sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Impactos Ambientais no setor coureiro-calçadista

Impactos ambientais no setor coureiro-calçadista em Campina Grande–PB

  • O problema da poluição ambiental tem caráter mundial, sem precedentes iguais. Identificado na Revolução Industrial, a questão ganha mais força com a explosão populacional humana e é impulsionada ainda mais pelo modelo socioeconômico e cultural vigente. 
Durante muitos séculos, as tecnologias eram desenvolvidas sem que se expressasse uma preocupação com os recursos naturais. O homem percebia que pescar no rio era uma oportunidade para testar o novo equipamento, mas não considerava que os resultados dessa tecnologia somente poderiam ser aferidos enquanto houvesse peixes. 
  • Atualmente, o ser humano sabe que precisa de uma considerável quantidade de recursos naturais para alimentar e manter os diferentes sistemas produtivos, bem como, da possibilidade de esgotamento de tais recursos.
As atividades organizacionais e individuais têm levado a um crescente impacto sobre o meio ambiente. Medidas preventivas e corretivas devem ser implantadas concomitantemente ao crescimento regional, conduzindo a níveis aceitáveis para a manutenção da qualidade de vida. Dessa forma, a poluição química do ar, solo e água tem-se tornado uma fonte de preocupação.
  • Reduzir o impacto ambiental não é tarefa fácil, visto que, dentro da lógica capitalista de produção, há a necessidade da inserção em novos mercados consumidores, o que ocorre à custa da maior demanda por produtos que utilizam recursos naturais. 
De acordo com Castro (2006), por menor que seja uma organização e por mais preocupada que ela esteja com o meio ambiente, a mesma causa algum tipo de impacto ambiental no local onde está instalada, seja através de seus rejeitos e/ou através dos processos químicos e biológicos.
  • Porém, cabe destacar que as inúmeras organizações causam diferentes impactos ao meio ambiente, bem como, que tais impactos apresentam diferentes graus ou níveis de importância, que podem ser medidos por diversos critérios, tais como: severidade, reversibilidade, frequência, magnitude, potencial de ocorrência, enquadramento legal, incidência, entre outros, (SÁNCHEZ, 2008).
Neste contexto, dentre os setores que causam forte impacto ambiental, destaca-se o setor couro-calçadista, tendo em vista que, em seu processo produtivo, gera uma excessiva carga poluidora. Este setor enfrenta problemas enquanto potencial gerador de impactos ambientais em todas as etapas de produção, do tratamento do couro até a disposição final dos resíduos. 
  • O problema se constitui quando o couro, em seu primeiro estágio de processamento, o curtume é feito à base de “wet-blue”. Apesar de ser, neste estágio, onde é gerada a maior quantidade de dejetos tóxicos, os riscos de contaminação prevalecem nas demais fases da cadeia em virtude da incorporação do sulfato de cromo ao couro.
A indústria coureira desempenha um importante papel para a economia brasileira e, conforme o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), no primeiro trimestre de 2007, o couro esteve entre os 10 produtos mais exportados. 
  • O Brasil é um dos maiores produtores de couros do mundo, destacadamente pelo potencial engendrado pelo rebanho bovino que possui, além da indústria calçadista, estando atrás apenas dos Estados Unidos, da Rússia, da Índia e da Argentina (PACHECO, 2005).
Por outro lado, os problemas atualmente enfrentados, além de uma dimensão relacionada à estrutura de custo e ao acesso à tecnologia (dimensão estrutural), são também de ordem conjuntural, estando associados ao processo de abertura da economia brasileira e aos demais aspectos macroeconômicos. O setor, que foi protegido durante muito tempo, vem se defrontando, desde o início do Plano Real, com um novo concorrente: o produto importado, principalmente oriundo dos países asiáticos. Paralelamente, a competitividade externa dos produtos nacionais também sofreu grande deterioração devido ao câmbio.
  • Tratando-se do setor couro-calçadista de Campina Grande, devido a sua tradição e importância econômica, este tem sido objeto de vários estudos voltados para questões econômicas, principalmente, no que tange ao aumento da competitividade e organização do setor como um todo. Portanto, pode-se perceber claramente uma escassez de estudos focados nos aspectos ambientais, o que se torna relevante e urgente a realização de pesquisas direcionadas a esta dimensão, no sentido de identificar os diferentes impactos negativos causados pelo setor e seus respectivos níveis de importância. 
Estudos dessa natureza se apresentam como rica fonte de informação para o estabelecimento de políticas públicas e escolha e adoção de modelos e ferramentas de gestão ambiental, em nível organizacional, local, regional e nacional.
