sábado, 11 de outubro de 2014

A Agroenergia e a Sustentabilidade

A Agroenergia e a Sustentabilidade

  • A notoriedade tecnológica, financeira e espacial do complexo sucroalcooleiro, simplificou-se a noção de complexo agroindustrial sucroalcooleiro, tratando-o como um conjunto de atividades e negócios desdobrável em dois grandes setores: um de produção, distribuição e consumo de açúcar e outro similar de etanol combustível. 
Tal divisão teve significado apenas para delimitar o escopo desta Tese, que disponibilizou uma metodologia para análise do desempenho sustentável ou da sustentabilidade, relacionada tão somente para as unidades agroindustriais do setor de produção de etanol combustível. 
  • Essas unidades agroindustriais produtoras de etanol – material de referência para o experimento da metodologia desenvolvida –, podem tratar-se de, tanto uma destilaria de etanol anexa a uma usina (de produção de açúcar) como uma destilaria autônoma, e foram denominadas neste trabalho indistintamente ou como “agroindústrias de etanol” ou como “usinas de etanol” ou, simplesmente, como “usinas”.
O complexo sucroalcooleiro, assim como o avícola, de carnes, de soja, etc., apresentam características em sua composição que lhes conferem especial distinção quanto a outros complexos agroindustriais, a exemplo do algodoeiro, de laticínios, de tomates, de suco de laranja, de café e de banana. 
  • Os primeiros têm os seus subsistemas componentes – basicamente de produção, de distribuição e de consumo de produtos –, bastantes articulados e dependentes. Observe-se, por exemplo, o forte vínculo existente, no setor agroindustrial produtor de etanol combustível, entre os fornecedores de insumos (sementes, calcário, fertilizantes, tratores, colhedeiras, implementos agrícola, etc.), os produtores agrícolas, as agroindústrias de etanol, as distribuidoras de combustíveis, os postos de combustíveis e os fabricantes de veículos. 
Tal tipo de complexo, KAGEYMA et al. (1990), classificou-o como completo. Aqueles complexos – de algodão, laticínios ou tomates –, com integração em apenas alguns de seus subsistemas componentes, classificou-os como incompletos e, dessa mesma forma, aqueles com fraca ou nenhuma ligação entre os subsistemas, caso dos complexos de hortaliças, de banana ou mandioca. 
  • É inerente aos complexos agroindustriais completos – e em particular ao sucroalcooleiro no que se refere ao setor de produção de etanol combustível, a utilização de sofisticadas tecnologias de processos produtivos, tanto no campo como na agroindústria, e produção em larga escala.
Esses requisitos, presumidos por economistas, são essenciais para a satisfação da demanda com oferta do produto final a custos competitivos. Aos subsistemas produtores agrícola e industrial, componentes do setor e a seus elos, considerados cruciais para o complexo, são destinados investimentos financeiros de vulto em suas instalações iniciais, exigindo grandes e contínuos fluxos de capital e trabalho para sua sustentação. 
  • Utilizam-se extensivamente e intensamente os recursos naturais - água e solo - , e expandem-se pelo entorno da usina de etanol instalada, ocupando grandes áreas contínuas em busca de suprir da matéria-prima, cana-de-açúcar a sua produção industrial. A paisagem ao redor e no horizonte dessas usinas passa a ter uma única feição – da lavoura de cana-de-açúcar – caracterizando grandes regiões em “canavieiras” que abarcam áreas de municípios inteiros em territórios especializados, quase exclusivamente, nesse único tipo de produção agrícola. 
A economia local e regional são envolvidas e até, em muitos casos, monopolizadas, ativadas pela virtuosidade de negócios proporcionada pelo complexo sucroalcooleiro e seus setores. As atividades associadas de produção agrícola e industrial sucroalcooleira proporcionam rendas às administrações públicas, promovem ofertas de trabalho, e oferecem oportunidades para os setores congêneres industrial, comercial e de serviços. 
  • Todos esses aspectos conferem ao complexo sucroalcooleiro em geral, ou ao setor de produção de etanol combustível em particular, um grau de notoriedade diferenciado em relação às outras atividades econômicas existentes na região e nos municípios circunvizinhos, destacando-se, naturalmente, suas influências nas relações políticas da sociedade local e regional. 
O crescimento do setor de etanol:

