quarta-feira, 14 de outubro de 2015

A Relação do Homem e o Meio Onde Vive

A relação do homem e o meio onde vive

  • Tem-se debatido muito nas últimas décadas sobre a possível “insustentabilidade” ambiental do atual modelo civilizatório de desenvolvimento. Isto se deve aos graves problemas ambientais causados pelo uso intensivo dos recursos naturais em várias regiões do mundo. Alguns ambientalistas acreditam que a solução para a questão ambiental, neste quadro, só se dará com mudanças radicais no paradigma da atual trajetória do modelo capitalista; já outros, somados a maioria dos cientistas, políticos, governantes, etc, tentam buscar em políticas e estratégias ortodoxas, formas de ajustar a capacidade ecossistêmica da natureza a este mesmo modelo. Nenhuma das duas propostas, até agora, encontraram bases teóricas conceituais convincentes.
Porém, uma das constatações quase unânimes, tanto por um grupo como pelo outro, é que não há como retroceder a trajetória tecnológica a qual a sociedade moderna está inserida. O uso da tecnologia em praticamente todos os setores da vida humana é uma realidade constante nos últimos anos do século XX.
  • Salienta-se, entretanto, que a busca do “modelo americanizado” de se viver, baseado no consumismo e na utilização desenfreada dos recursos ambientais, provavelmente, levará o planeta Terra ao seu esgotamento.
Já está matematicamente constatada a escassez de recursos naturais, ou em outras palavras, não há recursos energéticos suficientes para se manter as “máquinas” funcionando com a frenética intensidade das “indústrias americanas” em todos os lugares do mundo.
  • Chega-se com isto a um dilema: as sociedades menos desenvolvidas estarão destinadas a permanecerem sem acesso aos benefícios da modernidade que já estão plenamente incorporadas no cotidiano da sociedade dos países ricos; ou surgirão novas fontes de recursos capazes de aliar esta trajetória à “sustentabilidade” do planeta?
Como esta resposta não poderá ser dada com total fidedignidade, pelo menos num futuro próximo, parte-se aqui para uma nova proposta: buscar na sociedade de cada “lugar” estratégias que aliem às expectativas de desenvolvimento e a disposição de quanto cada comunidade se propõe “a pagar” no que se refere ao uso dos recursos naturais a sua volta. Mas para isto, antes de qualquer conclusão, é preciso ter em cada cidadão um aliado na tomada de decisões, tanto no que diz respeito a possíveis utilizações dos recursos que estão a sua volta como na busca de alternativas para os problemas ambientais que a sua localidade já está enfrentando. É preciso ainda, considerar que as estratégias de desenvolvimento regional deverão levar em conta, tanto a geração atual, como as futuras.
  • Por isso é de total relevância nesta proposta, saber se a comunidade de cada “lugar” estará disposta a serrar suas árvores, poluir seus rios, afetar a saúde de suas crianças, etc., em prol de um desenvolvimento econômico/industrial/tecnológico, ou se prefere preservar seus recursos para aproveitá-los com outras alternativas menos predatórias, mesmo que com isso corra o risco de ficar fora da “teia” globalizante da produção capitalista desenfreada. Em outras palavras, resistir ao processo homogenizador de produtividade e utilização dos recursos naturais ou incorporar-se às estratégias definidas nas mesas diretoras das grandes corporações transnacionais.
Para instigar o debate sobre estas questões se fará uma breve análise da trajetória do desenvolvimento capitalista contemporâneo, que terá a função de mostrar algumas evidências da (ir)racionalidade ambiental do atual modelo. Nesta perspectiva trataremos os recursos naturais existentes em cada lugar como potencial. Potencial não só econômico, mas, especialmente, sociais, culturais e ambientais.

A relação do homem e o meio onde vive: 
Uma trajetória “imposta” pelo “econômico”.
  • A relação do homem com o meio ambiente não é nova. Pelo contrário, começou no momento em que ele surgiu no planeta Terra. Segundo Redclift (1996) esta interação sempre envolveu transformações no ecossistema dos locais onde ele habitou. Porém a ação do homem sobre o ecossistema que habita expandiu-se com o passar do tempo, tanto pelo aumento demográfico, como pela crescente e incrementada complexidade de suas necessidades.
