quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Gestão Ambiental de Atividades Rurais

Gestão Ambiental de Atividades Rurais 

  • O meio rural brasileiro não é mais essencialmente agrícola. Além das atividades de produção agropecuária, outras oferecem importantes oportunidades de emprego e renda para a população rural. A multiplicação de atividades no meio rural resulta de um processo de criação de demandas diferenciadas, de nichos especiais de mercado ou de uma diferenciação dos mercados tradicionais. 
Agregam-se também serviços às cadeias produtivas agroindustriais, criando novos espaços para a emergência de pequenos e grandes empreendimentos nesse longo caminho que vai do produtor rural ao consumidor final (CAMPANHOLA e GRAZIANO DA SILVA, 2000 a, 2000 b; GRAZIANO DA SILVA; DEL GROSSI; CAMPANHOLA, 2002).
  • Diante dessas novas possibilidades de ocupações e rendas no meio rural brasileiro, é fundamental que se avaliem os impactos ambientais que as atividades possam causar, contribuindo para o delineamento de políticas públicas e estratégias adequadas de desenvolvimento sustentável (RODRIGUES, 1998; CAMPANHOLA; RODRIGUES; RODRIGUES, 2005).
No meio rural, as capacidades produtivas e as características dos recursos disponíveis, em geral, oferecem as bases para a definição dos empreendimentos a serem priorizados em um projeto de desenvolvimento. Para a consecução do projeto de desenvolvimento comunitário, e para sua sustentação a longo termo, é que se realiza a gestão ambiental territorial (SABOURIN, 2002). 
  • Com esse enfoque, as políticas públicas devem ser formuladas e implementadas segundo as condições de cada território, sendo a organização social e a participação comunitária imprescindíveis para a legitimação dos processos decisórios de desenvolvimento.
Este texto reafirma a importância da organização participativa na gestão ambiental territorial, a partir da avaliação de impactos das atividades rurais, como balizadora da transferência tecnológica aos estabelecimentos, e do debate com os atores regionais afetos às atividades para a designação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento local (RODRIGUES e RODRIGUES, 2005). 
  • Este trabalho apresenta os resultados de um programa de avaliação ambiental voltado à gestão territorial de atividades rurais, exemplificadas pelo agroturismo e a agricultura orgânica,empregando o Sistema de Avaliação Ponderada de Impacto Ambiental de Atividades do Novo Rural (APOIA-NovoRural).
Agricultura e Avaliação de Impactos Ambientais:
  • Pela via da avaliação, adequação e gestão da qualidade ambiental na realização das atividades rurais é possível promover a integração dos produtores locais, cuja organização é condição necessária para a gestão territorial. 
O desempenho ambiental de atividades rurais pode ser averiguado, corrigido e gerido pela avaliação de impacto ambiental (AIA), integrando-se os aspectos sociais, culturais, econômicos e ecológicos.
A Avaliação de Impactos Ambientais (AIA) é um conjunto de procedimentos desenvolvidos com o intuito de permitir a previsão, a análise e a mitigação dos efeitos ambientais de projetos, programas e políticas de desenvolvimento que impliquem alteração da qualidade ambiental. 
  • Quando aplicadas às atividades rurais, as AIAs são instrumentos valiosos para a definição de formas de manejo que minimizem os efeitos negativos das atividades, e para a indicação de tecnologias que maximizem a eficiência produtiva e o uso racional de recursos naturais (RODRIGUES, 1998).
Sistema APOIA-NovoRural:

Com o objetivo de implementar a gestão ambiental de atividades e estabelecimentos rurais foi desenvolvido um Sistema de AIA, adotando-se os seguintes princípios:
  • Permitir a avaliação de atividades rurais em variadas regiões e situações ambientais, na escala específica do estabelecimento rural;
  • Incluir indicadores relativos aos aspectos ecológicos, econômicos, socioculturais e de manejo;
  • Facilitar a detecção de pontos críticos para correção de manejo;
  • Expressar os resultados em uma forma simples e direta para agricultores e empresários rurais, tomadores de decisão, e o público em geral;
  • Ser informatizado e fornecer uma medida final integrada do impacto ambiental da atividade, contribuindo para a certificação ambiental.