  • Diante do exposto, o presente trabalho tem como objetivo investigar o grau de importância dos impactos ambientais causados ao meio ambiente pelo setor couro-calçadista de Campina Grande a partir do trato e disposição inadequada de resíduos sólidos contendo cromo.
Para tanto, o presente capítulo encontra-se estruturado nas seguintes partes: fundamentação teórica que versa sobre a avaliação de impacto ambiental; as questões ambientais do setor couro-calçadista e dos critérios para medir a importância dos impactos ambientais. Em seguida, os aspectos metodológicos da pesquisa como a caracterização, método e fontes utilizadas na pesquisa. 
  • Na apresentação e análise dos dados, consta a caracterização do setor couro-calçadista em Campina Grande; os impactos ambientais e seu respectivo nível de importância, bem como, as medidas mitigadoras adotadas pelo setor. Por último, as considerações finais com as contribuições e limitações do trabalho.
Avaliação de Impacto Ambiental:
  • A incorporação da variável ambiental se apresenta como mais um fator a ser considerado pelas empresas, podendo, em função das características do mercado, constituir-se em vantagem comercial. 
Neste sentido, diversos instrumentos já foram desenvolvidos e postos em prática para atender às necessidades de planejamento e gestão, visando a equacionar as questões ligadas ao desenvolvimento socioeconômico e o ambiente natural como fonte dos recursos necessários para a sobrevivência da humanidade. Alguns desses instrumentos são exigidos por lei, necessários para licenciamentos ambientais e gestão do empreendimento, como a Avaliação de Impactos Ambientais (AIA) e Estudo de Impactos Ambientais (EIA), enquanto outros instrumentos, necessários ao planejamento e gestão do meio ambiente, são de caráter voluntário, como é o caso dos Sistemas de Gestão Ambiental (SGA).
  • Nesse contexto, a AIA apresenta-se como uma ferramenta essencial, por ter como principais funções identificar, planejar e organizar a gestão ambiental de empreendimentos, assim como a análise da viabilidade ambiental de novas decisões de investimento construído com a participação da população envolvida, assumindo, assim, o papel de negociador social. Também é função da AIA realizar estudos dos impactos que ocorreram no passado ou estão ocorrendo no presente e propor medidas mitigadoras para todas as fases do empreendimento.
Segundo Sánchez (2006), AIA é uma ferramenta de planejamento de projeto que visa a identificar as consequências futuras de ações alternativas, testando hipóteses e propondo soluções de menor risco no sentido de reduzir os impactos ambientais adversos e maximizar os benefícios econômicos e os impactos socioambientais positivos. Para o autor, esta ferramenta é um instrumento multifuncional de planejamento e gestão em organização, mas que tem sido insuficientemente explorada por serem virtualmente desconhecidas suas principais funções, pelos gestores ambientais.
  • A origem da AIA se deu nos Estados Unidos, resultado de um processo político que buscou atender a uma demanda social que estava mais madura quanto à questão ambiental, naquele país, no final dos anos 1960, culminando na aprovação pelo Congresso da lei da política nacional do meio ambiente, a National Environmental Policy Act (NEPA) em 1969. 
A partir destas iniciativas, a AIA evoluiu ao longo do tempo, sendo disseminada em todo mundo, adaptada de acordo com o contexto em que se insere cada região geográfica, sejam culturais ou políticas, sempre com o objetivo primário de prevenir a degradação ambiental e de subsidiar um processo decisório, para que as consequências sejam apreendidas antes mesmo de cada decisão ser tomada.
  • No Brasil, a AIA surge no início dos anos 1980, a partir da conjunção de diversos fatores que proporcionaram avanços das políticas ambientais, acabando com a aprovação do projeto de lei sobre Política Nacional do Meio Ambiente pelo Congresso em 31 de agosto de 1981, incluindo a avaliação de impacto ambiental como um dos instrumentos para atingir os objetivos da lei. 
Tais como: compatibilizar o desenvolvimento econômico e social com a proteção ambiental; definir áreas prioritárias de ação governamental; estabelecer critérios e padrões de qualidade ambiental e normas para uso e manejo de recursos ambientais; preservar e restaurar os recursos ambientais “como vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida; e obrigar o poluidor e o predador a recuperar e/ou indenizar os danos (SÁNCHES, 2008).
  • Existem muitas semelhanças dos requisitos da AIA, no que se refere à gestão ambiental, com o modelo de gestão ambiental SGA preconizado pela norma ISSO 14001 em virtude das necessidades, em ambos os sistemas, de gerir o empreendimento com observância dos requisitos legais e a responsabilidade de demonstrar o cumprimento desses requisitos. O Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável preconiza a integração do SGA como caminho para maximizar o valor da AIA que também tem o papel de gestão.