A “noção” de evolução tanto cultural, social, tecnológica e política que se tem sobre a espécie humana, se deve justamente pela constatação de sua capacidade de intervir nos recursos naturais a sua volta. Intervenções que foram aprimorando-se com o advento científico e o surgimento de instrumentos que permitiram ao homem, cada vez com mais rapidez, dominar os recursos a sua volta, numa busca constante de novos limites. Redclift (1996, p.45) aborda esta questão, exemplificando:
One was the ability of humans to transform the environment in ways that benefited them. An early example is the way humans used fire. It was used for warmth and protection during the night, for clearing forests, for breakings stone, and for hunting and cooking animals. This brought in its train important ecological effects, particularly an increase in grassland habitats end, later, the extinction of the animals which were initially hunted.
Portanto a interação homem/ meio ambiente não foi de troca mútua foi de conquista. A história da humanidade evidencia uma progressiva apropriação dos espaços físicos da superfície terrestre na busca do homem por “novos” limites. Esta apropriação de espaços se deu não só pelo aumento populacional, que para os malthusianos até poderia ser considerado matematicamente natural, mas, especialmente, pela necessidade que o homem teve de explorar e dominar “todos” os espaços a sua volta.
  • Assim, à medida que o relacionamento do homem com o meio ambiente a sua volta intensificava-se, se dava à valorização econômica dos mais variados recursos naturais dos diversos lugares do planeta. As riquezas naturais de cada “nova” região explorada transformavam-se quase que imediatamente em objetos de consumo. Exemplo clássico desta trajetória pode ser constatado na “exploração do novo mundo” que ocorreu entre os séculos XIV e XIX, onde os recursos naturais (produtos) encontrados “além mar” eram mercadorias concorridas nas cortes européias.
A criação de colônias de exploração no “Novo Mundo” desde as primeiras expedições européias teve caráter espoliativo. O atrativo para o assentamento do homem branco nas novas terras era a existência de recursos naturais de algum valor comercial. Estes atrativos variaram nas diferentes épocas da história.
  • Segundo Furtado (1995), no Brasil, o descobrimento de uma nova riqueza de valor comercial para os europeus era motivo de apropriação em ritmos intensivos e devastadores das regiões onde estes recursos se mostravam abundantes. Os diferentes “ciclos econômicos” da história econômica brasileira servem de exemplo desse processo.
Portanto, na história da humanidade, o uso das riquezas naturais do “lugar”, quase sempre era motivado por um “valor econômico”. Já num exemplo atual, é a variedade do ecossistema Amazônica, que passou a ser alvo de constantes explorações, tanto legais como ilegais, como nacional e internacional, como pública e privada.
  • E, é verdade também, que nem sempre este “valor” manifestado pelas riquezas naturais reverteu-se em benefícios para as comunidades do local, ao contrário, a exploração mercantil foi capaz de remeter somente os lucros do “lugar” para os centros hegemônicos, deixando muitas vezes “só” as mazelas sociais como a principal “herança” para as comunidades locais.
Esta lógica em que o meio ambiente dos lugares é visto somente como um espaço a se ganhar permanece até hoje na (ir) racionalidade exploratória e gananciosa dos homens do ocidente. A conquista do homem sobre o meio ambiente expressa-se num avanço territorial extensivo geralmente de baixa produtividade e preso à perspectiva de retorno em curto prazo.
  • Para Odum (1988) a política que incentiva a “síndrome da indústria única”, na busca de desenvolvimento rápido para o “lugar”, quase sempre leva ao esgotamento de grande parte de seus recursos. Seus habitantes, em alguns anos “ficarão tão ou mais pobres como antes de sua instalação, porque não existe apoio ambiental possível para mais nada” (Odum,1983,p.17). 
Citando o trabalho dos historiadores James Cobb e Thomas Dyer, Odum (1988) salienta o exemplo da cidade de Copperhill em Tennessee nos EUA, quando uma única indústria esgotou os recursos naturais e a capacidade de manutenção da vida de uma grande área a sua volta. Odum ainda vai mais longe quando afirma que os investimentos nesta política são temporários e podem se transferir rapidamente de um lugar para o outro quando se vêem ameaçados.
  • “Além disso, pouco ou nenhum lucro de uma indústria exploradora desse tipo permanece na área: o dinheiro é exportado para outras áreas, onde o desenvolvimento econômico é ainda possível” (Odum, 1983, p. 17).
Mesmo assim, continua-se agindo como se o “fundo territorial fosse inesgotável, apesar dos exemplos de degradação absoluta de recursos que a frente pioneira já deixou na retaguarda (a história da ocupação recente de Amazônia brasileira é exemplar a esse respeito)” (Moraes, 1997, p. 37 e 38).
