Agropolos: sustentabilidade para agricultura familiar
por Raquel Sacheto
- A agricultura familiar exerce papel fundamental na economia de uma parcela significativa das pequenas cidades brasileiras. Em muitos casos, é ela a responsável pelo bom desempenho dos negócios urbanos, pelo suprimento da demanda interna de alimentos e pela manutenção do homem no meio rural.
Melhorar a capacidade organizacional dos produtores, agregar valor aos produtos e facilitar o acesso dos mesmos ao mercado, tornando-os mais competitivos são, portanto, alternativas que contribuem para o aumento da renda e do desenvolvimento regional.
- A inserção dos produtos da agricultura familiar no mercado depende, no entanto, de uma série de fatores como a organização das cadeias produtivas e dos próprios produtores, a inovação tecnológica e as condições institucionais favoráveis (crédito, infra-estrutura, acesso a informações, etc).
Na maioria dos casos, porém, os produtores, de forma isolada, não reúnem as condições necessárias para tanto. O modelo de agropolos, adotado pelo Brasil no final dos anos 1990, propicia o desenvolvimento regional por meio da exploração sustentável dos recursos naturais.
- Mas o que são os agropolos? Trata-se de um modelo de gestão pautado na premissa de esforços ordenados em um espaço geográfico, na visão de longo prazo e na melhoria da qualidade de vida da população envolvida, por meio do aumento do emprego e da renda.
Um agropolo deve ser visto como uma rede envolvendo produtores rurais, instituições públicas e privadas, para desenvolver ações integradas e sistemáticas que incrementem a produção, a qualidade e a competitividade das cadeias produtivas de uma determinada região.
- Sendo assim, os agropolos preconizam um modelo de gestão cooperativa. "A primeira fase de implantação de um agropolo é a sensibilização da comunidade envolvida, incluindo aí não apenas os produtores, mas também o governo, as escolas, os empresários, os comerciantes e demais líderes da região", explica Leoni Lüdke, analista de ciência e tecnologia da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa e Tecnologia (Abipti), instituição responsável pela elaboração da metodologia de Agropolos adotada no Brasil. (ver box)
Somente após concluir a fase de sensibilização e garantir o envolvimento da comunidade é que a implantação de um agropolo começa a tomar corpo. A partir daí é realizado um diagnóstico sócio-econômico da região e se determina qual a sua cadeia produtiva prioritária. "Essa cadeia será a espinha dorsal do projeto sem, contudo, ignorar as demais cadeias existentes.
- É, no entanto, a partir da cadeia principal que o trabalho se desenvolve", explica Leoni. Para a cadeia escolhida é realizado um diagnóstico participativo, onde se busca explorar todos os pontos fortes e fracos da produção, criando-se então, projetos cooperativos que potencializem os acertos e eliminem os pontos de gargalos.
Conciliar duas visões de mundo:
- Dentro dessa metodologia, mesmo que a agricultura familiar da região ainda esteja na fase de subsistência, o trabalho é direcionado para que essa etapa seja superada e se ingresse na comercialização, estabelecendo o contato entre o produtor e o mercado.
Para isso, ao mesmo tempo em que se busca preservar as características da agricultura familiar, com sua lógica de produção e respeito à diversidade cultural, o desafio é a inserção desse produtor numa lógica empresarial.
- Outra característica importante dessa metodologia é que as ações buscam identificar cadeias produtivas ainda não exploradas na região. "É preciso destacar que a metodologia de agropolos não visa apenas à lucratividade, mas principalmente, a qualidade dos produtos destinados ao mercado e à maturidade das relações entre os envolvidos. A metodologia se preocupa com questões sociais e ambientais. Ou seja, com o crescimento sustentado", ressalta Leoni.
Um exemplo é o agropolo Ibiapaba, no oeste do Ceará, com propriedades familiares com tamanho médio de 30 hectares.
- O diagnóstico inicial da região revelou uma agricultura deficiente em inovações, com dificuldades na comercialização da produção, resistência às novas tecnologias e uso abusivo de agrotóxicos, além de baixa produtividade das principais culturas tomate, maracujá, cenoura, beterraba, pimentão.