Apesar da ampla variedade de métodos de AIA disponíveis na literatura mundial, não se encontrou um método que atendesse a todos esses requisitos. Por isso, optou-se por compor o Sistema APOIA NovoRural (RODRIGUES e CAMPANHOLA, 2003), que consta de um conjunto de matrizes de ponderação construídas para indicadores de desempenho ambiental.
  • No exemplo dado, a matriz de ponderação contém atributos do indicador (origem da pessoa e qualificação para a atividade) com seus respectivos fatores de ponderação (k); células para entrada de dados (no caso porcentagem de trabalhadores distribuídos de acordo com a origem e a qualificação); linha de averiguação da correção do preenchimento (que no caso deve ser igual a 100%); expressão de cálculo do índice de impacto (no caso, soma das porcentagens vezes seus fatores de ponderação, ou seja, 90*1*10+10*4*10=1300); tabela de correspondência entre índice de impacto e desempenho ambiental em valores de utilidade (escala 0 a 1, BISSET, 1983 e 1987);
expressão gráfica do desempenho da atividade avaliada; equação e coeficientes para conversão do índice de impacto para valores de utilidade (neste caso representado pela utilidade do indicador Qualidade do emprego local qualificado, U-IEmpLQ=0,89).
  • Nesse exemplo, o índice de impacto do indicador é convertido por uma função logística de valor (modelo MMF) que o relaciona com o desempenho ambiental da atividade na escala de utilidade, a exemplo do que foi utilizado por Dee et al. (1973), Canter e Hill (1979), Andreoli e Tellarini (2000) e Girardin; Bockstaller; Van der Werf (2000). 
Cabe ressaltar que as matrizes de ponderação apresentam construção variável para cada indicador, algumas incluindo dados comparativos da situação prévia e posterior à implantação da atividade; fatores de ponderação para causa e níveis de dano dos impactos observados; e escalas de variação percentual dos impactos. 
  • Dessa forma, diferentes indicadores têm suas implicações apropriadamente avaliadas, de acordo com os dados quantitativos específicos que os explicam.
O Sistema APOIA-NovoRural consta de 62 indicadores, cada qual construído em uma matriz de ponderação específica, agrupados em planilhas correspondentes a cinco dimensões de impacto, quais sejam: 
a) Ecologia da Paisagem;
b) Qualidade dos Compartimentos Ambientais (Atmosfera, Água e Solo);
c) Valores Socioculturais;
d) Valores Econômicos; e
e) Gestão e Administração (RODRIGUES et al., 2003c).
A dimensão Ecologia da Paisagem refere-se à interface do estabelecimento rural com o ambiente natural, e os possíveis efeitos da atividade em avaliação, sobre o estado de conservação dos habitats. A dimensão Qualidade Ambiental relaciona-se, nos compartimentos Atmosfera, Água e Solo, à geração de resíduos e poluentes nas unidades produtivas do estabelecimento. A dimensão Valores Econômicos refere-se aos atributos da renda e valorização do estabelecimento.
  • A dimensão Valores Socioculturais refere-se à qualidade de vida e inserção das pessoas nos processos produtivos. Finalmente, a dimensão Gestão e Administração relaciona-se à dedicação do responsável, reciclagem de resíduos e relacionamentos institucionais.Os resultados da avaliação são apresentados em uma planilha de AIA da atividade rural, expressos graficamente para cada dimensão considerada, permitindo averiguar o desempenho da atividade para cada indicador comparativamente à linha de base estabelecida (igual a 0,70). 
