sábado, 15 de agosto de 2015

Extrativismo e Biopirataria na Amazonia

Extrativismo, Biodiversidade e Biopirataria na Amazonia

  • Depois do assassinato do líder sindical Chico Mendes (1944–1988), em dezembro de 1988, o extrativismo vegetal passou a ser difundido como a grande solução ambiental brasileira para conter desmatamentos e queimadas na Amazônia e em outras partes do mundo tropical. No Governo Lula, desde janeiro de 2003, essa política foi ampliada com a criação de mega-reservas extrativistas, com o objetivo de promover a inclusão social, servir de tampão para conter a expansão da fronteira agrícola, atender à simpatia internacional, estabelecer uma compensação ecológica, doutrina partidária, entre outros aspectos.
A reação do governo em criar Unidades de Conservação pode funcionar em áreas sem pressão de ocupação, mas revela-se de pouca eficácia nas áreas ocupadas. Como um tumor cancerígeno, essa destruição está ocorrendo de forma endógena nas próprias Unidades de Conservação e sua ineficácia pode ser comparada à da Linha Maginot (1931–1936), construída pelos franceses a fim de conter o avanço das tropas alemãs na II Guerra Mundial, contornando áreas protegidas (MIRANDA, 2006).
  • Muitas mega-reservas extrativistas apresentam sustentabilidade duvidosa, por se apoiarem na extração madeireira e atividades agrícolas, provocarem a migração de contingentes atraídos pelas facilidades ou pela criação de territórios políticos além de, algumas vezes, serem um pretexto para aproveitar os benefícios do governo (CORRÊA, 2005).
A destruição dos recursos naturais também ocorre de forma predatória, (in)consciente, provocando o esgotamento ou a destruição dos ecossistemas. As reservas extrativistas ao longo do Rio Juruá, por exemplo, expandiram a produção de farinha para abastecer o mercado de Manaus. As facilidades do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte – FNO e do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf estimularam a formação de pastagens e a criação de gado, nas reservas extrativistas mais antigas do Estado do Acre, provocando o declínio da extração de borracha nativa e os incêndios florestais.
  • A incorporação de novas áreas florestais é efetuada numa dinâmica de causação circular, em que estão envolvidos o segmento de agricultura familiar, os médios e grandes produtores, os madeireiros e os extrativistas.
Essa destruição decorre da busca pela sobrevivência pelo procedimento usual, que pode ser válido em um ambiente com pouca pressão sobre os recursos naturais, mas que tende a ampliar a magnitude da destruição pelo aumento do contingente humano e da quantidade extraída. A busca da lucratividade com a destruição dos recursos naturais faz com que o aproveitamento no presente seja mais importante do que a preservação a longo prazo. Tal procedimento tende a levar a destruição até o esgotamento das reservas.
  • A atividade extrativa se caracteriza pela oferta fixa determinada pela natureza. O início da extração pode ser entendido por uma oferta potencial (S) de determinado recurso natural como se fosse um bem livre. As curvas de oferta e demanda não têm interseção, uma vez que a extração do recurso se destina essencialmente à utilização direta dos próprios extratores (HOMMA, 1980, 1981, 1982, 1983, 1985; MAY, 1986).
Com o tempo, a melhoria dos processos de transporte e comercialização e as obras de infra-estrutura tenderiam a gerar um equilíbrio entre o crescimento da demanda e o crescimento do mercado. A curva de demanda se desloca gradativamente para a direita até atingir a limitação do recurso em determinada área espacial. A curva de oferta passa a assumir características de inelasticidade em relação à quantidade, posicionando-se na vertical.
  • Essa evolução do mercado depende também do tipo de extração. Os recursos extrativos na Amazônia estão sujeitos a dois tipos de extração: o de coleta e o de aniquilamento. No caso de coleta, a integridade da planta matriz geradora do recurso é mantida intacta. Como exemplo, pode ser mencionado o extrativismo da seringueira (Hevea brasiliensis M. Arg.) e da castanha-do-pará (Bertholletia excelsa HBK). Desde que a taxa de recuperação cubra a taxa de degradação, essa forma de extrativismo asseguraria uma extração ad infinitum.
Outro tipo de extração é o de aniquilamento, em que há destruição da planta-matriz objeto de interesse econômico. A extração madeireira, a do pau-rosa (Aniba rosaeodora Ducke) e do palmito de açaizeiro (Euterpe oleracea), constituem exemplos dessa categoria. Quando essa extração supera a velocidade de recuperação, o caminho natural é sua gradativa escassez até tornar essa atividade antieconômica. Normalmente, quando atinge esse nível, os estragos causados colocam em risco a sobrevivência da espécie, levando-a à extinção.
  • Existem algumas espécies em que a extração é realizada tanto por aniquilamento como por coleta, dependendo da finalidade. Como exemplo desse caso típico, encontramos o açaizeiro, do qual são obtidos o palmito, por aniquilamento, e o vinho, pela coleta de seus frutos.
Mesmo no extrativismo de coleta, os recursos não deixam de ser aniquilados, uma vez que não fazem parte de uma extração racional, por depredação, aumento de produtividade imediata ou substituição por outras atividades mais competitivas.
  • Em ambas as situações, predomina o caráter ricardiano da extração, ou seja, os melhores recursos são extraídos, inicialmente, em determinada área espacial e a curto prazo. Essa perspectiva nem sempre se verifica, quando se considera o contexto dos recursos extrativos vegetais disponíveis da floresta amazônica. Grandes distâncias e dificuldades de escoamento para os mercados, condições de salubridade e desconhecimento do potencial tornam, muitas vezes, os estoques de melhor qualidade inacessíveis (HOMMA, 1986).
A rigidez da oferta do setor extrativo e o deslocamento da curva de oferta para a esquerda pela redução das fontes de recursos levam, por conseguinte, à elevação dos preços, que tendem a aumentar com o crescimento da demanda. Dado o fato de atingir o ponto em que a oferta passaria a ser inelástica, quando os preços atingiram níveis elevados, estimulando o seu cultivo ou a criação que se inicia de forma empírica (domesticação), o seu abandono, a sua substituição por outras atividades ou a descoberta de substitutos sintéticos. A economia extrativa apresenta limitações quanto ao crescimento do mercado, decorrente da tensão na oferta, que não consegue atender à demanda, e que, por sua vez, é regida pela existência fixa de estoques naturais.
É viável enquanto o mercado for reduzido ou existirem grandes estoques, servindo apenas para atender nichos de mercado ou ganhar tempo, enquanto não surgirem outras alternativas econômicas.
  • Existe uma falsa concepção de que a exploração de todo produto não-madeireiro é sustentável, esquecendo-se de que nem sempre a extração econômica garante a sustentabilidade biológica e vice-versa. Cada produto extrativo apresenta uma característica específica, quanto ao seu processo de extração, beneficiamento, comercialização, ciclo de vida, não sendo passível de generalização. Muitos produtos extrativos, por sua pouca importância, longo tempo para a entrada em produção, dificuldade de domesticação, tecnologia não disponível, nunca serão domesticados. Em outras situações, pode prevalecer o dualismo tecnológico, com o extrativismo vegetal ou animal convivendo com o processo domesticado, de forma temporária ou permanente. 
As plantas nativas da Amazônia apresentam diversos estágios de evolução, com combinações de extrativismo puro, de manejo ou de plantio domesticado. Várias plantas estão totalmente domesticadas, outras ainda no domínio do extrativismo e, outras, combinam extrativismo com plantio domesticado ou manejo, ou as três simultaneamente. A combinação de manejo com plantio domesticado é bastante difícil de ocorrer.
  • Na Amazônia, a extração de recursos naturais tem sido o ponto de apoio na atividade de comércio exterior desde os primórdios de sua ocupação. Assim aconteceu com o cacau (Theobroma cacao L.) que, na economia colonial, respondeu por até 97 % do valor das exportações (1736). Foi assim também com a seringueira, terceiro produto da pauta das exportações nacionais por 30 anos (1887–1917), e que atingiu o pico de participação em 1910, quando foi responsável por 39 %, e, novamente, em 1945, por ocasião da II Guerra Mundial, ano em que representou 70 % das exportações da Região Norte.