Avaliação da significância dos impactos ambientais:
  • Considerando a diversidade de impacto ambiental decorrente, tanto das atividades individuais, quanto das atividades organizacionais, faz-se necessário a identificação dos diferentes graus de significância de tais impactos. 
Para tanto, diferentes critérios ou atributos são utilizados. Neste sentido, destacam-se duas grandes contribuições de caráter regulatório e normativo, a saber: a Resolução 1/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e a Norma ISO 14004 apontam alguns critérios ou atributos para avaliar o nível de importância dos impactos ambientais.
  • Quanto à Resolução do CONAMA, na atividade de avaliação de impacto ambiental, devem ser identificadas a magnitude e importância dos prováveis impactos relevantes através do uso de critérios: impactos benéficos e adversos; diretos ou indiretos; imediatos, e a médio ou longo prazo; temporários ou permanentes; reversíveis e irreversíveis; propriedades cumulativas e sinérgicas; distribuição do ônus e benefícios sociais.
Quanto à ISO 14004, são apontados alguns critérios em relação ao meio ambiente e em relação ao negócio, tais como: a escala do impacto; a severidade do impacto; a probabilidade de ocorrência e a duração do impacto. E dificuldade na transformação do impacto; custo de transformação do impacto; efeito das mudanças em outras atividades e processos; preocupações das partes interessadas e efeitos na imagem pública da organização, respectivamente.
  • Na literatura sobre impacto ambiental, podem-se identificar critérios tanto com análise quantitativa, medidos através de escalas, quanto qualitativa. Numa perspectiva qualitativa, destacam-se: situação (normal, anormal e risco); incidência (direta, indireta); classe (adversa, benéfica); temporalidade (atual, passada e planejada). 
Numa avaliação quantitativa, medidas através de escalas, tais como: severidade (sem efeito – muito alta); frequência (muito baixa – muito alta); magnitude (pequena – muito grande); probabilidade de ocorrência (muito baixa – certo); enquadramento legal (não há-regulamentado mediante), entre outros, (Sánchez, 2008. p. 298-301).
  • A escolha e combinação dos critérios a serem utilizados e dos seus respectivos tipos de análise qualitativa ou quantitativa dá-se de acordo com as especificidades do objeto avaliado, bem como, a possibilidade de ponderação dos diferentes critérios.
Questões ambientais do setor couro-calçadista: o cromo:
  • O Setor couro-calçadista enfrenta sérios problemas em relação ao grande potencial gerador de impacto ambiental causado pela geração de resíduos. Em função da quantidade gerada, dificuldades na gestão e disposição final, o setor tem um grande desafio: promover seu desenvolvimento sustentável e com menor impacto ao meio ambiente. Esta poluição deve-se especialmente pelo uso de substâncias tóxicas que contêm o elemento químico cromo.
Das diferentes atividades desenvolvidas no setor, uma das que se apresenta com maior nível de impacto ambiental é a de curtume devido às especificidades da atividade que exige uso de grande volume de água e edição de substâncias tóxicas, a exemplo do cromo.
A caracterização dos curtumes é feita mediante as etapas de processamento do couro. Segundo Azevedo (2006), é possível fazer a divisão dos curtumes em quatro tipos: 
  • Curtume de wet-blue que corresponde ao primeiro estágio de processamento do couro, desenvolvendo o processamento apenas do couro cru; 
  • Curtume integrado que realiza todas as etapas, processando do couro cru ao couro acabado; desta forma, oferta todos os tipos de couro (wet-blue, semiacabado e acabado); 
  • Curtume acabado que realiza a transformação do couro wet-blue em semiacabado; e
  • Curtume de acabamento que realiza apenas a etapa final do acabamento, utilizando o couro semiacabado como matéria-prima.
No Brasil, durante as últimas décadas, a atividade de curtimento de couro se desenvolveu muito. Este rápido crescimento provocou um aumento da poluição gerada, sem a devida atenção para a neutralização de seus efeitos. 
  • Em relação à balança comercial do agronegócio brasileiro, o couro esteve entre os 10 produtos mais importantes no primeiro trimestre de 2007, ocupando a sexta posição no “ranking”, contribuindo com 7,5% no valor total exportado com mais de 1,2 bilhões de dólares, segundo informes da AgroStat Brasil a partir de dados da SECEX/MDIC, 2007. 
O Brasil é um importante exportador de couro, sendo relevante sua participação no comércio mundial. Mas, as exportações concentram-se na produção do tipo wet-bue que apresenta grande potencial poluidor, baixo valor agregado e corresponde à primeira etapa de processamento do couro.
Segundo Mota (2001), os curtumes representam uma fonte de poluição ambiental. Os efluentes produzidos têm um impacto negativo, possuindo um conteúdo alto de compostos orgânicos, DQO, DBO, sulfetos, efluentes contendo cromo e uma quantidade alta de desperdício de sólido orgânico. 