Os resultados são então agregados pelo valor médio de utilidade para o conjunto de indicadores em cada dimensão e expressos em um gráfico síntese de impacto ambiental da atividade nas cinco dimensões. Finalmente, o valor médio de utilidade para os 62 indicadores expressa o índice de impacto ambiental da atividade rural. A aplicação do Sistema APOIA-NovoRural consiste em:
  1. Identificar os limites espaço-temporais da atividade a ser avaliada, no âmbito do estabelecimento rural, aplicar um questionário/vistoria em campo e coletar dados e amostras de solo e água para análise laboratorial.
  2. Inserir os dados nas matrizes de ponderação do Sistema, obtendo os índices de impacto referentes aos indicadores, que são convertidos automaticamente para valores de utilidade (escala de 0 a 1).
  3. Agregar os índices de impacto por análise multiatributo, nas cinco dimensões componentes. Desse modo, obtém-se um índice geral da contribuição da atividade para a sustentabilidade do estabelecimento rural.
  4. Analisar os resultados gráficos apresentados nas planilhas, identificando os indicadores que mais restringem a sustentabilidade, averiguando possíveis desconformidades com a linha de base.
  5. Indicar medidas corretivas, recomendações de adequação tecnológica e de manejo para abatimento dos impactos ambientais negativos.
Os resultados de desempenho ambiental da atividade para cada indicador individual oferecem um diagnóstico para o produtor/administrador, apontando a situação de conformidade com padrões ambientais em cada aspecto do impacto da atividade nas condições do estabelecimento.
  • Os gráficos agregados dos resultados para as diferentes dimensões ambientais proporcionam aos tomadores de decisão uma visão das contribuições, positivas ou negativas, da atividade para o desenvolvimento local sustentável, facilitando a definição de medidas de promoção ou controle da atividade no âmbito do território. Finalmente, o Índice de Impacto Ambiental configura-se em uma unidade padrão de desempenho ambiental da atividade, servindo como uma medida objetiva para a qualificação e certificação de atividades agropecuárias. 
O Sistema APOIA-NovoRural, portanto, é uma ferramenta útil tanto para os produtores, individualmente ou em grupos organizados, como para os formuladores e gestores de políticas públicas, contribuindo para o desenvolvimento local sustentável.

Gestão Ambiental Participativa:
  • Com base nas avaliações obtidas com a aplicação do Sistema APOIA-NovoRural nos estabelecimentos rurais em territórios selecionados, aplica-se um questionário detalhado para verificação da congruência entre os resultados obtidos com o Sistema e a realidade local, segundo o ponto de vista dos atores sociais envolvidos com a gestão da atividade em nível regional (RODRIGUES et al., 2004). 
Nessa etapa de trabalho, levantam-se as indicações desses atores sociais quanto aos problemas e vantagens comparativas da atividade no âmbito territorial, bem como as políticas, disponíveis ou a serem propostas, para fomentar a organização dos produtores e o desenvolvimento da atividade.
  • De posse das avaliações procedidas nos estabelecimentos, do resultado das entrevistas junto aos gestores municipais e das suas indicações de políticas de fomento para a atividade, realiza-se uma Oficina de Trabalho na qual esses atores debatem a implementação participativa da gestão ambiental da atividade nos estabelecimentos e no território.
Os resultados obtidos para cada um dos estabelecimentos estudados compõem CD-ROMs e relatórios técnicos detalhados e individuais, que são entregues aos produtores no momento da realização da Oficina de Trabalho (RODRIGUES et al., 2004a). Com esse material tornam-se disponíveis as publicações relativas ao estudo e o relatório individualizado, com as informações sobre os pontos favoráveis e sobre os aspectos de desempenho ambiental dos estabelecimentos que podem ser melhorados.
  • Nas Oficinas de Trabalho são apresentados os resultados das etapas anteriores da pesquisa, incluindo um relato sobre as propostas de gestão ambiental dos estabelecimentos e as políticas de fomento para a atividade.