Esta trajetória se dá num modelo civilizatório em que o mercado exige, cada vez com mais intensidade, produtos e atrativos raros. Em nome desse mercado, o homem do ocidente continua explorando os recursos de “todos” o lugares onde consegue chegar com sua ciência, técnica e máquinas. Nisto o meio ambiente continua sendo um atrativo mercantil e sua preservação problema e responsabilidade dos que virão.
  • A economia de mercado ao tratar os recursos naturais (capital natural, segundo alguns) como bens livres, incentiva sua exploração indiscriminada. O princípio do sistema de mercado neoliberal supõe uma disponibilidade ilimitada dos recursos da natureza, ainda sob o contexto dos economistas clássicos, no qual só os bens escassos tem valor. As regras institucionais das economias capitalistas se ocuparam pouco, até agora, em estabelecer critérios e mecanismos para corrigir esta situação.
Muitos dos atuais esforços para manter o progresso e atender às necessidades humanas são simplesmente insustentáveis, tanto nas nações ricas quanto nas pobres. Contabilmente, nas últimas décadas, houve um esgotamento acelerado demais na “conta” dos recursos ambientais já a “descoberto” há muito tempo. No futuro não poderá se esperar outra coisa que não a insolvência dessa “conta”. (Nosso Futuro Comum, 1991, p.8)

Um depredador modelo de se fazer desenvolvimento:
O século XX foi um tempo de grandes possibilidades e esperanças. Foi também o século de riscos.
  • Os avanços na produção industrial trouxeram as maravilhas da modernidade e aceleraram várias transformações nas mais diferentes frentes: econômicas, sociais, culturais, políticas e, especialmente ambientais. Entre as promessas pode-se destacar as novas tecnologias que despontaram na biologia, na genética, no surgimento de novos materiais, na produção de alimentos, nas mais diversas formas de captação de energia, na elevação da produtividade industrial, etc. Porém, estas promessas criaram também enormes dificuldades, principalmente nos últimos 50 anos do século XX.
A denominada Terceira Revolução Industrial, mais que uma profunda transformação técnica, foi o coroamento do processo civilizatório ocidental que buscou incessantemente o aumento da produtividade. Produtividade esta, que se baseou na intensificação da exploração dos recursos naturais. MacNeill (1992,p. 15) também segue nesta trajetória quando afirma:
[...] os progressos do passado foram acompanhados pelo enorme recrudescimento na escala de impacto ambiental sobre a Terra. Desde 1900, a população mais que triplicou. Sua economia cresceu 20 vezes. O consumo de combustíveis fósseis aumentou 30 vezes e a produção industrial 50 vezes. A maior parte desse crescimento, cerca de quatro quintos dele, aconteceu a partir de 1950.
Dentre os sinais de degradação ambiental mais marcantes, desta época, destacam-se: a eliminação de florestas, a exaustão e contaminação química, a contaminação e o rebaixamento dos níveis potáveis, a contaminação dos oceanos, a poluição atmosférica, a depleção da camada de ozônio, a elevação das temperaturas globais. Fatores que causam a elevação do nível dos mares, transtornos climáticos, diferenciados níveis de poluição ambiental; provocam ainda chuva ácida e eliminam ecossistemas locais, tanto de espécies vegetais como de animais. Enfim, fatores que afetam/destroem a biodiversidade natural de cada “lugar”.
  • Destacam-se também algumas das perdas irreversíveis, a nível global, que já ocorreram em função dos mecanismos produtivos, utilizados para acelerar e manter os níveis de consumismo e bem estar de uma “pequena” parcela da civilização ocidental: a cobertura vegetal da Terra foi reduzida de 6 para 4 bilhões de hectares; estima-se que no final do século XX resta apenas 30% do total da diversidade genética que já existiu no planeta Terra; 
perdem-se anualmente pela erosão cerca de 7 bilhões de hectares de terra agriculturáveis, o que corresponde a 25 bilhões de toneladas de solo arável; de 1969 a 1986 a concentração da camada de ozônio decresceu em 2% e a temperatura atmosférica, segundo previsões, terá uma elevação entre 0,7 a 1,5 graus Celsius nos próximos anos, o que elevará o nível das águas e aumentará a possibilidade de alterações climáticas. Possivelmente, estes impactos trarão graves catástrofes em um futuro “bem” próximo.
Em escala global a questão passa a ser: 
Será possível adequar a estratégia contemporânea de se viver com o ritmo de exploração dos recursos naturais, ou está trajetória será a última e derradeira “aventura” da espécie humana na Terra?
Os movimentos ambientalistas e o dilema: 
O que defender afinal?