Desde o lançamento do carro “flex fuel” no início deste século, é bastante comum encontrar-se na mídia reportagens com títulos assemelhados a 
  • “País construirá uma usina por mês até 2012” descrita por BRITO (2007, p.A4), ou “Governo admite que deu pouca importância ao álcool” conforme a FOLHA DE S.PAULO (2007, p.B3). 
Sugerindo o êxito na demanda por etanol combustível, provocada pelo acordo de usineiros e o setor automobilístico para a produção de veículos flexíveis, e a política governamental de apoiar o setor produtor de etanol combustível a tornar-se líder na exportação dessa bioenergia, para uso final imediato como combustível de veículos individuais, visto como renovável, competitivo e limpo. O Brasil, em 2006, já produzia cerca de 21 bilhões de litros de etanol dentro do total mundial superior a 40 bilhões de litros, cujo líder produtor são os Estados Unidos com a fabricação de etanol utilizando o cultivo de milho.
  • A bioenergia, obtida do etanol combustível e da cogeração de eletricidade a partir da utilização do bagaço da cana-de-açúcar, teve 14,6% de participação na matriz energética brasileira de 2006, suplantada pelos 14,8% de energia hidráulica, seguindo atrás o uso de carvão vegetal e o uso em declínio da lenha. 
No total, a energia renovável compõe a matriz brasileira com 45,1% da oferta interna de energia, resultando em uma matriz exemplar e invejável perante as tendências internacionais de planejamento energético de busca por combustíveis de origem não fóssil e renovável. 
  • O setor de etanol, para a produção dessa energia, utilizou na safra de 2006/2007 mais de 6 milhões de hectares de terras para cultivo de cana-de-açúcar. Por essa ocasião, o Estado São Paulo respondia com 60% da produção nacional de cana-de-açúcar para todas as finalidades e seu cultivo ocupava área equivalente a quase uma vez e meia a área do Estado de Sergipe. 
São grandes e quase certas as projeções que têm sido feitas para as necessidades de crescimento da produção de cana-de-açúcar como matéria-prima para a fabricação de açúcar e etanol combustível. Decorrem de uma série de fatos favoráveis, citando-se entre outros: 
  • Demanda de etanol combustível para consumo em veículos “flex fuel”: estima-se que nos próximos anos continue entrando no mercado pelo menos 1 milhão de veículos por ano, demandando 1,5 bilhões de litros de álcool hidratado no consumo anual; 
  • Aumento do consumo de combustíveis no mercado interno devido ao crescimento estável da economia; 
  • Liberação de mercados externos para o etanol e aumento da demanda externa no mercado de açúcar e aportes financeiros nacionais e internacionais nesses setores; 
  • Desenvolvimento da produção de biodiesel com o uso de etanol anidro; 
  • Aumento nas demandas para exportações de etanol combustível para países com políticas e compromissos de diminuição de emissões de gases do efeito estufa e de redução da dependência de petróleo. 
O Plano Nacional de Agroenergia (MAPA, 2005) previu a necessidade de incremento da produção em cerca de 200 milhões de toneladas de cana-de-açúcar para atendimento em 2015 das demandas de açúcar e de etanol combustível – esta estimada em 30 bilhões de litros.O que significa aumentar a produção de cana-de-açúcar em mais de 50% sobre os níveis daquele ano. 
  • Obviamente, toda essa demanda deverá ser atendida com a revitalização e ampliação de agroindústrias de etanol existentes, modernização da agricultura e implantação de novos projetos. Note-se que, dos 40 projetos em fase de implementação, informa o Plano, 25 estavam no Estado de São Paulo que já tem mais da metade de suas áreas de lavoura ocupadas com a cana. Desdenha-se, portanto, um firme crescimento do complexo sucroalcooleiro que definhava nos anos 90. 
Em especial, a necessidade de aumentar a produção de etanol combustível para abastecer os veículos internamente, visando também sua inserção no mundo como bioenergia renovável e alternativa para substituir parte das energias fósseis utilizadas, passa para a pauta do governo como um dos grandes projetos nacionais de desenvolvimento, cuja importância e prioridade para o país são exaltadas constantemente por setores governamentais.

