sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Recursos Financeiros e do Meio Ambiente

Recursos Financeiros e do Meio Ambiente

  • Depois da secagem, a fibra do coco é transformada em favos verdes em uma fábrica perto de Belém, um novo produto que promete reduzir o consumo de energia nas cidades, além de melhorar o conforto térmico
A racionalidade econômica em sua forma mais palpável de expressão, o padrão de consumo, e seu significado social, inscrito na correlação com bem-estar-social e individual, mas não é apenas no padrão de consumo que a racionalidade econômica expressa sua incompatibilidade com uma sociedade ecologicamente viável. 
  • O contrato social conformado por essa racionalidade impele a sociedade ao cultivo de regras jurídicas, sociais e culturais que incorporam a filosofia utilitarista e imediatista da lógica econômica nos parâmetros de tomadas de decisões e na formação do conhecimento das sociedades modernas. 
Para a teoria econômica, prevalece o pressuposto de que não existem danos sociais ou ecológicos irreparáveis, que não possam ser compensados posteriormente através de um novo preço de produção, que reintegre as "extemalidades". Tudo pode ser mensurado monetariamente, e avaliado através de uma função de "custo-beneficio".
  • No entanto, a revolução tecnológica e científica, conjuntamente com o padrão de expansão econômica da sociedade contemporânea, conferem ao homem um poder infinito. De uma forma, inimaginável há um século atrás, o homem se depara detentor de um poder de destruição incomparável. 
Pela primeira vez o homem se percebe capaz de estancar toda a vida terrestre e a sua própria, enquanto espécie. Todo esse poder lhe confere uma responsabilidade infinita sobre suas decisões e os parâmetros que as guiam. É nesse repensar da sociedade, incentivado pela crise ecológica e pela catástrofe iminente que representa, que surgem as discussões sobre as obrigações sociais e a filosofia política de segurança presentes em nossa sociedade, bem como o embasamento cientificista que os direcionam.
  • François Ewald é um autor que, imbuído dessa preocupação, vai discutir os parâmetros institucionais que orientam as decisões na sociedade contemporânea com a finalidade de jogar um pouco de luz sobre a necessidade de novos parâmetros no contexto atual de incerteza frente ao "nosso futuro comum". 
Ewald ilustra sua discussão através de uma retomada histórica da evolução da filosofia do direito nos séculos XIX e XX, recuperando o contrato social que contextualiza essas relações jurídicas. Dessa maneira, ele consegue apontar para um novo princípio orientador, compatível com uma sociedade que passa a ter percepção de sua fragilidade frente a algumas questões extremamente controvertidas e cercadas de incertezas, que podem significar danos irreversíveis à sociedade corno um todo. 
  • O século XIX é guiado por um paradigma político-jurídico que o autor chama de Paradigma da Responsabilidade, que tem por fundamento a moral e a vontade, numa acepção liberal dos termos; em contraste com o século XX onde prevalece as obrigações e deveres legais, institucionalizadas num Estado forte e intervencionista, embasado num Paradigma da Solidariedade. 
O foco, no entanto, é o novo paradigma que vem se instalando desde o último quartil do século XX, onde se configura a necessidade de um retomo à decisão política soberana, baseada muito mais numa atitude ética e moral, num âmbito coletivo, frente à reavaliação das certezas científicas que imputavam as responsabilidades e direcionavam as ações humanas no paradigma anterior.
  • O século XIX é caracterizado pela filosofia liberal, cuja estrutura teórica torna o indivíduo como a unidade do pensamento e a vontade e virtudes pessoais corno os nexos causais que costuram a vida em sociedade em todas as suas implicações e riscos. O interesse individual, acentuado por uma competição interpessoal, seria o combustível da sociedade capitalista, reconhecida por seu caráter progressista, no sentido de uma elevação constante do padrão de vida e do bem-estar social. 