Os atores locais que tenham tido envolvimento nas etapas anteriores dos trabalhos participam dos painéis e, em seguida, integram os grupos de discussão que, com base em roteiros elaborados com os resultados preliminares, analisam o conjunto de informações e relatam suas propostas de gestão territorial.

Gestão Ambiental Territorial:
Estudo de caso
  • A gestão ambiental territorial foi realizada empregando-se o Sistema APOIA-NovoRural para três atividades rurais, em territórios selecionados. 
Em uma etapa inicial de validação, os estudos avaliaram o desempenho ambiental de estabelecimentos localizados na região de Campinas, Estado de São Paulo, dedicados às atividades de horticultura orgânica e convencional, pesque-pagues e agroturismo (RODRIGUES et al., 2003c). Em um segundo momento o estudo foi expandido para quatro territórios selecionados, com foco em duas atividades rurais, o agroturismo e a agricultura orgânica. Nessa etapa realizaram-se: 
  • O estudo de avaliação ambiental em conjuntos de estabelecimentos;
  • As consultas a gestores municipais e regionais; e 
  • As Oficinas de Trabalho, coordenadas pela Embrapa Meio Ambiente.
As atividades e os respectivos territórios estudados foram o agroturismo nas regiões de Itu, Estado de São Paulo, e Venda Nova do Imigrante, Estado do Espírito Santo, e a agricultura orgânica nas regiões de Francisco Beltrão, Estado do Paraná, e de Ibiúna, Estado de São Paulo. 
  • Os principais resultados desses estudos são apresentados a seguir, primeiro considerando as dimensões de impacto e os indicadores ambientais de forma agregada para os territórios e, em seguida, no âmbito de cada território, enfatizando as proposições obtidas junto aos grupos de discussão das Oficinas de Trabalho. 
É importante salientar que, embora os resultados referentes aos territórios mencionados sejam apresentados empregando tabelas e figuras integradas, os estudos não devem ser considerados comparativos, senão apenas simultâneos, dadas as características especiais das atividades e suas inserções singulares nos territórios estudados.

Gestão Ambiental de Atividades Rurais 

Avaliação de Impacto Ambiental: 
Das Atividades Rurais nos Territórios:
  • Dimensão Ecologia da Paisagem: a Ecologia da Paisagem é a dimensão que apresenta problemas comuns em todos os territórios e atividades avaliadas.O indicador Cumprimento com requerimento de reserva legal, à exceção de Ibiúna, e os indicadores de Diversidade, seja produtiva, seja de habitats, foram os menos favoráveis. Já a Condição de Manejo das áreas de produção agropecuária e de atividades não agrícolas e Confinamento Animal foram os indicadores de desempenho mais favoráveis, ainda que não haja registro para o segundo em Ibiúna, já que nos estabelecimentos estudados não havia tais atividades.
Nota-se que, a despeito da importância de que se reveste a paisagem para o agroturismo, os estabelecimentos dedicados a essa atividade obtiveram índices de impacto especialmente desfavoráveis nessa dimensão, já a partir de deficiências quanto à conservação de habitats, que redundou em problemas relacionados, como para corredores de fauna, e risco de extinção de espécies ameaçadas. A Agricultura Orgânica, para o conjunto de estabelecimentos estudados e nos territórios selecionados, apresentou melhores condições de conservação ambiental.
  • Dimensão Qualidade dos Compartimentos Ambientais (Atmosfera): as atividades rurais estudadas não causam impactos pronunciados na qualidade do ar, pois não envolvem grandes inversões em energia ou manejo que envolva uso do fogo em grandes áreas. Como resultado, os índices de impacto para os indicadores dessa dimensão resultaram em valores superiores ou muito próximos à linha de base.