  • Para Contador (2004), esses contaminantes presentes nos despejos dos curtumes, lançados nos rios, geram uma reação que produz facilmente o gás sulfídrico, responsável pela produção de odor e da inutilidade das águas receptoras, onde o oxigênio dissolvido é facilmente consumido através dos cursos d’águas receptores. Nos países em desenvolvimento, os curtumes raramente apresentam tecnologias para o tratamento de efluentes. Por esta razão, normalmente, os curtumes instalados nestes países apresentam grandes problemas ambientais.
A poluição ocorre pela ineficiência dos processos industriais e o ponto fundamental é compatibilizar a produção industrial com a conservação do meio ambiente, sendo a eficiência industrial primordial para a eficiência ambiental. Para a adoção dos processos de tratamento de efluentes líquidos, devem ser levados em consideração: a legislação ambiental da região, a cultura local, o clima, a localização da firma, a qualidade do efluente gerado, a geração de odor, a população vizinha, a quantidade de lodo gerado na estação de tratamento e o possível reúso dos efluentes tratados.
  • No que tange especificamente ao cromo, de acordo com Viana e Rocha (2006), cerca de 90% das empresas que processam o couro utilizam sais de cromo que é considerado pela NBR-I0004 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), como resíduo de classe 1 – perigoso, necessitando tratamento e disposição específica.
Em muitos países, principalmente os europeus da região do euro, já adotam, há muito tempo, novos parâmetros de processamento dos couros consumidos no continente europeu. A rigorosa legislação ambiental europeia vem privilegiando a produção do couro wet white, pré-curtido por glutaraldeídos e posteriormente curtidos e recurtidos em extratos vegetais de tanino, em substituição ao processo tradicional que utiliza o wet blue.
  • Segundo Sánchez (2009), em virtude da sua alta toxicidade e comprovada ação carcinogênica, efluentes contendo cromo hexavalente não podem ser descartados diretamente em áreas de mananciais ou mesmo na rede de esgotos. Para a Organização Mundial de Saúde, a concentração máxima deste metal, na água potável, deve ser de 0,05% miligramas por litro.
A maior parte dos resíduos de cromo VI (resultado das cinzas do couro) lançados no solo se agrega fortemente a outras partículas ali existentes e chega até os lençóis freáticos. Contudo, na água, o cromo é absorvido pelos sedimentos, tornando-se estático em sua maior parte.
  • Quanto à presença do cromo na indústria, há necessidade de cuidados especiais tanto na manipulação como no tratamento dos resíduos. Este último fator é importante no sentido de que os resíduos possuem alto poder de contaminação, quando não são devidamente tratados, pois atingem rapidamente o lençol freático e até mesmo os rios e reservatórios que abastecem as cidades, com riscos de contaminação de vegetais e animais. Pesquisa realizada por Normann e Muller (2001), apud Corrêa (2001), no rio dos Sinos que fica localizado na região couro-calçadista do Vale dos Sinos no Rio Grande do Sul, constata a ocorrência de metais pesados em tecidos de peixes.
Os resíduos, tais como: aparas, pó de couro e serragem são classificados como pertencentes à CLASSE I (Resíduo Classe I (perigoso) ABNT – NBR 10004, 1987), ou seja, resíduos que apresentam riscos à saúde pública e ao meio ambiente, exigindo tratamento e disposição especiais em função de suas características, tais como toxicidade e patogenicidade. 
  • Desta forma, a geração e disposição do resíduo gerado pelo setor têm despertado grande interesse da cadeia produtiva do couro, dos órgãos governamentais, das instituições de pesquisa e da sociedade. Os mais problemáticos são os resíduos que contêm cromo, metal resistente à degradação natural no meio ambiente, contido no material curtido. 
Dependendo de como os efluentes são processados, o cromo pode estar presente também no lodo das estações de tratamento, os quais poderão contaminar o solo e as águas superficiais e subterrâneas.
  • Não obstante, cabe destacar que já existem diversas maneiras de aproveitar resíduos de couro gerados pelas indústrias de calçados e afins. Uma delas é utilizá-los como matéria–prima para processos de fabricação de novos produtos, tais como recouro, tijolo a frio e muitos outros. Contudo, é válido salientar que essas alternativas não resolvem o problema definitivamente, apenas adiam a disseminação dos resíduos no meio ambiente.