Flores do Nordeste:
- A implantação do agropolo permitiu melhorar o desempenho das cadeias produtivas já existentes, bem como elaborar projetos para que os agricultores locais se inserissem em novas experiências agrícolas, como o início do plantio de flores na região.
A iniciativa deu tão certo que atraiu algumas das maiores empresas do país no setor e gerou a criação da Tecflores, unidade destinada à realização de testes, capacitação de mão-de-obra e de produtores.
- Hoje, o Ceará é o maior exportador de rosas do Brasil e até o final de 2005 a expectativa é atingir US$ 7 milhões em divisas, um crescimento de 350% em relação a 2004, quando as vendas externas somaram R$ 2 milhões. Além da experiência de Ibiapaba, no Ceará já existem seis outros agropolos: Metropolitano, Sertão Central, Baixo Acaraú, Baixo Jaguaribe, Cariri e Centro-Sul.
Agropolo Capixaba:
- Em implantação desde julho de 2004, o agropolo da Serra do Caparaó, no Espírito Santo, desenvolve ações e atividades voltadas para aprimorar a exploração da cadeia produtiva do café arábica e de novas cadeias potenciais.
A prática da monocultura do café provoca reações adversas à sustentabilidade econômica da região devido às condições climáticas e ao relevo montanhoso da região, outras atividades agroindustriais têm forte potencial econômico como o turismo rural, a fruticultura, a floricultura, a piscicultura e produção de madeira e celulose, além de hortaliças em geral.
- O agropolo da Serra do Caparaó compreende a microrregião sudoeste do Espírito Santo e agrupa os municípios de Alegre, Divino de São Lourenço, Dores do Rio Preto, Guaçuí, Ibatiba, Ibitirama, Irupi, Lúna, Muniz Freire e São José dos Calçados.
A região conta com um riquíssimo complexo paisagístico, de cenários bucólicos, configurado no Parque Nacional do Caparaó e tem como ponto turístico mais visitado o Pico da Bandeira, com 2.890 m de altitude.
Agropolos população, ambiente e sustentabilidade
População, ambiente e sustentabilidade:
Desafio à demografia ambiental:
- Primeiro entre os dez volumes da Série Sustentabilidade, coordenada por José Goldemberg, o livro de Hogan, Marandola Jr. e Ojima traz uma reflexão sobre a sustentabilidade a partir das relações entre população e ambiente no mundo contemporâneo.
O texto conciso, sem deixar de abordar questões centrais de forma consistente, faz-se apropriado tanto aos leitores mais afeitos ao campo de População e Ambiente, quanto a um público mais amplo – o qual a Série se propõe a alcançar.
- Lançado sete meses após o falecimento de Daniel Hogan, é inevitável que se veja a obra como uma homenagem àquele que foi um dos precursores dos estudos de População e Ambiente. A deferência, explícita no prefácio assinado pelos coautores Eduardo Marandola Jr. e Ricardo Ojima e nas referências às ideias do autor ao longo do livro, marca a importância de Hogan e o peso de sua ausência.
Porém, a homenagem não deve impedir que se perceba o maior significado do encontro: o livro é a expressão da profícua interlocução dos três autores, conforme atesta sua relevante produção nos últimos anos.
- A obra estrutura-se a partir de palavras-chave: tendências, consumo, espaço e tempo, conforme apresentado no capítulo 1 (Espaço-Tempo). O grande desafio está ali colocado: pensar a problemática ambiental atribuindo a mesma importância à população e ao ambiente, considerando-os parte de um mesmo sistema.
A dimensão espacial é fundamental para a compreensão das relações entre os termos, seja pela distribuição não homogênea de recursos, pessoas e riscos, seja pela mobilidade da população – que pode significar uma resposta a desequilíbrios ou um de seus sintomas. O tempo é outra dimensão importante pelo dinamismo em cada termo e pelo ritmo das mudanças em suas relações.
- O contra-argumento à ênfase no volume populacional e nas taxas de crescimento se constrói a partir das evidências das mudanças nos componentes da dinâmica demo-gráfica (tendência de redução das taxas de mortalidade e de fecundidade), que levam à transição demográfica.