A produção de pau-rosa alcançou participação máxima nas exportações da Região Norte, em 1955, com 16 %, e a castanha-do-pará, em 1956, com 71 % (HOMMA, 2003a). Esses produtos seguiram as fases de expansão, estagnação e declínio, decorrentes do esgotamento, domesticação, perda do poder de monopólio e aparecimento de substitutos. No contexto histórico, verifica-se uma mudança das exportações de produtos extrativos vegetais para minerais. O extrativismo mineral, em 2005, respondeu por mais de 52 % do valor das exportações da Região Norte e 80 % do Estado do Pará.
Esses dados refletem a tendência verificada em 2005, quando as exportações dos produtos da biodiversidade representaram menos de 18 %, destacando-se a madeira e derivados, com 12 %.
  • A questão é se realmente o extrativismo vegetal, defendido pelos seguidores de Chico Mendes, seria a forma ideal de desenvolvimento para a Amazônia.
Decorridas duas décadas do assassinato do seringueiro, é interessante verificar que essa idéia mantém defensores ardorosos, servindo de subsídio à política pública mundial para a Amazônia. A justificativa aumenta com derrubadas e queimadas crônicas e grandes obras de infra-estrutura (ALLEGRETTI, 1992, 2002).
  • Outra questão que surgiu desde o assassinato de Chico Mendes se relaciona à valorização dos produtos extrativos, que foram divididos em produtos madeireiros e não-madeireiros. Essa divisão entre produtos não madeireiros e madeireiros deve ser analisada, já que há um argumento de que todos os produtos não-madeireiros são sustentáveis por definição, uma visão defendida pelos pesquisadores e ambientalistas nos últimos vinte anos (HOMMA, 1990). Do ponto de vista econômico, não há nenhuma diferença entre produto não-madeireiro e madeireiro, e a sustentabilidade depende de uma relação entre a taxa de extração e a capacidade de regeneração.
A reserva extrativista é a maior novidade ambiental brasileira, apesar de esse processo já existir desde o século XIX. A princípio, o processo foi utilizado pelos imigrantes poloneses no Paraná, ao adotarem o sistema faxinal, visando a conservar áreas nativas de erva-mate (Ilex paraguariensis). O sistema entrou em decadência com a expansão dos plantios e com a expansão da fronteira agrícola (YU, 1988).
  • A conceituação do extrativismo envolve desde processos empíricos, com baixa produtividade da terra e da mão-de-obra, até processos de capital intensivo, como se verifica no extrativismo madeireiro, mineral e pesca.
O IBGE conceitua o extrativismo vegetal como sendo o processo pelo qual o homem realiza a coleta ou apanha de produtos provenientes dos recursos florestais nativos, tais como: madeiras, látex, sementes, folhas, resinas, óleos, frutos, raízes e outros (HOMMA, 1993; IBGE, 1976).
A extração madeireira mediante técnicas de manejo florestal, o enriquecimento de espécies extrativas na floresta, aumentando a sua densidade, bem como o manejo de espécies extrativas, têm sido defendidos por muitos autores, sendo diferente do extrativismo tradicional.
  • A sustentabilidade do extrativismo vegetal também está relacionada com o mercado de trabalho rural. Diante da tendência do processo de urbanização, a população rural está perdendo não só seu contingente em termos relativos mas também em termos absolutos. A redução da mão-de-obra no meio rural tende a aumentar o seu custo. Essa tendência é visível na agricultura empresarial, com a substituição da mão-de-obra braçal e a utilização da mecanização, herbicidas, aviões agrícolas. No caso da atividade extrativa, que se caracteriza por ser altamente intensiva em mão-de-obra, decorrente da dispersão dos produtos na floresta, à medida que o salário mínimo aumenta, outras atividades passam a ser mais atrativas, aumentando o seu custo de oportunidade. Na agricultura familiar, a venda de mão-de-obra é uma importante fonte de renda não-agrícola, que rivaliza com a própria produção agrícola comercializada, sobretudo nas regiões menos desenvolvidas do País (MENEZES, 2002).
Em longo prazo, a redução do desmatamento na Amazônia dependerá muito mais do processo de urbanização e da redução da população rural em termos absolutos, promovendo a intensificação da agricultura e, com isso, os recursos florestais tenderão a sofrer menor pressão.
  • O declínio do extrativismo de sassafrás [Ocotea pretiosa (Nees) Mez.], em Santa Catarina e Paraná, e a proibição do abate dessa árvore, a partir de 1991, reacendeu o interesse por uma planta substituta que contivesse safrol. Essa busca resultou na domesticação da pimenta-longa (Piper hispidinervum), efetuada no final de 1990 para produção de safrol, utilizado na indústria de perfumaria e na produção de inseticida orgânico.
Os estudos têm sido conduzidos pelo Museu Paraense Emílio Goeldi e pela Embrapa. A pimenta-longa, planta nativa no Estado do Acre, pode passar diretamente para o plantio racional, sem passar pelo extrativismo, e indica um provável caminho para outras plantas da Amazônia. A domesticação induzida, que foi realizada pelo Programa Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia, do curauá (Bromelia curaua), planta fibrosa nativa do Baixo Amazonas, muito utilizada no passado, conduzida com o apoio da Mercedes Benz e, mais tarde, com o apoio da Embrapa Amazônia Oriental, mostra a trajetória a ser seguida em relação a outras plantas da Amazônia.
  • A economia extrativa está inserida em um contexto mais amplo do que o tradicionalmente analisado. Em geral, a seqüência consistia na descoberta do recurso natural, extrativismo, domesticação e, para muitos, na descoberta do sintético. No caso do extrativismo do paurosa, por exemplo, passou-se diretamente do extrativismo para a descoberta do sintético.
Logo após a descoberta do Brasil, o extrativismo do pau-brasil (Caesalpinia echinata Lam.) foi o primeiro ciclo econômico pelo qual o País passou e que perdurou por mais de três séculos.O início do esgotamento dessas reservas coincidiu com a descoberta da anilina, em 1876,
  • pelos químicos da Bayer, na Alemanha. Outros produtos extrativos têm sido afetados com a substituição por produtos sintéticos, como as ceras [Copernicia cerifera (carnaúba)], linalol sintético (essência de pau-rosa), DDT [Derris nicou (Aubl.) Macbr. e D. urucu K. et Sm. (timbó)], chicles sintéticos, borracha sintética (3/4 do consumo mundial de borrachas), entre outros. O progresso da biotecnologia e da engenharia genética possibilita que os recursos naturais, que apresentem utilidade para o homem, possam ser domesticados ou sintetizados diretamente sem passar pela fase extrativa. Esse aspecto permite poucas chances de revitalização da economia extrativa com a descoberta de novos recursos extrativos potenciais, principalmente fármacos. É possível que essa situação ocorra no início ou quando o estoque de recursos extrativos disponíveis for muito grande.
A dispersão dos recursos extrativos na floresta faz com que a produtividade da mão-de-obra e da terra sejam baixas, tornando essa atividade uma prática que decorre da inexistência de outras alternativas econômicas, de plantios domesticados ou de substitutos sintéticos. Na medida em que novas alternativas são criadas e as conquistas sociais elevem o valor do salário-mínimo e, por ser uma atividade com baixa produtividade da terra e da mão-de-obra, a continuidade dessa atividade torna-se inviável. Um dos erros dos defensores da opção extrativa para a Amazônia é considerar este setor como sendo isolado dos demais segmentos da economia.
  • Quando os ingleses realizaram a domesticação da seringueira, no sudeste asiático, evidenciou-se a negligenciadas políticas públicas nacionais, com base na crença de sua inesgotabilidade e da irrelevância da domesticação. O capital extrativo existente tende a inibir esforços, visando à domesticação de espécies nos locais de ocorrência.
O mesmo processo foi verificado com o tomate (Lycopersicon spp.) e a batata-inglesa (Solanum tuberosum), originária da Cordilheira dos Andes, o fumo (Nicotiana tabacum), o milho (Zea mays, L.), a cinchona (Chinchona calisaya Wedd. e C. ledgeriana R. et P.), entre outros. Esses produtos foram transformados em cultivos universais pelos primeiros colonizadores. De forma inversa, muitas plantas de origem africana, como o cafeeiro (Coffea spp.), dendê (Elaeis guineensis), quiabo (Hibiscus esculentus), melancia (Citrullus vulgaris), tamarindo (Tamarindus indica), entre outros, foram domesticadas no País.
