quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O desmatamento na Amazônia Legal

O desmatamento na Amazônia Legal chegou a 402 km² em setembro de 2014 – um aumento de 290% em relação ao mesmo mês do ano anterior, 
quando foram desmatados 103 km².

  • A questão do desmatamento florestal na Amazônia Legal e, em particular, o desmatamento florestal que vem ocorrendo na Amazônia paraense, isto é, no território do Estado do Pará, não pode ser compreendida sem uma discussão sobre essa região como uma nova fronteira importante para o desenvolvimento do capitalismo brasileiro. 
O desmatamento da floresta na fronteira econômica do Estado do Pará está intimamente ligado com o processo de ocupação e de expansão das atividades agropecuária, madeireira e de mineração, mas também com o avanço da agricultura de subsistência itinerante. Nesse contexto, a expansão da fronteira no Brasil é uma consequência da divisão regional do trabalho como decorrência do desenvolvimento capitalista brasileiro.
  • A incorporação de áreas antes inacessíveis ou relativamente despovoadas, como no caso da Amazônia, por atividades agropecuárias é o resultado do avanço da fronteira econômica. No caso da fronteira econômica do Pará, a expansão da atividade agropecuária contou, inicialmente, com o suporte das instituições e organizações regionais criadas pelo governo militar, com destaque para o aparato legislativo contido na chamada Operação Amazônia que deu origem a Amazônia Legal, a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e ao Banco da Amazônia S.A (BASA) como banco público federal responsável pela gestão financeira dos incentivos fiscais. Os incentivos fiscal-financeiros constituíram-se no instrumento mais importante da nova política de ocupação econômica usado pela SUDAM, sendo que a pecuária foi eleita como a principal atividade econômica responsável por ocupar as terras da fronteira do Estado do Pará. Como consequência disso, a política de incentivos fiscais tornou-se a maior fonte de financiamento estimuladora do desmatamento florestal para a formação de pastagens plantadas e criação de gado de corte em regime extensivo. Posteriormente, as críticas contra esse modelo de ocupação, com base na “pata do boi”, tiveram alguma repercussão tanto a nível nacional quanto internacional devido os seus efeitos nefastos provocados pelas queimadas das florestas. 
A política de incentivos fiscal-financeiros, que dava suporte ao financiamento dos projetos agropecuários aprovados pela SUDAM, passou a ser questionada pelos movimentos de defesa do meio ambiente preocupados com os impactos destrutivos dos recursos naturais e meio ambiente natural e social na Amazônia. O agravamento da crise fiscal do Estado brasileiro, durante a década de 1990, acabou levando as mudanças institucionais operadas na lei dos incentivos fiscais que redundou no fim dos incentivos fiscais setoriais e no redirecionamento da política de incentivos fiscais regionais, que daí em diante passou a ser chamada de renúncia fiscal.
  • Mesmo assim, o ritmo do desmatamento florestal na Amazônia paraense na década de 1990 e nos anos que se seguiram não declinou com era esperado pelo governo federal. De fato, o crescente aumento do desmatamento na Amazônia Legal, particularmente na Amazônia paraense, passou a preocupar as instituições governamentais e não governamentais como resultado da conscientização dos impactos negativos provocados pelas queimadas dos recursos naturais e da rica biodiversidade das florestas amazônicas. Por conta disso, o governo do ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso, extinguiu a SUDAM e sua política de incentivos fiscais, porém, ao contrário do esperado, o desmatamento florestal continuou aumentando na fronteira agropecuária do Pará.
A investigação do desmatamento florestal na fronteira paraense requer um tratamento sobre o papel das Instituições em uma fronteira onde a penetração do grande capital ocorre num espaço de conflitos sociais como conseqüência da luta pela terra entre posseiros, grileiros e fazendeiros. Numa economia de fronteira, como no caso da Amazônia paraense, os processos econômicos determinam a forma como os interesses privados se manifestam na busca da riqueza e do lucro. Os interesses privados, às vezes, podem ir de encontro aos interesses da sociedade quando os custos sociais para esta última são demasiadamente elevados. Os desmatamentos florestais à formação de pastagem chegaram ao ponto de chamar a atenção das instituições internacionais, em particular do Banco Mundial, pelas externalidades negativas decorrentes da destruição da biodiversidade. 
  • A escolha do tema por si só se justifica pela possibilidade desta tese contribuir na discussão sobre a dinâmica do desmatamento florestal na Amazônia. Como é reconhecido, o aumento do desmatamento da floresta amazônico nos últimos anos passou a ser um assunto recorrente da mídia nacional e internacional. A pressão não somente dos ambientalistas, mas também da sociedade organizada brasileira contra a destruição da floresta amazônica levou o governo federal a incorporar em sua agenda a questão do desmatamento florestal na Amazônia.