  • Ecologia nos últimos anos está na moda. “Todos” passaram a se considerar amigos das árvores, dos pássaros, de jacarés, do Pantanal, dos mangues, da mata virgem, dos pingüins, etc. Movimentos ambientalistas proliferaram em todos as partes do mundo nas últimas décadas.4 Nos mais diversos países, sejam eles ricos ou pobres, a bandeira ecológica passou a ser suprapartidária e não mais exclusiva dos partidos verdes, como nas décadas de 60 e 70. Com esta mais “nova” bandeira se elegeram muitos vereadores, deputados, senadores, entre outros. Teve até um forte candidato a presidência que é notoriamente um “defensor da natureza”. Em praticamente todos os países do mundo, os movimentos ambientalistas prosperaram significativamente.
Segundo Le Preste (2000) há, atualmente, Organizações Não Governamentais (ONGs) com poderes superiores a de muitos Estados. Algumas se apóiam num exército de advogados e lobistas. Outras,tem milhões de membros como a WWF (Worldwide Fund for Nature), a NWF (National Wildlife Federation) e a Greenpeace, enquanto outras dispõem de um orçamento anual, para questões de proteção ambiental, superior ao de muitos Estados, como a Nature Conservancy , por exemplo, que possuí um orçamento anual muito acima de 100 milhões de dólares.
  • As preocupações ambientais se alastraram por todos os campos da vida humana. Desde a pescaria do pescador solitário em épocas da “piracema”, até as conseqüências dos produtos químicos desconhecidos que são jogados em rios onde se encontram as fontes de captação de água das grandes cidades, passando ainda pela extinção de baleias e micos-leão, pela corrida armamentista, pela explosão demográfica e algumas até pelos baixos salários dos operários das grandes fábricas. Tudo que depreda, polui, suja, explora, etc; mesmo que “pretensamente” em prol do avanço da ciência e/ou bem-estar da sociedade passou, para alguns, a ser considerado um inimigo da Natureza.
Os movimentos que se agruparam sob a égide do ambientalismo são tantos e com tantos ideais que, segundo Castells (1999) é impossível considerá-los como um só. Para Castells, numa avaliação otimista “é justamente esta dissonância entre a teoria e a prática que caracteriza o ambientalismo como uma nova forma de movimento social descentralizado, multiforme, orientado a formação de redes e de alto grau de penetração” (Castells, 1999, p. 143).
  • As “chaminés” das indústrias, por exemplo, que até a metade do século XX eram símbolo de progresso e modernidade, passaram a ser uma ameaça para o meio ambiente não só do “lugar” onde se encontram, mas também para todo o planeta. Esta política ambientalista, muitas vezes, entra em conflito direto com os interesses das comunidades locais que não percebem o impacto ambiental que os investimentos trarão, e vêem apenas a possibilidade de ganhos econômicos que a região/lugar terá.
Com isso a civilização ocidental parece estar num dilema, ou freia-se o crescimento econômico/industrial ou se busca alternativas de aliar a racionalidade do atual modelo, que associa o nível de bem estar de sua população pela disponibilidade de bens materiais que dispõe, ou busca-se uma “nova”, e ainda em construção, racionalidade sustentável (o denominado Desenvolvimento Sustentável). São estas duas correntes antagônicas nas suas estratégias, porém convergentes nos seus objetivos, pelo menos se confia nisso, que faz com que os movimentos ambientalistas, muitas vezes estejam “desfocados” dos reais objetivos dos “lugares”.

A relação do homem e o meio onde vive

A totalidade ecossistêmica: 
Compreendendo antagonismos e complementaridades
  • A Teoria dos Ecossistemas tem servido como quadro de referência instrumental, que torna possível expressar a racionalidade das ações humanas na gestão dos recursos naturais. Porém, desde sua origem, em 1935, nos trabalhos de Tansley, a noção de ecossistema evoluiu muito. 
De uma concepção integradora dos fatores físicos do meio ambiente às biocenoses em um sistema único, para a compreensão dos processos e das relações de modo a apreender o conjunto hierarquizado dos fatos, só começaram a ser utilizados na ecologia devido à necessidade de generalização e/ou a ambição em descobrir leis aplicáveis a todo mundo livre. Pascal Acot, por exemplo, no seu clássico “História da Natureza” (1990) procura conduzir suas análises para um conceito de Ecossistema em que o ser vivo e o meio externo passam a ser vistos como entidades de um mesmo processo e não mais como entes separados. Para Acot, os fatores abióticos e bióticos do meio ambiente são aspectos integrantes de uma mesma realidade.