  • A existência e o desaparecimento de economias extrativas estão ancorados nas necessidades expressas pelo mercado. A transformação de um recurso natural em um produto útil ou econômico é o primeiro passo da economia extrativa. Contudo, à medida que o mercado começa a se expandir, as forças que provocam o seu declínio também aumentam. A limitada capacidade de oferta inelástica da maioria dos produtos extrativos leva à necessidade de se efetuar plantios domesticados, à descoberta de substitutos sintéticos ou de outro substituto natural.
As reservas extrativistas estão sendo consideradas como uma alternativa de se evitar o desmatamento na Amazônia. Também são consideradas como uma melhor opção de renda e emprego. Além disso, atribui-se a essa atividade a proteção da biodiversidade, e o fato de poder ser uma barreira para conter a expansão da fronteira agrícola. Isto constitui um grande equívoco, uma vez que o ato de desmatar é um reflexo da situação econômica do extrator. Se, em termos relativos, os preços de produtos agrícolas forem superiores aos dos produtos extrativos, a tendência inevitável é realizar o desmatamento para o plantio de roças e abandonar as atividades extrativas. Esse fenômeno é que tem levado à contínua queda da produção da borracha extrativa e da castanha-do-pará na Amazônia, mais do que o efeito da própria domesticação.
  • A dinâmica do extrativismo vegetal que conduz à forma trapezoidal, pode apresentar sucessivos deslocamentos desse ciclo ao longo do tempo para determinada área geográfica ou em termos macroeconômicos. Foi o que se verificou na Amazônia sucessivamente com a fase das “drogas do sertão”3, do extrativismo do cacau, da seringueira, da castanha-dopará, do pau-rosa. No caso do extrativismo da madeira, que sempre tem sido considerado em termos agregados, na verdade ela se constitui de dezenas de espécies madeireiras. Em geral, o início da extração madeireira se caracteriza pela extração das espécies consideradas mais nobres, como o mogno (Swietenia macrophylla King), passando, depois do seu esgotamento, para madeiras de segunda e terceira categorias.
Nas atuais áreas de extração de palmito e de fruto de açaizeiro no estuário amazônico, verifica-se que a viabilidade econômica dessa atividade e da existência dos estoques de açaizais são decorrentes das transformações da economia extrativa ao longo do tempo. A extração comercial do palmito de açaí iniciou-se em 1968, quando entrou em operação a primeira fábrica em Barcarena,
  • Pará, devido à exaustão de estoques de juçara (Euterpe edulis Mart.) no centro-sul do Brasil. Esta palmeira não apresenta rebrotamento após o corte.
A paisagem no estuário amazônico, onde ocorrem os açaizais, vem apresentando contínua mudança desde o século XVII. No passado, a extração de ucuúba (Virola surinamensis, Myristica sebifera), andiroba (Carapa guianensis Aubl.), resinas, breu, patauá [Jessenia bataua (Mart.) Burret], cacau, murumuru (Astrocaryum murumuru), pracaxi (Pentaclethra filamentosa), jutaicica (Hymenaea courbaril L.), látex de maçaranduba [Manilkara huberi (Ducke) Stand.], etc. teve grande importância relativa em comparação com a extração atual de palmito e fruto de açaí (NOGUEIRA, 1997).
  • A extração madeireira para atender à demanda da construção de habitações e embarcações provocou forte impacto na vegetação ribeirinha próxima de Belém, ao longo dos séculos, privilegiando o desenvolvimento de outras plantas e provocando mudanças na paisagem.
A extração de borracha teve também forte influência na modificação da paisagem desde o início do “boom” e durante a II Guerra Mundial. A extração de madeira e de palmito, entre outros, acabou por favorecer a formação de estoques mais homogêneos de açaizeiros.
  • Nesse contexto, a importância das reservas extrativistas seria a de tentar prolongar a vida do extrativismo (B e C), em uma das três fases mencionadas anteriormente. Mas pode ocorrer o inverso (D), induzindo à redução da vida útil da economia do extrativismo, se forem introduzidas novas alternativas econômicas. Muitas das propostas do recente neo extrativismo não passam de introdução de atividades agrícolas entre os extrativistas que, se tiverem sucesso, podem levar ao abandono das atividades extrativas tradicionais (REGO, 1999; CLEMENT, 2006).
As atuais tendências indicam o uso da terra pelas populações tradicionais, indígenas e da agricultura familiar na ocupação de grandes espaços territoriais com a finalidade de conter a expansão da fronteira agrícola. A essas populações, cujo contingente tem sido reduzido nas últimas décadas, a extração madeireira comunitária seria permitida, viabilizando economicamente a sua permanência, inviável através da coleta de produtos não-madeireiros. Com isso ocorrerá apenas a troca da fonte fornecedora de madeira, antes efetuada por grandes madeireiros, que passará a ser efetuada pelos extrativistas ou pela agricultura familiar, sem garantia de sustentabilidade em longo prazo.
  • A possibilidade de benefícios públicos nacionais e internacionais faz com que a idéia da criação de reservas extrativistas seja transformada em ações externas e o estabelecimento de alianças seja mediado por interesses, muitas vezes estranhos à comunidade, contradizendo os objetivos pelos quais tal aliança foi criada. O Projeto de Assentamento Agroextrativista Praialta e Piranheira, no Município de Nova Ipixuna, Pará, é um exemplo. A venda de árvores de castanheira para madeireiras e a derrubada da floresta para a implantação de roças fizeram parte do cotidiano até quase o seu esgotamento. A sobrevivência ou a capitalização baseada na destruição dos recursos naturais tem sido uma constante na Amazônia, tanto por extrativistas, como por pequenos, médios e grandes produtores na Amazônia.
A importância das técnicas de manejo está na possibilidade de aumentar a capacidade de suporte dos recursos extrativos. Como está ocorrendo no manejo de açaizais nativos no estuário do Rio Amazonas, os extratores procuram aumentar o estoque de açaizeiros, promovendo o desbaste de outras espécies vegetais indesejáveis, permitindo, com isso, o aumento da produtividade dos frutos e de palmito, como se fosse um plantio domesticado . A criação do Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Extrativismo – Prodex –, em junho de 1996, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (1995–2002), e ampliado no novo governo, em colaboração com o Banco da Amazônia S.A., foi importante para aumentar a produtividade da terra e da mão-de-obra, mediante o adensamento de açaizeiros, como se fosse um plantio racional.
  • Essa medida fez com que o manejo de açaizeiros se expandisse nos últimos anos para mais de 45 mil ha, principalmente destinados à produção de frutos, atendendo mais de 15 mil produtores. O forte crescimento do mercado de fruto de açaizeiro tem sido o indutor dessa expansão. O financiamento do manejo de açaizeiros foi importante no contexto internacional, tendo sido um dos programas mais elogiados no processo de esverdeamento institucional do Banco da Amazônia. A boa lucratividade e os investimentos necessários para o manejo dos açaizais descarta o interesse dos ribeirinhos em criarem áreas de domínio comum, como um socialismo florestal.
A biodiversidade ainda por ser descoberta e explorada está fazendo com que a biodiversidade do presente e do passado não esteja recebendo a devida atenção como alternativa para o desenvolvimento. As culturas do cacau, café, cupuaçu [Theobroma grandiflorum (Spreng.) Schum], maracujá (Passiflora edulis Sims), dendê, guaraná (Paullinia cupana HBK), banana (Musa spp.), pimenta-do-reino (Piper nigrum L.), pastagens, arroz (Oryza sativa), mandioca (Manihot esculenta Crantz), seringueira podem ser citadas entre as principais que constituem essa biodiversidade. Todas apresentam algum problema tecnológico, mas amplas possibilidades de gerar renda e emprego e de reduzir os desmatamentos e queimadas.
  • A transformação da biodiversidade para geração de renda e emprego exige metas concretas de identificação e domesticação de atuais plantas extrativas e outras por descobrir, efetuando plantios racionais e a verticalização da produção (BUCHALLA, 2002; HOMMA, 2002b; RICUPERO, 2000). Produtos extrativos com alta elasticidade de demanda ou cujo excedente é captado pelos produtores apresentam maiores chances de domesticação imediata. Nem todos os produtos extrativos vão ser domesticados. Aqueles que apresentam grandes estoques na natureza, baixa importância econômica, existência de substitutos, dificuldades técnicas para o plantio, longo tempo para a obtenção do produto econômico, terão maiores dificuldades para que se transformem em plantas cultivadas. Por sua vez, não se pode esquecer das plantas já conhecidas como instrumentos concretos do desenvolvimento da Amazônia.