Em resposta a pressão internacional, o governo federal teve que instituir leis, regulamentos e órgãos para dar conta da questão do desmatamento florestal na Amazônia Legal. O governo federal procura enfrentar os problemas de ordem econômica, social ou ambiental por intermédio da criação de instituições regulatórias, pela ação normativa e até mesmo coercitiva executadas pelas instituições públicas que operam as políticas públicas. É exatamente a combinação das ações políticas e econômicas, operadas pelas instituições públicas, que permite a formulação e a execução de políticas públicas dirigidas com o propósito de equacionar os problemas ambientais da agenda governamental.
  • O objeto de estudo desta tese é a Amazônia paraense, ou seja, o correspondente territórial da unidade federada do Pará da República do Brasil. O Estado do Pará possui uma área de 1.247.565 km², ou seja, o equivalente a 14,6% do território brasileiro; e uma população de 7.065.573 habitantes (hab.). Esses dados revelam a importância dessa imensa fronteira agropecuária, que deve ser entendida como sendo um novo território econômico, palco de conflitos sociais que forçam o Estado à criação de instituições com vistas ao estabelecimento das “regras do jogo” necessárias à funcionalidade das instituições privadas. A fronteira é o lócus do descumprimento das leis no âmbito de uma sociedade democrática, isto é, é o lugar onde o aparato normativo e coercitivo do Estado encontra-se ausente ou quando existe estar a serviço do poder da oligarquia agrária.
A tese que se pretende defender aqui é a de que é a expansão da fronteira agropecuária, em particular do avanço da fronteira da pecuária bovina de corte, nas últimas quatro décadas tem sido a principal responsável pelo longo processo histórico de desmatamento e queimada das florestas na Amazônia paraense. Neste sentido, o avanço da fronteira agropecuária trás consigo os reais fatores determinantes do desmatamento, tais como: incentivos fiscais, construção de estradas, deformação da ordem agrária, desempenho da economia, alta dos preços das terras, crédito rural, valorização do rebanho bovino, Instituições, além do aumento da pressão da população de migrantes por terra. 
  • Por isso, o objetivo do tema da presente tese é investigar as causas do desmatamento florestal, como sendo o resultado da expansão da fronteira agropecuária na Amazônia paraense. É evidente que a busca pela identificação e análise das causas primárias do desmatamento florestal no Pará passa necessariamente pelo entendimento do significado teórico de fronteira, enquanto um processo de expansão do mercado doméstico de uma sociedade possuidora de um imenso território ainda não suficientemente ocupado do ponto de vista econômico.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgo a taxa de desmatamento na Amazônia Legal no período de agosto de 2012 a julho de 2013. (2015)

  • A política de ocupação, levada a cabo pelo governo militar, transformou a Amazônia Legal na maior fronteira de ocupação territorial do Brasil. A ocupação econômica reproduziu conflitos em decorrência do encontro conflituoso entre duas frentes de ocupação: a frente de expansão e a frente pioneira. No atual momento, essas duas frentes continuam avançando pelo interior (hinterland) da Amazônia, num cenário de destruição da floresta e de conflitos violentos que tem ocasionado diversos assassinatos de trabalhadores rurais em seu enfrentamento diário na luta pela terra contra o poder das grandes empresas latifundiárias.
Após o golpe de Estado, em 31 de março de 1964, levado a cabo pelos militares, com o apoio da grande burguesia, da oligarquia, da igreja, de parcela da classe média e do imperialismo norte-americano liderado pelas multinacionais e pelos órgãos de segurança do governo dos EUA, instala-se uma ditadura militar a serviço do capital monopolista. A partir daí, não só o aparelho de Estado, mas toda a vida econômica, social, política e cultural do Brasil passam ser amplamente dirigida pela política governamental de suporte a acumulação de capital. 
  • Tratava-se de aumentar o grau de exploração dos trabalhadores com a política do arrocho salarial e de ampla abertura ao capital monopolista estrangeiro. (Ianni, 1979, p. 15-20). A instauração do modelo econômico de capitalismo tardio, dependente e associado ao capital monopolista, exigiu mudanças de natureza institucional que logo vieram com as reformas institucionais, de meados dos anos de 1960, conduzidas pela imaginação reformista da burocracia civil que servia a ditadura militar.