  • Esta evolução na concepção do conceito de Ecossistema, não se deu com cortes radicais e ou revolucionários, pelo contrário, só foi possível devido aos progressos científicos acumulados ao longo do tempo. Desvendar os “mistérios” do planeta, e do universo, fazem parte da história da humanidade desde os primeiros filósofos até cientistas contemporâneos. Porém, para Acot não se pode atribuir aos pensadores antigos, como Aristóteles, por exemplo, como os precursores da ecologia moderna. Pare ele, as incursões filosóficas dos pensadores antigos não passam de tateamentos empíricos e não elaborações teóricas ou sínteses racionais sobre a natureza.
Foi só no início do século XIX com a obra de biogeografia de Alexandre Von Humboldt que tratava das interações entre a vegetação e o clima é que se tem a primeira incursão a um conjunto lógico de relações entre componentes bióticos e o meio abiótico. A partir daí, vários outros trabalhos tentaram correlacionar através da análise teórico-científica, as relações existentes entre os organismos vivos tanto entre eles como com o ambiente onde vivem.
  • Destacam-se, neste aspecto, as obras de Charles Lyell, 1832 , de Ernest Haeckel, 1866 (onde aparece pela primeira vez o vocábulo ecologia) de Warming, de Shimper, de Cowles, de Adams e de Clements. Vale aqui uma breve referência à polêmica sobre a influência do darwinismo no desenvolvimento de teoria ecológica, o que Acot refuta afirmando que a “tradição darwiniana não pode desempenhar um papel direto na constituição da ecologia”( Acot, 1992, p. 31).
Foi só na consagrada obra Fundamentals of ecology , em 1953, que os irmãos Eugene e Howard Odum alteram substancialmente o panorama científico. Com eles a totalidade ecossistêmica passa a se afirmar como um processo em movimento que não exclui a contradição, mas pelo contrário, a estratégia de desenvolvimento do ecossistema orienta-se no sentido de construção de uma estrutura orgânica tão grande e diversa quanto possível. O que limita a estrutura dos ecossistemas são as imposições de entrada e saída de energia e as condições físicas de existência que predominam no espaço considerado.
“A energia fornece uma excelente base para uma classificação funcional, porque é um importante denominador comum para todos os ecossistemas, sejam eles naturais ou controlados pelo homem”. ( Odum, 1988,p. 53)
Segundo Odum (1988), à medida que os estudos bióticos começam a ser aprofundados passando a se tornar mais complexos, sobressaem-se à importância de mecanismos naturais como o mutualismo, o parasitismo, a predação, o comensalismo e outras diversas formas de associações entre indivíduos que habitam um mesmo lugar. Portanto, pode-se afirmar baseado em Odum (1988), que o movimento ecossistêmico organiza-se em um contexto onde se expressam, de modo simultâneo, relações de harmonia e de conflitos, de associações, de competição, de adaptação e de interação e onde a noção de equilíbrio deve ser apreendida em seu caráter dinâmico.
  • Deve-se entender também que o estado de clímax ao invés de representar uma posição final e definitiva é um momento de estabilidade natural temporária que é garantido pela diversidade biótica. Os ecossistemas estão em constante evolução comportando uma turbulência destruidora/criadora que os levam para equilíbrios relativos nos mais diferentes estágios sucessionais que os conduzirão ao clímax.
Para Edgar Morin (O Método II,1980) cada ecossistema deve ser visto como um todo que se organiza a partir das interações dos seres que o constituem. Assim o ecossistema (o todo) só poderá existir pelas interações entre as partes e suas complexas inter-relações. E vai mais adiante maravilhando-se ao admitir:
É uma maravilha que exista organização quando o excesso de diversidade, o excesso de desordem, a ausência de aparelho central, deveriam logicamente impedir toda a organização, é uma maravilha que esta organização não seja frágil, instável e desequilibrada, mas sólida, estável e regulada.Que não esteja reduzida à expressão mais simples, mas pelo contrário dirigida para a sua expressão mais complexa; que seja complexa precisamente porque nela a unidade e a diversidade extrema, a ordem e a desordem extrema, a solidariedade e o antagonismo extremo, não se coexistem mas também estão ligados por necessidade. É este vínculo de necessidade que temos de tentar elucidar se queremos começar a cercar o problema da espontaneidade eco-organizadora.( Morin,1980,p.25)
Seguindo este mesmo caminho Odum (1988) considera de fundamental importância a compreensão do funcionamento do ecossistema global. Para que a partir dessa compreensão se possa implantar “novas” políticas capazes de solucionar os graves problemas sociais e ambientais que surgiram na interação do Homem / Natureza. Para ele:
O ecossistema é uma unidade funcional básica na ecologia, pois inclui tanto os organismos quanto o ambiente abiótico; cada um destes fatores influencia as propriedades do outro e cada um é necessário para a manutenção da vida, como a conhecemos, na Terra. Este nível de organização deve ser nossa primeira preocupação se quisermos que a nossa sociedade inicie a implantação de soluções holísticas para os problemas que estão aparecendo agora ao nível do bioma e da biosfera (Odum,1988,p.9).