A domesticação e a intensificação da agricultura nas áreas desmatadas constituem a maior segurança para evitar a destruição dos recursos da biodiversidade amazônica.

Extrativismo, Biodiversidade e Biopirataria na Amazonia

Domesticação de recursos extrativos:
  • A análise do processo histórico da humanidade evidencia que a economia extrativa apresenta grandes limitações. Há dez mil anos, quando se iniciou a agricultura, o homem domesticou cerca de três mil plantas e centenas de animais, que constituem a base da agricultura mundial. Esse fenômeno ocorreu e está ocorrendo na Amazônia. As domesticações do cacau, seringueira, cupuaçu, guaraná, pupunha, jambu (Spilanthes oleracea), jaborandi (Pilocarpus microphyllus Stapf.), coca (Erythroxylum coca Lam.), entre outros, podem ser citadas como exemplos de culturas adaptadas bem-sucedidas na Amazônia.
Atualmente toda a oferta de laranja (Citrus sinensis Osb.), banana, feijão (Phaseolus vulgaris L.), tomate, carne bovina (Bos taurus), frango, é proveniente de plantios ou criações racionais. Naturalmente, existem dezenas de produtos, como a pesca, a madeira, o palmito e o fruto do açaí, a castanha-do-pará, entre outros, que, devido ao estoque disponível, a oferta ainda é totalmente extrativa. Já existem criações de peixes, javalis (Sus scrofa scrofa), rã-touro (Rana catesbeiana), tartarugas
  • (Podocnemis expansa), camarão de água salgada (Penaeus sp.), camarões de água doce (Macrobrachium rosenbergii), escargots (Helix sp.), jacaré-do-pantanal (Caiman crocodilus yacare), ostras (Pinctada sp.) para produção de pérolas, sanguessugas (Hirudo medicinalis), avestruzes (Struthio camelus), emas (Rhea americana), codornas (Coturnix coturnix), etc. Muitos animais da fauna brasileira (araras, papagaios, sagüis, jibóias, iguanas, etc.) estão sendo criados na Europa e Estados Unidos, abastecendo o mercado mundial de animais de estimação, com preços mais reduzidos, e contribuindo para diminuir a extinção dessas espécies (BORTOLOTI, 2007). Em futuro próximo, novas plantas e animais da Amazônia serão domesticados. Por meio do processo de domesticação, consegue-se ampliar a oferta, obter um produto de melhor qualidade, a preços reduzidos, beneficiando os consumidores. A análise do efeito da domesticação dos recursos extrativos vegetais pode abordar seus efeitos distributivos.
Como essa mudança é lenta, formam-se dois grupos distintos: um dedicado ao setor extrativo e outro dedicado a cultivar, racionalmente, o produto extrativo, conforme a tecnologia disponível para a domesticação.
  • Essa ilustração consiste na adaptação do modelo de Evenson (1983) para analisar os benefícios da difusão de tecnologia agropecuária entre duas regiões.
A curva S1 é a curva de oferta do produto extrativo perfeitamente inelástica, S1 + S2, a curva de oferta conjunta do produto extrativo mais a produção domesticada, com predomínio da última, a curva DD representa a procura do produto.
  • O preço inicial de equilíbrio é P0 ao qual os extratores fornecem Q1 e a produção domesticada a quantidade Q2. Mantida inalterada a tecnologia usada na domesticação, ou em uma situação de curto ou de médio prazo, a tendência da curva de oferta do extrativismo é manter-se inelástica e se deslocar para a esquerda. O esgotamento e a depredação das reservas levam a uma participação menor do extrativismo no mercado.
A conseqüência visível da domesticação é a sua capacidade de ampliar a oferta, contrastando com a natureza estática ou declinante do extrativismo. Isso faz com que o nível de preço do produto decresça, provocando também a reorganização dos fatores de produção e a inviabilização do extrativismo vegetal.
  • O aperfeiçoamento tecnológico dos produtores permitirá maior quantidade a ser ofertada. A curva de oferta agregada desloca-se para S1 + S’2, o preço cai para P1; a quantidade ofertada oriunda do extrativismo permanece Q1. Dessa forma, o excedente do produtor que explora o extrativismo decrescerá no montante equivalente à área P0CC’P1 e o excedente da produção domesticada ganha (AC’E’B’ – ACEB). Essa relação pode ser positiva ou negativa, dependendo das elasticidades da oferta e da procura.
A pesquisa agrícola tem procurado efetuar a domesticação dos principais produtos extrativos, aumentando a oferta com produto de melhor qualidade e a preços mais baixos, e reduzindo a pressão sobre os estoques naturais na Amazônia. Produtos que apresentam demanda elástica oferecerão maiores atrativos para passarem pelo processo de domesticação, com possibilidade de captar todo o excedente do produtor. A presença do capital extrativo tem feito com que, muitas vezes, plantios racionais sejam encontrados fora da área de ocorrência do extrativismo, promovendo a perda de alternativas de renda e emprego, apesar do benefício para os consumidores.
  • Na Amazônia, esse fenômeno foi verificado no cacau, cinchona, seringueira, guaraná e em outras plantas.
Alguns produtos extrativos que foram domesticados podem ser encontrados em cultivos na forma extrativa, quando são abandonados, como a seringueira, a baunilha (Vanilla spp.), o cacaueiro, e de animais, como búfalos (Bubalus bubalis), que se tornam selvagens, com a falta de manejo. Cogumelos selvagens na Europa sempre vão coexistir com os cogumelos plantados que abastecem a maior parte do mercado. Muitas drogas, como a maconha (Cannabis sativa) e a coca, com o crescimento do mercado, são plantadas ilegalmente e sua destruição inteligente seria descobrir pragas e doenças que possam prejudicar o seu desenvolvimento (HOMMA, 1990, 1992, 1996, 2004a).
  • Produtos da biodiversidade podem passar por diversos ciclos de utilização (NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES, 1975; SMITH et al., 1992). Muitas culturas alimentares, como feijão, milho e mandioca, pela diversidade que existe, com a modificação do mercado, a substituição de culturas tradicionais por culturas de exportação, a expansão de novas atividades, o processo de urbanização, a perda da diversidade cultural com a extinção de espécies que fazem parte de hábitos religiosos ou do folclore, entre outros, correm sérios riscos de desaparecimento. A disseminação do consumo de mamão hawai (Carica papaya L.), de consumo individual, levou também ao desaparecimento de mamões grandes, consumidos antes de 1970, que poderão ser importantes para o futuro.
O extrativismo de diversas plantas ou animais utilizados para tintura, como o pau-brasil, anil (Indigofera tinctoria L.), cochonilha (Dactylopius coccus) e carageru (Arrabidaeae chica H.B.K.) desapareceu com a descoberta da anilina (CARREIRA, 1988; HOMMA, 2006). O extrativismo do babaçu (Orbignya phalerata, Mart.) foi a base da economia do Maranhão até a década de 1950. Desde então, o extrativismo dessa espécie perdeu importância, com o advento do cultivo de óleos anuais como a soja (Glycine max L. Merrill), milho, algodão (Gossypium herbaceum) e da expansão da fronteira agrícola (AMARAL FILHO, 1990). O atual aproveitamento do babaçu se destina a nichos de mercados para cosméticos, biodiesel e carvão vegetal, no discurso da inclusão social, com a criação de “babaçuais livres”, permitindo o acesso em qualquer propriedade.
  • O extrativismo de muitas plantas medicinais, como a salsaparrilha-do-pará (Smilax papiracea), utilizada no tratamento de sífilis, a cinchona para tratamento de malária, etc., foi substituído com o progresso da indústria farmacêutica e da medicina. A descoberta do Viagra, utilizado no tratamento da impotência masculina, tem reduzido a matança de animais e a utilização de plantas empregadas na medicina tradicional e popular na Ásia (VON HIPPEL, W.; VON HIPPEL, F., 2002, 2004; VON HIPPEL, W. et al., 2005). O timbó foi muito utilizado como inseticida natural antes do surgimento dos inseticidas sintéticos, e desapareceu com o uso do DDT. A utilização dessa planta está retornando para utilização na agricultura orgânica, em bases racionais.