Outra forma, que se mostrou realmente adequada à recuperação do cromo, é a incineração e tratamento das cinzas para converter o cromo recuperado em cromato de sódio, que poderá ser novamente utilizado nos processos de curtimento ou na indústria de outros produtos como pigmentos. Apesar de ser essa a alternativa de maior custo, pois as demais utilizam as raspas de couro como carga em outros materiais como tijolos, cimento e asfalto, necessitando apenas de moagem, porém é uma solução para o problema e não um paliativo (VAZ, 2009).
  • A presente pesquisa se classifica como exploratória, pois busca a formulação de questões sobre tema ainda pouco explorado na literatura, especificamente, sobre os impactos ambientais no setor couro-calçadista especialmente, os causados pelo uso e destino final dos resíduos que contêm o cromo. A realização deste tipo de pesquisa permite aumentar a familiaridade dos pesquisadores com os fatos, de modo que possa contribuir para um maior entendimento do problema.
Para tanto, faz-se necessário o levantamento de dados primários e secundários. Os dados primários foram coletados durante o mês de dezembro de 2009, através de visitas ao lixão no entorno da cidade de Campina Grande; a duas pequenas fábricas, localizadas em áreas rurais no entorno da referida cidade, que terceirizam serviços de acabamento de couro para grandes fábricas de artigos de segurança, botas e luvas de raspa de couro, e ao Centro de Tecnologia do Couro e do Calçado Albano Franco (CTCC), onde foram obtidas importantes informações sobre os rejeitos produzidos pelo setor e o destino final de tais rejeitos, a um professor da área de química industrial da UFCG.
  • Tais informações foram coletadas através de entrevistas informais gravadas em meio digital, além de fotografias dos locais onde os fatos eram apontados e constatados. No lixão, foram entrevistados catadores de lixo, funcionários da prefeitura e da empresa responsável pela contabilidade do lixo depositado no lixão, que informaram sobre a quantidade de rejeitos de couro despejados no local. No CTCC, as entrevistas foram realizadas com o Gerente da unidade, engenheira química e técnicos encarregados da gestão ambiental da entidade.
Através das fontes secundárias, importantes contribuições foram obtidas a partir dos trabalhos de Souza e Silva (2009), Viana e Rocha (2006), e Boletim Técnico do SENAI (2007), os quais foram desenvolvidos no setor couro-calçadista de Campina Grande. Tais informações foram úteis quando da caracterização do setor, dimensionamento dos problemas ambientais do setor e iniciativas que estão sendo adotadas visando à redução dos impactos ambientais causados.
  • Quanto à escolha e definição dos critérios a serem utilizados para medir o nível de significância dos impactos causados pelo trato e disposição inadequada de resíduos do setor couro-calçadista como: aparas, pó de couro e serragem, que contém o cromo. Tomou-se como referência a Resolução 1/86 do CONAMA; a Norma ISO 14004, Guia de planejamento estratégico para gestão municipal de resíduos sólidos, elaborada pelo Banco Mundial, especificamente o anexo 4C.3; Sánchez, 2008 e Irtwange e Ato, 2009.
A avaliação da significância do impacto foi feita com base na soma dos pontos obtidos através da avaliação de cada critério acima descrito. Para o resultado final, foi considerada a pontuação (soma) final encontrada que foi classificada em três níveis de significância, a saber: pequena entre 5 a 10 pontos; média entre 11 a 17 pontos e grande entre 18 e 23 pontos.

Impactos ambientais no setor coureiro-calçadista em Campina Grande–PB

Apresentação e análise dos dados:
Caracterização do setor couro-calçadista de Campina Grande
  • O setor couro-calçadista constitui um expressivo segmento socioeconômico brasileiro. Além de sua presença no atendimento do mercado interno, é no mercado externo que o setor de peles e couros vem demonstrando sua força, a ponto de ocupar posição destacada na pauta de manufaturados do País.
No que tange ao setor couro-calçadista de Campina Grande, este representa um dos mais importantes segmentos da economia local, responsável pela geração de mais de 10.000 empregos diretos. Segundo estudo realizado por Souza e Silva (2009), existem 67 empresas formais que atuam na atividade de calçados e afins, sendo que 17 destas atuam na produção de insumos. Excluindo-se a São Paulo Alpargatas, que utiliza apenas material sintético em seus processos, o Arranjo Produtivo Local (APL) de calçados produz cerca de 700.000 mil pares de calçados por mês.
  • Apesar da tendência de substituição do couro pelos materiais sintéticos, a maioria das empresas (52%) ainda utiliza o couro na composição de seus produtos, variando de proporções entre os insumos de couro e sintéticos. No entanto, 27% dessas empresas ainda utilizam o couro como material predominante (mais de 80% do couro como matéria-prima).