Com isso a compreensão da diversidade ecossistêmica terá que servir de estímulo, não só na sua preservação, como também para conciliar esta potencialidade “localizada” com as estratégias de exploração menos predatória possível. Não se pode admitir, por exemplo, que projetos de homogeneização de cultura imposta pelo sistema capitalista, na busca de maior produtividade, transforme ecossistemas ricos em biodiversidade em sistemas vulneráveis, como aconteceu, quando na implantação das grandes plantations na chamada Revolução Verde entre as décadas 60 e 70 do século XX, que transformou algumas regiões brasileiras em monocultoras, o que as fez experimentar trinta anos depois, problemas ambientais como o esgotamento dos solos, além de desajustes sociais e econômicos por não possuírem mais outras alternativas.
  • Aqui nos afastamos por completo da concepção de se fazer desenvolvimento aos moldes das receitas dos economistas clássicos, em que com base no aumento da riqueza das nações (Adam Smith) ou do crescimento econômico ( keynesianos) ou da acumulação de capital (marxistas) previam uma única forma de desenvolvimento para todos os “lugares. Estas formas de “desenvolvimentos” pagam altos tributos sociais e ambientais, porquanto assumem, como pressupostos, a eficiência alocativa e o crescimento da produção econômica (Mattedi & Theis, 2002). 
O que se prega aqui em síntese é que “um desenvolvimento baseado é um processo de alocação eficiente de recursos e no crescimento sustentável do produto agregado no longo prazo, promovido pelo emprego de mecanismos socioeconômicos e institucionais, visando o incremento rápido e em larga escala dos níveis de vida das massas pobres de nações e regiões periféricas (Todaro, 1997 apud Atedia & Theis, 2002, p. 88)(Itálico no original)

A Gestão dos recursos ambientais: 
Do “lugar”: um exercício de cidadania:
  • Um projeto diferenciado de desenvolvimento para um “lugar” e ou “região”, desencadeia uma gama de atitudes de construção e/ou reconstrução e com isto uma nova forma de se pensar a apropriação do território e seus recursos. Para que ocorra esta nova (re) apropriação do território se faz necessário uma ordenação territorial via a ocupação e o uso, tanto de políticas, como dos interesses, das racionalidades, dos valores econômicos, sociais, culturais e ambientais de uma sociedade. Este projeto deverá então, ser parte integrante de um planejamento regional, sendo fundamental uma política de desenvolvimento participativo para a gestão dos recursos ambientais de cada lugar.
Deve-se considerar que a ordem econômica-social hoje imposta pelos agentes hegemônicos em escala planetária, não contribui para a construção de um processo diferenciado de desenvolvimento para as regiões. Pelo contrário, esta ordem, na busca de maior produtividade colaborou para que se aprofundassem os desajustes nos mais diferentes níveis (sociais, culturais, políticos e ambientais). Estes desajustes já aparecem como irreversíveis em muitos locais do planeta.
  • Para Santos (1999), por exemplo, não estamos vivenciando “mais uma crise” do mundo moderno, mas sim uma crise nos processos de regulação social, pois a modernidade não permite que surjam formas emancipadoras de se conceber um mundo fora dos parâmetros já impostos.
Por isso que desencadear um processo de desenvolvimento novo para o “lugar” é assumir riscos, é desafiar o padrão hegemônico capitalista de gerir os recursos. Isto, naturalmente choca-se com interesses das grandes corporações internacionais e muitos Estados Nacionais, que não vêem as regiões e os que nela habitam, como agentes autônomos para a tomada de decisões (Becker, 1997). 
  • Portanto é preciso criar na consciência coletiva um “novo paradigma” para que a própria sociedade seja capaz de discernir entre investimentos que trarão benefícios “reais” que promovam melhoria de vida, não só econômica, tanto para esta como para as gerações que virão, daqueles que apenas buscam nos recursos naturais de cada região os fatores que visam só a lucratividade, muitas vezes temporária e depredadora.