  • Dimensão Qualidade dos Compartimentos Ambientais (Água): os indicadores de qualidade da água, em geral, apresentaram desempenho bastante favorável, resultando em índices de impacto acima da linha de base em todos os territórios estudados. O indicador coliformes fecais apresenta resultados aquém da linha de base, indistintamente do território estudado. Isso, contudo, não necessariamente diz respeito a problemas nos estabelecimentos, pois a contaminação pode envolver efluentes externos. Essa contaminação fica evidente especialmente para os territórios de Itu e Venda Nova, onde a presença de coliformes associa-se a baixos níveis de oxigenação das águas. A poluição visual é o indicador mais favorável para o conjunto de estabelecimentos estudados, enquanto o impacto potencial de pesticidas é muito favorável especialmente nas áreas de produção orgânica, dada a exclusão desses insumos do processo produtivo.
  • Dimensão Qualidade dos Compartimentos Ambientais (Solo): devido à não influência direta dos indicadores de qualidade do solo para o agroturismo, somente a erosão foi considerada nessa análise para os territórios de Itu e Venda Nova do Imigrante.
Já em relação às condições de qualidade do solo na agricultura orgânica, os indicadores mostraram-se adequados ao desenvolvimento das atividades e refletiram níveis aceitáveis de impacto, à exceção dos indicadores relativos ao conteúdo de Matéria orgânica e de Fósforo. Esse resultado deveu-se ao fato de a maioria das culturas nessas áreas ter sido implantada em solos previamente cobertos por matas, nos quais o conteúdo de matéria orgânica tende a ser muito elevado e apresenta estreita relação com o conteúdo de fósforo. Ao serem tomados como base de comparação entre as condições de solos originais (florestados) e dos atualmente cultivados, e queda nos conteúdos de matéria orgânica e de fósforo, refletiu-se em baixos níveis de desempenho ambiental para estes indicadores (valores de utilidade entre 0,13 e 0,46).
  • Dimensão Valores Socioculturais: os indicadores segurança e saúde ocupacional e oportunidade de emprego local qualificado são a marca da contribuição das atividades estudadas para o desenvolvimento local sustentável. 
A agricultura orgânica, embora exija exposição aos elementos, exclui o uso de agrotóxicos, resultando em um excelente desempenho para esse indicador (valores entre 0,77 e 0,93). Por outro lado, os empregos gerados em ambas as atividades tendem a exigir ao menos um certo nível de especialização, mesmo para os trabalhos braçais, o que contribuiu para o elevado desempenho das atividades nesse indicador (valores entre 0,84 e 0,94).
  • Os indicadores menos favoráveis dessa dimensão, quais sejam, acesso a serviços básicos e padrão de consumo, assim resultaram devido à presença anterior de condições que permaneceram pouco alteradas com a implantação das atividades. Já o indicador acesso a esporte e lazer expressa um aumento da demanda de trabalho nas duas atividades e cerceamento de tempo disponível aos produtores, mais pronunciadamente no agroturismo, cujo desempenho ambiental alcançou apenas 0,45 em Itu e 0,63 em Venda Nova do Imigrante.
O indicador qualidade do emprego inclui os principais parâmetros legais de atendimento às condições básicas, como idade mínima, jornada máxima de trabalho, formalidade e auxílios e benefícios previstos pelas leis trabalhistas brasileiras. O principal problema diagnosticado diz respeito às dificuldades de regularização do trabalhador, em especial os familiares, no meio rural.
  • Dimensão Valores Econômicos: de forma geral, os indicadores dessa dimensão foram favoráveis nos estabelecimentos estudados, sempre alcançando média superior à linha de base em todos os territórios.
Os principais indicadores carentes de melhoria correspondem à distribuição de renda e nível de endividamento. Esse último resulta, muitas vezes, de investimentos realizados, conforme se confirma pelos bons resultados obtidos para Valor da propriedade e qualidade da moradia.
  • Dimensão Gestão e Administração: a certificação obrigatória para os produtores dedicados à agricultura orgânica resulta em um diferencial de capacitação, que se reflete em excelentes resultados gerais para essa atividade, nessa dimensão. 
