem qualquer prejuízo para as empresa que assumisse os serviços:
O Banco Mundial promove o desenvolvimento de serviços hídricos privados no hemisfério sul através de várias de suas agências: o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD) e a Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), que emprestam dinheiro a paises pobres (e empréstimos vantajosos para os mais pobres) com base na condição de que os países adotem um modelo de fornecimento privado de água; a International Finance Corporation e a Agência Multilateral de Garantia ao Investimento (MIGA), que estimulam os investidores privados do setor hídrico em países pobres e, no caso da última, protege os investidores privados do setor hídrico em paises pobres e, no caso da última, protege os investidores contra riscos de todos os tipos, incluindo resistência política local; e o Centro Internacional de Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID), um tribunal de arbitragem usado pelas empresas de água para processar os governos que tentam romper os contratos. (De acordo com um relatório de abril de 2007 da Food and Water Watch, Challenging Corporate Investor Rule, aproximadamente 70% dos casos do ICSID são resolvidos em prol do investior, sendo cobrada uma indenização do país no qual o investimento fracassou. Em pelo menos sete casos, a receita dos investidores era maior que o produtos interno bruto do país que estavam processando). (Barlow, p. 52, 2009). 
  • Se a privatização da água é o principal interesse das agências do Banco Mundial, nem sempre ela é colocada nos quadros jurídicos dos países de forma clara. 
Nesse sentido as legislações adotadas normalmente reconhecem a água como bem público, mas um bem público dotado de valor econômico e passível de cobrança e exploração privada, configurando assim um bem de domínio público passível de geração de lucro para corporações do setor de água. Barlow e Clarck (2003) afirmam que a privatização da água se dá normalmente de três formas, são elas: 
(a) Venda total dos serviços de água para as grandes corporações;
(b) Concessões ou Parcerias Público Privadas, onde os governos concedem contratos geralmente de 30 anos para as empresas assumirem os serviços de água, transferindo assim o direito total na participação das receitas dos serviços de água;
(c) As taxas administrativas por meio dos quais as empresas são contratadas pelos governos para assumir o controle dos serviços de água de acordo com uma taxa, com as empresas não tendo direito na participação das receitas. 
Estes seriam, de acordo com Barlow e Clarck (2003), os modelos de privatização mais utilizados no mundo, sendo o modelo de Parceria Público Privado o principal e mais comumente realizado nos países, principalmente no Brasil. 
  • A própria lei 9.433/97 que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos no Brasil facilita tal modelo, pois ao mesmo tempo em que ela define a água como um bem público, reconhece a mesma como um bem dotado de valor econômico e possibilita sua outorga para empresas do setor privado. 
As parcerias público privada no Brasil tiveram início no âmbito da Reforma do Estado no governo FHC, mais especificamente com a lei 8.987 de 1995 que regulamentou a concessão de serviços e obras públicas, tendo sido regulamentada mais recentemente com a lei 11.079 de dezembro de 2004 que institui normas e regras para licitação e contratação de parceria público privada no âmbito da administração pública. 