Sobre essa filosofia o homem é o único responsável por sua sorte, não há espaço para a noção de vítima. O homem, dotado de sua racionalidade, possui a faculdade de antever as consequências de seus atos, baseado em suas experiências anteriores ou nas experiências tidas por seus próximos. Sobre esse paradigma a maior virtude é a previdência. Danos imprevistos são tidos, em primeira instância, como frutos de u,a falta humana, de sua falta de previdência. As regras de convívio social, do bom funcionamento ideal da sociedade, pode ser expresso pelo credo liberal escrito por Adolphe Thiers em 1850, e citado por Ewald em seu texto: 
"Le principe fondamental de toute société, c'est que chaque homme est chargé de pouvoir luimême à ses besoins et à ceux de sa famille, par ses resources acquises ou transrnises. Sans ce principe toute activité cessarait dans une société, car si l'homme pouvait compter sur un autre travail que le sien pour subsister, i1 s'en reposerait volontiers sur autrui de soins et des difficultés de la vi e" (pp.l 00) 

Recursos Financeiros e do Meio Ambiente

  • O século XX assiste ao nascimento de um novo contrato social, baseado em um princípio de solidariedade que enfatiza a responsabilidade social diante desses acontecimentos imprevistos, porém probabilisticamente mensuráveis. Este é o século das ciências sociais, que reconhecem que a compreensão dos fatos sociais não pode ser auferido de forma direta dos atos individuais. É reconhecido que o coletivo possui uma lógica própria e distinta da lógica individual. 
As ciências naturais também assistem a um grande avanço nesse período. A sociedade compartilha da utopia científica de que possui o domínio de si mesma, onde o saber adquire o controle absoluto sobre o poder. É o fim da subjetividade da decisão política.
  • Esse novo paradigma se constrói sobre o reconhecimento de que existe urna recorrência previsível dos acidentes sociais, que podem ser mensurados probabilisticamente, graças aos avanços dos instrumentos científicos que elucidam toda a cadeia causal dos riscos da vida social. Os acidentes passam a ser percebidos como frutos da própria convivência social, não mais como urna falta individual.
A responsabilidade legal e social é reconhecida como uma construção social. O responsável é, simplesmente, aquele que terá de arcar com os prejuízos do acontecimento, por ter sido considerado justo por esta sociedade que assim o fosse. Ao mesmo tempo, a construção de mecanismos soctrus de prevenção e indenização das vicissitudes da vida tenta amenizar a fragilidade do homem, pulverizando os riscos inerentes entre todos os participantes da sociedade. 
  • No último quartil do século XX, entretanto, as limitações do paradigma de solidariedade se tomam cada vez mais visíveis, no que tange ao padrão de ação da sociedade frente às questões que envolvem alto grau de incerteza. A crise ambiental que estamos enfrentando, bem como os vários acidentes sociais marcantes deste século XX, trazem novas questões para a sociedade moderna referente aos parâmetros que guiam suas atitudes e sua lógica de ação. 
O reencontro do homem moderno com a possibilidade, cada vez mais presente, de catástrofes ambientais que, no entanto, imobiliza toda a comunidade científica por conta das grandes controvérsias que envolvem essa problemática, traz consigo a necessidade de um repensar sobre a segurança trazida pela utopia científica. A presença do risco absoluto, representada por uma catástrofe ecológica, envolvendo toda a coletividade, conforma a necessidade de uma atitude de precaução que cerceie as tomadas de decisão. 
  • A precaução que, tomada por princípio, vise um desenvolvimento sustentável da sociedade, que objetive a satisfação das necessidades de desenvolvimento das gerações presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de responder as suas. Dessa maneira, o paradigma de solidariedade em que se baseou todo o século XX necessita um alteração tal em sua natureza, que aprofunde a identificação entre as várias sociedades e, mais que isso, com as sociedades futuras. 
É nesse sentido que autores corno Romeiro (2000) argumentam que somente uma atitude de altruísmo diacrônico e sincrônico da sociedade moderna seria compatível com um novo princípio orientador das ações humanas, com um Princípio de Precaução. Os documentos do encontro mundial do Rio de Janeiro, em 1992, citado por Ewald, definem a precaução como a atitude que consiste
" ... à prévenir les dégradations sérieuses ou irréversibles à environnement par une modification de la production, de la vente ou de l'utilisation de produits, de services ou de types d1activité, et cela selon une approche scientifique et technique. 11 (pp. 11 O).
No entanto, o princípio de precaução não se limita à questão ambiental, mas a qualquer tomada de decisão em situação de incerteza. A incerteza científica e a eventualidade de danos graves e irreversíveis são o contexto de uma atitude de precaução. 
  • Um ambiente de incerteza é diverso de um ambiente de risco porque este último pode ser mensurado, a despeito de não se poder afirmar com certeza sobre sua ocorrência, enquanto sobre um ambiente de incerteza se desconhece tanto os nexos causais que levam à ocorrência, quanto a amplitude e a realidade dos danos consequentes. É nesse ambiente de incerteza, que envolve as questões ambientais mais significativas e de amplitude global, que a Ciência tem falhado em dar respostas satisfatórias. 
