terça-feira, 31 de março de 2015

Bioprospecção

Pesquisadores descobriram propriedade neurogênica no camapu.
Pesquisa é do Grupo de Pesquisas Bioprospecção de Moléculas Ativas.

  • Nas últimas décadas, a sociedade tomou consciência da importância econômica da biodiversidade e também da contribuição do conhecimento tradicional para a ciência.
Percebe-se que tanto nos meios científico, governamental, empresarial e popular ocorreu uma proliferação de informações e de pesquisas sobre o quanto os recursos naturais e os conhecimentos tradicionais podem ser úteis, seja na utilização de um recurso biológico para pesquisa agrícola, seja na sugestão pelos detentores do conhecimento tradicional de uma atividade farmacológica dos recursos da biodiversidade.
  • Essa consciência ficou mais nítida com o rápido processo de desenvolvimento da biotecnologia moderna, a partir dos anos 80, expandindo significativamente a capacidade humana de descobrir aplicações de interesses econômicos e sociais destes recursos, que passaram a ser vistos de forma diferente pela comunidade científica, pelos governos e pelas empresas. Estas mudanças de perspectiva do mercado vieram acompanhadas de preocupações sobre como partilhar os ganhos resultantes com tais atividades e sobre como minimizar os impactos ambientais da utilização destes recursos pela indústria.
  • Dentro desta ótica, a bioprospecção, a qual pode ser definida como a pesquisa da diversidade biológica à procura de potenciais valiosos contidos em recursos genéticos e bioquímicos de valor comercial que, eventualmente, pode fazer uso dos conhecimentos tradicionais, contribui para melhorar as capacidades nacionais, agregando valor aos recursos para que sejam utilizados de maneira sustentável. Ela gera uma oportunidade única de, ao mesmo tempo, conservar a biodiversidade e preservar a sociodiversidade, além de promover o desenvolvimento dos países detentores de tais recursos e auferir lucros e benefícios para todas as partes envolvidas no processo.
O Brasil, enquanto possuidor da maior diversidade de animais e de plantas do planeta (entre 15% e 20% do número total de espécies) ocupa papel de destaque no debate sobre os potenciais da bioprospecção. Alguns dos ecossistemas mais ricos em número de espécies vegetais – a Amazônia, a Mata Atlântica, o Pantanal e os Cerrados – estão aqui localizados. Também é considerado o país da sociodiversidade, com um conjunto muito rico de populações tradicionais, tais como indígenas, ribeirinhos, caiçaras, seringueiros, entre outros. São povos que utilizam tecnologia de baixo impacto e os seus conhecimentos têm sido utilizados como chave de acesso à própria diversidade.
  • Diversos estudos apontam que, além da riqueza natural e da sociodiversidade, o Brasil possui algumas vantagens, como infra-estrutura cientifica, disponibilidade de recursos humanos e universidades/instituições públicas de pesquisa com potencial para liderar as atividades de bioprospecção no país. Além disso, o Brasil também se constitui como um grande mercado para os produtos farmacêuticos e um importante participante no comércio agrícola mundial. Todas essas características fazem com que a posição brasileira em relação à bioprospecção seja decisiva para uma melhor convergência das posições dos principais players mundiais, como Estados Unidos, União Européia, Japão, Argentina, China e Índia.
Mas, apesar de todas estas vantagens, os resultados da bioprospecção no Brasil são muito modestos. O Brasil não conseguiu atender aos princípios básicos da CDB, que são a exploração destes recursos de forma soberana e sustentável. As principais dificuldades para a realização de bioprospecção no Brasil estão relacionadas à ausência de regras claras sobre os temas relevantes, tais como a repartição equitativa dos benefícios. Segundo Wilkinson (2002): “a falta de uma Lei de Acesso aos Recursos Genéticos por um lado paralisa o estabelecimento de relações contratuais entre empresas nacionais e internacionais e/ou o Estado para fins de bioprospecção e o intercâmbio de recursos biológicos do país e do exterior. Por outro lado, a ausência desta Lei deixa as portas abertas para casos de biopirataria".