A politica Nacional de Recursos Hídricos: 
  • A Política Nacional de Recursos Hídricos colocou a água como um bem público, recurso natural limitado e dotado de valor econômico. 
A lei consolidou a descentralização federal do gerenciamento do setor, ressaltando que este deve contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades. Absorvendo as recomendações do Banco Mundial, aparecem como instrumentos da PNRH a outorga dos direitos de uso dos recursos hídricos, bem como a cobrança pelo uso da água. 
  • A regulação do setor passou a ficar a cargo da Agência Nacional de Águas, criada a partir da lei 9984/00, que ficou responsável pela autorização da outorga, por fiscalizar o uso dos recursos hídricos da união, apoiar a criação de comitês de bacias hidrográfica, implementar a cobrança pelo uso da água, bem como prestar apoio e fiscalizar a gestão dos recursos hídricos. 
Vargas (2005), ao analisar várias concessões realizadas no Brasil, afirma que o setor privado não pode ser visto como a principal forma de se desenvolver projetos que viabilizem o acesso da população a água encanada e tratamento de esgotos. 
  • Na sua óptica, o investimento público continua sendo a solução para resolver os problemas do setor, desde que o Estado procure favorecer o aumento de investimentos privados onde a capacidade do setor público estiver comprometida. 
No entanto, a tarefa do Estado fazer com o capital privado se interesse por regiões onde o poder público não possui condições de atuar parece não ser uma tarefa das mais fáceis, como nos demonstra o próprio Vargas (2005): 
“[...]a maior parte do investimento necessário para atingir as metas do milênio relativas ao saneamento básico não sairá do setor privado. O investimento privado neste setor, embora possa continuar crescendo, tem sido e continuará sendo altamente seletivo em termos regionais e setoriais, tendo privilegiado na ultima década o abastecimento de água nas grandes cidades das regiões mais próspera dos países em desenvolvimento, em detrimento das regiões mais pobres [...]” (VARGAS, 2005, p 36) 
O apontamento de Vargas (2005) de que o setor privado é seletivo e busca regiões que possam render retornos financeiros aponta mais uma vez para a incompatibilidade de um modelo de gestão que prima pelo mercado na solução dos principais problemas socioambientais. Problemas no setor hídrico ainda fazem parte da realidade do Brasil, só que agora com um avanço seletivo do setor privado no controle das águas e dos serviços. 
  • A questão central é que o setor privado está mais preocupado com o possível lucro que o setor de águas lhe renderá do que propriamente com a sustentabilidade socioambiental e suprimento das demandas sanitárias que ficarem sob sua responsabilidade. Não há surpresa nisso, é apenas a lógica do mercado. Analisando a questão hídrica no Brasil a partir da PNRH, 
Carlos Walter Porto Gonçalves (2004) indica que o acesso à água, antes se apresentava como um problema localizado, manipulado por oligarquias latifundiárias regionais ou políticos populistas, e hoje se valendo ainda de um discurso de escassez e agora com pretensões de cientificidade que invoca o uso racional dos recursos por meio de gestão técnica, novos protagonistas surgem, sendo no caso os gestores com formação técnica e científica. 
  • Em uma análise realizada por Oliveira (2007) sobre as concessões dos serviços de saneamento básico para a empresa multinacional Suez S.A. nas cidades de Limeira/SP e Manaus/AM, foram constatadas defesas de interesses da empresa por parte de suas concessionárias em detrimento de servir com água tratada e esgotamento sanitário para as parcelas mais pobres da população. 
Oliveira (2007) ao abordar estes casos afirma que o principal interesse da Suez S.A. foi tão somente à obtenção de lucros e rendimentos por meio da incorporação de capitais públicos, não realizando por sua vez os serviços necessários nas áreas mais necessitadas. 
  • Tais análises reforçam a tese de que embora a PNRH buscasse destacar no seu texto legal o reconhecimento da água como um bem público, pontuando um caráter democrático, participativo e descentralizador para o controle das águas, por outro lado buscou diminuir o papel do Estado na obrigação central que até então lhe era atribuída no que se refere ao controle e a gestão hídrica no Brasil dando margem a uma amplitude de novos atores que poderiam vir a assumir o controle das águas do país, além de servir de um instrumento crucial para a expansão do capital privado no setor hídrico do Brasil devido principalmente à influência do Banco Mundial na sua formulação. 
Considerações Finais:
  • A eficiência dos serviços de água e saneamento no Brasil está diretamente vinculada aos investimentos do Estado e controle público das águas do país. 
O setor de águas no Brasil não pode servir de fonte de lucro para transnacionais que se comprometem apenas com seus acionistas. Serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário são de vital importância para qualquer país que queira se desenvolver social e economicamente, e nesse sentido a soberania sobre esse recurso natural é essencial para a sociedade como um todo. 
  • Os problemas socioambientais apresentados aqui a partir das questões relacionadas ao setor de recursos hídricos não podem ficar submetidos às vontades da economia de mercado, mas sim, serem enfrentados a partir de aspectos sociais. 
As políticas do setor de águas não devem funcionar como um mero facilitador dos interesses econômicos de determinados grupos transnacionais. Torna-se extremamente necessário um resgate da capacidade de planejamento do Estado, voltado em primeiro plano para a sociedade como um todo. 
  • Ao se buscar formas de uso e controle dos recursos hídricos de forma sustentável há de antemão a necessidade de se conceber os problemas ambientais de forma mais ampla, não se restringindo apenas a um ponto de vista instrumentalista, que se faz preponderante por meio de sua condição hegemônica atual. 
A questão da água, bem como todos os problemas ambientais têm de ser encarados conforme aponta Altvater (1995) como uma questão social, de modo que a questão social pode ser elaborada adequadamente como questão ecológica. 

Referencias:

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Políticas Públicas e Desenvolvimento Sustentável