A Agroenergia e a Sustentabilidade

Captação e produção de biogás
Velhas e novas questões: 
  • Essa revigorização ou expansão das atividades e negócios do setor de produção de etanol combustível deve continuar a provocar ou incrementar alterações nas relações econômicas, no modo de apropriação dos territórios, na forma de uso e manejo do solo, que são acompanhadas, via de regra, por confrontos e disputas de interesses entre os grupos sociais locais e regionais. 
Em suma, uma nova instalação ou ampliação desse tipo e porte de agronegócio, conduz a alterações das estruturas ambiental, social e econômica local e regional, que se refletem em uma série de impactos positivos e negativos de intensidade e temporalidade diversas, esses últimos nem sempre sujeitos a mitigações ou compensações que sejam e permaneçam favoráveis ao meio ambiente ou justas a todos os grupos sociais afetados. 
  • A razão é bastante simples: não há uma lógica que determine que todas as ações advindas de grandes projetos privados como este que se apresenta - que visa essencialmente colocar produtos para competir no mercado e maximizar lucros - irão automaticamente contribuir para a satisfação das necessidades atuais da maioria da população envolvida e, ainda, não vão prejudicar a satisfação das necessidades das gerações futuras. 
Alguns setores sociais, assim, vem o projeto com cautela, dando-lhe a devida importância econômica e social, mas lembrando que um verdadeiro projeto nacional deve alicerçar-se em critérios ambientais e sociais claros que, muitas vezes, não atendem aos critérios empresariais econômicos de custo mínimo ou de máxima relação benefício-custo, normalmente impostos para a viabilização de projetos quaisquer (SACHS, 2007).
  • As preocupações são pertinentes, pois, sabe-se que no passado o setor sucroalcooleiro gerou um grave passivo no que diz respeito, por exemplo, ao custo socioambiental desproporcional ao resultado obtido com a utilização dos recursos ambientais (Mata Atlântica) e humanos (vidas escravas) para a produção do açúcar em sistema “plantation” (DEAN, 1996). 
E que, atualmente, em especial no Estado de São Paulo, o potencial de utilização de recursos naturais básicos - o solo, as águas, os recursos florestais, o ar -, encontra-se pressionado ou esgotado pelas atividades inerentes às centenas de unidades do setor de produção de etanol combustível, que detêm em muitas regiões a quase exclusividade na utilização desses recursos, inviabilizando a participação de potenciais usuários, ou submetendo-os às regras draconianas ditadas pelo interesse exclusivo da atividade que envolve maiores rendimentos financeiros. 
  • Há, inclusive, notícias no Estado sobre as más condições de trabalho nas lavouras de cana (TOMAZELA, 2007) e conflitos pela posse de terra, demonstrando que “muitas vezes, a maneira pela qual se procura resolver a questão agrícola pode servir para agravar a questão agrária...” nas palavras de GRAZIANO NETO (1982, p.44).
A concorrência internacional aproveita-se dos fatos e os reforça, pois, é sabido que entre os países não há facilitações para liberação de seus mercados para o mundo globalizado: prevalecem as políticas de protecionismo aos próprios sistemas produtivos nacionais e de denúncias para minar aos alheios, enquanto arrastam-se por anos entre as nações, como é o caso da Rodada Doha promovida pela Organização Mundial do Comércio, as negociações globais de mútuas concessões pacíficas de mercados a produtos. 
  • Para resguardar seus interesses, porta-vozes do setor de produção de etanol combustível nacional, defendem-o genericamente com a apresentação da lógica dos números de ter maior produtividade agrícola por área e menor custo de produção, de possuir áreas disponíveis para expansões e clima adequados para a lavoura, acusando os concorrentes de recebimentos de subsídios – descabidos na relação internacional –, de dependerem do protecionismo agrícola e de, enfim, imporem barreiras tarifárias para importação do etanol para seus países. 
Potenciais investidores, concorrentes e Organizações – não governamentais internacionais (ONGs) juntam-se para cobrar a obrigatoriedade da comprovação da sustentabilidade do sistema de produção do etanol combustível brasileiro, compreendida como um conjunto de fatores que possa garantir não só a qualidade e quantidade à produção que seja demandada, mas também que indique que as atividades da cadeia de produção desse setor estão sendo realizadas com responsabilidade socioambiental. 
  • Interessa-lhes indagar, por exemplo, sob quais condições de trabalho é realizada a produção da cana-de-açúcar, ou se a Floresta Amazônica será devastada por causa dessa produção de etanol, pois, neste caso, o saldo da contabilidade de emissão e sequestro de carbono, mostraria que outras medidas para aplacar o aquecimento global seriam melhores do que a utilização desse biocombustível (BUCKERIDGE, 2007). Tais indagações têm sido interpretadas pelo setor sucroalcooleiro como imposição, também, de barreiras não tarifárias à entrada do etanol combustível nos mercados internacionais.
As questões principais e a reversão para a sustentabilidade:
  • Entende-se que, independente dessa disputa por mercados, no contexto atual em que se apregoam a democracia política sob valores éticos e morais, a preservação dos recursos naturais para as gerações futuras, a liberdade de mercado em que se incriminam monopólios e oligopólios privados e estatais, a equidade de oportunidades para usos dos recursos naturais, não deve haver sequer dúvidas que projetos alçados como de interesse nacional possam conter procedimentos arcaicos e completamente indesejáveis em relação ao meio ambiente e à sociedade que os acolhe. Torna-se urgente a reversão definitiva dessas impressões ou verdades. 
Mesmo partindo-se da hipótese de que do setor de produção de etanol combustível instrumentalizado por suas unidades de produção agroindustrial contribuem, sem dúvida, para um crescimento econômico local, regional e nacional, alerta a Agenda 21 Brasileira (MMA, 2004, p.114) que:
 “...o crescimento econômico é uma condição necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento sustentável, o qual pressupõe um processo de inclusão social com uma vasta gama de oportunidades e opções para as pessoas...”, 
Ou seja, convida à reflexão sobre os impactos de grandes atividades econômicas. 
  • De fato, se não for entendida que as decisões que se tomam no âmbito de projetos privados estão primordialmente direcionadas para viabilizar financeiramente esses projetos, e que suas consequências precisam ser avaliadas pela sociedade, estaremos criando um exemplo local de mito do progresso econômico, parodiando FURTADO (1974), agora na forma de projeto de produção de agroenergia, cuja essência e elementos não precisam ser testados e nem podem ser questionados. 
Se, então, há um convencimento de que é preciso monitorar o setor, uma primeira pergunta que se deve fazer é: em que medida as atividades e negócios relacionadas às unidades agroindustriais de produção de etanol combustível, e o próprio setor que representam, têm um desempenho ou performance sustentável numa determinada região ou bacia, num território, em um Estado ou no País?
  • Pela leitura, tanto do Plano de Agroenergia (MAPA, 2005) quanto dos demais documentos constantes da pesquisa bibliográfica realizada e pelos noticiários da imprensa citados, tem-se nítida percepção das incertezas sobre o desempenho do setor de produção de etanol combustível enquanto vetor diferenciado e prioritário para o desenvolvimento sustentável local e regional. 
Isso se justifica, entre outros motivos, por atividades, práticas e posturas atuais e passadas próprias do setor e de suas unidades, algumas já descritas neste trabalho, em nada condizentes com quaisquer padrões de sustentabilidade que se possam criar, e, também, por que se está lidando com desconhecimentos de consequências ambientais e sociais de médio e longo prazo advindas de grandes intervenções que realizam sobre os sistemas físico, biológico e social. 
  • Também deve-se ressaltar que não há, ainda, pacto ou consenso entre os segmentos sociais envolvidos sobre o significado de sustentabilidade para o setor de etanol combustível e de suas unidades agroindustriais de produção, e que poderia servir como referência para medir e monitorar o desempenho ou a performance sustentável desses empreendimentos no contexto de uma bacia, de um território delimitado, de um Estado, do País ou do planeta. 
Portanto, acrescente-se mais uma questão à anterior que a complementa: como definir sustentabilidade para as agroindústrias de etanol combustível e para o setor que representam? MARZALL E ALMEIDA (2000, p.46) relatam em seu trabalho “O Estado da Arte sobre Indicadores de Sustentabilidade para Agrossistemas”, quando se referem à noção de sustentabilidade, que “o consenso quanto à sua definição dificilmente será alcançado, pois esta é uma ideia que está intrinsecamente ligada às representações sociais e aos interesses de determinados grupos de indivíduos”. 
  • Apesar das lacunas de conhecimentos e visões diferentes sobre essas questões que possam ser colocadas, há também uma absoluta certeza estampada no material consultado: as atividades e negócios desse setor, muitas expressadas por suas unidades agroindustriais de produção, não devem caminhar “per si” para atingir desempenhos sustentáveis em suas dimensões principais ambiental, social e econômica e em sua atuação global. 
Necessitam, portanto, de meios para avaliar e de monitorar sistematicamente o seu desempenho sustentável e, assim, provocar iniciativas para autocorreções ou justificar até intervenções para reorientá-lo enquanto contribuinte do desenvolvimento sustentável. Portanto, este novo ciclo de crescimento da demanda pelo etanol combustível traz duas novidades para o setor produtor de etanol do Brasil: o desafio de consolidar o etanol combustível da cana-de-açúcar no mercado americano e europeu para competir com os lobbies do etanol do milho e da beterraba produzido nessas regiões, e o desafio de mostrar à sociedade brasileira e aos mercados internacionais que esse setor adota e pratica critérios de sustentabilidade ambientais, sociais e econômicos em toda sua cadeia de atividades de produção e negócios. 
  • Como o vencimento do segundo desafio passa necessariamente pela compreensão dos significados de sustentabilidade e de desempenho sustentável específicos para esse setor e para suas unidades produtivas, convém buscar e articular tais elementos que poderiam ser subsidiar a discussão política e os processos decisórios que visariam a sua superação.

A Agroenergia e a Sustentabilidade