Plantas amazônicas que foram, domesticadas:
  • Várias plantas amazônicas foram domesticadas nos últimos três séculos, destacando-se o cacaueiro (1746), cinchona (1859), seringueira (1876), jambu (Spilanthes oleracea) e, sobretudo a partir da década de 1970, o guaranazeiro, castanheira-do-pará, cupuaçuzeiro, pupunheira (Bactris gasipaes HBK), açaizeiro, jaborandi (Pilocarpus microphyllus Stapf.), pimenta-longa.
O processo de domesticação muitas vezes tem início nos quintais interioranos, separando-se as plantas com as melhores características úteis. A seguir serão relacionadas e comentadas algumas plantas em que a experiência dos indígenas, dos produtores ou os resultados da pesquisa permitiram o estabelecimento de plantios ou de manejos.

Cacau:
  • O ciclo do cacau extrativo e, posteriormente, semidomesticado nas várzeas foi a primeira atividade econômica relevante na Amazônia que perdurou até a época da Independência do Brasil (1822), quando foi suplantado pelos plantios da Bahia. O cultivo do cacau foi levado, em 1746, pelo colono francês Luís Frederico Warneaux, para a fazenda de Antônio Dias Ribeiro, no Município de Canavieiras. Da Bahia, o cacaueiro foi levado para o continente africano e asiático, com mais de 7 milhões de hectares cultivados no mundo, transformando-se em principal atividade econômica nesses novos locais. Em 1957, com a criação da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), em Itabuna, o Estado da Bahia passou a abrigar o centro de pesquisa mais avançado do mundo sobre essa cultura.
Com a entrada intencional da vassoura-de-bruxa [Crinipellis perniciosa (Stahel) Singer] nos cacauais da Bahia, em 1989, a produção decresceu do máximo alcançado, em 1986, de 460 mil t de amêndoas secas para 170 mil t, em 2003. O início da recuperação com as técnicas de enxertia de copa elevou a produção para 209 mil t em 2005 (POLICARPO JÚNIOR, 2006a, 2006b).
  • A despeito da existência de 108 mil ha de cacaueiros plantados nos Estados do Pará e Rondônia, há necessidade de duplicar a área plantada na Região Norte nos próximos cinco anos, criando uma alternativa para agricultura familiar e de recuperação de áreas desmatadas. Em 2005, foram importadas mais de 60 mil t de amêndoa de cacau e derivados, pelo Brasil, que somaram mais de 106 milhões de dólares, em regime de “draw-back”, equivalente a 1/3 da produção brasileira de cacau.
Essa situação indica a necessidade de duplicar a área plantada na Região Norte nos próximos cinco anos, criando uma alternativa de renda, emprego e de recuperação de áreas desmatadas.

Seringueira:
  • A domesticação da seringueira iniciou-se em 1876, quando Henry Alexander Wickham (1846–1928) levou 70 mil sementes da região do Rio Tapajós para a Royal Botanic Gardens, em Kew, Londres. Mais tarde, as mudas foram levadas para o Sri Lanka e a espécie se disseminou no sudeste asiático, produzindo uma das maiores conquistas da agricultura tropical, com mais de 8 milhões de hectares cultivados.
O descaso brasileiro produziu resultado inverso. Em 1951, o Brasil iniciou a importação de borracha vegetal de forma crescente, que atinge 70 % do consumo nacional.
  • As importações acumuladas de produtos oriundos dessa espécie do sudeste asiático, nos últimos dez anos, superam 1,2 bilhão de dólares. Em vez de enfatizar uma agressiva política de plantio, há uma insistência em enfatizar o extrativismo da seringueira cuja produção, no Estado do Acre, decresceu de 23 mil t para 4 mil t nos últimos dez anos. A manutenção dessa política coloca em risco a indústria nacional apoiada na importação de borracha do sudeste asiático além do esgotamento de petróleo, fonte de matéria-prima para a produção de borracha sintética.
A produção de borracha vegetal a despeito de implementação de planos como o ETA–54, Projeto de Heveicultura da Amazônia (PROHEVEA) e Programa de Incentivo à Produção de Borracha Vegetal (PROBOR I, II e III), foi um fracasso. Os PROBORs I, II e III, lançados em 1972, 1977 e 1981, respectivamente, não conseguiram superar o patamar de 100 mil t, e importando o dobro dessa quantia, a despeito da borracha cultivada ter ultrapassado a extrativa a partir de 1990. 
  • A fim de suprimir as exportações, já deviam estar em idade de corte cerca de 200 mil ha de seringueiras adicionais, que poderiam gerar emprego e renda para 100 mil famílias de pequenos produtores. Existe um grande estoque de conhecimento científico e tecnológico sobre a cultura da seringueira oriundo de estudos realizados por instituições de pesquisa nacionais. A implementação de um Plano Nacional da Borracha é mais do que urgente para o país, considerando-se o risco do aparecimento do mal-das-folhas (Microcyclus ulei) no sudeste asiático, por causas naturais ou decorrente de bioterrorismo, do esgotamento das reservas petrolíferas e por se tratar de um produto estratégico da indústria nacional (DAVIS, 1997).
Guaraná:
  • Durante a gestão do Presidente Emílio Garrastazu Médici (1905–1985) e sob a administração do Ministro da Agricultura Luís Fernando Cirne Lima (1933– ), foi assinada a Lei 5.823, de 14/11/1972, conhecida como a Lei dos Sucos, que foi regulamentada pelo Decreto-Lei 73.267, de 6/12/1973. Essa Lei estabeleceu quantitativos de 0,2 g a 2 g de guaraná para cada litro de refrigerante, e de 1 g a 10 g de guaraná para cada litro de xarope.
Apesar de o quantitativo entre o mínimo e o máximo permitido legalmente ser de dez vezes, houve grande demanda pelo produto, fazendo com que a produção semi-extrativa do Estado do Amazonas, que oscilava entre 200 t/ano a 250 t/ano, atingisse patamares de até 5.500 t. Houve uma expansão dos plantios domesticados, e o Estado da Bahia se tornou no maior produtor nacional.
  • Destaca-se a contribuição da Embrapa Amazônia Ocidental e da Ceplac, de produtores e de empresas privadas, como a Antarctica e Coca-Cola, na domesticação do guaranazeiro. Em 2006, a produção brasileira de refrigerantes atingiu mais de 13 bilhões de litros, dos quais 22,8 % de guaraná, perfazendo quase 3 bilhões. Houve até uma desconfiança quanto ao real conteúdo de extrato de guaraná.
Açaí:
  • A transformação em florestas oligárquicas, de indivíduos adultos de uma mesma espécie, com densidade similar à de plantios racionais constitui o objetivo das técnicas de manejo com açaizeiros. O crescimento do mercado de polpa de açaí estimulou o manejo de 45 mil ha de açaizeiros nativos na foz do Rio Amazonas. As técnicas iniciais foram desenvolvidas pelos ribeirinhos e aperfeiçoadas pelos pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi e da Embrapa Amazônia Oriental.
A transformação de ecossistemas frágeis das várzeas em bosques homogêneos de açaizeiros, sujeitos a inundações diárias, com a construção de canais de escoamento, movimentação de embarcações, contínua retirada de frutos sem reposição de nutrientes, escondem riscos ambientais para a flora e a fauna, no caso de essa expansão assumir grandes proporções.
  • Para isso, é necessário que os plantios de açaizeiros sejam dirigidos, também, para áreas de terra firme desmatadas e é preciso recuperar áreas que não deveriam ter sido desmatadas. O plantio em áreas de terra firme seria passível de adubação e a colheita seria mecanizada.
Essa circunstância passa a constituir outra grande limitação com o crescimento do mercado, em face da legislação trabalhista e da exigência de exímios coletores. A utilização da irrigação em áreas de terra firme e do zoneamento climático permite ampliar as possibilidades da obtenção de fruto de açaí em diferentes épocas do ano, aumentando as possibilidades de mercado e reduzindo os preços para os consumidores locais. As exportações interna e externa e a migração rural-urbana transferiram consumidores rurais para o meio urbano, aumentando a pressão sobre esse produto.

Castanha-do-pará:
  • Atualmente a Bolívia é o maior produtor mundial de castanha-do-pará. Em Cobija, está localizada a Tahuamanu S.A., considerada a indústria de beneficiamento mais moderna do mundo. Este aspecto está fazendo com que ONGs, locais e internacionais, e os governos do Estado do Acre e da Bolívia concentrem um movimento visando à mudança do nome para castanha-da-amazônia, a despeito das razões históricas serem a favor de castanha-do-pará e de castanha-do-brasil (Brazil nuts), como o produto é conhecido no exterior.