Segundo Viana e Rocha (2006), há na indústria de calçados campinense um forte componente informal, sendo responsável por cerca de um terço do emprego local do setor. Apesar do caráter informal, esses empreendimentos representam importante papel econômico e social na região, atuando, muitas vezes, como complemento à produção das empresas formalizadas, através da terceirização de serviços. 
  • Essa importância é reconhecida pelos governos e instituições de apoio ao setor, não considerando como ilegal a atividade informal, uma vez que o setor é apoiado por instituições como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e Agência Municipal de Desenvolvimento (AMDE). Conforme pesquisa realizada por Kehrle (2005), foram identificados 53 empreendimentos informais, mas esse número pode ser bem maior.
Vale ressaltar que a São Paulo Alpargatas, maior empresa de calçados de Campina Grande, sozinha é responsável pela maioria dos empregos formais e com um volume de produção bem superior ao total da produção das demais empresas do APL, não utiliza o couro, mas a borracha como matéria-prima.

Impactos ambientais e seu grau de significância:
  • Quanto ao segmento de curtimento, segundo Aragão (2006), não existe mais nenhuma unidade significativa que processe couros de forma completa em Campina Grande, isto é, que adquira peles in natura ou conservadas e as processe. 
Mas, existem quatro unidades que podem ser caracterizadas como indústrias de curtume, criadas exclusivamente para servir de suporte à fabricação de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) que surgiram em função da desativação dos curtumes tradicionais. Essas indústrias atuam no beneficiamento de couros (raspas) para a produção de EPI e na própria produção dos EPI e são responsáveis pelo maior volume de dejetos de couro do setor.
  • Conforme Souza e Silva (2009), das 63 empresas pesquisadas, a maioria (57,2%) sofre de algum tipo de pressão quanto às questões ambientais, seja por órgãos fiscalizadores ou pela sociedade. Por outro lado, o estudo destaca que há o reconhecimento por parte dos empresários de que algo deve ser feito, relativamente ao destino final do lixo gerado. 
Dentre os empresários consultados, 85% afirmam que adotam algum procedimento neste sentido, mas que o interesse maior está no fator econômico, procedendo à seleção do material que pode ser reaproveitado ou reciclado (plásticos). O que sobra, é destinado ao lixo.
  • Quanto à carga de resíduos de couro despejada no lixão em Campina Grande, a céu aberto, pode-se estimar que este valor seja em torno de 1.000 toneladas por ano. Somente os resíduos de couro, registrados pela empresa responsável pelo controle do lixão, contabiliza 12 toneladas por semana, o que daria uma quantidade de 624 ton/ano. Vale ressaltar que o material contabilizado pela empresa refere-se apenas ao lixo selecionado, não contendo, portanto, o couro que é misturado a outros tipos de materiais, proveniente das pequenas fábricas, inclusive aquelas do setor informal.
A contaminação do solo e do lençol freático pode ocorrer com facilidade, haja vista constantes queimadas no lixão, transformando os resíduos em cinzas favorecendo sua rápida absorção pelo solo, especialmente, com a presença de águas das chuvas, como potencial propagador de resíduos tóxicos no meio ambiente.
  • Outro agravante, identificado, é a existência de pequenas fábricas localizadas na zona rural, que se encarregam de trabalhar a etapa de acabamento da raspa do couro, um processo de nivelamento deste subproduto que gera grande quantidade de serragem. O produto acabado por estas pequenas fábricas é destinado às fábricas de artigos de segurança, botas e luvas. 
Em uma das unidades visitadas, observou-se que resíduos de couro são jogados junto a vegetações, que facilmente podem ser conduzidos para as fontes de água próximas ao local, conforme observado em uma área de aluvião com muitos dejetos de couro espalhados através de chuvas. Em entrevista, um dos funcionários ao ser questionado se o material despejado no lixo servia para alguma coisa, obteve-se a seguinte resposta: “o retraço que sobra do couro não presta pra nada... onde bota nem mato nasce... porque tem micróbio, veneno”.
  • No tocante às medidas mitigadoras de impactos ambientais, algumas iniciativas vêm sendo implementadas pelo Centro de Tecnologia do Couro e do Calçado Albano Franco (CTCC), em parceria com a empresa Courotex e com a Universidade Federal de Campina Grande. Uma das iniciativas que já apresenta resultado é o projeto selecionado pelo Edital Inovação 2006 do SENAI, que tem como objetivo a reciclagem de cinzas oriundas do processo de incineração de resíduos sólidos contendo cromo para obtenção de um pigmento a ser utilizado na fabricação de tinta, utilizando a técnica eletroquímica na recuperação do cromo contido no banho residual de curtimento.