  • A questão que se coloca no Brasil então é: qual a estratégia que o país deve adotar em relação à bioprospecção? Quais são as prioridades, dado que a bioprospecção pode ser feita de diversas formas e para vários fins, e qual modelo de regulamentação o país deve criar para potencializar a bioprospecção? Falta uma estratégia clara do país? Existem gargalos tecnológicos ou institucionais? Este trabalho, então, buscou analisar a relação destas duas questões – ambiente institucional e estratégia – levantando assim os possíveis obstáculos para desenvolvimento da bioprospecção no Brasil.
Assim, um dos objetivos principal deste trabalho foi identificar quais são os obstáculos para o desenvolvimento da bioprospecção no Brasil. Para tanto, foi feito um levantamento de quais são os desafios institucionais para este desenvolvimento, primeiro analisando casos de bioprospecção em outros países e no Brasil, em seguida fazendo uma análise do framework da bioprospecção no Brasil baseado na Economia Institucional.
  • Faremos a conceituação da bioprospecção e discutem-se quais as vantagens que o Brasil apresenta para o desenvolvimento destas práticas. O capítulo trata também da importância dos acordos internacionais relacionados ao tema e de qual a participação do Brasil nestas negociações internacionais.
Apresentamos a importância do desenvolvimento da biotecnologia para as práticas de bioprospecção (um ramo da biotecnologia) no país, criando novas possibilidades de conservação e de uso sustentável dos recursos ambientais.São apresentadas as variedades de atividades econômicas da bioprospecção, dando foco à indústria farmacêutica, que é o setor no qual se concentra o maior número de agentes interessados na realização da bioprospecção e por ser o maior usuário de recursos genéticos, sendo visto como de relação direta com o uso sustentável da biodiversidade e da repartição justa e equitativa de benefícios. Assim, apresentando o “paradoxo” das potencialidades do Brasil para o desenvolvimento da bioprospecção farmacêutica sem que haja nenhum medicamento genuinamente brasileiro.
  • Serão apresentados, respectivamente, a Economia Institucional aplicada à bioprospecção no Brasil e os estudos de casos nacionais e internacionais de bioprospecção. Portanto, com vistas a responder a questão-problema - obstáculos para a bioprospecção, as variáveis levantadas no desenho do framework da bioprospecção no Brasil, baseadas na Economia Institucional, bem como as dificuldades e os desafios encontrados nos estudos de casos deram base para construção de um quadro que faz o paralelo entre as variáveis encontradas nos cases e no framework da economia institucional.
É feita a análise de uma pesquisa realizada com agentes ligados às atividades de bioprospecção. Para tanto, foi feito um levantamento de opiniões através de envio eletrônico de questionários para diversos agentes envolvidos em questões de bioprospecção e de diversas áreas ambientais, tais como acadêmicos, pesquisadores do setor privado e público, representantes de ONG’s e alguns representantes de empresas do setor privado que fazem pesquisa com bioprospecção.

Conceituação da bioprospecção:
  • A prática de recolher, de analisar e de comercializar material biológico é tão antiga quanto à civilização humana. Há milhares de anos a humanidade busca novas formas de melhorar a produção de alimentos, o combate às doenças e outros males, e fazer outras descobertas que podem melhorar a qualidade de vida no planeta. Portanto, novas variedades de cultivares, de medicamentos e de outros produtos são resultados de uma longa história de comercialização e de intercâmbio de recursos genéticos e biológicos, conjuntamente com a utilização dos conhecimentos tradicionais associados. 
Os recentes avanços da biotecnologia e das ciências afins levaram à intensificação da exploração econômica dos recursos da biodiversidade. Esta prática antiga de buscar na natureza recursos genéticos e bioquímicos para o desenvolvimento de produtos é descrita agora por um novo termo: “bioprospecção ou prospecção da biodiversidade” (LAIRD, 2007; SCOTT, 2001).