A capacidade da oferta extrativa do Brasil, Bolívia e Peru, que respondem pela produção mundial apresenta-se constante há décadas. Há necessidade de ampliar a oferta mediante plantios racionais, cujas técnicas foram desenvolvidas pela Embrapa Amazônia Oriental no final da década de 1970.
  • Os estoques de castanheiras, no Pará, especialmente no sudeste paraense, foram substituídos por pastagens, projetos de assentamentos, extração madeireira, mineração e expansão urbana. Além da destruição das árvores, o colapso demográfico das castanheiras é evidenciado pela reduzida quantidade de castanheiras jovens, decorrente da super extração dos frutos, impedindo a sua reprodução, e de alimentação da fauna (PERES et al., 2003). Existem plantios pioneiros de castanha-do-pará, um de 3 mil ha, com aproximadamente 300 mil pés, plantados na década de 1980, na estrada Manaus–Itacoatiara e outro na microrregião de Marabá, plantado na mesma época, pertencente ao ex-grupo Bamerindus, e destruído pelos integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) e por posseiros. Plantios racionais estão sendo efetuados na microrregião de Tomé-Açu, com mais de 15 mil castanheiras, integrando sistemas agroflorestais. Desde o início da década de 1980, apresentam-se similares às árvores nativas.
Cupuaçu:
  • O plantio domesticado de cupuaçuzeiro em grande escala foi iniciado na década de 1980 pelos agricultores nipo-brasileiros nos municípios de Tomé-Açu e Acará.
Esses agricultores pressentiram o crescimento do mercado dessa fruta. A oferta de cupuaçuzeiros nativos concentrava-se na microrregião de Marabá, que, com o crescimento do mercado, apesar da euforia inicial, começou a entrar em declínio, em virtude da baixa densidade na floresta, destruição dos ecossistemas para a extração de madeira e derrubada para plantio de roças e a obtenção de frutos mediante plantio. O início da produção pode ocorrer em 2 ou 3 anos. Isso induziu à expansão dos plantios racionais mesmo em áreas de ocorrência extrativa. O maior perigo do desmatamento das áreas de ocorrência de cupuaçuzeiros nativos é a destruição de material genético, que pode ser importante para programas de melhoramento.
  • O mercado de polpa do cupuaçu, a não ser que apareçam fatos novos, como a sua utilização para indústria de bombons, cosméticos em larga escala, começou a saturar, em torno de 25 mil ha cultivados na Amazônia, dos quais mais de 11 mil ha no Estado do Pará, ao contrário da polpa de açaí, que vem apresentando contínuo crescimento do mercado. Por sua vez, sementes de cupuaçu, vendidas ao mesmo preço do cacau, apresentam grandes possibilidades para as indústrias de fármacos e cosméticos. Um desafio para a pesquisa seria criar uma espécie de cupuaçuzeiro mais apto para a produção de amêndoas em vez de polpa.
Pupunha:
  • O financiamento para o plantio de pupunheira na Transamazônica foi o pivô da crise que contribuiu com a falência da Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), com a utilização da biodiversidade para fins de corrupção. O seu cultivo vem sendo desenvolvido com mais agressividade na Região Sudeste para atender nichos de mercado gastronômico e para recuperar áreas da Mata Atlântica, onde predominava a extração de palmito-juçara. A maior aplicabilidade dessa espécie seria na indústria de palmito e as possibilidades tecnológicas, em escala industrial, para a produção de ração para animais e óleo vegetal (CLEMENT et al., 2004). As potencialidades para a indústria de cosméticos, fármacos e para a alimentação humana precisam ser ampliadas.
Tucumã:
  • O consumo do tucumã (Astrocarium aculeatum G. F. W. Meyer) no Estado do Amazonas rivaliza com a pupunha cozida no Estado do Pará, indicando a necessidade de sua imediata domesticação. A preferência pelo consumo dessas duas frutas mostra a diferença cultural entre os dois Estados. A popularização do consumo de tucumã no Estado do Amazonas é muito grande, existindo até um sanduíche com sugestivo nome de X-Caboquinho.
Jaborandi:
  • O jaborandi, planta produtora de pilocarpina, utilizado no tratamento de glaucoma, sempre constituiu-se no monopólio da Merck S.A. Indústrias Químicas, e se apoiou na coleta extrativa. À medida que os estoques dessa planta passaram a se esgotar, essa indústria implantou um plantio racional de 500 ha em Barra do Corda, no Maranhão, com colheita mecanizada e utilizando irrigação com pivô central, tornando-se auto-suficiente em 2002 e desorganizando o setor extrativo (HOMMA, 2003b). O recente crescimento do uso de jaborandi em xampus tem pressionado ainda mais a destruição dos estoques dessa planta na Amazônia. 
O controle da domesticação, sem a sua democratização para o segmento de agricultura familiar ou para médios produtores, trouxe como conseqüência o desemprego e a destruição da economia extrativa de jaborandi. Assim, os extratores dessa planta ficaram dependentes do mercado avulso de cosméticos e de fármacos.

Bacuri:
  • Os estoques de bacurizeiros (Platonia insignis Mart.) foram derrubados no passado para a obtenção de madeira e, no momento, o processo ainda continua, com a destruição das áreas de ocorrência no Maranhão e Piauí para o plantio da soja, expansão do cultivo do abacaxi (Ananas comosus L. Merril) e roçados na ilha de Marajó, produção de carvão, lenha, feijão-caupi [Vigna unguiculata (L.) Walp], no nordeste paraense, entre outras formas de substituição. 
Há duas opções para ampliar a oferta de fruto de bacuri. A primeira é estimular plantios racionais, alguns mediante enxertia, que começam a ser efetuados nos municípios de Tomé-Açu e Acará, pelos colonos nipo-brasileiros, servindo como recuperação de áreas desmatadas e de áreas que não deveriam ter sido desmatadas. Outra, mediante manejo, transformando em uma floresta oligárquica, que se revela mais interessante em curto prazo e como opção para agricultura familiar.
  • Um fato peculiar dos bacurizeiros é a sua capacidade de rebrotamento nas antigas áreas de ocorrência chegando a 15 mil plantas/hectare. As técnicas de manejo procuram reduzir a densidade, para permitir o seu desenvolvimento. 
Uxi:
  • O uxizeiro [Endopleura uchi (Huber) Cuatrecasas] ainda apresenta como desafio a dificuldade na germinação de suas sementes e o processo de enxertia. Os colonos nipo-brasileiros de Tomé-Açu estão introduzindo essa planta, bem como o bacurizeiro e o piquiazeiro [Caryocar villosum (Aubl.) Perz.], em sistemas agroflorestais, formando novas combinações com açaizeiros, cacaueiros e cupuaçuzeiros. O uxizeiro foi bastante derrubado para extração madeireira e para a formação de roçados. A produção de uxi depende de remanescentes que sobreviveram e que têm um amplo mercado local. 
Timbó:
  • O extrativismo da raiz de timbó teve uma importância econômica até o início da utilização do DDT, ocorrido em 1939. O suíço Paul Hermann Müller (1899–1965) foi quem utilizou o DDT, além de outros inseticidas sintéticos, pela primeira vez. (HOMMA, 2004b). 
O declínio da utilização de raízes de timbó, além da competição com o aparecimento do DDT, estava relacionado, também, com a redução dos estoques mais acessíveis nos Estados do Pará e Amazonas.
Antes da II Guerra Mundial, os Estados do Amazonas e Pará eram grandes exportadores de raiz de timbó, que era utilizado como inseticida. A descoberta da eficácia do DDT para controle de insetos transmissores de doenças fez com que, em 1948, o químico suíço recebesse o Prêmio Nobel de Medicina, inibindo o mercado de inseticidas naturais. O lançamento do livro “A Primavera Silenciosa”, de Rachel Louise Carson (1907–1964), em 1962, revelou os riscos ecológicos do uso indiscriminado de inseticidas sintéticos na agricultura.