De acordo com o Boletim SENAI (2007), apenas nas cinzas geradas pelas queimadas de aparas, há cerca de 10% de cromo. O aproveitamento desse resíduo como pigmento diminui enormemente o passivo ambiental das empresas. Esse óxido de cromo produzido pelo processo de queima resulta em um pigmento com 75% de pureza, após a eliminação de alguns componentes, como sais de magnésio e sais de cálcio, o que é excelente para a indústria.
  • Uma tonelada de couro no estado wet-blue (raspa), o tipo mais utilizado pelas empresas da região, gera em torno de 200 quilos de aparas. Somente uma empresa, a Courotex, consome por mês 100 toneladas de couro, gerando com isso 20 mil quilos de aparas, resultando em 240 mil quilos de lixo produzidos ao ano, sendo este altamente impactante (SENAI, 2007).
Com a conclusão do projeto pelo SENAI, esses dejetos têm a possibilidade de se transformar em pigmento, o que, além de não poluir a natureza, irá significar redução de custos para a empresa conveniada, a Courotex, que também produz tintas para o setor. De acordo com a empresa, para cada tonelada de tinta à base de cal hidratado que é produzida é necessário um quilo de pigmento, cujo custo no mercado é de R$ 25,00.
  • Segundo a coordenação do projeto pelo SENAI/PB, com esse projeto a Courotex está prestes a desenvolver um novo produto, que pode interessar à indústria de tintas e pigmentos. Pesquisadores estão realizando testes para tornar o produto com a caracterização física e o teor de cromo compatível com os produtos comerciais existentes, os quais acreditam que, em breve, o pigmento será disponibilizado para o mercado pela empresa Courotex (SENAI, 2007).
Quanto ao grau de significância dos impactos ambientais negativos causados com a disposição dos resíduos sólidos provenientes do setor couro-calçadista em Campina Grande e entorno, o estudo aponta para o grau de nível 3, grande, o de maior relevância na classificação, somando 19 pontos segundo os critérios da Figura 1. Os resultados por quesito de classificação foram os seguintes:
  • Enquadramento Legal: A existência de leis que classificam o cromo como resíduo de classe I, perigoso, pois apresenta riscos à saúde pública e ao meio ambiente, ABNT – NBR 10004, 1987, (5 pontos);
  • Frequência: Número de vezes que um impacto pode ocorrer por unidade de tempo – segundo depoimentos de trabalhadores do lixão, a cada semana ocorre o despejo de aparas e raspas de couro naqueles locais (5 pontos);
  • Severidade: Magnitude ou tamanho do impacto. De acordo com os dados levantados, o impacto é localizado; há descarga limitada de substâncias de toxidade conhecida; há repetida violação de padrões legais e efeitos observados além dos limites das empresas (3 pontos);
  • Extensão espacial: Abrangência do espaço físico onde ocorre o impacto. Foram constatadas ocorrências de materiais despejados no meio ambiente em várias localidades, embora seja no lixão onde é depositada a maior quantidade de resíduos. (2 pontos);
  • Duração: Período de tempo de existência do impacto é permanente, uma vez que jogados os resíduos no lixão a céu aberto, com a ação do fogo e da chuva, o cromo é absorvido pelo solo e não mais retirado. (4 pontos).
Atividades desenvolvidas pelo CTCC:
Para a redução do impacto ambiental no setor:
  • O CTCC é uma entidade vinculada ao SENAI, especializada em couro e calçados, sendo um dos dois centros de referência nacional nesta área, juntamente com Novo Hamburgo-RS. 
O Centro conta com um curtume-escola e com laboratórios certificados pelo Instituto Nacional de Metrologia (INMETRO), onde são realizados ensaios para empresas locais e de outros Estados, prestando um serviço valioso para as empresas que produzem Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e que necessitam de certificação, além de outras fábricas de todo o país. Conta ainda com uma unidade de CAD/CAM e tem prestado serviços para empresas que desejam melhorar o design de seus produtos. 
  • Conta ainda com laboratórios de química, física, mecânica, design e modelagem de produtos, bem como, com o Setor Ambiental (laboratorial) com o fim de desenvolver pesquisas e tecnologias para redução dos impactos ambientais causados pelas indústrias do setor. Também oferece cursos de nível técnico para a formação de modelista de calçados e técnico em desenho industrial, importantes para possibilidades de implementação da ferramenta Ecodesign.
Apesar do privilégio do setor calçadista de Campina Grande, contando com um centro de excelência de assistência técnica ao setor, ainda é tímida a demanda por parte das empresas pelos serviços oferecidos. Segundo Aragão (2006), são poucos os empresários que procuram os serviços do Centro. No entanto, há uma demanda maior dos empresários do segmento de EPI que necessitam certificar seus produtos.