  • A bioprospecção pode ser definida como a exploração da biodiversidade a fim de se extraírem recursos genéticos e bioquímicos de valor econômico e social (BEATTIE, 2005), que pode fazer uso do conhecimento de indígenas e/ou tradicionais (SANT’ANA, 2002), aplicando tecnologias avançadas para desenvolver novos produtos farmacêuticos, agroquímicos, cosméticos, fragrâncias, enzimas industriais, entre outros. (ARTUSO, 2002).
Assim, Reid et al. (1993) afirmam que para os governos dos países ricos em biodiversidade criam-se possibilidades de ganhos a serem obtidos com a extração dessa riqueza natural. O que gera uma oportunidade única de, ao mesmo tempo, conservar a biodiversidade, promover o desenvolvimento dos países detentores de tais recursos e auferir lucros mais altos para a indústria.
  • Para tanto, quatro elementos se fundamentam para as atividades de bioprospecção: as políticas macro, os levantamentos da diversidade biológica e os sistemas de gestão de informação, as transferências de tecnologia e o desenvolvimento de negócios com um plano estratégico (QUEZADA et al., 2005). A bioprospecção torna-se um elemento fundamental para as indústrias reconhecerem o valor econômico da biodiversidade. Neste sentido, a bioprospecção pode ser aplicada em diversas atividades, causando impactos em diversos setores da economia, com destaque para o setor farmacêutico, cosméticos, alimento e bebida e insumo agrícola.
No entanto, as atividades de bioprospecção são complexas, multidisciplinares, com um elevado grau de incerteza e que envolvem uma grande quantidade de agentes. São atividades que demandam condições muito especiais para prosperar, como infra-estrutura científica e tecnológica e um ambiente institucional que tem por objetivo a redução das incertezas e dos custos de transação entre os agentes.
Para que a bioprospecção tenha credibilidade científica, política e econômica deve-se observar os seguintes princípios: I) princípio da prevenção – na dúvida quanto a danos irreversíveis não se deve iniciar ou prosseguir com a atividade; II) princípio da preservação dos recursos – para não haver esgotamento dos recursos; III) princípio da equidade distributiva – os benefícios devem ser partilhados entre todas as partes envolvidas na atividade; IV) princípio da participação pública – garantia da participação mais ampla da população envolvida através de entidades públicas ou particulares e mesmo o cidadão isoladamente; V) princípio da publicidade – todos os atos da atividade devem ser transparentes e com caráter público, por se tratarem os recursos naturais de um bem de uso comum, ou seja, bem de todos da nação; VI) princípio do controle público e privado – o processo deve ser controlado pelos órgãos de fiscalização, bem como pelas entidades não governamentais; e VII) princípio da compensação – no qual, a comunidade ou a pessoa fornecedora de matéria-prima ou do conhecimento deve receber compensações monetárias e/ou não-monetárias (SANTOS, 2008).
  • Entretanto, a bioprospecção está inserida, historicamente, no conflito entre os interesses dos países desenvolvidos, porém pobres em biodiversidade, do Hemisfério Norte, que buscam explorar a rica biodiversidade dos países pobres, porém ricos em biodiversidade, do Hemisfério Sul, principalmente países tropicais. Neste contexto,  disputa histórica pelo acesso, pelo controle e pelo uso dos recursos da biodiversidade, por séculos esteve fortemente associada com o nível de desenvolvimento ou de subdesenvolvimento científico e tecnológico dos países envolvidos. Nos debates atuais entre Norte e Sul, os atores e as estratégias envolvidas para transformarem os ativos da biodiversidade em produtos pela biotecnologia moderna seguem a mesma lógica, porém, os conflitos agora são entre os interesses comerciais dos países desenvolvidos e os interesses de preservação e de uso sustentável dos países em desenvolvimento - os grandes detentores da biodiversidade (REID, 1996 apud SANT’ANA, 2002).