Através da análise de Giddens (1991) sobre a formação do conhecimento na sociedade moderna, e a consequente transformação da percepção social do risco, podemos compreender melhor nosso padrão de enfrentamento de questões que envolvem um alto grau de incerteza. 
  • Giddens parte de um conceito de conhecimento reflexivo em seu desenvolvimento teórico, síntese da relação de mútua dependência entre ciência e objeto de estudo. Com um olhar quase antropológico, sua análise nos remete a uma epistemologia da relatividade do conhecimento científico. 
A própria escolha e delimitação do objeto de estudo da ciência é fruto de uma estrutura sócio-cultural vigente. No entanto, o desenvolvimento do estudo desse objeto, por meio dos canais de propagação do conhecimento científico, confere-lhe o poder de mudar a sociedade. Existe, portanto, um efeito de mão-dupla: o objeto de conhecimento, ao mesmo tempo que influencia, é influenciado pelo estado da ciência. 
  • Num mesmo sentido, a tendência contemporânea de compartimentalização da Ciência em ramos de conhecimento cada vez mais específicos (os grandes sistemas abstratos e peritos) traz consigo a perda de uma visão mais geral, por parte da sociedade, do caminho exato e "líquido" do progresso científico. 
Os sistemas peritos possuem um papel fundamental na formação da credibilidade social dos princípios básicos da Ciência, enquanto verdades irrefutáveis sobre as quais são construídas as novas proposições científicas. A compartimentalização do conhecimento acaba por esconder da comunidade leiga as grandes divergências no interior de sua estrutura e, dessa maneira, as incertezas e as vulnerabilidades às falhas aos quais as bases científicas estão submetidas. 
" ... A natureza das instituições modernas está profundamente ligada ao mecanismo de confiança em sistemas abstratos, especialmente confiança em sistemas peritos" (pp. 87) e a " ... fidedignidade conferida pelos atores leigos a esses sistemas peritos não é apenas uma questão - como era normalmente o caso no mundo pré-moderno - de gerar uma sensação de segurança a respeito de um universo de eventos independentemente dado. É uma questão de cálculo de vantagem e risco em circunstâncias onde o conhecimento perito simplesmente não proporciona esse cálculo mas na verdade cria (ou reproduz) o universo de eventos, como resultado da contínua implementação reflexiva desse próprio conhecimento." (pp.88)
Dessa forma, a percepção social do risco, ou da situação de risco, é também fruto da produção do conhecimento dos conceitos, das teorias e das descobertas em nossa sociedade. Longe, portanto, da neutralidade e racionalidade pretendida pela utopia científica da sociedade contemporânea, a Ciência, e a formação do conhecimento em si, são instituições inseridas num contexto sócio-cultural e que evoluem com este contexto. 
  • Quanto às questões que envolvem alto grau de incerteza, Giddens percebe na sociedade contemporânea um padrão de reação que, em conformidade com a racionalidade empiricista da Ciência "moderna", tenta esconder a fragilidade humana diante dos acontecimentos que colocam em risco sua existência enquanto espécie. 
No tratar de questões que envolvem baixa probabilidade e riscos de graves consequências, a reação do homem parece ser o despertar de um senso de fortuna e destino próximo à perspectiva pré-moderna, que acaba por levá-lo à inação diante do controvertido, dentro de seu padrão científico. 

Nas palavras do autor:
"Um senso de "destino", de tonalidade positiva ou negativa- uma vaga e generalizada sensação de confiança em eventos distantes sobre os quais não se tem controle - alivia o indivíduo do fardo do engajamento numa situação existencial que poderia de outra forma ser cronicamente perturbadora. O destino, uma sensação de que as coisas vão seguir, de qualquer forma, seu próprio curso, reaparece assim no centro de um mundo que se supunha estivesse assumindo controle racional de suas próprias questões." {pp. 134) ...
"Quanto maior for o perigo, mensurado não em termos de probabilidade de ocorrência mas em termos de sua ameaça generalizada à vida humana, mais inteiramente confratual ele é. Os riscos envolvidos são necessariamente "irreais", porque só poderíamos ter clara demonstração deles se ocorressem eventos que não são demasiado terríveis de contemplar" (pp. 135).
Confirmando esse fenômeno, presenciamos modernamente uma acentuação da incerteza devida a grande velocidade com que a Ciência tem trocado de paradigma. Presenciamos uma Ciência que passa a se interrogar menos pelos saberes que ela propõe que pelas dúvidas que ela insinua. Nesse ambiente contraditório em que convivem uma utopia cientificista, que pretende um domínio e controle de si mesma e da sociedade, e as constantes controvérsias sobre os princípios científicos, acentua-se a necessidade e a tendência ao retomo da decisão política soberana no direcionamento das ações humanas cercadas de alto grau de incerteza quanto à suas consequências Sociais. 
