quinta-feira, 13 de novembro de 2014

O técnico agrícola e agricultura sustentavel

O técnico agrícola e a agricultura sustentável

  • Na década de 80, os problemas ambientais decorrentes da agricultura moderna levaram os pesquisadores a repensá-la. Era uma necessidades urgente que a agricultura conciliasse produção, conservação ambiental e viabilidade econômica (EHLERS, 1996). 
Na agricultura, um número crescente de produtores e pesquisadores, dentre eles americanos do Departamento de Agricultura (USDA) e do Conselho Nacional de Pesquisa (NRC) questionavam a necessidade de um novo paradigma de agricultura. "Rapidamente, estabeleceu-se a noção internacionalmente conhecida por agricultura sustentável" (EHLERS, 1996:130). A partir daí surgem várias definições para a agricultura sustentável. EHLERS, em seu livro Agricultura Sustentável, apresenta o resultado da análise destas várias definições e verifica que todas incorporam os seguintes itens.
  • Manutenção a longo prazo dos recursos naturais e da produtividade agrícola; 
  • Mínimo de impactos adversos ao ambiente; 
  • Retornos adequados aos produtores; 
  • Otimização da produção das culturas com o mínimo de insumos químicos; 
  • Satisfação das necessidades humanas de alimentos e de renda; 
  • Atendimento das necessidades sociais das famílias e das comunidades rurais" (EHLERS, 1996:112). 
Para MANUEL DE SERRA (1999), para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável é necessária a execução da reforma agrária, pois ela "permitirá o acesso à terra a todos os trabalhadores sem terra ou com terra insuficiente para assegurar o seu desenvolvimento, sob o prisma da equidade, sustentabilidade e competitividade" (SERRA, 1999:16). É questionável para muitas pessoas a necessidade da Reforma Agrária para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável, pois ela é apenas uma questão técnica. 
  • Entretanto, é preciso não confundir práticas alternativas de agricultura com agricultura sustentável, pois algumas práticas difundidas pela agricultura sustentável já eram utilizadas há muito tempo, desde a Idade Média, por exemplo. Outro aspecto importante de ser ressaltado em relação às práticas indicadas na agricultura sustentável (cultivo mínimo, plantio direto, consorciação de culturas, manejo integrado de pragas) é que isso não caracteriza um movimento de mudança social, mas alguns métodos de preservação ambiental dentro da linha ecológica (FAGNANI, 1997). 
Das práticas agrícolas denominadas "alternativas" EHLERS (1996), trata de seu fortalecimento na década de 70, como oposição à agricultura convencional e ao recente interesse que suas práticas têm provocado no meio científico agronômico, principalmente nos Estados Unidos. Procura mostrar a origem de suas principais vertentes como a agricultura biodinâmica, orgânica, biológica e natural. 
"A agricultura alternativa é comumente chamada de agricultura orgânica porque a base de todas as formas alternativas ao modelo convencional é o uso da matéria orgânica como fertilizante" (FAGNANI, 1997:138). Pelo fato de abranger outros formas de agricultura, resumidamente pode ser entendida como a agricultura que não faz uso de produtos químicos. Já a agroecologia utiliza os agroecossistemas como unidade de estudo. "Integra os princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão e avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a sociedade como um todo" (ALTIERI, 1998: 18). Assim o equilíbrio entre plantas, solos, nutrientes, luz solar, umidade e outros organismos coexistentes, é responsável por uma produção sustentável (ALTIERI, 1998). 
As práticas de agriculturas alternativas não se constituem numa agricultura sustentável, são práticas compatíveis ao meio ambiente e necessárias ao desenvolvimento da mesma. Para que uma agricultura seja sustentável tornam-se necessárias também mudanças sociais e econômicas favoráveis aos pequenos proprietários.
Agricultura familiar