Até os anos 80 do século XX, as utilizações dos recursos da biodiversidade para as atividades de bioprospecção não eram questionadas. O entendimento global considerava estes recursos genéticos como patrimônio da humanidade, portanto, de livre acesso. Os países provedores de biodiversidade não impunham muitas restrições às pesquisas conduzidas pelas empresas ou pelos institutos estrangeiros. Os países que faziam uso da biodiversidade coletavam e extraíam plantas, pequenos animais e micro-organismos que poderiam ser usados nos seus programas de desenvolvimento tecnológico e industrial. Os países provedores destes recursos pouco participavam deste processo, às vezes, os pesquisadores locais eram convidados a participar de projetos, mas as funções destes se restringiam em muitos casos apenas como guia para coleta de amostras em campo, e quando estas pesquisas geravam benefícios, estes eram pouco ou nada compartilhados, ficando os lucros para os desenvolvedores (PAVARINI, 2000).
  • No final dos anos 80, há uma mudança de paradigma referente à soberania sobre os recursos genéticos. O princípio aceito até então pela maioria dos países, de que “os recursos genéticos deveriam estar disponíveis para todo e qualquer propósito, já que os produtos finais beneficiariam todas as sociedades” (CAILLAUX & MÜLLER, 1998 apud AZEVEDO, 2003), começou a ser alterado em virtude do “crescimento das indústrias de biotecnologia e da apropriação destes recursos, por meio do patenteamento de processos ou de produtos desenvolvidos a partir da biodiversidade”. Por isso, os países detentores destes recursos passaram a valorizar mais a sua biodiversidade, principalmente a diversidade genética, mudando de atitude com relação ao controle do seu acesso (AZEVEDO, 2003).
No início dos anos 90 “ressurgiu o debate sobre a importância dos recursos da biodiversidade, porém desta vez como fonte de bioprospecção”. O uso dos recursos da biodiversidade agora estaria baseado em um novo paradigma, alicerçado em três grandes áreas: da informação, da ciência e da tecnologia, com aplicação no processo produtivo das empresas (LASMAR, 2005). Para tanto, surgiu a necessidade de um regime internacional que promovesse a distribuição justa e equitativa dos ganhos advindos da biodiversidade e que ao mesmo tempo adotasse uma visão sistêmica sobre a conversação destes recursos (ENRÍQUEZ, 2005). Assim, o consenso geral foi que o ideal seria o estabelecimento de um novo tratado internacional, ao invés de uma Convenção “guarda-chuva”, que agrupasse todas as Convenções Internacionais sobre o assunto existentes. Para a formação de um entendimento mais uniforme sobre o tema, foi realizada, em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).
  • Com a Convenção, novos atores passaram a fazer parte dos estudos e dos debates sobre as diversas manifestações da biodiversidade. A prática da bioprospecção no campo do desenvolvimento científico-tecnológico é a que mais evidencia uma miríade de tantos atores, de relações e de disputas de todos os tipos, por ser uma atividade multidimensional (uma prática coletiva condicionada por outras práticas sociais), envolvendo atores de todos os tipos, como cientistas e não cientistas, políticos, acadêmicos, industriais, tecnólogos, representantes das comunidades indígenas, o Estado, entidades não governamentais (ONGs) e vários outros grupos de interesses (TRIGUEIRO, 2006 apud DIAS & COSTA, 2008).
A partir da CDB, começa a ser construída uma nova relação entre os atores que utilizam os recursos da biodiversidade e os da conservação. Desta forma, para entender melhor quais são os grupos de atores mais ativos nas práticas de bioprospecção, a autora Polski (2005) os divide em:
  • Criadores de conhecimento – os que na maioria das vezes possuem um conhecimento prévio para bioprospecção (Pajés ou Xamãs, acadêmicos, cientístas e as comunidades do conhecimento tradicional – quilombolas, ribeirinhos, pescadores etc.), no processo de bioprospecção, eles podem criar novos conhecimentos, produtos, processos ou aplicações, e/ou criar produtos rentáveis;
  • Empreendedores – os que bioprospectam os recursos biológicos dentro ou fora do país, no qual os seus empreendimentos estão instalados (empresários, agricultores, vendedores, biotecnologistas etc.), que têm por como objetivo desenvolver novos produtos, processos e aplicações rentáveis, podendo trazer avanço aos conhecimentos;
  • Colecionadores – são os que colhem amostras para expandir a sua própria coleção ou para vender a outros.