A periodização adotada compreende dois grandes períodos: o primeiro que cobre o todo regime militar de 1967-1985; e o segundo que compreende o novo regime republicano que vai de 1986-2010. O critério adotado à periodização foi o de averiguar as ações do Estado na Amazônia em dois períodos: o primeiro que corresponde à criação da Amazônia Legal e das instituições governamentais promotoras do processo de ocupação e desenvolvimento da fronteira amazônica; e o segundo momento que envolve a criação das instituições ambientais governamentais de combate ao desmatamento e promoção do desenvolvimento sustentável.
  • As ações práticas do governo federal, tendo em vista o papel das instituições no caso do desmatamento florestal da Amazônia, são fatos que necessitam ser apresentados nesta tese buscando realizar uma “ponte” entre o referencial teórico, construído para explicar a expansão da fronteira agropecuária e a dinâmica do desmatamento florestal, a partir de uma perspectiva institucionalista, e os capítulos históricos, além da parte empírica, referente ao Capítulo IV. Neste último capítulo, buscou-se tomar os principais fatores causadores do desmatamento na fronteira amazônica do Pará. O esforço para estabelecer a ligação pretendida é feito na medida em que conceitos analíticos, desenvolvidos no capítulo teórico, são utilizados como suporte na explicação dos fatos históricos e na identificação dos fatores causais responsáveis pelo desmatamento florestal na região. 
Na construção desta tese, repassam-se os fatos históricos mais importantes, resultantes das ações dos governos da ditadura militar, associados direta ou indiretamente a fase pioneira da expansão da fronteira amazônica e, portanto, ao desmatamento da floresta na Amazônia paraense. No período da Nova República, procura-se investigar as ações práticas do governo federal com vistas à criação de novas instituições ordenadoras do processo de ocupação na Amazônia Legal, bem como as políticas públicas adotadas pelos governos que se sucederam, desde o governo Sarney até o governo Lula.
  • Os governos da Nova República acabaram criando um conjunto de instituições ambientais com a responsabilidade de definir um novo regime de governança capaz de proteger a floresta amazônica dos atos humanos que induziam o desmatamento e a destruição dos recursos naturais. Os impactos causados pelo modelo de desenvolvimento na Amazônia, desde a ditadura militar, sobre o meio social (populações locais) e ambiental (biodiversidade), são responsáveis diretos pelo aumento dos conflitos sociais e ambientais.
Para dar conta do processo que envolve a pesquisa sobre a ocupação econômica e demográfica na Amazônia paraense, bem como seus efeitos destruidores sobre a floresta, procurou-se organizar a estrutura da tese em quatro capítulos. O primeiro capítulo discute o significado de fronteira e das frentes pioneiras e de expansão agropecuária na Amazônia, além dos conceitos básicos da teoria institucionalista de forma a demarcar os regimes de propriedade e ambientais que estão associados ao desmatamento florestal. O problema do desmatamento na região amazônica é aqui analisado como uma questão social e ambiental, e não apenas como o resultado da derrubada e queimada das florestas. O segundo capítulo envolve a investigação do papel das instituições criadas no período de ditadura militar que serviram de suporte ao processo de ocupação da fronteira amazônica pelo avanço do setor agropecuário, demonstrando as consequências dessa política ocupação de terras na fronteira do Estado do Pará em termos de desmatamento florestal e de violência social no campo. 
  • No terceiro capítulo, procura-se investigar as mudanças institucionais ocorridas no processo de redemocratização e as ações do governo Sarney para minimizar os conflitos da luta pela terra e as consequências da aplicação de uma política pública de gestão ambiental com o propósito de redução da taxa de desmatamento como consequência dos incentivos fiscais. Também são discutidos os efeitos da suspensão da política de incentivos fiscais sobre o desmatamento da floresta amazônica durante os governos de Collor-Itamar. Na sequência, discutem-se os efeitos da extinção da SUDAM durante o governo FHC sobre o desmatamento florestal, bem como os mecanismos de governança usados pelo governo para conter o desmatamento florestal amazônico. Por fim, são debatidas as ações de política ambiental do governo Lula e as práticas de combate ao desmatamento florestal num contexto da globalização com a Amazônia se tornando uma nova fronteira de commodities.
O quarto capítulo trata das evidências empíricas centradas na econometria espacial, ou seja, procura identificar e analisar os impactos quantitativos dos fatores causais determinantes da taxa de desmatamento florestal paraense, com o propósito de discutir teoricamente e testar empiricamente os principais fatores determinantes do desmatamento florestal, inclusive das instituições, fazendo uso dos métodos de análise espacial e auxílio direto do instrumental estatístico-matemático da econometria espacial.
Desmatamento e queimadas em áreas protegidas no norte do 
Mato Grosso e sul do Pará