  • O reencontro com o irreparável faz surgir uma nova noção de responsabilidade que se baseia menos na determinação de quem deve suportar os danos sofridos ou a indenização a proceder, que o julgamento do posicionamento pré-fato, pré-consciência. 
O Princípio de Precaução viria permear a decisão política, conferindo-lhe uma ética de ação. Nas palavras de Romeiro (2000): 
"The precautionary principie emerges, thus, out ofthis new context in which scientific uncertainty undennines the solidarity principie based on prevention, transforming the moral of individual providence into an ethic of collective action. The precautionary principie represents an important institutional device for societies to handle with this sort of problems and, specially, with the global environmental ones that have the potencial to cause catastrophic irreversible losses but which, in turn, can not be estirnated in probabilistic tenns. It offers a way to deal with the bargain between real economic costs in the short run and virtual benefits expected from the prevention ofuncertain environmentallosses in the long run." (pp. 15).
Ewald argumenta que o Princípio de Precaução é a consagração da hipótese do pior. As decisões tornadas sobre determinada base de conhecimento teriam de levar em consideração todas as hipóteses sobre os rumos dos resultados dessas decisões. As possibilidades mais remotas e, sobretudo as de consequências mais graves, devem ser seriamente analisadas. Sobre ambientes de incerteza não existem absurdos. Sobre um determinado paradigma científico, o absurdo se configura em qualquer meio de saber que não esteja compreendido em seu interior. 
Dessa maneira, a precaução exige uma democratização científica, através do reconhecimento das opiniões marginais do paradigma científico vigente e maior o acesso da população leiga ao fluxo de informações, incentivando um envolvimento mais ativo na definição da atitude de menor risco. O reconhecimento dessa relatividade do saber significaria uma mudança na imputação da responsabilidade individual e social.
"La science accroit nos pouvoirs et nos capacités sans reduire rincertitude qu'elle génêre. 11 y a un risque nécessaire de l'imprévisible. Dans cette distance retrouvée entre pouvoir et savoir, connaissance et conscience, science et moral e, s'inscrivent la possibilité et la nécessité d'une éthique de la science et naissent ces problêmes de décision et de responsabilité inédits que nous essayons de prendre en compte avec l'hypothese de précaution." (pp. 117, 118) 
No campo do direito, as implicações da hipótese de precaução seria a saída da lógica tradicional do respeito a um saber disponível. Sobre essa lógica tradicional, o sancionarnento segue um princípio de não-retroatividade, o que implica que uma ação só pode ser julgada segundo um parâmetro se ela ocorreu depois da instituição desse parâmetro. 
  • A restauração da dúvida sobre o estado do conhecimento instaurado, exige um outro parâmetro de referência para o direito moderno. As sanções passariam a recair sobre as decisões tornadas através do julgamento do posicionamento anterior à ocorrência do fato. O fato em si deixa, portanto, de ser o objeto de referência e instrumento para as sanções. Corno estamos nos reportando a danos sociais de grande amplitude, a sanção deixa de representar a denominação de quem irá suportar os prejuízos do acidente, que atingem a sociedade como um todo. 
A culpa toma um novo sentido na estrutura do direito moderno, distinto de seu significado na filosofia do século XIX, que passa a estar vinculado a uma atitude de precaução diante do desconhecido, e também do conhecido, num reconhecimento das limitações da visão de um paradigma científico. É o reinado da hipótese do pior no âmbito das questões duvidosas, exigindo um comportamento de abstenção. 
  • Como podemos observar, o Princípio de Precaução se configura como um fator limitante da inovação num quadro de progresso sem ruptura. Se configuraria corno um fator contra-revolucionário se pensarmos nos critérios extremamente complexos que se extrai de seu conceito, critérios esses que balizam o desenvolver das decisões humanas em todo seu âmbito. 
O Princípio de Precaução é um conceito novo no campo das ciências humanas que, como tal, ainda se encontra em fase de conformação de seu significado, gerando muitas discussões teóricas, de extrema importância para sua consolidação enquanto princípio. 
  • Sua característica contra-revolucionária tem sido muito acentuada nas discussões sobre as implicações de sua adoção como parâmetro decisório. Muitos autores argumentam que o risco da precaução é conduzir a uma inação humana que também poderia ser extremamente prejudicial ao desenvolvimento da sociedade.

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