No entanto, apesar dos bioprospectores desenvolverem atividades distintas, os seus objetivos, muitas vezes, são sobrepostos. Para os colecionadores, suas atividades têm dimensões econômicas relativamente estáticas (baseada na colheita e no uso imediato). Já os criadores de conhecimento e os empresários têm como objetivos descobrir e transmitir o valor dos recursos biológicos que eles colheram, dependendo do propósito empregado, o que pode agregar valor a estes recursos no processo de bioprospecção e/ou transformar estes recursos em um novo tipo de ativo,
  • Além dos bioprospectores acima citados, um ator muito importante nas práticas de bioprospecção é o Estado-Nacional, que é o detentor de muitas áreas protegidas e o provedor direto de recursos genéticos em condição in situ, que tem um papel fundamental nas pesquisas e no desenvolvimento em muitos países, além de ser o responsável pelo estabelecimento de políticas e de execução de leis que implementem a CDB (AZEVEDO, 2004).
Entende-se que a bioprospecção deve ser uma prática em que todos os atores envolvidos obtenham ganhos, monetários ou não-monetários, possibilitando a conservação e o uso sustentável dos recursos da biodiversidade. Neste sentido, a bioprospecção deve atender os objetivos determinados pela CDB, quais sejam: I) a conservação da biodiversidade; II) a utilização sustentável de seus componentes; e III) a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos da biodiversidade. No entanto, muitos atores ainda têm pouco conhecimento sobre a CDB, acarretando em muitos casos a falta de critérios de justiça e de equidade na partilha dos benefícios.
  • A prática da bioprospecção, por ser muito complexa e sujeita a elevados riscos tecnológicos e econômicos, necessita de que seja estabelecido de regras ou de instituições muito específicas, para que possa se desenvolver. Também é importante e necessário que o poder público, as organizações não governamentais (ONGs), as universidades públicas e particulares, as empresas químicas, farmacêuticas e entre outras, além das comunidades participem concretamente através de convênios, de contratos de concessão, de permissão e de parcerias em geral, com programas que tenham regras bem definidas, nos quais as partes assumam responsabilidades claras, pois a boa regulamentação da bioprospecção contribui para a conservação dos recursos naturais, para o desenvolvimento econômico dos países envolvidos no processo e para o desenvolvimento social através de partilhas de benefícios monetários e não monetários com as parcerias.
Todavia, apenas alguns países em desenvolvimento possuem condições para explorar suas riquezas naturais de forma adequada, aproveitando as oportunidades criadas pela bioprospecção. Segundo Silveira et al. (2004), dentro deste seleto grupo, o Brasil possui condições para liderar atividades de bioprospecção no mundo, pois possui boa infraestrutura científica e tecnológica, disponibilidade de recursos humanos e universidades e instituições públicas de pesquisa no campo das ciências da vida. O próximo item aborda a bioprospecção no Brasil, visando a caracterizar os avanços conseguidos no país e seus principais instrumentos de gestão desta área.
  • Considera-se este item importante para o mapeamento dos entraves e dos avanços que o país obteve dentro de um contexto mundial de operacionalização da bioprospecção de forma eficiente e justa para as comunidades envolvidas.

Extratos de plantas de pesquisa com micropropagação e bioprospecção

Bioprospecção no Brasil:
  • O Brasil abriga a maior diversidade de animais e de plantas do mundo, possui entre 15% e 20% do número total de espécies, conta com a mais diversa flora do planeta, número este superior a 55 mil espécies descritas, cerca de 22% do total mundial, estimado em 270 mil espécies. Alguns dos ecossistemas mais ricos do planeta em número de espécies vegetais – a Amazônia, a Mata Atlântica e os Cerrados – estão aqui localizados.