Sérios problemas relativos à condição de comercialização, aliás preponderante em todos os territórios e atividades avaliadas, causam índices de gestão e administração da agricultura orgânica próximos à linha de base. O mesmo não vale para o agroturismo, no qual ocorrem problemas importantes também quanto à reciclagem de resíduos e ao relacionamento institucional. Esses resultados gerais proveram a base para a consulta aos agentes sociais municipais/regionais envolvidos com as atividades nos territórios. Nessa consulta, buscou-se: 
a) averiguar o grau de aderência entre o conhecimento dos agentes sociais e os resultados das avaliações de impacto procedidas com o Sistema APOIA-NovoRural;
b) promover o diálogo entre as partes (produtores rurais e gestores); e
c) oferecer subsídios e motivação para a formulação e implementação de políticas públicas com um direcionamento objetivo sobre a realidade regional. 
Uma vez organizadas todas essas informações, foram realizadas Oficinas de Trabalho sobre gestão participativa e o desempenho ambiental da atividade rural, com a realização de grupos de discussão em todos os territórios mencionados.

Oficinas de Trabalho e Gestão Participativa:
Gestão ambiental do agroturismo na região de Itu, Estado de São Paulo
  • A primeira Oficina de Gestão Ambiental Territorial foi realizada em 3 de março de 2004, no município de Itu. Contando com a contribuição da Secretaria Municipal de Turismo, Lazer e Eventos da Prefeitura da Estância Turística de Itu, da Escola Técnica Estadual “Martinho Di Ciero” e da Associação de Turismo Rural do Médio Tietê (ASTUR), a Oficina de Trabalho trouxe para debate os principais pontos para melhoria do desempenho ambiental do agroturismo regional.
O agroturismo na região de Itu, Estado de São Paulo, insere-se em um panorama mais amplo, criado para o desenvolvimento do turismo histórico, marcado pela época da expansão do café no Estado. 
Vem recebendo grandes incentivos na região, favorecido pela atual demanda criada pela visitação e conhecimento do modo de vida rural. Isso tem mobilizado o poder público e os proprietários dos estabelecimentos, em decisões direcionadas ao fomento da atividade e de sua contribuição para o desenvolvimento local sustentável.
  • Dez estabelecimentos de agroturismo na Região de Itu foram escolhidos em conjunto com a Associação de Agroturismo do Médio Tietê (ASTUR) para realização dos estudos de avaliação de impactos ambientais. No conjunto dos estabelecimentos investigados, a média obtida do Índice de Impacto Ambiental da atividade foi igual a 0,68 (RODRIGUES et al., 2004b).
As principais medidas de fomento propostas na Oficina envolveram o fortalecimento e compromisso da ASTUR para definição de prioridades de sinalização e propaganda conjunta, além de intervenção da Secretaria de Turismo junto ao DAEE e produtores, para ampliação do programa de distribuição de mudas de essências nativas para recomposição de habitats.

Gestão ambiental do agroturismo: 
Na região de Venda Nova do Imigrante, Estado do Espírito Santo
  • O Encontro sobre Gestão Ambiental do Agroturismo na Região de Venda Nova do Imigrante (ES), realizado em 13 e 14 de abril de 2004, nesse município, contou com a parceria da Prefeitura Municipal de Venda Nova, da Associação de Agroturismo de Venda Nova do Imigrante (AGROTUR), e do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (INCAPER), com apoio do Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil (SICOOB ).
A economia de Venda Nova do Imigrante centra-se na agricultura, em especial a cultura cafeeira. O agroturismo é uma atividade importante na região, associado a um forte setor de agroindústrias familiares de gêneros alimentícios, artesanato regional e turismo ecológico. Trinta estabelecimentos indicados pelo INCAPER foram avaliados quanto ao desempenho ambiental do agroturismo, obtendo-se um índice geral de impacto para o agroturismo igual a 0,70.