Seguindo um outro caminho Field (1995), considera que os seres humanos destroem o meio ambiente em que vivem não só em função de ganhos econômicos, mas também por que o comportamento humano ainda “carece de ética o moral” (Field,1995, p. 40). 
É preciso, portanto, promover também uma mudança de atitude.
Es decir, las personas contaminan porque no tienen la solidez moral y ética para abstenerse del tipo de comportamientos que causa la degradación ambiental. Si esto es cierto, la forma para lograr que las personas detengan la contaminación consiste, en cierto modo, en aumentar en nivel general de moralidad sobre lo ambiental en el seno de la sociedad. De hecho el movimiento ambiental ha conducido a que muchas personas se concentren en cuestionar la ética ambiental, y hayan explorado las dimensiones morales del impacto ocasionado por los seres humanos en el ambiente natural ( Field,1995,p.40).
Com isto, a busca é criar na sociedade de cada “lugar” uma consciência, tanto individual como coletiva, da importância da participação ativa de cada cidadão nas decisões que irão afetar não só a suas vidas como também a vida dos que estarão ali no futuro. 
  • Nisso não se está procurando amenizar a participação do Estado na tomada das decisões, pelo contrário será da interação entre as forças da sociedade civil organizada e o poder público institucionalizado que surgirão as estratégias compatíveis tanto com as necessidades de desenvolvimento econômico como de preservação do meio ambiente de cada “lugar”.
Segundo Bobbio (1982) baseado em Gramsci, a interação social se constitui em um conjunto de diferentes modos de integração de uma comunidade, é em ultima análise onde se reflete a estrutura da sociedade. 
  • Esta interação é, portanto o resultado do contato entre os mais diferentes indivíduos/cidadãos que compõe a sociedade. Para Gramsci o Estado é igual à Sociedade Civil mais a Sociedade Política em uma relação dialética de identificação e identidade. 
Nisto há que se considerar a distinção entre Sociedade Civil e Sociedade Política, duas esferas que compõe a superestrutura, porém se distinguem e são relativamente autônomas, mas inseparáveis na prática. A primeira compreende organismos “privados” e voluntários, como os partidos políticos, as diversas organizações sociais, os meios de comunicação, as escolas, as igrejas, as empresas, etc; a segunda esfera compreende as instituições públicas como o governo, a burocracia, as forças armadas, o sistema judiciário, o tesouro público, etc. 
  • Na realidade, porém, essas duas esferas estão intimamente unidas, uma vez que a articulação de consenso e coerção garantem à supremacia de um grupo sobre toda a sociedade e a verdadeira estruturação do poder.
Assim para Gramsci (Bobbio, 1982), o conceito de Estado deve, portanto, resultar da composição de elementos políticos e sociais; da força das instituições e da liberdade dos organismos privados; das interrelações entre estrutura e superestrutura; da compenetração do aparelho estatal com a sociedade civil organizada. Também os processos históricos não são de um consenso passivo e indireto, mas ativo e direto, de participação dos indivíduos, ainda que isto provoque a impressão de desagregação e tumulto.
  • Assim a sociedade deve ser vista como “um organismo vivente” de fato, formando-se por intervenções múltiplas que se unificam não só pelo consenso, mas também pelo atrito dos indivíduos que o compõe. Nesta visão o Estado democrático deve passar a desempenhar um trabalho “ético e educativo”, de “impulso histórico” de “elevação moral e intelectual”.
Portanto, em uma sociedade desorganizada e sem poder de reivindicar, o Estado, mesmo que legítimo pelo voto direto, se sente no direito de fazer o que quer, como quer e para os grupos que quer, sem que os cidadãos possam interferir. Assim, as organizações da sociedade civil são os instrumentos da busca de construção e criação de direitos, da construção da cidadania e do equilíbrio da vida social.
  • É a sociedade civil organizada que poderá fazer frente, e não aceitar iniciativas que venham a prejudicar o bem estar da maioria mesmo quando o Estado, às vezes por pressões políticas de grupos hegemônicos, proponha investimentos que possam poluir e/ou depredar o meio ambiente do “lugar”.9
Segundo Ferreira (1986) para resistir a pressão, até certo ponto consensual, da investida de capitais que pouco ou nada se preocupam com os recursos tanto naturais, sociais e culturais do “lugar” é de fundamental importância que haja estratégias que permitam a participação efetiva dos moradores “do lugar”.
  • E para que isto aconteça, é necessário a organização política que crie uma sociedade consciente de sua importância no processo de reconstrução de uma nova ordem de desenvolvimento e exploração dos recursos a sua volta.