Esse banco genético de milhares de espécies tem valor estratégico para o desenvolvimento do país no presente século e seu valor estimado é de pelo menos US$ 2 trilhões, segundo estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). O Brasil deixa de ganhar US$ 250 bilhões por ano ao não explorar sua biodiversidade e este cálculo está baseado na experiência de empresas de bioprospecção no Brasil, de acordo com Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA).
  • O Brasil é considerado também o país da sociodiversidade. Contando no seu território com um conjunto muito rico de populações tradicionais, como comunidades indígenas, ribeirinhos, caiçaras, sertanejos, seringueiros e quilombolas. São aproximadamente 206 culturas indígenas que falam 160 línguas. Esses povos utilizam tecnologias de baixo impacto, como o extrativismo, a pesca e a lavoura. Os conhecimentos desses povos são verdadeiros legados das gerações passadas que têm sido utilizados como chave de acesso à própria diversidade, principalmente pela agroindústria e pelas indústrias farmacêuticas e alimentícias (CARNEIRO, 2007).
Portanto, para aproveitar todo este potencial em razão das inúmeras possibilidades de utilização da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais para a bioprospecção, é necessidade sine qua non para o Brasil ter uma estratégia para o uso sustentável destes recursos. Para tanto, é fundamental que as instituições públicas, as Universidades, as ONG’s, as associações de grupos do conhecimento tradicional, as empresas privadas nacionais e multinacionais e a coletividade em geral participem do processo de elaboração desta estratégia, para que a bioprospecção seja feita a partir das necessidades e prioridades do país.
  • Para tanto, o Brasil tem participado ativamente nas negociações internacionais e estado presente nos mais diversos fóruns internacionais que tratam a matéria. No âmbito internacional, o Brasil foi um dos primeiros países signatários da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB). Para atender às exigências da CDB, foram feitas modificações na legislação, como a Medida Provisória nº 2.186-16 de 2001 e o Decreto nº 3.945 de 2001, modificado pelo Decreto no. 4.946 de 2003, que criou o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – CGEN (ASSAD & SAMPAIO, 2005).
Entretanto, paradoxalmente, os resultados da bioprospecção no Brasil são muito modestos. O Brasil não conseguiu atender aos princípios básicos da CDB, que é a exploração de forma soberana e sustentável dos recursos da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais a ela associados. As dificuldades para a realização de bioprospecção no Brasil estão relacionadas à ausência de regras claras sobre os temas relevantes, tais como a repartição equitativa dos benefícios. Segundo Wilkinson (2002), “a falta de uma Lei de Acesso aos Recursos Genéticos por um lado paralisa o estabelecimento de relações contratuais entre empresas nacionais e internacionais e/ou o Estado para fins de bioprospecção e o intercâmbio de recursos biológicos do país e o exterior. Por outro lado, a ausência desta Lei deixa as portas abertas para casos de biopirataria". patrimônio genético, por meio de Decretos, Resoluções, 
  • Deliberações e Orientações Técnicas, estes três últimos aprovados pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). Portanto, o CGEN é o órgão responsável por autorizar/deliberar toda e qualquer atividade de acesso, de remessa, de uso, de desenvolvimento, de bioprospecção, de desenvolvimento tecnológico que venha a utilizar qualquer recurso genético existente e de origem nacional (ASSAD & SAMPAIO, 2005).
Salientando que a ausência de um marco regulatório pode ter efeitos negativos sobre as atividades de bioprospecção. Primeiro, a bioprospecção poderá ser realizada de forma ilegal, sem a fiscalização das agências responsáveis e, portanto, ela será realizada sem nenhum compromisso de atender aos princípios da CDB. Segundo, as incertezas criadas pela ausência de um marco regulatório inviabilizam investimentos na área, que no longo prazo poderá comprometer o desenvolvimento de capacidade científica e tecnológica no país.