  • Os grupos de discussão concluíram que a atividade poderia ser amplamente favorecida no território, com a formação de grupos gestores com apoio técnico e legal (mediado pela AGROTUR), que buscassem uma política de integração do agroturismo às outras atividades de projeção econômica regional, no planejamento municipal. Propôs-se, também, a criação de um roteiro turístico atualizado.
Gestão ambiental da agricultura orgânica: 
Na região de Francisco Beltrão, Estado do Paraná
  • Com a parceria da Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural (ASSESOAR), do Sistema de Cooperativas de Crédito Rural com Interação Solidária (CRESOL), da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Paraná (EMATER-PR) e da Prefeitura Municipal de Francisco Beltrão, Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente, realizou-se o Encontro sobre Gestão Ambiental da Agricultura Ecológica na Região Sudoeste do Paraná, aos 23 de abril de 2004.
A região sudoeste do Estado do Paraná apresenta uma situação especial de organização política dos produtores, reforçada por um arranjo institucional fortemente sedimentado, do qual participam ONGs e agências públicas comprometidas com o desenvolvimento sustentável. A avaliação ambiental da agricultura orgânica no território envolveu quinze estabelecimentos selecionados em conjunto com a ASSESOAR, que alcançaram um valor médio de impacto para a atividade igual à linha de base preconizada pelo Sistema APOIA-NovoRural, 0,70.
  • O indicador Condição de comercialização, pouco favorável nessa dimensão, recebeu a maioria das indicações de melhorias pelos grupos de discussão, propondo-se a definição de uma marca para a produção orgânica e uma organização menos burocrática para a agroindústria familiar, como diferenciais territoriais. A certificação participativa deveria ser também facilitada, pela boa articulação entre os produtores e instituições de fomento atuantes na região.
Gestão ambiental da agricultura orgânica:
Em Ibiúna, Estado de São Paulo e região
O Encontro sobre Gestão Ambiental da Agricultura:
  • Orgânica em Ibiúna (SP) e Região, realizado em 24 de junho de 2004 nesse município, contou com a parceria da Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente, da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) - Casa da Agricultura de Ibiúna, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) - Unidade de Pesquisa de São Roque, da Cooperativa Agrícola de Ibiúna - São Paulo (CAISP), com apoio do Sindicato Rural de Ibiúna, da Federação de Agricultura do Estado de São Paulo (FAESP), do SENAR-São Paulo, do Sindicato dos Trabalhadores e Empregados Rurais de Ibiúna e Região e da Câmara Municipal de Ibiúna.
A agricultura orgânica na região está direcionada principalmente ao atendimento da Região Metropolitana de São Paulo, sendo que muitas organizações facilitadoras da comercialização atuam junto às grandes redes varejistas. 
  • Vinte estabelecimentos selecionados com auxílio da Casa da Agricultura de Ibiúna e por indicação de pares foram incluídos na etapa de avaliação ambiental, alcançando um Índice Geral de Impacto um pouco superior à linha de base, 0,73.
Para fomento à atividade, os grupos de discussão da Oficina de Trabalho propuseram a organização de uma política regional de comercialização, com criação de um fundo municipal de desenvolvimento da agricultura orgânica e planejamento de plantio e colheita, com base em previsão de vendas, além de cursos de capacitação.

Outras Considerações:
Gestão Participativa e Eco-Certificação
  • Organizações não-governamentais e órgãos públicos de pesquisa e extensão rural tiveram papel fundamental na condução desses trabalhos, assegurando representatividade do poder local e de diferentes grupos de interesse. 
Esses grupos definiram que a avaliação do impacto ambiental das atividades somente terá repercussão, em termos de ações voltadas ao desempenho dos estabelecimentos e ao desenvolvimento local, se ocorrer a gestão participativa, e acordaram em promovê-la.