“Neste confronto, os atores sociais precisam adquirir uma organicidade capaz de ultrapassar os limites dos conflitos localizados, para proporem programas e controles redefinidores da natureza dos mecanismos inerentes às políticas públicas tradicionais”.(Ferreira In Ferreira,1996,p. 155)
E segue ainda:
  • “Isso implica mudanças na natureza dos movimentos sociais, que por suas características cíclicas terão que transpor as condições de agentes meramente reativos para se firmarem como sujeitos, também responsáveis pela construção de uma sociedade social e politicamente democrática”.(Ferreira In Ferreira, 1996, p.155)
Apesar do otimismo, que é visto por todos, a participação social na tomada das decisões para o “lugar”, deve-se admitir as seguintes interrogações conflituosas e antagônicas: Será que o “processo” de desenvolvimento auto-construído pelos atores locais não irão reproduzir a (ir) racionalidade da ordem econômico-social do atual modelo civilizatório capitalista e, assim, continuarão reproduzindo os mesmos problemas ambientais? 
  • Ou, a construção deste “novo processo” seguirá uma ordenação territorial que leve em consideração a perspectiva da sustentabilidade? Bem estas perguntas só poderão ser respondidas após a implantação de mecanismos democráticos que reflitam com total fidelidade as decisões tomadas pela comunidade de cada “lugar”. E assim a responsabilidade passará a ser de cada um em particular, o que eximirá “um pouco” a responsabilidade de governos e/ou políticas de gabinetes.
Outras Considerações:
  • O impacto ambiental causado pelas ações humanas, quase sempre, é tratado em órgãos centralizados dos governos nacionais e/ou de agências internacionais. Também as políticas ambientais geralmente seguem orientações técnicas elaboradas com parâmetros científicos já pré-concebidos por análises que nada, ou pouco, tem a ver com as peculiaridades do lugar ao qual são implantadas.
Com isto, várias “imposições” depredatórias são implantadas em fontes naturais do meio ambiente das localidades, principalmente nas regiões pouco desenvolvidas dos países do terceiro mundo. São raras as iniciativas que levam em conta a opinião dos cidadãos na implantação de “investimentos” econômicos que irão explorar os recursos naturais das localidades.
  • No atual sistema hegemônico de desenvolvimento, no qual a sociedade ocidental está inserida, há também um processo de fragmentação que se pronuncia na compreensão dos espaços regionais. Isto cria uma nova possibilidade para a gestão do “lugar”.
Os processo democrático de eleições que a maioria dos países do ocidente atualmente vivem, mesmo que em alguns ainda se encontrem em fase de amadurecimento, abriu à possibilidade de se reconhecer as diferentes formas de autonomia e organização das comunidades regionais. Em suma é possível ressuscitar o “lugar” tanto econômico como socialmente, regionalizando o desenvolvimento contemporâneo, e desvinculando as decisões das esferas globais.
  • No Brasil, por exemplo, esta construção é recente e com implicações políticas complexas, porém já se nota que o poder local tem conseguido “[...] implementar iniciativas inovadoras, que incluem a implementação de políticas ambientais” ( Ferreira in Ferreira, 1996, p. 134).
Os problemas ambientais exigem políticas complexas, às quais o Estado geralmente se mostra incapaz de geri-las de acordo com as aspirações sociais de cada “lugar”. Isto demonstra a importância da atuação dos agentes sociais locais no processo tanto de formulação como de implantação de políticas ambientais. Porém, para que isto se efetive os atores sociais devem adquirir uma organicidade que seja capaz de ultrapassar os limites dos conflitos localizados. Só assim serão capazes de proporem programas redefinidores da natureza e mecanismos inerentes às políticas tradicionais.( Ferreira, In Ferreira e Viola,1996).
  • É urgente que os movimentos sociais mudem de agentes meramente reativos para se firmarem como sujeitos atuantes. Além disso, toda a sociedade civil precisa estar intimamente comprometida na construção de uma sociedade mais justa e politicamente democrática.
A qualidade de vida das populações locais virá na re-valorização dos seus aspectos culturais, éticos, morais e ambientais; e isto só poderá ser adquirido quando cada “lugar” tiver o poder de construir uma identidade própria, baseada nas aspirações de seus cidadãos. O futuro ambiental de cada “lugar” terá que ser responsabilidade de quem o vive diariamente. Para isso, seus habitantes terão que ter o poder de escolher qual o caminho a seguir. Mesmo correndo o risco de escolherem as opções erradas.

A relação do homem e o meio onde vive