Agricultura Familiar:
  • A agricultura familiar nem sempre foi base para programas de desenvolvimento. Durante a expansão do capitalismo industrial, no período de 1848-1973, eram as grandes propriedades o referencial em termos de tamanho de propriedade agrícola. Ela era necessária para a nova onda tecnológica, "dominada pela debulhadora a vapor e pela colheitadeira mecânica" (VEIGA, 1996:2). O fascínio pelas grandes propriedades foi adotado na Inglaterra, e em países da Europa continental, assim como no Japão. Serviu para identificar o surgimento de uma agricultura do tipo patronal, onde o processo produtivo era planejado e dirigido por um capitalista e executado por multidões de assalariados (VEIGA, 1996). Entretanto a euforia da agricultura patronal não durou muito nos países denominados de primeiro mundo. As elites dirigentes perceberam logo as desvantagens da concentração fundiária, tanto do ponto de vista econômico, como social (VEIGA, 1996). VEIGA (1991), abordando sobre o desenvolvimento histórico da agricultura na Europa, Estados Unidos e Japão, alerta para a importância de entender o movimento histórico que fez com que a agricultura familiar tenha predominado em todos os países capitalistas desenvolvidos. 
Não só na Europa continental a forte tradição camponesa teve forte peso na formação das estruturas agrárias, mas também na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. O crescimento da produção agropecuária dependia fundamentalmente da produção de propriedades menores (ABRAMOVAY, 1991). 
  • No caso brasileiro, desde o início de sua colonização, o país é um exemplo de grande concentração fundiária e de enorme apoio à agricultura patronal. Exceção é o fluxo colonizador, que desde o sudoeste do Paraná, até o extremo sul permitiu a opção da agricultura familiar (VEIGA, 1996). Ainda, no Brasil, a grande propriedade foi um modelo reconhecido pela sociedade. Para ela foi direcionada toda política agrícola no sentido de modernizá-la e assegurar sua reprodução. Em relação à agricultura familiar, esta sempre ocupou um lugar secundário. "Quando comparado ao campesinato de outros países, foi historicamente um setor bloqueado, impossibilitado de desenvolver suas potencialidades enquanto forma social específica de produção: (WANDERLEY, 1995:38). 
A agricultura familiar brasileira não foi o foco principal das políticas públicas; no entanto, em estudo sobre a distribuição da população rural, BERGAMASCO (1994) aponta que o número de pessoas ocupadas na agricultura familiar em 1989 era de 58,3%. O maior número desses trabalhadores encontrava-se na região Nordeste I (Maranhão e Piauí) e no extremo Sul do país (Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Na região Centro-Sul ela é menos representada, devido às características de modernização da agricultura. Isto vem mostrar o caráter excludente das políticas agrícolas no Brasil. 
  • Para o INCRA, a agricultura patronal leva a uma forte concentração de renda e exclusão social, ao passo que a agricultura familiar apresenta um perfil essencialmente distributivo e melhorias em termos socioculturais.
No Brasil, a agricultura familiar mais pobre tem na concentração da estrutura fundiária o principal determinante de sua condição de miséria. A reforma agrária pode ser uma solução barata e eficiente de engajar esse contingente no sistema produtivo. As políticas direcionadas aos assentamentos, na maior parte das vezes, segue um modelo de produção orientado para uma agricultura moderna e comercial, constituindo, muitas vezes, uma réplica em pequena escala da grande produção (MENEZES, 1998). 
  • Para LAMANCHE (1993:15) "a exploração familiar, tal como a concebemos, corresponde a uma unidade de produção agrícola onde propriedade e trabalho estão intimamente ligados à família". 
A agricultura familiar refere-se às formas sociais já constituídas, ao passo que os assentamentos estão associados a um processo social e político de acesso à terra, associado aos processos políticos de reforma agrária, colonização e de reassentamento de populações (MOREIRA, 1998). 
  • Os assentamentos correspondem à criação "de novas unidades de produção agrícola, por meio de políticas governamentais, visando ao reordenamento do uso da terra, em benefício de trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra" (BERGAMASCO e NORDER, 1996:7). Os assentamentos foram implementados como uma tentativa de diminuir a violência no campo a partir da primeira metade dos anos 80 (BERGAMASCO e NORDER, 1996). 
A gestão financeira das propriedades familiares é realizada pela própria família. E "a família é o elemento básico de gestão financeira - destinação dos recursos monetários auferidos - o do trabalho total disponível internamente na unidade do conjunto familiar" (CARMO, 1998:228). 