  • Em todas as Oficinas de Trabalho de gestão ambiental territorial realizadas, enfatizou-se a importância de implementação de iniciativas de ecocertificação das atividades, como meio para melhoria da condição de comercialização, e para instruir o debate de políticas de fomento. Ponderou-se que métodos de avaliação de sustentabilidade, como o apresentado neste texto, são fundamentais para viabilizar essas iniciativas.
A eco-certificação deve contribuir com dois objetivos principais. Primeiro, em sua vertente de interesse público, garantir que recomendações obtidas em AIAs para reparar impactos sejam efetivamente realizadas. Segundo, em sua vertente privada, servir como instrumento de divulgação e promoção da atividade do estabelecimento, quando ela se qualificar como promotora de práticas sustentáveis.
  • Adicionalmente, os estudos promoveram questionamentos quanto aos efeitos negativos de determinados indicadores, em especial aqueles que dependem de ações ligadas ao poder público ou outros agentes e instituições externas ao território ou aos estabelecimentos, cujo diagnóstico permite base para negociação e formulação de medidas saneadoras.
Gestão Territorial:
  • O sistema de AIA exposto mostra que existem vários vetores que podem promover o processo de gestão territorial. 
No caso, a temática de meio ambiente constituiu-se no atrativo principal para que fosse despertado o interesse dos agricultores e microempresários rurais em participar da iniciativa. No entanto, há outros atrativos que podem funcionar como amalgamadores dos interesses coletivos, e que estão afetos às particularidades de cada território.
  • O processo de desenvolvimento territorial requer um conjunto de condições que assegurem a sua sustentabilidade. Como foi abordado neste texto, há muitos desafios a serem vencidos para que efetivamente o território se torne uma nova forma de governança. O primeiro desafio é o concerto de interesses privados e que requer um grau adequado de capital social (ABRAMOVAY, 2000 e 2002).
O segundo desafio consiste em romper a histórica tendência de se construir políticas públicas setoriais, buscando integrar de maneira harmoniosa políticas de saúde, educação, desenvolvimento agrícola, fomento, crédito, meio ambiente, entre outras. 
  • O setor público não tem sido eficaz no sentido de promover esses avanços, devido a constrangimentos estruturais e instrumentais. Talvez a saída seja o fortalecimento de estruturas e mecanismos de mediação entre os interesses públicos e privados na esfera dos territórios (CAMPANHOLA e GRAZIANO DA SILVA, 2000 c), como se buscou realizar neste trabalho.
O terceiro desafio refere-se ao acesso a tecnologias de produção e de agregação de valor aos produtos agrícolas, pecuários e florestais. Há necessidade de se aumentar a capilaridade das atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), de modo que as necessidades e conhecimentos acumulados dos agricultores caminhem em harmonia com as ações dos projetos de pesquisa. Programas de AIA de tecnologias, empregando uma abordagem participativa, têm sido implementados para alcançar esse objetivo (RODRIGUES; CAMPANHOLA; KITAMURA, 2003a; 2003b; IRIAS et al., 2004a, 2004b).
  • O quarto e último desafio é a identificação de oportunidades de negócio e de ações de políticas públicas que favoreçam a geração de renda via inserção em mercados mais promissores. Um dos pré-requisitos para isso é o acesso constante às informações que permitam a tomada de decisão sobre o quê, quanto e para quem produzir ou prestar serviços.
Esses aspectos são importantes, pois o que se observa com muita freqüência é que o benchmarking também funciona na agricultura, ou seja, quando uma atividade se mostra lucrativa, outros tendem a adotá-la, saturando o mercado e derrubando os preços. 
  • A diversidade pode ser a grande saída para a maior parte dos territórios, porém, a sua organização deve se dar por meio de orientações e instrumentos que o setor público pode oferecer, desde que construídos com a participação das comunidades interessadas.

Gestão Ambiental de Atividades Rurais