Outras Considerações:
  • Regulamentações cada vez mais restritivas em termos de proteção ambiental obrigam a indústria de couro a investir em novas estratégias, para recuperação e reciclagem de produtos químicos e subprodutos gerados no ciclo de trabalho. Em particular, a indústria de couro é considerada uma das indústrias que mais poluem e que se caracteriza pelo seu baixo nível tecnológico de suas operações.
Através da utilização de ferramentas de impacto ambiental adequadas, é possível encontrar o ponto de equilíbrio entre a maximização das atividades que são desenvolvidas nas indústrias e a minimização dos impactos nela causados. Coletar, transportar e destinar adequadamente os efluentes industriais tem reflexos positivos diretos para a população, assim como para a preservação das condições de equilíbrio da natureza.
  • A implementação da AIA, enquanto ferramenta de gestão ambiental vem contribuir para uma maior interação com o cidadão comum, negociação privada com interesses econômicos, debate público e diálogo com profissionais especializados, ao mesmo tempo em que cultivam a multidisciplinaridade (SÁNCHEZ, 2006). 
Desta forma, acredita-se que é possível introduzir o princípio de minimização de resíduos, mediante o desenvolvimento de um programa de atividades que reduza a geração de resíduos na fonte e o reúso daquilo que representa um valor econômico. A aplicação efetiva de práticas de gestão ambiental conduz a uma série de benefícios econômicos para a indústria, principalmente na redução de água e de insumos químicos.
  • O presente trabalho buscou contribuir, por um lado, despertando para uma maior conscientização dos atores envolvidos com o setor couro-calçadista, empresários, pesquisadores, órgãos governamentais e sociedade sobre a importância da questão ambiental e dos cuidados que se deve ter para minimizar os impactos atuais, evitando assim a transferência destes problemas para as gerações futuras. Por outro lado, destaca-se a urgente necessidade de adoção de medidas rápidas e efetivas para o destino ambientalmente correto dos resíduos sólidos que contêm cromo.
O uso de insumos químicos perigosos nos processos produtivos pelo setor couro-calçadista e o descarte inapropriado de seus resíduos sólidos têm gerado forte impacto ambiental, a exemplo do cromo, destacado no presente estudo. Uma grande quantidade de resíduos sólidos do setor que contém cromo ainda está sendo jogada no lixão a céu aberto.
  • A cidade de Campina Grande não é um caso isolado. Certamente, outros lugares sofrem deste tipo de agressão ao meio ambiente, mesmo que de forma silenciosa por não haver sido ainda despertado pela população e/ou autoridades quanto às consequências deste tipo de ação em longo prazo. A cidade de Dobrada, na região de Ribeirão Preto, São Paulo, é um exemplo da gravidade desta questão e também de proatividade por parte das autoridades. 
Conforme notícia veiculada no site Máfia do Lixo (RAFFIM, 2005), uma fábrica de luvas instalada naquele município foi autuada pelo Ministério Público e responsabilizada criminalmente por danos ambientais causados pelo despejo de resíduos de couro contendo cromo, cerca de 1,7 toneladas. A empresa abandonou o local e o lixão terá que ser limpo, com o lixo removido para um aterro sanitário.
  • O presente estudo aponta para a existência de impacto ambiental negativo de grande significância na área pesquisada, apesar de não ter sido identificado nenhum tipo de manifestação ou reclamação por parte da sociedade contra a ocorrência de resíduos tóxicos em lixões ou noutras localidades.
Segundo orientação do Banco do Nordeste (1999), para a disposição dos resíduos sólidos que não podem ser reaproveitados, como os rejeitos do couro de aparas, serragem e pó de lixadeiras deve ser construído aterro especial classe 1, caso o resíduo seja classificado como perigoso.
  • Embora haja iniciativas promissoras que estão sendo desenvolvidas, no setor, principalmente, pelo CTCC, o nível de envolvimento e comprometimento dos empresários locais com tais iniciativas ainda se apresenta relativamente baixo. 
Destacando que este Centro incorpora todas as condições tecnológicas e logísticas para apoio ao setor, inclusive com capacitações e/ou consultorias ambientais que podem contribuir para implementação de ferramentas de gestão ambiental nas empresas do setor, como a Avaliação de Impactos Ambientais (AIA), Produção mais Limpa (P+L) e Ecodesign, ferramentas importantes que podem ser utilizados pelo setor calçadista.
  • Como limitação do trabalho, este focou apenas na disposição final e impacto ambiental causado por um único insumo químico, uma vez que, nas atividades do referido setor, são usados outros tipos de insumos que merecem atenção, bem como, provocam outros tipos de impactos ambientais. Portanto, tal limitação poderá ser reduzida a partir da realização de futuros trabalhos que contemplem tais aspectos.

Impactos ambientais no setor coureiro-calçadista em Campina Grande–PB