  • Com isso começou a crescer a importância do uso de inseticidas orgânicos, sobretudo a partir da década de 1990, aumentando o interesse do uso de plantas inseticidas, como o timbó, neen (Azadirachta indica A. Juss), e fumo. Atualmente, o País importa timbó do Peru, que é utilizado para limpeza de criatórios de peixes, podendo-se estimar um mercado potencial na agricultura orgânica e na recuperação de áreas degradadas como leguminosa. 
O extrativismo do timbó revela um ciclo que muitas plantas potenciais da biodiversidade amazônica poderão seguir no futuro. O ciclo é assim estabelecido: transformação em recursos econômicos, expansão da extração ou domesticação e, depois, podem ocorrer o desaparecimento por competição com novos produtos, deslocamento para novas áreas produtoras, desaparecimento e reaparecimento com novos usos. A descoberta de substitutos sintéticos afetou o extrativismo do timbó e a disseminação dos seus plantios racionais.
  • Nas décadas de 1930 a 1940, as pesquisas agronômicas e químicas com timbó tiveram um grande avanço, em Belém, no Instituto Agronômico do Norte, no Peru, em Porto Rico, no Japão e nas possessões britânicas e holandesas na Ásia, com desenvolvimento de variedades produtivas, que foram perdidas, necessitando novo recomeço (HOMMA, 2004b). Toda a memória técnica relativa a essas variedades foi perdida, indicando que não somente a biodiversidade por descobrir corre risco de desaparecimento, mas também a biodiversidade do passado e do presente.
Pau-rosa:
O extrativismo de aniquilamento do pau-rosa nos
  • Estados do Amazonas e Pará chegou a exportar 444 t de óleo essencial em 1951. Atualmente, as exportações estão na casa de 25 a 35 t e o custo do óleo essencial está por volta de R$ 200,00/litro. Para exportar a quantidade máxima, plantios já deveriam ter sido iniciados há cerca de 20 a 30 anos, permitindo o corte de 30 mil árvores/ano, e gerando divisas da ordem de 16 milhões de dólares anuais. Experiências no Município de Tomé-Açu, em cultivos consorciados com pimenta-do-reino, mostram as possibilidades do seu desenvolvimento utilizando áreas já desmatadas e na recuperação de áreas que não deveriam ter sido desmatadas nos Estados do Pará e Amazonas. A sua verticalização na região constitui outra alternativa na formação de um pólo floro-xilo-químico para a produção de óleos essenciais para perfumaria, cosméticos e fármacos na Amazônia (BENCHIMOL, 2003; HOMMA, 2003c).

Andiroba:
  • A extração de óleo de andiroba na Amazônia até a primeira metade do século passado foi utilizada para iluminação das casas interioranas e das casas de Belém. 
Até o início da II Guerra Mundial, havia grandes indústrias na cidade de Belém que se dedicavam à extração de óleo de andiroba, o qual era utilizado para fabricação de sabonetes, para movelaria e para indústria farmacêutica. Desde os primórdios, era amplamente utilizado na medicina popular da Amazônia (HOMMA, 2003d). Existem diversos plantios de andiroba combinados com cultivos de cacaueiros, integrando sistemas agroflorestais nos municípios de Tomé-Açu e Acará.
  • O período de colheita é coincidente e, por isso, o aproveitamento tem sido efetuado em favor do cacau, que é mais lucrativo. Há necessidade de desenvolvimento de técnicas mais produtivas para o beneficiamento, já que a retirada das cascas, após o cozimento é bastante trabalhosa (HOMMA, 2003d). 
Na última década, renovou-se a importância do óleo de andiroba para a indústria de cosméticos, farmacêutica e como repelente de insetos, atraindo a cobiça de grandes indústrias farmacêuticas, como a Rocher Yves Biolog Vegetale que registrou, em setembro de 1999, na França, Japão, União Européia e Estados Unidos, a patente sobre a composição cosmética ou farmacêutica contendo extrato de andiroba.
  • Medidas para inibir as fraudes precisam ser aperfeiçoadas. Apesar de o potencial extrativo ser bastante grande, necessitando da organização de comunidades, o beneficiamento e o transporte até os centros de comercialização e a ampliação da oferta apresentam restrições quanto a possíveis usos. As possibilidades como biocombustível, sob a alegação do seu uso no passado e como mecanismo de inclusão social, são duvidosas. As opções do plantio da andiroba para produção madeireira e frutos como subproduto nas áreas já desmatadas constituem alternativas importantes, mesmo em detrimento do extrativismo das áreas tradicionais, com o crescimento do mercado. 
Copaíba:
  • A oferta de óleo de copaíba [Copaifera langsdorfii (Desf.) Kuntze] depende integralmente do extrativismo que precisa ser substituído por plantios racionais, por razões de crescimento de mercado, padronização do óleo, atualmente originária de meia dúzia de espécies, com cor, densidade e composição diferenciadas. Há necessidade de investimentos em pesquisa sobre a identificação de espécies mais promissoras, desenvolvimento de técnicas de domesticação e realização de plantios racionais. Por ser árvore perene, as decisões atuais só terão impacto nas próximas décadas, daí a urgência com relação a esses investimentos na pesquisa com essa planta. 
Espécies madeireiras:
  • Diversas espécies madeireiras nativas da Amazônia estão sendo domesticadas, com destaque para o paricá (Schizolobium amazonicum Huber ex. Ducke), com mais de 50 mil ha no Estado do Pará, para atender a indústria de compensados. Muitas espécies madeireiras nativas estão sendo plantadas em consórcios, integrando sistemas agroflorestais e em monocultivos, destacando-se o mogno, andiroba, freijó (Cordia goeldiana), ucuuba (Virola surinamensis) e castanha-do-pará. Quanto às espécies exóticas para a indústria de celulose, carvão vegetal para as guseiras e para madeira, destacam-se o eucalipto (Eucalyptus spp.), teca (Tectona grandis), mognoafricano (Khaya spp.), gmelina (Gmelina arborea Roxb.) e acácia (Acacia mangium). O reflorestamento é importante para a Amazônia, uma vez que países desenvolvidos como Áustria, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Itália, Japão, Noruega, Polônia, e países em desenvolvimento, como Belarus, Chile, China, Índia, 
República Tcheca, Turquia, Ucrânia, estão recuperando áreas florestais perdidas no passado. Segundo estudos da National Academy of Sciences, a previsão é de que o uso de madeira de floresta nativa para diversos fins decresça dos atuais 67 % para 50 %, em 2025, e 25 %, em 2050, reforçando a hipótese da importância do reflorestamento em vez do manejo florestal (KAUPPI et al., 2006).

Outros produtos:
  • Existem ainda alguns produtos que merecem ser comentados. Destaca-se outras plantas e animais, tais como: camu-camu [Myrciaria dubia (HBK) Mc Vough], mangabeira (Hancornia speciosa Gomes), patauá, baunilha, priprioca (Cyperus articulatus L.), breu-branco (Protium pallidum), patchuli (Pogostemon spp.), fava d’anta (Dimorphandra mollis Benth), buriti (Mauritia flexuosa), taperebá (Spondias mombin L.), cumaru (Coumarouna odorata), puxuri (Licaria puchurymajor), uvilla (Pourouma cecropiifolia Mart.), cubiu (Solanum sessiliflorum Dun.), araçá-boi (Eugenia stipitata), taguá (Phytelephas macrocarpa Ruiz & Pavon), orquídeas, bromélias, tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa), tracajá (Podocnemis unifilis), tambaqui (Colossoma macropomum), pirarucu (Arapaima gigas), tucunaré (Cichla ocellaris). 
Nem todas as plantas e animais vão ser domesticados:
  • Existem plantas e animais que nunca serão domesticados, por não terem importância econômica, em virtude do longo tempo necessário para obtenção do produto principal, da existência em grandes estoques na natureza ou da impossibilidade tecnológica de sua domesticação. Apesar da importância econômica, como é o caso do babaçu e do tucum (Bactris setosa, Mart.), ou de madeiras duras, como o jacarandá-da-baía (Dalbergia nigra), provavelmente essas espécies serão substituídas por outras alternativas ou serão abandonadas. 
Quanto aos produtos extrativos que se apresentam em grandes estoques, como recursos madeireiros, açaí, castanha-do-pará, babaçu e, até mesmo a seringueira, a atividade extrativa deverá permanecer por muito tempo mediante subsídios. No caso da domesticação de animais silvestres, a orientação é de se buscar características que facilitam a coexistência com o homem, e que residem em comportamento sexual promíscuo, interação adulto-jovem, facilidade de alimentação. 