  • Por outro lado, se o Brasil conseguir transpor os obstáculos institucionais e criar um “modelo institucional” de regulamentação que possa estimular a bioprospecção por vias legais e, ao mesmo tempo, atender aos requisitos dos acordos multilaterais, conciliando os interesses dos agentes envolvidos no processo, o desenho institucional brasileiro poderá servir de modelo para países com características e interesses semelhantes.
Daí a importância do Brasil no processo de um “desenho institucional” para a bioprospecção no cenário internacional, além da megadiversidade e da rica sociodiversidade, o país avança nas pesquisas em biotecnologia, o que é extremamente relevante para os propósitos da bioprospecção. No entanto, é necessário estabelecer prioridades para viabilizar as reais potencialidades da bioprospecção no país. Além da relevância de ações governamentais para criar um sistema regulatório claro e que atenda aos objetivos da CDB de forma objetiva e menos burocrática e que evite a prática da biopirataria, é necessário também que sejam realizadas ações concretas para incrementar o processo de bioprospecção, tais como:
  • Realização de inventário – realizar o inventário da biodiversidade que forneça subsídios para conhecer o seu potencial;
  • Educação Ambiental – conscientização sobre a importância da biodiversidade para que seja preservada;
  • Fomento à pesquisa – a bioprospecção cria um leque de opções, sendo necessário definir prioridades de investimento;
  • Divulgação – publicação dos atos do processo de bioprospecção; 
  • Mecanismos de garantia de partilha de benefícios – entre os participantes do processo de bioprospecção, garantindo os direitos de propriedade intelectual;
  • Mecanismos de incentivo - desenvolvimento de mecanismos de incentivo ao desenvolvimento de relações formais e informais entre os atores do processo (SANT’ANA, 2002; BENTES-GAMA, 2008).
Porém, se estes “gargalos” começam a ser solucionados e um novo quadro institucional desenhado atenda às necessidades do país, assim como os interesses divergentes dos agentes da bioprospecção, o Brasil pode ser beneficiado com o desenvolvimento de muitas atividades da bioprospecção, que ainda não são muito exploradas, como a produção de fitoterápicos. Estes medicamentos movimentam cerca de US$ 60 bilhões por ano no mundo e somente um valor aproximado de US$ 450 mil no Brasil. No entanto, em muitos países, o consumo deste tipo de medicamento já rivaliza com os medicamentos convencionais, como na França e na Alemanha (LASMAR, 2005).
  • Contudo, para potencializar a pesquisa, o desenvolvimento, a produção e a comercialização da bioprospecção, tanto nas áreas da saúde e da agricultura, o Brasil conta com importantes instituições-chave, tais como a Embrapa, a Fiocruz, o Instituto Butantã, entre outros. Para estas instituições, as parcerias e os acordos de cooperação com empresas privadas e institutos de pesquisa de outros países são fundamentais para o progresso da pesquisa e da produção da biotecnologia no país. No Brasil, como em todo mundo, o setor público é o grande investidor em biotecnologia. Mas uma das grandes dificuldades destas instituições é o marco regulatório referente à propriedade intelectual. A indefinição do quadro atual dificulta a apropriação das inovações das instituições-chave brasileiras (SILVEIRA et al., 2001).
Dentro deste contexto, o Brasil, por ser signatário de dois acordos internacionais importantes que tratam do assunto, mas que apresenta divergências em alguns pontos, o acordo TRIPS (Tratado sobre os Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio) e a CDB (Convenção sobre Diversidade Biológica), deve ter por objetivo buscar um caminho para prática da bioprospecção, que beneficie todos os atores envolvidos, sem contrapor os princípios desses dois acordos.

Em 2010, o Instituto Estadual de Florestas (IEF), por meio da Gerência de Proteção à Fauna, Flora e Bioprospecção / Diretoria de Biodiversidade concentrou esforços no desenvolvimento de pesquisas em biologia, ecologia, taxonomia (ciência que classifica os seres vivos) e distribuição.