Ao transcender a velha questão da pressão dos números sobre os recursos e deslocar o debate para a mobilidade e a distribuição populacional, apresenta-se uma proposição multiescalar, multidimensional. A dinâmica demográfica não pode ser descolada da reflexão sobre os indivíduos (e a individualidade) em nosso mundo globalizado, moderno. A transição demográfica é também industrial, tecnológica, cultural, urbana.
- Especificamente, a interação da transição demográfica e da urbana (uma não pode ser pensada sem a outra, segundo os autores) desloca o foco para o modo de vida nas cidades e para a correspondente alteração no padrão de consumo.
A explosão do consumo como um fator mais expressivo do que a temida explosão populacional. Consequentemente, outros elementos passam a merecer atenção, tais como a estrutura etária da população (tendência ao envelhecimento) e a mudança na composição dos domicílios (unidades menores que consomem mais energia).
- A cidade, espaço de consumo moderno e forma de consumir o próprio espaço, é o elemento mais evidente da organização espacial da população. A oposição entre a concepção de cidade dispersa e a de cidade compacta marca um debate mais calcado nas características e nas formas de organização da população do que no seu volume em si.
O reconhecimento é contraposto criticamente à "tradição demográfica" de considerar o espaço apenas "área continente" da população, ou seja, de usá-lo somente para localizar a população, e não enquanto "ator dos processos populacionais" (p. 51).
- Ao dissociar espaço e população, a demografia acaba por comprometer sua capacidade de compreensão dos fenômenos. Na visão dos autores, a incorporação da indissociabilidade entre população e espaço, a partir de diálogos entre a demografia e outras disciplinas, é mérito dos estudos de População e Ambiente.
Os autores identificam três escalas privilegiadas para o estudo de problemas ambientais – cidade, região e planeta – e destacam a importância do entendimento de efeitos multiescalares sobre a sustentabilidade.
- Na sequência, o texto volta-se para a apresentação de dados sobre a distribuição da população nas três escalas: região (biomas brasileiros), cidade (concentração humana em grandes cidades como uma tendência mundial) e planeta (no contexto das mudanças ambientais globais), o que serve para informar o leitor e dar forma às reflexões feitas anteriormente.
No contexto mais contemporâneo das discussões sobre as mudanças climáticas, são apresentados outros termos para a discussão sobre a sustentabilidade: perigo, risco, vulnerabilidade, mitigação, adaptação e resiliência. Vulnerabilidade é vista como o outro lado da sustentabilidade (o aumento da primeira implica a diminuição da segunda).
- Em face de perigos ou danos, mitigação e adaptação são ações para o ajustamento e a retomada da sustentabilidade. Sociedades vulneráveis são aquelas mais suscetíveis aos perigos e às incertezas; sociedades sustentáveis são as que conseguem lidar com certo grau de incerteza e insegurança, implementando ações que tendem a garantir sua estabilidade ao longo do tempo. A resiliência da sociedade e do ambiente, a um só tempo, aparece como um requisito para a sustentabilidade.
Assim como nos capítulos anteriores, a composição de temas e abordagens demográficas aos da ecologia humana e da geografia, por exemplo, é uma marca importante no texto, tornando impossível pensar a sustentabilidade sem refletir sobre o mundo em que vivemos e colocando o campo de População e Ambiente na fronteira do interdisciplinar, do transdisciplinar, como se deveria esperar. Porém, é lançado aos demógrafos um desafio:
- Já está na hora de assumirmos uma demografia ambiental, que contribua de forma sistemática para a compreensão e construção de um mundo sustentável. Esse é um esforço coletivo para o futuro que agrega à reflexão ambiental um olhar propriamente demográfico... (p. 96)
Ainda que não enveredem pela discussão epistemológica, os autores tocam em um sensível e virtualmente paradoxal problema de definição de campos. Assumir uma Demografia Ambiental na qual, infiro, ambiente não se confunda com natureza (ou meio), mas sim evoque a reflexão mais abrangente sobre o espaço, requer que seja dado um passo adiante, a partir da experiência dos estudos de População e Ambiente.
- Porém, População e Ambiente pode ser visto como um campo que, ao se projetar para além dos limites da Demografia, não se caracteriza como propriamente demográfico, apesar de basear-se no estudo dos componentes da dinâmica demográfica. O clamado olhar demográfico bastaria para constituir a especificidade da Demografia Ambiental?
Agropolos população, ambiente e sustentabilidade