  • Outro aspecto referente às propriedades familiares é ausência de mais valia, no processo produtivo. Isto dá à unidade familiar um caráter específico. O produtor familiar é fundamentalmente um proprietário que trabalha. Quem trabalha é o agricultor e sua família, e é familiar a propriedade do estabelecimento (Chayanov, 1981, apud WANDERLEY, 1998). Fazendo um estudo da agricultura familiar e do agrobusiness nos anos 90, DEL GROSSI e GRAZIANO DA SILVA (1999) relatam o aumento do fosso entre os proprietários familiares e os grandes empregadores da agropecuária brasileira. As pequenas e médias empresas familiares perdem espaço na década de 90, fato contrário observado em décadas anteriores. 
Os autores justificam essa diferenciação ocorrida na década de 90 pela queda de rentabilidade, "especialmente dos produtores familiares, que dependem cada vez mais de rendas não agrícolas e das transferenciais, especialmente dos pagamentos de aposentadorias e pensões para sobreviverem" (DEL GROSSI e GRAZIANO DA SILVA, 1999:1). A queda de rentabilidade é atribuída pelos autores a três elementos, a saber: queda dos preços dos produtos agropecuários; aumento dos custos do trabalho e do crédito rural e redução de inovação no setor agropecuário. 
  • O trabalho de DEL GROSSI e GRAZIANO DA SILVA foi baseado no Censo Agropecuário de 1995/1996, e, segundo os autores, apresenta dificuldade de ser comparado com os realizados em anos anteriores, "em função da mudança do período da coleta de dados" e de nele "estarem excluídas todas as atividades não agrícolas", assim como "aquelas propriedades rurais que não apresentaram nenhuma produção agropecuária no período de referência" (DEL GROSSI E GRAZIANO DA SILVA, 1999:3) No trabalho os autores fazem uma análise das famílias extensas. 
Na análise dos autores para o período 1992/98, houve certa estabilidade no grupo de agricultores familiares que trabalhavam por conta própria e uma redução expressiva dos empregadores com até dois empregados fixos, assim como do números de famílias de empregadores agrícolas. Tal fato é explicado pela valorização do salário mínimo. Para viabilizar financeiramente a agricultura familiar em termos de empréstimos, foi criado O PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar mediante o Decreto 1946, de 28.06.96, com o objetivo de financiar "as atividades exploradas diretamente pelo produtor rural e sua família, incluindo a produção e serviços agropecuários e não agropecuários" (GOVERNO FEDERAL, 1996). A operacionalização das linhas de financiamento deste Programa são realizadas pelos bancos credenciados. Os recursos do PRONAF são repassados pelo BNDES às instituições financeiras. 
  • CARNEIRO (2000), destaca que as "diretrizes do PRONAF "têm como referência experiências europeias, principalmente da França" (CARNEIRO,2000:2), onde a modernização da agricultura no pós-guerra baseou-se na agricultura familiar. É de fundamental importância na importação de modelos adotados por outros países lembrar as especificidades das conjunturas e os contextos históricos de cada realidade. Na França, quando implementada a política da agricultura familiar, foi possível investir em políticas sociais que garantiam as transformações do campo. No caso brasileiro, o direcionamento do pós-guerra na política agrícola foi no sentido "da modernização econômica e tecnológica da grande produção" (CARNEIRO, 2000:3). A autora aponta que a atual política de apoio à agricultura familiar encontra, num contexto de restrição à participação do Estado no processo de desenvolvimento, forte oposição. Questiona ainda a proposta do PRONAF, "qual a forma de produção familiar que teria a capacidade de realizar absorção de mão-de-obra, mantendo ao mesmo tempo a competitividade na economia?" Sua preocupação é no sentido de que a tecnologia aplicada à unidade familiar de produção gere um excedente de mão-de-obra que certamente, aumentará o êxodo rural. De acordo com o Ministério de Desenvolvimento Agrário, são consideradas propriedades familiares, aquelas cuja direção é exercida pelo produtor e onde o trabalho familiar é superior ao contratado. 
O Censo Agropecuário de 1995/96 registrou 4.859.864 estabelecimentos rurais, dos quais 4.139.369 são estabelecimentos familiares. Estes estabelecimentos ocupam uma porcentagem de 67,9% do total das áreas ocupadas pelo total dos estabelecimentos . 
  • Neste contexto, diante do número de estabelecimentos familiares, torna-se evidente a necessidade de um apoio técnico do governo (INCRA ou outros) às instituições responsáveis para levar adequada base técnica à agricultura familiar dentro do conceito de sustentabilidade.

O técnico agrícola e a agricultura sustentável