  • Por exemplo, a coleta de cogumelos selvagens com porcos ou cães treinados, na Europa, sempre irá existir, convivendo com a coleta mediante o cultivo, que atende à totalidade do mercado mundial. É muito improvável que criações racionais de baleias ou de onças, bem como o plantio de árvores que levariam um século para atingir a sua maturidade, sejam viáveis economicamente.
Na Região Amazônica, das centenas de frutas extrativas existentes, e até plantadas, vários são produtos invisíveis, por não constarem nas estatísticas oficiais, ou seja, são produtos sem importância econômica definida. 
  • Somente alguns sofrerão o processo de domesticação, constituindo-se nas plantas do futuro, que tem sido objeto de esforço de instituições de pesquisa como o Museu Paraense Emílio Goeldi, a Embrapa e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Enquanto existirem estoques dessas plantas na natureza e a mão-de-obra para a sua coleta for uma atividade compensatória, a atividade extrativa pode se perpetuar, pelo menos até que alguma força externa afete este equilíbrio. 
A domesticação se inicia na seleção efetuada pelos próprios coletores, na observação de características úteis do seu interesse e, dependendo do crescimento do mercado, tende a avançar depressa, até mesmo em uma situação de completa ausência de pesquisa oficial, como aconteceu com o cacau, o cupuaçu e a pupunha. 
  • Por sua vez, existem plantas em que a domesticação tende a ser bastante difícil, como o uxi com baixa e lenta taxa de germinação e longo tempo para a entrada do processo produtivo. Em outras situações, a intervenção da pesquisa se torna necessária, como foi o caso da domesticação da pimenta-longa. O processo de domesticação apresenta, portanto, algumas características distintas dependendo do produto. 
Produtos com grande importância econômica:
  • No caso de produtos com boa repercussão comercial, o caminho inevitável é a sua domesticação ou a descoberta de substitutos sintéticos quando se começa a verificar a escassez do produto, inelasticidade da oferta e o crescimento da demanda. Produtos extrativos que apresentam uma demanda elástica ou de controle do seu mercado terão maiores chances de serem domesticados, pela possibilidade de maior apropriação do excedente do produtor. 
A domesticação do jaborandi e o início da domesticação da fava d’anta (Dimorphandra gardeniana e D. mollis) pela Merck, no Maranhão, constituem exemplos nesse sentido. Várias plantas nativas do Nordeste, tais como a carnaúba, oiticica (Pleuragina umbrosissima Arr. Cam.), maniçoba (Manihot glaziovii Muell. Arg.), licuri ou ouricuri [Syagrus coronata (Mart.) Becc], mangabeira e o imbuzeiro (Spondia tuberosa Arr. Cam.), deveriam merecer maior atenção dos pesquisadores, em termos de sua domesticação. As milhares de plantas e animais domesticados pelo homem nos últimos dez mil anos enquadram-se nessa categoria. 
  • Produtos extrativos sem possibilidade (necessidade) de domesticação imediata Muitos produtos extrativos em virtude do longo período de tempo e do elevado custo necessário à sua reprodução dificilmente oferecerão atrativos para domesticação, apesar da sua importância econômica, como é o caso das palmeiras babaçu, carnaúba e tucum ou do plantio de jacarandá-da-baía, que terminarão sendo substituídos por outras alternativas ou abandonados.
Produtos extrativos sem importância econômica definida:
  • Na Região Amazônica, das centenas de frutas nativas existentes, somente algumas deverão sofrer processo de domesticação pelas potencialidades econômicas.Enquanto existirem estoques disponíveis desse recurso ou o esforço de coleta oferecer retorno lucrativo, a atividade extrativa poderá se perpetuar, até que forças externas não venham a afetar esse equilíbrio. 
Produtos extrativos conspícuos:
  • A importância do produto extrativo neste caso decorre da sua utilidade indireta como prazer, bem-estar e consciência ambiental. Os produtos verdes (green products) poderiam ser enquadrados nessa categoria, mas é provável que, com o contínuo crescimento do mercado, esforços no sentido da sua domesticação, quando viáveis, serão efetuados. Da mesma forma que existem os bens de Giffen, segundo os quais uma queda no preço induz a uma redução na quantidade demandada, existem os bens de Veblen em que o valor do produto decorre da escassez e dos altos preços. 
Movimentação de recursos genéticos na Amazônia:
  • Uma das grandes contribuições da agricultura tropical foi a incorporação de plantas do Novo Mundo que se tornaram universais, como o fumo, tomate, batata-inglesa, milho, abacate (Persea americana Mill), seringueira, cacau, cinchona, mandioca, entre as principais. Outras plantas que são extraídas ou cultivadas na Amazônia passaram a ser consumidas em diversas partes do mundo, como o guaraná, castanha-do-pará, açaí, cupuaçu, pupunha, camu-camu, andiroba, copaíba, jaborandi, jambu e pau-rosa. 
Também ocorreu, na Amazônia, a introdução de espécies exóticas, como a juta (Corchorus capsularis L.), pimenta-do-reino (Piper nigrum L.), soja, mangostão (Garcinia mangostana), rambutã (Nephelium lappaceum L.), jambo [Syzygium malaccensis (L). Merr. & Perry], acerola (Malpighia glabra L.), eucalipto, teca, gmelina, neen, noni (Morinda citrifolia L.), dendê (Elaeis guineensis), bovinos, bubalinos, gramíneas para pastagens, entre dezenas de outras espécies. Esta movimentação de recursos genéticos em sentido tanto de entrada como de saída, atualmente condenada, redireciona para a conservação, a preservação e a domesticação dos recursos potenciais da Amazônia (HOMMA, 2003a).
  • Um conjunto de interesses prevalece na transferência de recursos genéticos, destacando-se em primeiro lugar o caráter de economia potencial. Portanto, devem ser consideradas tanto a biopirataria ativa, como a que ocorreu com a seringueira no século XIX, quanto a passiva, cujos prejuízos só serão percebidos a médio e a longo prazos, uma vez que se trata de espécies que não apresentam importância econômica no momento. 
Devido às restrições ecológicas e ao alto custo de mão-de-obra nos países desenvolvidos, é provável que esses países não se dediquem ao plantio de espécies tropicais. Diante da desconfiança quanto à quantidade e qualidade do material proveniente dos países subdesenvolvidos (com que segurança folhas, cascas de árvores e raízes pertencem a determinada espécie vegetal?), há o perigo de que os países desenvolvidos passem a estimular esses plantios em outros países subdesenvolvidos, em bases controladas (CROSBY, 1993; SILVA, 1989). O perigo está no fato de países desenvolvidos transferirem recursos genéticos da Amazônia para países mais obedientes, tais como alguns países da América Central, África ou sudeste da Ásia, com clima tropical, estabilidade governamental e onde o custo de mão-de-obra é inferior.
  • Outro tópico refere-se à necessidade de qualificar os recursos da biodiversidade amazônica, sempre colocado em sentido amplo. 
Do ponto de vista econômico, os recursos da biodiversidade amazônica que despertariam maior interesse, seriam as plantas medicinais, aromáticas, inseticidas e corantes naturais. Plantas medicinais, que podem ser aplicadas no tratamento de doenças típicas de faixa de renda mais elevada, tais como câncer, colesterol, hipertensão, geriátricos, teriam chances maiores de retorno econômico, ao contrário de doenças relacionadas às faixas de renda menos favorecidas, tais como diarréias, desnutrição, malária, esquistossomose, leishmaniose, cólera, mal de Chagas, apesar do elevado sentido social (PILLING, 1999; FARNSWORTH, 1997; WILSON, 1997). Se a exploração dos recursos da biodiversidade
  • amazônica ficar restrita, por exemplo, à comercialização folclórica das vendedoras da feira do Ver-o-peso, em Belém, de pessoas desenganadas da medicina moderna ou da busca de curas milagrosas, dificilmente a Amazônia terá condições de transformar a sua biodiversidade em riqueza econômica, mas permanecerá limitada apenas a nichos de mercado (HOMMA, 2002a; 2005). 
A Região Amazônica sempre se caracterizou por intenso movimento de material genético, desde os primórdios de sua ocupação. Seria interessante efetuar um breve balanço dessa entrada e saída de recursos genéticos na Região Amazônica, de modo a permitir inferências quanto ao futuro.

Biopirataria na Amazonia